Autor espiritual: Irmão X
Ano:
1945
Prefácio:
Conta-se que Lázaro de
Betânia, depois de abandonar o sepulcro, experimentou, certo dia, fortes
saudades do Templo, tornando ao santuário de Jerusalém para o culto da
gentileza e da camaradagem, embora estivesse de coração renovado, distante das
tricas infindáveis do sacerdócio.
Penetrando o átrio, porém,
reconheceu a hostilidade geral.
Abiud e Efraim, fariseus
rigoristas, miraram-no com desdém e clamaram:
É morto! É morto! Voltou do
túmulo, insultando a Lei! . . .
Ambos os representantes do farisaísmo teocrático demandaram os lugares sagrados, onde se venerava o Santo dos Santos, num deslumbramento de ouro e prata, marfim e madeiras preciosas tecidas raros e perfumes orientais, espalhando a notícia. Lázaro de Betânia, o morto que regressara da cova, zombando da Lei e dos Profetas, trazia, ali, afrontosa presença aos pais da raça.
Foi o bastante para
revolucionar fileiras compactas de adoradores, que oravam e sacrificavam,
supondo-se nas boas graças do Altíssimo.
Escribas acorreram
apressados, pronunciando longos e complicados discursos; sacerdotes vieram,
furiosos e rígidos, lançando maldições, e aprendizes dos mistérios, com zelo
vestalino, chegaram, de punhos cerrados, expulsando o irreverente.
- Fora! Fora!
- Vai para os infernos, os
mortos não falam! . . .
- Feiticeiro, a Lei te
condena!
Lázaro contemplava o quadro,
surpreendido. Observava amigos da infância vociferando anátemas, escribas que
ele admirava com sincero apreço, vomitando palavras injuriosas.
Os companheiros irados
passaram da palavra à ação. Saraivadas de pedras começaram a cair em derredor
do redivivo, e, não contente com isso, o arguto Absalão, velha raposa da
casuística, segurou-o pela túnica, propondo-se encaminhá-lo aos juízes do
Sinédrio para sentença condenatória, depois de inquérito humilhante.
O irmão de Marta e Maria,
contudo, fixou nos circunstantes o olhar firme e lúcido e bradou sem ódio:
Fariseus, escribas,
sacerdotes, adoradores da Lei e filhos de Israel: aquele que me deu a vida tem
suficiente poder para dar-vos a morte!
Estupor e silêncio
seguiram-lhe a palavra.
O ressuscitado de Betânia
desprendeu-se das mãos desrespeitosas que o retinham, recompôs a vestimenta e
tomou o caminho da residência humilde de Simão Pedro, onde os novos irmãos
comungavam no amor fraternal e na fé viva.
Lázaro, então, sentiu-se
reconfortado, feliz. .
No recinto singelo, de
paredes nuas e cobertura tosca, não se viam alfaias do Indostão, nem vasos do Egito,
nem preciosidades da Fenícia, nem custosos tapetes da Pérsia, mas ali
palpitava, sem as dúvidas da Ciência e sem os convencionalismos da seita, entre
corações fervorosos e simples, o pensamento vivo de Jesus-Cristo, que renovaria
o mundo inteiro, desde a teologia sectária de Jerusalém ao absolutismo político
do Império Romano.
Irmão X
(Pedro Leopoldo, 22 de dezembro de 1945)
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