A cura de um paralítico
(Marcos,
2:1-12; Lucas, 5:17-26)
1.
Tendo tomado de novo a barca, Jesus tornou a atravessar o lago e veio à sua
cidade. 2. E eis que lhe apresentaram um paralítico deitado no seu leito.
Jesus, vendo-lhe a fé, disse ao paralítico: Filho, tem confiança; teus pecados
te são perdoados. 3. Logo alguns escribas disseram entre si: Este homem
blasfema. 4. Jesus, lendo-lhes o pensamento, disse: Por que abrigais maus
pensamentos nos vossos corações? 5. Que é o que será mais fácil dizer: Perdoados
te são os teus pecados”, ou dizer: “Levanta-te e anda”? 6. Ora, para que
saibais que o filho do homem tem na Terra o poder de remir os pecados, “levanta-te”,
diz Ele ao paralítico, “toma o teu leito e volta para tua casa”. 7.
Imediatamente o paralítico se levantou e voltou para casa. 8. Vendo isso, a
multidão, tomada de espanto, rendeu graças a Deus, que deu aos homens tal
poder.
Jesus curou o paralítico
pelo mesmo meio de que se serviu para operar as outras curas de que já temos
tratado pela ação magnética, desenvolvida sob o influxo da sua poderosa
vontade.
Como as demais, também essa
cura foi qualificada de milagrosa, foi considerada um milagre pela multidão,
pelos escribas e pelos fariseus.
Semelhantes fatos se acham
ao alcance de todos os Espíritos que já chegaram à perfeição moral e que,
conseguintemente, já realizaram imenso progresso intelectual, nada têm de
maravilhosos, são, ao contrário, absolutamente naturais.
Os fariseus e os escribas se
escandalizaram e o consideraram um blasfemo, por haver dito ao paralítico, ao
lhe efetuar a cura Teus pecados te são perdoados, entendendo que o divino
Mestre se arrogava um privilégio da Divindade. Jesus, que lhes lia os
pensamentos, observou-lhes que, para o efeito objetivado, tanto fazia que
dissesse o que havia dito, como dizer ao doente: Levanta-te e anda.
Dois ensinamentos da mais
alta importância aqui se encerram, que merecem ser assinalados.
Tendo declarado, por mais de uma vez, que não viera julgar o mundo, que não julgava a ninguém, que só Deus julga, Jesus, quando proferiu a primeira daquelas frases, evidentemente não o fez desempenhando uma função que lhe pertencesse, ou exercendo uma autoridade suprema de que se achasse investido, pois que somente no caso de lhe caber a função de “Juiz”, de Julgador, com competência para condenar, lhe caberia a de perdoar. Mas, sendo assim, como de fato era, o declarar Ele abertamente que ao paralítico os pecados lhe eram perdoados equivalia a afirmar que se achava investido de uma missão divina, que estava no mundo como o enviado, o Cristo do Senhor, como o Messias de há muito prometido aos homens, como o Verbo de Deus, visto que lhe exprimia com exatidão os pensamentos e cumpria fielmente os desígnios, estando em união perfeita com o Criador, sendo um com Ele.
Mas, que Espírito encarnado,
por maior que seja a sua elevação, por mais alto que seja o grau de sua pureza,
poderia, ou poderá reconhecer-se, em consciência, e proclamar-se investido de
um mandato dessa natureza, o mais alto que possamos conceber? Nenhum.
Se, portanto, Jesus, em
quem, sem blasfemar, ninguém seria capaz de apontar o mais leve resquício de
orgulho, se reconhecia e proclamava na posse de tão sublimada investidura, é
que não se encontrava na condição de encarnado, não sofria as limitações da
encarnação humana, limitações que, por muito ligeiras que as imaginemos ou
suponhamos, lhe impediriam ter dela consciência e o fariam pô-la em dúvida,
ainda que algum Espírito elevado lhe viesse revelar. E nenhum lhe fez
semelhante revelação, nem pudera fazer, submetidos que todos estavam, como Ele
o demonstrou, à sua superioridade de governador do planeta terreno, de diretor
e protetor da Humanidade a que pertencemos.
Jesus, pois, era sempre,
como consta na Revelação da Revelação, Espírito livre, cônscio da sua perfeição
e do seu mandato, Espírito que, mesmo quando visível aos homens, se encontrava
nas regiões excelsas da mais absoluta pureza, lá onde não podiam ir os que o
acompanhavam e seguiam de coração aberto os seus ensinos: “Procurar-me-eis e
não me achareis e onde eu estou não podeis vir”. (JOÃO, capítulo 7, versículo
34.)
O outro ensinamento decorre
da circunstância de haver Jesus, para curar o paralítico, usado da fórmula:
Teus pecados te são perdoados, por mostrar essa circunstância, claramente, que
a causa da enfermidade daquele homem eram os seus pecados, donde logicamente se
deduz que outra não é a dos sofrimentos peculiares à encarnação na Terra e, por
conseguinte, a da encarnação mesma, que, assim, não significa, para os que a
sofrem, como pretende a Igreja Católica, expiação da falta de Adão e Eva
(figuras simbólicas), falta a que Jesus certamente não teria deixado de aludir,
se fora real, dada a sua capital importância nos destinos da Humanidade que lhe
está confiada. Ele, porém, nenhuma alusão fez jamais a semelhante falta.
Em suma, dando a ver que o
sofrimento do paralítico lhe advinha de seus pecados e declarando-os perdoados,
não por ato seu, mas em cumprimento da vontade de Deus, ou seja em observância
da lei, Jesus revelou, mais uma vez, naquela ocasião, o poder de que dispunha,
superior a todas as possibilidades da inteligência humana, por efeito da sua
extrema perfeição espiritual, que o constituía agente direto da autoridade
divina, ante a qual todas as criaturas têm que curvar a cabeça.
Vocação de Mateus
(Marcos,
2:13-17; Lucas 5:27-32))
9.
Ao sair dali viu Jesus um homem de nome Mateus, sentado no telônio (1) e lhe
disse: Segue-me. Logo o homem, levantando-se, o seguiu. 10. E sucedeu que,
achando-se depois Jesus à mesa na casa desse homem, vieram muitos publicanos e
pecadores e se sentaram à volta da mesa com Jesus e seus discípulos. 11.
Notando isso, os fariseus diziam aos discípulos: Como é que o vosso Mestre come
na companhia de publicanos e de pecadores? 12. Jesus, ouvindo-os, disse: Não
são os que gozam saúde que precisam de médico e sim os doentes. 13. Eis, pois,
aprendei o que significam estas palavras: Quero a misericórdia e não o
sacrifício, porquanto não vim chamar os justos, mas os pecadores.
Chamando, para ser um de
seus seguidores e, mais tarde, um dos propagadores da doutrina que Ele viera
trazer ao mundo, a um publicano cobrador de impostos, que se achava no
respectivo telônio, ou escritório, e indo depois jantar em sua companhia e na
de outros de idênticas condições sociais, Jesus nos ensinou que não devemos
menosprezar os que nos pareçam, pela sua posição, indignos do nosso apreço.
Porque, muitas vezes, onde só vemos felonia ou impureza, pode o Senhor ter
colocado um germe de virtude que, cultivado, possivelmente se desenvolverá.
Deu-nos ainda uma lição de indulgência, mostrando que devemos tê-la para com os
nossos irmãos, em geral; que devemos constituir-nos o amparo do fraco; que
devemos procurar os enfermos e esforçar-nos pela sua cura.
Respondendo à observação dos
fariseus, Ele, que já dissera consistir a sua missão em salvar o que estava
perdido, reafirmou essa declaração, dizendo que “não viera em busca dos justos,
mas dos pecadores”, porquanto só “queria (e quer) misericórdia e não
sacrifício”, palavras que, em espírito e verdade, significam que não há o
sacrifício de nenhum Espírito culpado, isto é, que nenhum será sacrificado pela
sua condenação a penas eternas; que, ao contrário, para todas haverá
misericórdia, o que quer dizer perdão, desde que haja arrependimento, perdão
que, como já tivemos ocasião de ver, abre ao culpado ensejo de expiar, na
erraticidade, as faltas cometidas, por meio de sofrimentos ou torturas morais
apropriados e proporcionados às mesmas faltas, abrindo-lhe em seguida o caminho
da reparação e do progresso, por meio da reencarnação e de novas provações.
Jesus, pois, queria a
misericórdia e, como a queria, procurava sempre despertar no homem o remorso da
falta e o desejo da sua reparação, como consequência do arrependimento, ao qual
convidava todos os delinquentes, facilitando assim a expiação e a salvação aos
que, de outro modo, estacionariam longo tempo na impenitência.
Cumpre notar que as
palavras, cujo verdadeiro significado acabamos de apreciar, proferidas pelo
divino Mestre, confirmam as que foram ditas, em sentido oculto, profeta Oséias
(capítulo 6, versículo 6) e pelo profeta Samuel (1 Reis, capítulo 2, versículos
de 6 a 10): “Porque o que eu quero é a misericórdia e não o sacrifício e
ciência de Deus mais que os holocaustos” e “O Senhor dá e tira a vida, lança
nos infernos e de lá retira”, palavras essas que completam as de Miquéias
(capítulo 6, versículo 8.) e de Isaías (capítulo 1, versículo 11.)
Mateus, que Jesus foi buscar
entre os publicanos, era um Espírito elevado, que encarnara com a missão de
assistir o Mestre na obra para cuja execução baixara este ao mundo terreno.
Filho de Alfeu, ele se
chamava Levi e assim é que mais conhecido era. Adotou, porém, o nome de Mateus
e o usava de preferência àquele outro.
(1) Escritório de cobrador
de impostos.
Jejum. Pano novo. Odres velhos. Vinho
novo. Vinho velho
(Marcos,
5:33-39; Lucas, 5:33-39)
14.
Então, vieram ter com Ele os discípulos de João e lhe perguntaram: Por que os
fariseus e nós jejuamos frequentemente e os teus discípulos não jejuam? 15.
Jesus lhes respondeu: Podem acaso chorar os filhos do esposo quando o esposo
está com eles? Dia, porém, virá em que o esposo lhes será tirado; eles então
jejuarão. 16. Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, por isso que
aquele esgarçaria uma parte da roupa e lhe aumentaria o rasgão; 17, e não se
deita vinho novo em odres velhos, porque os odres se quebram, o vinho se
derrama e os odres ficam perdidos; ao passo que, deitando-se vinho novo em
odres novos, um e outros se conservam.
Entendem com o futuro
espírita os ensinamentos velados que se contêm nestes versículos.
Os homens eram a roupa velha
que, se remendada fora irrefletidamente, se teria rompido; eram os odres
velhos, que a fortidão do vinho novo houvera rebentado, perdendo-se eles e
este.
De fato, imagine-se o que
aconteceria se aos homens daquela época, materiais, ignorantes, aferrados aos
seus preconceitos e tradições, fosse propiciada, sem as devidas cautelas, uma
doutrina inteiramente nova para eles, qual a que Jesus pregava e exemplificava;
se recebessem, em toda a sua intensidade, a luz brilhante dessa doutrina.
Ficariam, sem dúvida, ofuscados. Eis por que necessária se tornou a linguagem
parabólica, de que se serviu o divino Mestre, as imagens materiais e as
comparações terra-a-terra de que lançou mão, para espalhar os ensinos de que fora
portador ao mundo.
Nem só, porém, naqueles
tempos havia odres velhos. Eles ainda hoje existem: são-no os cegos, os
interesseiros, os que, bebendo em mananciais impuros e difundindo uma doutrina
falsificada, se constituem estorvo à obra da regeneração humana, cuja execução
procuram de todo modo embaraçar, como se estivesse na possibilidade dos homens
obstar a que se cumpra uma lei absoluta, qual a do progresso.
Atualmente, nós, os
espíritas, somos os odres novos, destinados a receber o vinho novo: a Doutrina
Espírita, que é a mesma Doutrina Cristã, na pureza com que a ensinou o seu
fundador, tal qual em nossos espíritos a derramam os Espíritos do Senhor.
Importa, pois, nos
acautelemos, para não a recebermos alterada, viciada e corrompida; para não
obstarmos a que ela passe pela fermentação destinada a nos expurgar as almas
dos princípios impuros, capazes de nos acarretarem a demência, pois que impedem
nos inspiremos no pensamento do Cristo de Deus e pratiquemos a lei de amor e
caridade, da qual Ele se mostrou a excelsa personificação.
Jesus se denominava a si
mesmo de “esposo”, tomando esse termo às ideias, às tradições e aos costumes
hebraicos, pela consideração que era dispensada aos hebreus que se casavam.
Sendo o chefe da doutrina de salvação, que tivera a missão de revelar ao mundo;
o chefe da família cristã que viera constituir, Ele era comparado ao mancebo
puro, que depõe a coroa nupcial, a fim de assumir o governo do lar que formou
para si.
Os “filhos do esposo”, os
“amigos do esposo” designavam seus discípulos que, vivendo sob a sua proteção,
não precisavam jejuar, isto é, não necessitavam das privações expiatórias,
indispensáveis à reparação de faltas e a se manterem fiéis aos ensinos que
recebiam.
Privações expiatórias
dissemos, por serem as que constituem o verdadeiro jejum, o jejum moral, único
a que, por ser o que produz efeitos espirituais, se referia o Mestre divino,
que jamais cogitou de prescrever a privação de alimentos, ou de recomendar o
peixe em vez da carne, coisa que, se outrora pôde justificar-se de alguma
forma, hoje se tornou inútil e ridícula mesmo, para homens de inteligência
culta, que sem dificuldade compreendem que o que os macula não é o que lhes
entra pela boca, mas o que desta lhes sai, vindo do coração.
A filha de Jairo. A hemorroíssa
(Marcos,
5:21-43; Lucas, 8:41-56)
18.
Tendo dito essas coisas, aproximou-se dele um chefe de sinagoga que,
adorando-o, lhe disse: Senhor, minha filha acaba de morrer; mas vem, impõe-lhe
as mãos e ela viverá. 19. Jesus se levantou e, acompanhado pelos seus
discípulos, partiu com o homem. 20. Ao mesmo tempo, uma mulher que, havia doze
anos, sofria de um fluxo de sangue, acercando-se dele por detrás, lhe tocou a
fimbria da túnica; 21, pois que dizia consigo mesma: Bastar-me-á tocar nas suas
vestes para ficar curada. 22. Jesus, voltando-se, a viu e lhe disse: Filha, tem
confiança, tua fé te curou. E desde aquele momento a mulher se achou curada. 23.
Chegando à casa do chefe de sinagoga, disse Jesus aos tocadores de flauta e à
multidão que lá encontrou: 24. Retirai-vos, porquanto a menina não está morta,
apenas dorme. Todos, porém, zombavam dele. 25. Afastada a multidão. Ele entrou
e tomou a mão da menina, que logo se levantou. 26. A notícia do fato se
espalhou por toda aquela redondeza.
Ainda neste caso, o da
hemorroíssa, a cura Jesus a operou, como em todos os outros, unicamente pelo
poder magnético de que dispunha. Envolto sempre em fluídos vivificantes e
reparadores, Ele os distribuía, sempre que oportuno, pelos que de tais fluídos
necessitavam.
Foi, em suma, como nos
demais, um efeito de combinações fluídicas, que ainda ignoramos, porque ainda
não nos achamos capazes de compreender a natureza dos fluídos, seus efeitos e
suas propriedades de ação, conhecimento a que só chegaremos, mediante a nossa
depuração moral.
Os efeitos curativos que a
medicina obtém dos minerais e vegetais de que se utiliza, no tratamento das
enfermidades humanas, são devidos aos fluídos, dotados de propriedades
terapêuticas, de que se acham saturados os aludidos vegetais e minerais,
fluídos idênticos aos que, como inúmeros outros, se acham espalhados na
atmosfera terrena, sem que os homens lhes suspeitem a existência. Pois bem,
desses mesmos fluídos é que se servia Jesus. Conhecendo-os todos, bem como as
combinações de que são passíveis, ele não precisava recorrer às substâncias que
os contêm. Pela ação exclusiva da sua vontade, reunia os que eram aplicáveis ao
caso ocorrente, lançava-os sobre o enfermo e a cura se operava. Essa a
explicação da mulher que, tocando-o, ficou livre do fluxo sanguíneo de que
sofria.
Quanto à filha de Jairo,
todos a tinham por morta, tanto que à porta da casa estavam flautistas a tocar
os seus instrumentos, como era de uso entre os Hebreus e o é ainda nalguns
lugares do nosso país, em os quais se costuma tocar música nas casas onde
morreu alguém. Aquela morte, porém, era apenas aparente; tratava-se
exclusivamente de um desses casos de catalepsia profunda, em que, de par com a
suspensão de todos os sentidos e a cessação de todos os movimentos, há rigidez
e aspecto cadavéricos, ausência absoluta de pulsações, de respiração e de
calor, e tão completa insensibilidade física, que nenhuma impressão causam as
mais fortes pancadas. A menina se achava, em suma, num desses estados
catalépticos, que nem os mais hábeis profissionais da medicina logram
distinguir da morte real.
Vê-se, portanto, que era
apenas aparente a sua morte. Embora fosse extremo o desprendimento do Espírito
que habitava aquele corpo, ele a este se conservava ligado por um tênue cordão
fluídico o do perispírito, coisa que os homens não podem ver e que, na época,
ignoravam. Sabia-o, porém, Jesus e, porque o sabia, chamou, com a suprema
autoridade que lhe dava a sua excelsitude espiritual, o Espírito da suposta
morta, ordenando-lhe que volvesse à sua prisão carnal. E a menina despertou,
fato que, como era natural da parte de quantos a tinham por morta, foi
considerado uma ressurreição, portanto, um milagre, visto que o julgavam
impossível.
Como esse, foram todos os
milagres que Jesus operou. Em nenhum houve mais do que um fenômeno
absolutamente natural, apenas regido por leis naturais que os homens
desconheciam e, na sua generalidade, ainda desconhecem, mas das quais chegarão
um dia a ter conhecimento perfeito, tanto que Ele não hesitou em afirmar: Fareis as mesmas obras que eu faço e outras
ainda maiores. (JOÃO, 14, 12.)
Cegos curados
27.
Ao sair Jesus dali, dois cegos o seguiram, clamando: Filho de Davi, tem piedade
de nós! 28. Quando chegou a casa, os cegos se aproximaram e ele lhes perguntou:
Credes que eu possa fazer o que me pedis? Os dois responderam: Sim, Senhor! 29.
Ele então lhes tocou os olhos, dizendo: Faça-se conforme a vossa fé. 30. Os
olhos de ambos se abriram e Jesus lhes proibiu terminantemente que falassem do
fato, dizendo: Vejam que ninguém o saiba. 31. Mas os dois se foram e espalharam
por todo o pais a fama do Mestre.
A cegueira, assim como a
mudez e a surdez, quer permanente, quer temporária, constitui provação ou
expiação, segundo o grau de culpabilidade, para aquele que recusou auxílio a
seus irmãos, que abusou de suas faculdades, fossem elas quais fossem, e que,
assim, ficou sujeito a sofrer a pena de talião. Terá que viver na dependência
dos outros e suportar as privações resultantes da ausência daquelas faculdades,
que foram sua força ou seu orgulho em precedente existência.
Quanto à proibição de Jesus,
aos dois cegos, de falarem da cura que neles acabara de operar, não só lhe foi
inspirada pela modéstia, que constantemente exemplificava, como também teve por
fim envolver o fato numa sombra de mistério, o que era, às vezes, necessário,
para que, realçada por esse tom misterioso, crescesse a fama das grandes coisas
que ele fazia, e, de outras, determinado pelas circunstâncias e pelo meio onde
agia, quando neste os homens não se achavam em condições de apreender a verdade
e de reconhecer que os efeitos obtidos derivavam da aplicação de leis naturais.
Não é impossível ao homem
conseguir, acidentalmente, por ato da sua vontade e pela ação magnética,
resultados semelhantes aos que Jesus produziu; mas, para isso, mister se faz
que uma grande pureza lhe dê tão grande poder, e o auxílio, que então não lhe
faltará, dos Espíritos Superiores, os quais tomam a si proceder à escolha dos
fluídos apropriados à produção do resultado que deva ser obtido e colocar-lhos
ao alcance da mão.
É um tesouro que lhe está
reservado, mas que lhe cumpre adquirir, elevando o seu Espírito, depurando os
seus sentimentos e colocando-se, desse modo, em condições de apreciar os
fluídos, de lhes conhecer a natureza, o valor, os efeitos, e de poder contar
com aquele auxílio dos Espíritos Superiores. Só então lhe será possível efetuar
com segurança curas como as que Jesus operava.
Possesso mudo. Blasfêmia dos fariseus
32.
Logo que eles saíram, apresentaram-lhe um homem mudo, possesso do demônio. 33.
Tendo sido este expulso. o mudo falou; e a multidão admirada dizia: Nunca se
viu coisa semelhante em Israel. 34. Mas os Fariseus diziam: Ele expulsa os
demônios pelo príncipe dos demônios.
Era exercendo uma ação fluídica
sobre os órgãos da voz, da palavra, que o mau Espírito, obsessor daquele homem,
a quem chamavam possesso do demônio, o tornava mudo. Jesus o afastou, cessou a
ação fluídica, o mudo falou.
Quanto à acusação dos
Fariseus e dos Padres da época, que atribuíam o fato à influência de Belzebu,
era análoga à que fazem aos espíritas os Sacerdotes de hoje, dignos sucessores
dos sacerdotes hebreus. Assim sendo, bem é de ver-se que nenhuma atenção nos
pode ela merecer.
Com efeito, aqueles diziam
de Jesus que ele era assistido por Belzebu; dizem seus sucessores que a
Doutrina Espírita é demoníaca. Ë natural e não podia ser de outra maneira, uma
vez que esta ensina e prega exatamente o mesmo que ensinava e pregava o Divino
Mestre: o amor de Deus e do próximo, a renúncia às coisas da Terra, a prática
ilimitada da caridade, o perdão sem restrições, a humildade, a benevolência, a
observância, em suma, de todos os preceitos e mandamentos divinos,
exemplificados pelo manso Cordeiro de Deus.
E não só propaga ensinamentos
idênticos aos deste, como explica, em espírito e verdade, o que nos Evangelhos,
que encerram toda a verdadeira Doutrina Cristã, se acha encoberto pelo véu da
letra, pelo simbolismo da parábola, pela capa do mistério, escoimando-a de
todos os mandamentos humanos que, oriundos de interpretações falsas ou
tendenciosas e de tradições caducas, adulteraram completamente as palavras e
lições do Enviado do Senhor.
Se estamos em erro, se não é
esta a verdade, que no-la mostrem, que nos convençam do nosso erro e abaixaremos
a cabeça, porque a mais ardente aspiração de nossa alma é sermos humildes e
fiéis servos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ovelhas sem pastor. Seara. Trabalhadores
35.
Jesus percorria as cidades e as aldeias, ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho
do reino, curando todos os males e todas as enfermidades. 36. E vendo todas
aquelas gentes, teve piedade delas, pois estavam maltratadas e jaziam por ali
como ovelhas que não têm pastor. 37. Disse então aos discípulos: A seara é
verdadeiramente grande, mas poucos os trabalhadores. 38. Rogai, pois, ao dono
da seara que mande trabalhadores para ela.
O mesmo que se deu após o
estabelecimento da lei recebida por Moisés, ocorreu depois do advento da
revelação messiânica: vieram as tradições, os mandamentos humanos, as
interpretações, que alteraram e falsearam a lei simples e sublime do Cristo de
Deus. Desses falseamentos e alterações, resultou o que ainda hoje vemos:
inúmeras criaturas abandonadas a si mesmas, sem crença, sem fé, oprimidas sob
um jugo que a razão repele por absurdo mas que se lhes impôs, como ainda se
lhes pretende impor. Eram, verdadeiramente, quais ovelhas sem pastor.
Delas, porém, o Senhor de
novo se apiada e com elas vem ter, por intermédio dos Espíritos seus servidores
fiéis, trazendo-lhes uma nova revelação das verdades eternas, não para destruir
a Lei, a lei que ele próprio lhes dera a conhecer, como ampliação daquela que
fora Moisés o intermediário, mas para a restaurar e fazê-la cumprida.
Já tendo a Letra dado os
frutos que devia produzir, seu reinado passou; soou a hora de substituí-lo o
império do Espírito. Aquilo que só como milagre se admitia, a Ciência hoje o
explica, como efeitos de leis naturais, se bem que de muitas ainda seja
desconhecido o mecanismo. Vieram a Ciência e a Doutrina Espírita, doutrina
santa em seus fundamentos, porque os tem nos Evangelhos, código eterno da única
moral verdadeira a Moral divina; veraz em seus corolários porque, harmônicos
com as leis imutáveis, oriundas da onisciência do Criador do Universo, todos
eles formam um feixe de luz que orienta, para o redil santo do divino Pastor,
as ovelhas do seu imenso rebanho, que, perdidas no matagal inextricável do erro
e da mentira, se tornaram presas da intolerância, do fanatismo, da superstição,
do dogmatismo despótico, quando não da incredulidade, do materialismo e das
suas deletérias influências.
Descendo das altas regiões
do bem, os Enviados de Jesus vêm, por ordem sua e em seu nome, repetir-nos, com
as mesmas palavras, o que por Ele foi outrora dito a seus discípulos:
“A seara é grande mas os
obreiros são poucos. Rogai ao Senhor que envie obreiros à sua seara”.
Ela, pois, tomemo-las como
dirigidas aos que sintamos possuídos de boa vontade e, unidos pelo sentimento
de amor fraterno, do amor cristão, saiamos a pregar pela palavra, mas,
sobretudo, pelo exemplo, a moral que o Cristo de Deus pregou e exemplificou.
Seja o Evangelho o sol donde se irradie a luz que nos clareie o caminho de
obreiros da salvação da Humanidade.
(60) Marcos, 6, 34 Números,
27, 16 e 17. 3 Reis, 22, 17. Ezequiel, 34, 1 e seguintes. Zacarias, 10, 2. 2ª
Tessalonicenses, 3, 1, João, 4, 35.
Elucidações evangélicas. FEB
(e-book).
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