Autor espiritual: André Luiz
Ano:
1946
Prefácio:
Rasgando Véus
O homem moderno, pesquisador
da estratosfera e do subsolo, esbarra, ante os pórticos só sepulcro, com a
mesma aflição dos egípcios, dos gregos e dos romanos de épocas recuadas. Os
séculos que varreram civilizações e refundiram povos, não transformaram a
misteriosa fisionomia da sepultura.
Milenário ponto de interrogação, a morte continua ferindo sentimentos e
torturando inteligências.
Em todas as escolas
religiosas, a Teologia, representando as diretrizes de patriarcas veneráveis da
fé, procura controlar o campo emotivo dos crentes, acomodando aos interesses
imediatistas da alma encarnada. Para isso, criou regiões definidas tentando padronizar
as determinações de Deus pelos decretos dos reis medievais, lavrados à base de
audaciosa ingenuidade.
Indubitavelmente, províncias de angústia punitiva e dor reparadora existem nas mais variadas dimensões do Universo, assim como vibram consciências escuras e terríveis nos múltiplos estados sociais; no entanto, o serviço teológico, nesse sentido, não obstante respeitável, atento ao dogmatismo tradicional e aos interesses do sacerdócio, estabelece o "non plus ultra", que não atende às exigências do cérebro, nem aos anseios do coração.
Como transferir
imediatamente para o inferno a mísera criatura que se emaranhou no mal por
simples influência da ignorância? Que se dará, em nome da Sabedoria Divina, ao
homem primitivo, sedento de dominação e de caça? A maldição ou o alfabeto? Por
que processo conduzir ao abismo tenebroso o espírito menos feliz, que apenas
obteve, contacto com a verdade, no justo momento de abandonar o corpo? Dentro
das mesmas razões, como promover ao céu, em caráter definitivo, o discípulo do
bem, que apenas se iniciou na prática da virtude? Que gênero de tarefa
caracterizará o movimento das almas redimidas, na Corte Celestial?
Formar-se-iam apóstolos tão só para a aposentadoria compulsória? Como haver-se,
no paraíso, o pai carinhoso cujos filhos fossem entregues a Satã? Que alegria
se reservará à esposa dedicada e fiel, que tem o esposo nas chamas
consumidoras? Estaria a Autoridade Divina, perfeita e ilimitada, tão pobre de
recursos, a ponto de impedir, além do plano carnal, o benefício da cooperação
legítima, que as autoridades falíveis e deficientes do mundo incentivam e
protegem? Negar-se-iam possibilidades de evolução aos que atravessam a porta do
sepulcro, em plena vida maior, quando na esfera terrestre, sob limitações de
vária ordem, há caminhos evolutivos para todas as formas e todos os seres? A
palavra "trabalho" seria desconhecida nos céus, quando a Natureza
terrena reparte missões claras de serviço, com todas as criaturas da Crosta
Planetária, desde o verme até o homem? Como justificar um inferno onde as almas
gemessem distantes de qualquer esperança, quando, entre os homens imperfeitos,
ao influxo renovador do Evangelho de Jesus Cristo, as penitenciárias são hoje
grandes escolas de regeneração e cura psíquica? E por que meios admitir um céu,
onde o egoísmo recebesse consagração absoluta, no gozo infinito dos
contemplados pela graça, sem nenhuma compaixão pelos deserdados do favor, que
caíram, ingênuos, nas armadilhas do sofrimento, se, entre as mais remotas
coletividades de obscuras zonas carnais, se arregimentam legiões de assistência
fraterna amparando ignorantes e infelizes?
São interrogações oportunas
para os teólogos sinceros da atualidade. Não, contudo, para os que tentam
conjugar esforços na solução do grande e indevassado problema da Humanidade.
O Espiritismo começou o
inapreciável trabalho de positivar a continuação da vida além da morte,
fenômeno natural do caminho de ascensão. Esferas múltiplas de atividade
espiritual interpenetram-se nos diversos setores da existência. A morte não
extingue a colaboração amiga, o amparo mútuo, a intercessão confortadora, o
serviço evolutivo. As dimensões vibratórias do Universo são infinitas, como
infinitos são os mundos que povoam a Imensidade.
Ninguém morre. O
aperfeiçoamento prossegue em toda parte.
A vida renova, purifica e
eleva os quadros múltiplos de seus servidores, conduzindo-os vitoriosos e bela,
à União Suprema com a Divindade.
Apresentando o novo
trabalho, em que André Luiz comparece rasgando véus, lembramo-nos de que Allan
Kardec, o inesquecível codificador, refere-se várias vezes, em sua obra, a
erraticidade, onde estaciona considerável número de criaturas humanas
desencarnadas. Acresce notar, todavia, que transferir-se alguém da esfera
carnal para a erraticidade não significa ausentar-se da iniciativa ou da
responsabilidade, nem vaguear em turbilhão aéreo, sem diretivas essenciais. No
mesmo critério, observaríamos os que renascem no plano denso como pessoas
transferidas da vida espiritual à materialidade, não simbolizando semelhante
figura qualquer imersão inconsciente e estúpida nas correntes canais. Como
acontece aos que chegam à Crosta Terrestre, os que saem dela encontram
igualmente sociedades e instituições, templos e lares, onde o progresso
continua para o Alto.
No limiar desse livro,
portanto, cumpre-nos declarar que André Luiz procurou fornecer algumas notícias
das zonas de erraticidade que envolvem a crosta do mundo, em todas as direções,
comentando os quadros emocionais que se transportam do ambiente obscuro para as
esferas imediatas às cogitações e paixões humanas; mais uma vez, esclarece que
a morte é campo de sequencia, sem ser fonte milagreira, que aqui ou além o
homem é fruto de si mesmo, e que as leis divinas são eternas organizações de
justiça e ordem, equilíbrio e evolução.
Naturalmente, a estranheza
visitará os companheiros menos avisados e o sorriso irônico surgirá, sem
dúvida, na boca, quase sempre brilhante, dos impertinentes incorrigíveis. Não
importa, porém. Jesus, que é o Cristo de Deus, recebeu manifestações de
sarcasmo da ignorância e da leviandade... Por que motivo, nós outros, simples
cooperadores de "outro mundo", teríamos de ser intangíveis?
Prossigamos, pois, no
serviço da verdade e do bem, cheios de otimismo e bom ânimo, a caminho de
Jesus, com Jesus.
Emmanuel
(Pedro Leopoldo, 25 de março de 1946)
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