Lira imortal


Autor espiritual:
Espíritos diversos
Ano: 1938

Prefácio:

Os espíritas de Belo Horizonte, dentro das grandes finalidades da doutrina que abraçaram, cogitam da edificação do “Abrigo Jesus”, que será um pouso tranquilo para a infância desamparada, nas ruas largas da cidade moderna de Aarão Reis.

Nos amargurados tempos  que  correm, nenhuma obra  existe mais digna de cooperação que a da caridade ativa, irmã de todos os infortunados e de todos os tristes; e só ela no grande edifício da organização social conseguirá manter o equilíbrio e a paz, até que  os homens, baseando-se no Evangelho, estejam habilitados a construir sobre o mundo o lar verdadeiramente cristão,  entre  os sentimentos mais elevados da vida, quando, então, a fraternidade humana florescerá por toda parte, em manifestações espontâneas, dispensando todas as organizações e todos os programas.

Aos espíritas sinceros que revivem nos corações e nos agrupamentos, as claridades suaves do cristianismo em sua simplicidade primitiva, punge o espetáculo angustioso das mãozinhas magras e miúdas que se desdobram pelas praças públicas, escrevendo a história da mais amargurada indigência. Em todas as cidades, vemo-los ativos, organizando postos de assistência, fundando escolas, edificando  asilos de carinho e  de amor, imolando-se pela coletividade. Na sua compreensão cristã do sofrimento, os seus corações de lutadores conseguiram apreender as grandes realidades da vida. Simples  e humildes, conscientes da proteção da Providência Divina,  não marcham  para o campo das reivindicações de ordem política. Integrados no conhecimento  da necessidade das provas salvadoras, não apregoam recursos extremos, nem rubras teorias revolucionárias. Multiplica-se no terreno de sua obscuridade, trabalhando no silêncio e na sombra, longe das vaidades corruptoras do século. Suas possibilidades materiais são as do seu próprio trabalho  construtivo que o Senhor converte em moedas de luz, no câmbio do céu e,  tomados de fé e de esperança realizam sozinhos, sem os  bafejos oficiais, as obras mais vastas de benemerência, ao mesmo tempo em que educam  os seus irmãos da humanidade, formando  os  perídromos da mentalidade cristã, com vistas ao porvir.

O “Abrigo Jesus” é uma  organização dessa natureza. Seus fundadores são  os milionários da esperança e da boa vontade. Seus esforços se erguem  em súplicas ao Infinito, em preces que voltam  do  tesouro celeste, como dádivas de energia realizadora. Dentro das suas preocupações de beneficência, ouvem aquela voz suave da Galiléia: - “Deixai vir a mim os pequeninos!” - e, ansiosos, multiplicam as suas forças  na  oficina da caridade cristã. Constroem com as suas abnegações e com  as  suas  lágrimas, centralizando  os seus interesses, em favor das mais largas afirmações  da doutrina da verdade e da luz sobre a face da Terra.

É pensando nisso, leitor, que apresento a você este livro. Ele se constitui dos acordes da  lira imortal  de  quantos atravessaram  o Aqueronte da sepultura. Guarde a  sua  rimas no  coração  e  não negue o seu auxílio aos orfãozinhos.

Quero crer que o verso, no Brasil, nunca  interessou  o mercado dos  livros. Lembro-me de que, certa vez, a máquina aguardava  a composição de  minha  crônica sobre a memória de Camões, mas nesse dia, a paixão do verso empolgava-me o coração de brasileiro. Recordando o esplendor e a mediria  da maior figura da língua portuguesa,  não  resisti à inspiração do poema que saiu da minha alma, em  rimas espontâneas, o   ritmo  das lembranças profundas da subconsciência. Precisava, porém, escrever a crônica. Mas, sem tempo  e  sem oportunidade, enganei a máquina de escrever, tentando mistificar o próprio coração. Transformei os versos em prosa para não escandalizar os consumidores, e a crônica rimada aí ficou nos meus livros, sem que os  editores procurassem desvalorizar a minha humilde produção.

Narrando o fato, não  desejo ofender as grandes entidades que deixam nestas páginas o traço indiscutível de  sua personalidade sobrevivente. Com  isso, apenas apresento um  subsídio  ao estudo  do gosto artístico da época.

É por  essa  razão  que, apresentando a  você o volume, quero lembrar-lhe a missão da caridade cristã nos dias que passam. Sei que o seu  coração  vibra na  harmonia santificada de sua luminosa oficina e é considerando essa  verdade que eu lhe  peço guardar as melodias do  mundo invisível, em troca de um pedaço  de  pão para os que não têm um teto.

Atenda ao meu pedido e quando descansar os  seus olhos sobre o painel de  sentimentos que estas  páginas refletem, sentirá o seu espírito que a mão compassiva e  misericordiosa de Jesus virá, de mansinho, numa onda de claridades e  de perfumes, entornar o  mel das  suas bênçãos divinas sobre o  mundo das mais sagradas esperanças do seu coração.

Humberto de Campos

(3 de fevereiro de 1938) 

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