Marco Túlio Cícero (106- -43
a.C), memorável filósofo e escritor latino da Antiguidade, definiu Sociedade como “o campo de relações
intersubjetivas, ou seja, das relações humanas de comunicação”,1 condição
que abrangeria: “a) a totalidade dos indivíduos entre os quais ocorrem essas
relações [...]; b) um grupo de indivíduos entre os quais essas relações ocorrem
em alguma forma condicionada ou determinada”.1 Este conceito foi considerado
muito adiantado para a época, principalmente porque separa os aspectos estatal
e social, até então mantidos unidos pelos escritores gregos clássicos.1
Ao demonstrar que a sociedade é independente do Estado, da sua organização
política, Cícero conclui em sua obra De finibus
honorum et malorum, IV, 2, 4: “Nascemos para a agregação dos homens e para
a Sociedade e a comunidade do gênero humano”.2 Origina daí o
conceito universalmente aceito de Sociedade como o “agrupamento de seres que
convivem em estado gregário e em colaboração mútua”.3
Para o Espiritismo, “Deus
fez o homem para viver em sociedade. Não lhe deu inutilmente a palavra e todas
as outras faculdades necessárias à vida de relação”.4 Considerada
lei natural, a vida em sociedade é imprescindível ao progresso intelectual e
moral:
O
homem deve progredir. Sozinho, isto não lhe é possível, por não dispor de todas
as faculdades; falta-lhe o contato com os outros homens. No isolamento ele se
embrutece e definha.5
Allan Kardec considera
também que nenhum “homem dispõe de faculdades completas. Mediante a união
social eles se completam mutuamente, para assegurarem o seu bem-estar e
progredirem. É por isso que, precisando uns dos outros, os homens foram feitos
para viver em sociedade e não isolados”.6
É consenso científico que a sociedade humana evolui de forma gradual, tendo como ponto de partida o momento em que os primitivos habitantes do Planeta formaram os primeiros agrupamentos nas cavernas. Com o passar das eras, o contato social conduziu à organização de tribos ou clãs que, ao se entrelaçarem, formaram cidades e nações, viabilizadas pelo processo civilizatório. Assim organizada, a sociedade adquiriu o título de civilização e os seus membros o status de povo civilizado. Segundo a Filosofia e a Ciência, a civilização resulta da aquisição do conhecimento, isto é,“ato ou efeito da capacidade humana de apreender intelectualmente ou por efeito da experiência”.7
Com a Doutrina Espírita,
entendemos que o conhecimento é acumulado pelo Espírito nas sucessivas
reencarnações e nos estágios no plano espiritual. Governado pela Lei do
Progresso, sai do primitivo estado de ignorância ou de natureza, desenvolve
marcha ascensional até alcançar os píncaros da evolução em cada mundo por onde
transita. O estado de natureza é definido como
[...] a infância da
Humanidade e o ponto de partida do seu desenvolvimento intelectual e moral.
Sendo o homem perfectível e trazendo em si o gérmen do seu aperfeiçoamento, não
foi destinado a viver perpetuamente no estado de natureza, como não foi destinado
a viver eternamente na infância. O estado de natureza é transitório e o homem
dele sai em razão do progresso da civilização. [...]8
A história da civilização
humana assinala marcos evolutivos, didaticamente denominados:9 Pré-
-História – surgimento do homem na Terra até 4000 a.C., cujas características
dominantes são intenso nomadismo, atividades de caça e pesca, início da
agricultura e da pecuária, surgimento da escrita na Mesopotâmia e delineamento
das primeiras cidades.Idade Antiga ou Antiguidade – de 4000 a.C. a 476 d.C.,
com a queda do Império Romano no Ocidente. É a época do florescimento das
grandes civilizações (egípcia, palestina, mesopotâmica, iraniana, fenícia e as
clássicas greco-romanas). Idade Média – de 476 a 1453, com a tomada de Constantinopla
pelos turcos e ascensão do Império Otomano. O feudalismo (organização social e
política fundamentada na relação contratual servo-senhor) define o período,
assim como a agricultura de subsistência, o trabalho servil, a ausência de
moeda e do comércio com predomínio do sistema de trocas (escambo). No final da
Idade Média e início da Moderna surge um período especial, muito fértil no
campo do conhecimento humano, denominado Renascimento.Idade Moderna – 1453 a
1789, ano da Revolução Francesa.
A invenção da imprensa, os
descobrimentos marítimos e o surgimento do capitalismo são os acontecimentos
relevantes. Idade Contemporânea – de 1789 aos dias atuais. Configurada por
acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, conflitos armados de
grandes proporções e globalização da economia e do poder.
Ainda
que em todos os tempos e lugares sempre tenham ocorrido mudanças, as chamadas
sociedades tradicionais fixaram hábitos mais duradouros que ordenavam a vida de
forma padronizada, com estilos de vida mais resistentes a alterações, sempre
introduzidas de maneira gradativa. No entanto, no final do segundo milênio
podemos falar em mudança de paradigma, porque os parâmetros que vinham
orientando nossa forma de pensar, valorar e agir desde o Renascimento e Idade Moderna
entraram em crise, e muito rapidamente. Estamos vivendo a era da sociedade de
informação, gestada pelas grandes descobertas tecnológicas no campo da
automação, robótica e microeletrônica, que transformaram de maneira radical
todos os setores de nossas vidas: a influência da mídia e da informática
acelerou o processo de globalização, a partir de uma rede de comunicação que
nos coloca em contato com qualquer lugar do mundo.10
Em razão do significativo
progresso intelectual, não restam dúvidas de que uma nova sociedade se desenha
no cenário evolutivo da Humanidade, ainda que esta se revele crônica e
moralmente enferma. Esta é a principal razão de surgirem, por toda parte, os
mais diferentes tipos de conflitos existenciais. Kardec afirma, então:
A
época atual é de transição; os elementos das duas gerações se confundem.
Colocados no ponto intermediário, assistimos à partida de uma e à chegada de
outra, já se assinalando cada uma, no mundo, pelas características que lhes são
peculiares.11
O
período de transição, e o que imediatamente se lhe segue,
denominado período de regeneração, não são desconhecidos do estudioso espírita,
pois foram anunciados por Jesus, no seu Evangelho, sob o título Sermão
Profético ou Discurso Escatológico, descrito por Mateus (24:1-28); Marcos
(13:1-23) e Lucas (21:5-24).
Segundo historiadores e
cientistas sociais, a transição ficou nitidamente definida a partir dos “anos
1960 e meados da década de 1970, na coincidência histórica de três processos
independentes: revolução da tecnologia da informação, crise econômica do
capitalismo e do estatismo e a consequente reestruturação de ambos; e o apogeu
de movimentos sociais culturais, tais como libertarismo, direitos humanos,
feminismo e ambientalismo. A interação entre esses processos e as reações por
eles desencadeadas fizeram surgir uma nova estrutura social dominante, a
sociedade em rede”.12
No meio espírita,
especula-se que a transição teria iniciado com o advento do Consolador
Prometido por Jesus, coincidente com a publicação de O Livro dos Espíritos. Todavia, independentemente de quando a
transição iniciou, merece destacar que os conflitos presentes na era da
transição afetam, de frente, a organização familiar e a educação dos filhos,
exigindo-se dos genitores e dos educadores cuidados mais intensos, no lar e na
escola, a fim de que as provações e desafios não desestruturem a família e, por
tabela, a sociedade. É prioritário, pois, investir na educação moral das novas
gerações com o mesmo empenho que já se dá à sua instrução.
Até
aqui, a Humanidade tem realizado incontestáveis progressos. Os homens, com a
sua inteligência, chegaram a resultados que jamais haviam alcançado, sob o
ponto de vista das ciências, das artes e do bem-estar material. Resta-lhes,
ainda, um imenso progresso a realizar: fazerem que reinem entre si a caridade,
a fraternidade e a solidariedade, que lhes assegurem o bem-estar moral. Não
poderiam consegui-lo nem com as suas crenças, nem com as suas instituições
antiquadas, resquícios de outra idade, boas para certa época, suficientes para
um estado transitório, mas que, havendo dado tudo que comportavam, hoje seriam
um entrave. O homem já não necessita somente de desenvolver a inteligência, mas
de elevar o sentimento; para isso, faz-se preciso destruir tudo o que superexcite
nele o egoísmo e o orgulho. [...]13
Referências:
1 ABBAGNANO, Nicola.
Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Castillo Benedetti. 4. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 912.
2 ______. ______. p. 913.
3 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro
de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
2009. p. 176.
4 KARDEC, Allan. O livro dos
espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB,
2011. Q. 766.
5 ______. ______. Q. 768.
6 ______. ______. Comentário
de Kardec à q. 768.
7 ABBAGNANO, Nicola.
Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Castillo Benedetti. 4. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 624-630.
8 KARDEC, Allan. O livro dos
espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB,
2011. Comentário de Kardec à q. 776.
9 PERIODIZAÇÃO DA HISTÓRIA.
Disponível em: .
10 ARANHA, Maria Lúcia de
Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – introdução à filosofia. 3.
ed. São Paulo: Moderna, 2003. Cap. 1, p. 26.
11 KARDEC, Allan. A gênese.
Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 18, it.
28, p. 545.
12 ARANHA, Maria Lúcia de
Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – introdução à filosofia. 3.
ed. São Paulo: Moderna, 2003. Cap. 1, p. 27.
13 KARDEC, Allan. A gênese.
Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 18, it.
5, p. 516.
Fonte: Reformador, ano 129,
nº 2.195, fevereiro 2012, por Marta Antunes Moura (e-book).
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