Prefácio:
Os espíritas de Belo Horizonte,
dentro das grandes finalidades da doutrina que abraçaram, cogitam da edificação
do “Abrigo Jesus”, que será um pouso tranquilo para a infância desamparada, nas
ruas largas da cidade moderna de Aarão Reis.
Nos amargurados tempos que correm, nenhuma obra existe mais digna de cooperação que a da caridade ativa, irmã de todos os infortunados e de todos os tristes; e só ela no grande edifício da organização social conseguirá manter o equilíbrio e a paz, até que os homens, baseando-se no Evangelho, estejam habilitados a construir sobre o mundo o lar verdadeiramente cristão, entre os sentimentos mais elevados da vida, quando, então, a fraternidade humana florescerá por toda parte, em manifestações espontâneas, dispensando todas as organizações e todos os programas.
Aos espíritas sinceros que
revivem nos corações e nos agrupamentos, as claridades suaves do cristianismo
em sua simplicidade primitiva, punge o espetáculo angustioso das mãozinhas
magras e miúdas que se desdobram pelas praças públicas, escrevendo a história
da mais amargurada indigência. Em todas as cidades, vemo-los ativos,
organizando postos de assistência, fundando escolas, edificando asilos de carinho e de amor, imolando-se pela coletividade. Na
sua compreensão cristã do sofrimento, os seus corações de lutadores conseguiram
apreender as grandes realidades da vida. Simples e humildes, conscientes da proteção da
Providência Divina, não marcham para o campo das reivindicações de ordem
política. Integrados no conhecimento da
necessidade das provas salvadoras, não apregoam recursos extremos, nem rubras
teorias revolucionárias. Multiplica-se no terreno de sua obscuridade,
trabalhando no silêncio e na sombra, longe das vaidades corruptoras do século.
Suas possibilidades materiais são as do seu próprio trabalho construtivo que o Senhor converte em moedas
de luz, no câmbio do céu e, tomados de
fé e de esperança realizam sozinhos, sem os
bafejos oficiais, as obras mais vastas de benemerência, ao mesmo tempo em
que educam os seus irmãos da humanidade,
formando os perídromos da mentalidade cristã, com vistas
ao porvir.
O “Abrigo Jesus” é uma organização dessa natureza. Seus fundadores
são os milionários da esperança e da boa
vontade. Seus esforços se erguem em
súplicas ao Infinito, em preces que voltam
do tesouro celeste, como dádivas de
energia realizadora. Dentro das suas preocupações de beneficência, ouvem aquela
voz suave da Galiléia: - “Deixai vir a mim os pequeninos!” - e, ansiosos,
multiplicam as suas forças na oficina da caridade cristã. Constroem com as
suas abnegações e com as suas
lágrimas, centralizando os seus
interesses, em favor das mais largas afirmações
da doutrina da verdade e da luz sobre a face da Terra.
É pensando nisso, leitor,
que apresento a você este livro. Ele se constitui dos acordes da lira imortal
de quantos atravessaram o Aqueronte da sepultura. Guarde a sua
rimas no coração e não
negue o seu auxílio aos orfãozinhos.
Quero crer que o verso, no
Brasil, nunca interessou o mercado dos
livros. Lembro-me de que, certa vez, a máquina aguardava a composição de minha
crônica sobre a memória de Camões, mas nesse dia, a paixão do verso
empolgava-me o coração de brasileiro. Recordando o esplendor e a mediria da maior figura da língua portuguesa, não
resisti à inspiração do poema que saiu da minha alma, em rimas espontâneas, o ritmo
das lembranças profundas da subconsciência. Precisava, porém, escrever a
crônica. Mas, sem tempo e sem oportunidade, enganei a máquina de
escrever, tentando mistificar o próprio coração. Transformei os versos em prosa
para não escandalizar os consumidores, e a crônica rimada aí ficou nos meus
livros, sem que os editores procurassem
desvalorizar a minha humilde produção.
Narrando o fato, não desejo ofender as grandes entidades que
deixam nestas páginas o traço indiscutível de
sua personalidade sobrevivente. Com
isso, apenas apresento um
subsídio ao estudo do gosto artístico da época.
É por essa
razão que, apresentando a você o volume, quero lembrar-lhe a missão da
caridade cristã nos dias que passam. Sei que o seu coração
vibra na harmonia santificada de
sua luminosa oficina e é considerando essa
verdade que eu lhe peço guardar
as melodias do mundo invisível, em troca
de um pedaço de pão para os que não têm um teto.
Atenda ao meu pedido e
quando descansar os seus olhos sobre o
painel de sentimentos que estas páginas refletem, sentirá o seu espírito que
a mão compassiva e misericordiosa de
Jesus virá, de mansinho, numa onda de claridades e de perfumes, entornar o mel das
suas bênçãos divinas sobre o
mundo das mais sagradas esperanças do seu coração.
Humberto de Campos
(3 de fevereiro de 1938)
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