Autor espiritual: Casimiro Cunha
Ano:
1944
Prefácio:
Velhas recordações
Quem poderá deter as velhas
recordações que iluminam os caminhos da eternidade?
Lembramo-nos de Alcione,
desde os dias de sua infância. Muitas vezes a vi, com o Padre Damião, num velho
adro de Espanha, passeando ao pôr do Sol.
Não raro, levantava o
semblante infantil para o céu e perguntava, atenciosa:
Padre Damiano, quem terá
feito as nuvens, que parecem flores grandes e pesadas, que nunca chegam a cair
no chão?
Deus - minha filha - dizia o sacerdote.
Mas, como se no coração
pequenino não devesse existir esquecimento das coisas simples e humildes,
voltava ela a interrogar:
E as pedras? - quem teria
criado as pedras que seguram o chão?
Foi Deus também.
Então, após meditar de olho
mergulhados no grande crepúsculo, a pequenina exclamava:
Ah! como Deus é bom !
Ninguém ficou esquecido!
E era de ver-se sua bondade
singular, o interesse pelo dever cumprido, dedicação à verdade e ao bem.
Cedo compreendi que a
família afetuosa de Ávila se constituía de amizades vigorosas, cujas origens se
perdiam no tempo.
Os anos - minutos do relógio
da eternidade - correram sempre movimentados e cheios de amor. A criança de
outros tempos tornar-se-á benfeitora cheia de sabedoria. Sua vida não
representava um feixe de atos comuns, mas um testemunho permanente de sacrifícios
santificantes. Desde a primeira juventude, Alcione transformar-se-á em centro
de afeições, em fonte de luz viva, onde se podiam vislumbrar as claridades
augustas do Céu. Sua conduta, na alegria e na dor, na facilidade e no
obstáculo, era um ensinamento generoso, em todas as circunstâncias.
Creio mesmo que ela nunca
satisfez a um desejo próprio, mas nunca foi encontrada em desatenção aos
designas de Deus. Jamais a vi preocupada com a felicidade pessoal; entretanto,
interessava-se com ardor pela paz e pelo bem de todos. Demonstrava cuidado
singular em subtrair, aos olhos alheios, seus gestos de perfeição espiritual,
porém queria sempre revelar as ideias nobres de quantos a rodeavam. a fim de os
ver amados, otimistas, felizes.
Minhas experiências rolaram
devagarzinho para os arcanos do Tempo, a morte do corpo arrastou-me a novos
caminhos e, no entanto, jamais pude esquecer a meiga figura de anjo, em
trânsito pela Terra.
Mais tarde, pude beijar-lhe
os pés e compreender-lhe a história divina. O resultado desse conhecimento
vibra esforço singelo, que não tem pretensões a obra literária.
Este é um livro de
sentimentos, para quem aprecie a experiência humana através do coração. Em
particular, falará a todos os que se encontrem encarcerados, sentenciados,
esquecidos daquele amor que cobre a multidão dos pecados, consoante os
ensinamentos de Jesus. A maioria dos aprendizes do Evangelho deixa-se tomar, em
sentido absoluto, pelas ideias de resgate escabroso, de olho por olho, ou,
então, pela preocupação de recompensa na Terra ou no Céu. Aqui, comenta-se
reencarnações criminosas; ali, espera-se tão sós prantos amargos; além, existem
corações anelantes de remansado e ocioso poliu. A esperança e a
responsabilidade se não possam negar o caráter incorruptível da Justiça, porém,
não se deverá esquecer o otimismo, a confiança, a dedicação e todas as energias
que o amor procura despertar no âmago das consciências.
Para as almas sinceras, que
ainda solucem nos laços do desânimo e desalento, a história de Alcione é um
bálsamo reconfortado. Naturalmente que ela própria, qual amorosa visão da
Espiritualidade eterna, emergirá das páginas das páginas luminosas da sua
experiência, perguntando ao leitor que se sinta oprimido e exausto:
Por que reténs a noção dos
castigos implacáveis, quando Nosso Pai nos oferece o manancial inexaurível do
seu amor? Por que atribuis tamanha importância ao sofrimento? Levanta-te!
Esqueceste Jesus? Já que o Mestre padeceu por todos, sem culpa, onde estás que
não sentes prazer em trabalhar, de qualquer forma, por amor ao seu nome?
A psicologia de Alcione é
bem mais complexa do que se possa imaginar ao primeiro exame. Na grandeza da
sua dedicação, vemos o amor renunciando à glória da luz, a fim de se mergulhar
no mundo da morte. Com seu gesto divino, a Terra não é apenas um lugar de
expiação destinado a exílio amargurou, mas também, uma escola sublime, digna de
ser visitada pelos gênios celestes. Dentro dos horizontes do Planeta, ainda
vigem as sombras, a ,oferte, a lágrima... Isso é incontestável. Mas, quem seguir
nas estradas que Alcione trilhou, converterão todo esse patrimônio em tesouros
opens para a vida imortal.
Aqui, pois, oferecemos-te,
leitor amigo, tão velhas recordações.
Crê, no entanto, que, por
velhas, não são menos preciosas. São heranças sagradas do escrínio do coração, joias
de subido valor que espalharemos a esmo, recordando que,, se muita gente
presume haver alcançado os êxitos retumbantes e a felicidade ilusória no campo
vasto do mundo, em verdade ainda não aprendeu nem mesmo a estabelecer a vitória
da paz, na experiência sagrada que se verifica entre as paredes de um lar.
Emmanuel
(Pedro Leopoldo, 11 de janeiro de 1942)
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