Evangelho segundo Mateus - cap. 9

A cura de um paralítico

(Marcos, 2:1-12; Lucas, 5:17-26)

1. Tendo tomado de novo a barca, Jesus tornou a atravessar o lago e veio à sua cidade. 2. E eis que lhe apresentaram um paralítico deitado no seu leito. Jesus, vendo-lhe a fé, disse ao paralítico: Filho, tem confiança; teus pecados te são perdoados. 3. Logo alguns escribas disseram entre si: Este homem blasfema. 4. Jesus, lendo-lhes o pensamento, disse: Por que abrigais maus pensamentos nos vossos corações? 5. Que é o que será mais fácil dizer: Perdoados te são os teus pecados”, ou dizer: “Levanta-te e anda”? 6. Ora, para que saibais que o filho do homem tem na Terra o poder de remir os pecados, “levanta-te”, diz Ele ao paralítico, “toma o teu leito e volta para tua casa”. 7. Imediatamente o paralítico se levantou e voltou para casa. 8. Vendo isso, a multidão, tomada de espanto, rendeu graças a Deus, que deu aos homens tal poder.

Jesus curou o paralítico pelo mesmo meio de que se serviu para operar as outras curas de que já temos tratado pela ação magnética, desenvolvida sob o influxo da sua poderosa vontade.

Como as demais, também essa cura foi qualificada de milagrosa, foi considerada um milagre pela multidão, pelos escribas e pelos fariseus.

Semelhantes fatos se acham ao alcance de todos os Espíritos que já chegaram à perfeição moral e que, conseguintemente, já realizaram imenso progresso intelectual, nada têm de maravilhosos, são, ao contrário, absolutamente naturais.

Os fariseus e os escribas se escandalizaram e o consideraram um blasfemo, por haver dito ao paralítico, ao lhe efetuar a cura Teus pecados te são perdoados, entendendo que o divino Mestre se arrogava um privilégio da Divindade. Jesus, que lhes lia os pensamentos, observou-lhes que, para o efeito objetivado, tanto fazia que dissesse o que havia dito, como dizer ao doente: Levanta-te e anda.

Dois ensinamentos da mais alta importância aqui se encerram, que merecem ser assinalados.

Tendo declarado, por mais de uma vez, que não viera julgar o mundo, que não julgava a ninguém, que só Deus julga, Jesus, quando proferiu a primeira daquelas frases, evidentemente não o fez desempenhando uma função que lhe pertencesse, ou exercendo uma autoridade suprema de que se achasse investido, pois que somente no caso de lhe caber a função de “Juiz”, de Julgador, com competência para condenar, lhe caberia a de perdoar. Mas, sendo assim, como de fato era, o declarar Ele abertamente que ao paralítico os pecados lhe eram perdoados equivalia a afirmar que se achava investido de uma missão divina, que estava no mundo como o enviado, o Cristo do Senhor, como o Messias de há muito prometido aos homens, como o Verbo de Deus, visto que lhe exprimia com exatidão os pensamentos e cumpria fielmente os desígnios, estando em união perfeita com o Criador, sendo um com Ele.

Mas, que Espírito encarnado, por maior que seja a sua elevação, por mais alto que seja o grau de sua pureza, poderia, ou poderá reconhecer-se, em consciência, e proclamar-se investido de um mandato dessa natureza, o mais alto que possamos conceber? Nenhum.

Se, portanto, Jesus, em quem, sem blasfemar, ninguém seria capaz de apontar o mais leve resquício de orgulho, se reconhecia e proclamava na posse de tão sublimada investidura, é que não se encontrava na condição de encarnado, não sofria as limitações da encarnação humana, limitações que, por muito ligeiras que as imaginemos ou suponhamos, lhe impediriam ter dela consciência e o fariam pô-la em dúvida, ainda que algum Espírito elevado lhe viesse revelar. E nenhum lhe fez semelhante revelação, nem pudera fazer, submetidos que todos estavam, como Ele o demonstrou, à sua superioridade de governador do planeta terreno, de diretor e protetor da Humanidade a que pertencemos.

Jesus, pois, era sempre, como consta na Revelação da Revelação, Espírito livre, cônscio da sua perfeição e do seu mandato, Espírito que, mesmo quando visível aos homens, se encontrava nas regiões excelsas da mais absoluta pureza, lá onde não podiam ir os que o acompanhavam e seguiam de coração aberto os seus ensinos: “Procurar-me-eis e não me achareis e onde eu estou não podeis vir”. (JOÃO, capítulo 7, versículo 34.)

O outro ensinamento decorre da circunstância de haver Jesus, para curar o paralítico, usado da fórmula: Teus pecados te são perdoados, por mostrar essa circunstância, claramente, que a causa da enfermidade daquele homem eram os seus pecados, donde logicamente se deduz que outra não é a dos sofrimentos peculiares à encarnação na Terra e, por conseguinte, a da encarnação mesma, que, assim, não significa, para os que a sofrem, como pretende a Igreja Católica, expiação da falta de Adão e Eva (figuras simbólicas), falta a que Jesus certamente não teria deixado de aludir, se fora real, dada a sua capital importância nos destinos da Humanidade que lhe está confiada. Ele, porém, nenhuma alusão fez jamais a semelhante falta.

Em suma, dando a ver que o sofrimento do paralítico lhe advinha de seus pecados e declarando-os perdoados, não por ato seu, mas em cumprimento da vontade de Deus, ou seja em observância da lei, Jesus revelou, mais uma vez, naquela ocasião, o poder de que dispunha, superior a todas as possibilidades da inteligência humana, por efeito da sua extrema perfeição espiritual, que o constituía agente direto da autoridade divina, ante a qual todas as criaturas têm que curvar a cabeça.

Vocação de Mateus

(Marcos, 2:13-17; Lucas 5:27-32))

9. Ao sair dali viu Jesus um homem de nome Mateus, sentado no telônio (1) e lhe disse: Segue-me. Logo o homem, levantando-se, o seguiu. 10. E sucedeu que, achando-se depois Jesus à mesa na casa desse homem, vieram muitos publicanos e pecadores e se sentaram à volta da mesa com Jesus e seus discípulos. 11. Notando isso, os fariseus diziam aos discípulos: Como é que o vosso Mestre come na companhia de publicanos e de pecadores? 12. Jesus, ouvindo-os, disse: Não são os que gozam saúde que precisam de médico e sim os doentes. 13. Eis, pois, aprendei o que significam estas palavras: Quero a misericórdia e não o sacrifício, porquanto não vim chamar os justos, mas os pecadores.

Chamando, para ser um de seus seguidores e, mais tarde, um dos propagadores da doutrina que Ele viera trazer ao mundo, a um publicano cobrador de impostos, que se achava no respectivo telônio, ou escritório, e indo depois jantar em sua companhia e na de outros de idênticas condições sociais, Jesus nos ensinou que não devemos menosprezar os que nos pareçam, pela sua posição, indignos do nosso apreço. Porque, muitas vezes, onde só vemos felonia ou impureza, pode o Senhor ter colocado um germe de virtude que, cultivado, possivelmente se desenvolverá. Deu-nos ainda uma lição de indulgência, mostrando que devemos tê-la para com os nossos irmãos, em geral; que devemos constituir-nos o amparo do fraco; que devemos procurar os enfermos e esforçar-nos pela sua cura.

Respondendo à observação dos fariseus, Ele, que já dissera consistir a sua missão em salvar o que estava perdido, reafirmou essa declaração, dizendo que “não viera em busca dos justos, mas dos pecadores”, porquanto só “queria (e quer) misericórdia e não sacrifício”, palavras que, em espírito e verdade, significam que não há o sacrifício de nenhum Espírito culpado, isto é, que nenhum será sacrificado pela sua condenação a penas eternas; que, ao contrário, para todas haverá misericórdia, o que quer dizer perdão, desde que haja arrependimento, perdão que, como já tivemos ocasião de ver, abre ao culpado ensejo de expiar, na erraticidade, as faltas cometidas, por meio de sofrimentos ou torturas morais apropriados e proporcionados às mesmas faltas, abrindo-lhe em seguida o caminho da reparação e do progresso, por meio da reencarnação e de novas provações.

Jesus, pois, queria a misericórdia e, como a queria, procurava sempre despertar no homem o remorso da falta e o desejo da sua reparação, como consequência do arrependimento, ao qual convidava todos os delinquentes, facilitando assim a expiação e a salvação aos que, de outro modo, estacionariam longo tempo na impenitência.

Cumpre notar que as palavras, cujo verdadeiro significado acabamos de apreciar, proferidas pelo divino Mestre, confirmam as que foram ditas, em sentido oculto, profeta Oséias (capítulo 6, versículo 6) e pelo profeta Samuel (1 Reis, capítulo 2, versículos de 6 a 10): “Porque o que eu quero é a misericórdia e não o sacrifício e ciência de Deus mais que os holocaustos” e “O Senhor dá e tira a vida, lança nos infernos e de lá retira”, palavras essas que completam as de Miquéias (capítulo 6, versículo 8.) e de Isaías (capítulo 1, versículo 11.)

Mateus, que Jesus foi buscar entre os publicanos, era um Espírito elevado, que encarnara com a missão de assistir o Mestre na obra para cuja execução baixara este ao mundo terreno.

Filho de Alfeu, ele se chamava Levi e assim é que mais conhecido era. Adotou, porém, o nome de Mateus e o usava de preferência àquele outro.

(1) Escritório de cobrador de impostos.

Jejum. Pano novo. Odres velhos. Vinho novo. Vinho velho

(Marcos, 5:33-39; Lucas, 5:33-39)

14. Então, vieram ter com Ele os discípulos de João e lhe perguntaram: Por que os fariseus e nós jejuamos frequentemente e os teus discípulos não jejuam? 15. Jesus lhes respondeu: Podem acaso chorar os filhos do esposo quando o esposo está com eles? Dia, porém, virá em que o esposo lhes será tirado; eles então jejuarão. 16. Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, por isso que aquele esgarçaria uma parte da roupa e lhe aumentaria o rasgão; 17, e não se deita vinho novo em odres velhos, porque os odres se quebram, o vinho se derrama e os odres ficam perdidos; ao passo que, deitando-se vinho novo em odres novos, um e outros se conservam.

Entendem com o futuro espírita os ensinamentos velados que se contêm nestes versículos.

Os homens eram a roupa velha que, se remendada fora irrefletidamente, se teria rompido; eram os odres velhos, que a fortidão do vinho novo houvera rebentado, perdendo-se eles e este.

De fato, imagine-se o que aconteceria se aos homens daquela época, materiais, ignorantes, aferrados aos seus preconceitos e tradições, fosse propiciada, sem as devidas cautelas, uma doutrina inteiramente nova para eles, qual a que Jesus pregava e exemplificava; se recebessem, em toda a sua intensidade, a luz brilhante dessa doutrina. Ficariam, sem dúvida, ofuscados. Eis por que necessária se tornou a linguagem parabólica, de que se serviu o divino Mestre, as imagens materiais e as comparações terra-a-terra de que lançou mão, para espalhar os ensinos de que fora portador ao mundo.

Nem só, porém, naqueles tempos havia odres velhos. Eles ainda hoje existem: são-no os cegos, os interesseiros, os que, bebendo em mananciais impuros e difundindo uma doutrina falsificada, se constituem estorvo à obra da regeneração humana, cuja execução procuram de todo modo embaraçar, como se estivesse na possibilidade dos homens obstar a que se cumpra uma lei absoluta, qual a do progresso.

Atualmente, nós, os espíritas, somos os odres novos, destinados a receber o vinho novo: a Doutrina Espírita, que é a mesma Doutrina Cristã, na pureza com que a ensinou o seu fundador, tal qual em nossos espíritos a derramam os Espíritos do Senhor.

Importa, pois, nos acautelemos, para não a recebermos alterada, viciada e corrompida; para não obstarmos a que ela passe pela fermentação destinada a nos expurgar as almas dos princípios impuros, capazes de nos acarretarem a demência, pois que impedem nos inspiremos no pensamento do Cristo de Deus e pratiquemos a lei de amor e caridade, da qual Ele se mostrou a excelsa personificação.

Jesus se denominava a si mesmo de “esposo”, tomando esse termo às ideias, às tradições e aos costumes hebraicos, pela consideração que era dispensada aos hebreus que se casavam. Sendo o chefe da doutrina de salvação, que tivera a missão de revelar ao mundo; o chefe da família cristã que viera constituir, Ele era comparado ao mancebo puro, que depõe a coroa nupcial, a fim de assumir o governo do lar que formou para si.

Os “filhos do esposo”, os “amigos do esposo” designavam seus discípulos que, vivendo sob a sua proteção, não precisavam jejuar, isto é, não necessitavam das privações expiatórias, indispensáveis à reparação de faltas e a se manterem fiéis aos ensinos que recebiam.

Privações expiatórias dissemos, por serem as que constituem o verdadeiro jejum, o jejum moral, único a que, por ser o que produz efeitos espirituais, se referia o Mestre divino, que jamais cogitou de prescrever a privação de alimentos, ou de recomendar o peixe em vez da carne, coisa que, se outrora pôde justificar-se de alguma forma, hoje se tornou inútil e ridícula mesmo, para homens de inteligência culta, que sem dificuldade compreendem que o que os macula não é o que lhes entra pela boca, mas o que desta lhes sai, vindo do coração.

A filha de Jairo. A hemorroíssa

(Marcos, 5:21-43; Lucas, 8:41-56)

18. Tendo dito essas coisas, aproximou-se dele um chefe de sinagoga que, adorando-o, lhe disse: Senhor, minha filha acaba de morrer; mas vem, impõe-lhe as mãos e ela viverá. 19. Jesus se levantou e, acompanhado pelos seus discípulos, partiu com o homem. 20. Ao mesmo tempo, uma mulher que, havia doze anos, sofria de um fluxo de sangue, acercando-se dele por detrás, lhe tocou a fimbria da túnica; 21, pois que dizia consigo mesma: Bastar-me-á tocar nas suas vestes para ficar curada. 22. Jesus, voltando-se, a viu e lhe disse: Filha, tem confiança, tua fé te curou. E desde aquele momento a mulher se achou curada. 23. Chegando à casa do chefe de sinagoga, disse Jesus aos tocadores de flauta e à multidão que lá encontrou: 24. Retirai-vos, porquanto a menina não está morta, apenas dorme. Todos, porém, zombavam dele. 25. Afastada a multidão. Ele entrou e tomou a mão da menina, que logo se levantou. 26. A notícia do fato se espalhou por toda aquela redondeza.

Ainda neste caso, o da hemorroíssa, a cura Jesus a operou, como em todos os outros, unicamente pelo poder magnético de que dispunha. Envolto sempre em fluídos vivificantes e reparadores, Ele os distribuía, sempre que oportuno, pelos que de tais fluídos necessitavam.

Foi, em suma, como nos demais, um efeito de combinações fluídicas, que ainda ignoramos, porque ainda não nos achamos capazes de compreender a natureza dos fluídos, seus efeitos e suas propriedades de ação, conhecimento a que só chegaremos, mediante a nossa depuração moral.

Os efeitos curativos que a medicina obtém dos minerais e vegetais de que se utiliza, no tratamento das enfermidades humanas, são devidos aos fluídos, dotados de propriedades terapêuticas, de que se acham saturados os aludidos vegetais e minerais, fluídos idênticos aos que, como inúmeros outros, se acham espalhados na atmosfera terrena, sem que os homens lhes suspeitem a existência. Pois bem, desses mesmos fluídos é que se servia Jesus. Conhecendo-os todos, bem como as combinações de que são passíveis, ele não precisava recorrer às substâncias que os contêm. Pela ação exclusiva da sua vontade, reunia os que eram aplicáveis ao caso ocorrente, lançava-os sobre o enfermo e a cura se operava. Essa a explicação da mulher que, tocando-o, ficou livre do fluxo sanguíneo de que sofria.

Quanto à filha de Jairo, todos a tinham por morta, tanto que à porta da casa estavam flautistas a tocar os seus instrumentos, como era de uso entre os Hebreus e o é ainda nalguns lugares do nosso país, em os quais se costuma tocar música nas casas onde morreu alguém. Aquela morte, porém, era apenas aparente; tratava-se exclusivamente de um desses casos de catalepsia profunda, em que, de par com a suspensão de todos os sentidos e a cessação de todos os movimentos, há rigidez e aspecto cadavéricos, ausência absoluta de pulsações, de respiração e de calor, e tão completa insensibilidade física, que nenhuma impressão causam as mais fortes pancadas. A menina se achava, em suma, num desses estados catalépticos, que nem os mais hábeis profissionais da medicina logram distinguir da morte real.

Vê-se, portanto, que era apenas aparente a sua morte. Embora fosse extremo o desprendimento do Espírito que habitava aquele corpo, ele a este se conservava ligado por um tênue cordão fluídico o do perispírito, coisa que os homens não podem ver e que, na época, ignoravam. Sabia-o, porém, Jesus e, porque o sabia, chamou, com a suprema autoridade que lhe dava a sua excelsitude espiritual, o Espírito da suposta morta, ordenando-lhe que volvesse à sua prisão carnal. E a menina despertou, fato que, como era natural da parte de quantos a tinham por morta, foi considerado uma ressurreição, portanto, um milagre, visto que o julgavam impossível.

Como esse, foram todos os milagres que Jesus operou. Em nenhum houve mais do que um fenômeno absolutamente natural, apenas regido por leis naturais que os homens desconheciam e, na sua generalidade, ainda desconhecem, mas das quais chegarão um dia a ter conhecimento perfeito, tanto que Ele não hesitou em afirmar: Fareis as mesmas obras que eu faço e outras ainda maiores. (JOÃO, 14, 12.)

Cegos curados

27. Ao sair Jesus dali, dois cegos o seguiram, clamando: Filho de Davi, tem piedade de nós! 28. Quando chegou a casa, os cegos se aproximaram e ele lhes perguntou: Credes que eu possa fazer o que me pedis? Os dois responderam: Sim, Senhor! 29. Ele então lhes tocou os olhos, dizendo: Faça-se conforme a vossa fé. 30. Os olhos de ambos se abriram e Jesus lhes proibiu terminantemente que falassem do fato, dizendo: Vejam que ninguém o saiba. 31. Mas os dois se foram e espalharam por todo o pais a fama do Mestre.

A cegueira, assim como a mudez e a surdez, quer permanente, quer temporária, constitui provação ou expiação, segundo o grau de culpabilidade, para aquele que recusou auxílio a seus irmãos, que abusou de suas faculdades, fossem elas quais fossem, e que, assim, ficou sujeito a sofrer a pena de talião. Terá que viver na dependência dos outros e suportar as privações resultantes da ausência daquelas faculdades, que foram sua força ou seu orgulho em precedente existência.

Quanto à proibição de Jesus, aos dois cegos, de falarem da cura que neles acabara de operar, não só lhe foi inspirada pela modéstia, que constantemente exemplificava, como também teve por fim envolver o fato numa sombra de mistério, o que era, às vezes, necessário, para que, realçada por esse tom misterioso, crescesse a fama das grandes coisas que ele fazia, e, de outras, determinado pelas circunstâncias e pelo meio onde agia, quando neste os homens não se achavam em condições de apreender a verdade e de reconhecer que os efeitos obtidos derivavam da aplicação de leis naturais.

Não é impossível ao homem conseguir, acidentalmente, por ato da sua vontade e pela ação magnética, resultados semelhantes aos que Jesus produziu; mas, para isso, mister se faz que uma grande pureza lhe dê tão grande poder, e o auxílio, que então não lhe faltará, dos Espíritos Superiores, os quais tomam a si proceder à escolha dos fluídos apropriados à produção do resultado que deva ser obtido e colocar-lhos ao alcance da mão.

É um tesouro que lhe está reservado, mas que lhe cumpre adquirir, elevando o seu Espírito, depurando os seus sentimentos e colocando-se, desse modo, em condições de apreciar os fluídos, de lhes conhecer a natureza, o valor, os efeitos, e de poder contar com aquele auxílio dos Espíritos Superiores. Só então lhe será possível efetuar com segurança curas como as que Jesus operava.

Possesso mudo. Blasfêmia dos fariseus

32. Logo que eles saíram, apresentaram-lhe um homem mudo, possesso do demônio. 33. Tendo sido este expulso. o mudo falou; e a multidão admirada dizia: Nunca se viu coisa semelhante em Israel. 34. Mas os Fariseus diziam: Ele expulsa os demônios pelo príncipe dos demônios.

Era exercendo uma ação fluídica sobre os órgãos da voz, da palavra, que o mau Espírito, obsessor daquele homem, a quem chamavam possesso do demônio, o tornava mudo. Jesus o afastou, cessou a ação fluídica, o mudo falou.

Quanto à acusação dos Fariseus e dos Padres da época, que atribuíam o fato à influência de Belzebu, era análoga à que fazem aos espíritas os Sacerdotes de hoje, dignos sucessores dos sacerdotes hebreus. Assim sendo, bem é de ver-se que nenhuma atenção nos pode ela merecer.

Com efeito, aqueles diziam de Jesus que ele era assistido por Belzebu; dizem seus sucessores que a Doutrina Espírita é demoníaca. Ë natural e não podia ser de outra maneira, uma vez que esta ensina e prega exatamente o mesmo que ensinava e pregava o Divino Mestre: o amor de Deus e do próximo, a renúncia às coisas da Terra, a prática ilimitada da caridade, o perdão sem restrições, a humildade, a benevolência, a observância, em suma, de todos os preceitos e mandamentos divinos, exemplificados pelo manso Cordeiro de Deus.

E não só propaga ensinamentos idênticos aos deste, como explica, em espírito e verdade, o que nos Evangelhos, que encerram toda a verdadeira Doutrina Cristã, se acha encoberto pelo véu da letra, pelo simbolismo da parábola, pela capa do mistério, escoimando-a de todos os mandamentos humanos que, oriundos de interpretações falsas ou tendenciosas e de tradições caducas, adulteraram completamente as palavras e lições do Enviado do Senhor.

Se estamos em erro, se não é esta a verdade, que no-la mostrem, que nos convençam do nosso erro e abaixaremos a cabeça, porque a mais ardente aspiração de nossa alma é sermos humildes e fiéis servos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ovelhas sem pastor. Seara. Trabalhadores

35. Jesus percorria as cidades e as aldeias, ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do reino, curando todos os males e todas as enfermidades. 36. E vendo todas aquelas gentes, teve piedade delas, pois estavam maltratadas e jaziam por ali como ovelhas que não têm pastor. 37. Disse então aos discípulos: A seara é verdadeiramente grande, mas poucos os trabalhadores. 38. Rogai, pois, ao dono da seara que mande trabalhadores para ela.

O mesmo que se deu após o estabelecimento da lei recebida por Moisés, ocorreu depois do advento da revelação messiânica: vieram as tradições, os mandamentos humanos, as interpretações, que alteraram e falsearam a lei simples e sublime do Cristo de Deus. Desses falseamentos e alterações, resultou o que ainda hoje vemos: inúmeras criaturas abandonadas a si mesmas, sem crença, sem fé, oprimidas sob um jugo que a razão repele por absurdo mas que se lhes impôs, como ainda se lhes pretende impor. Eram, verdadeiramente, quais ovelhas sem pastor.

Delas, porém, o Senhor de novo se apiada e com elas vem ter, por intermédio dos Espíritos seus servidores fiéis, trazendo-lhes uma nova revelação das verdades eternas, não para destruir a Lei, a lei que ele próprio lhes dera a conhecer, como ampliação daquela que fora Moisés o intermediário, mas para a restaurar e fazê-la cumprida.

Já tendo a Letra dado os frutos que devia produzir, seu reinado passou; soou a hora de substituí-lo o império do Espírito. Aquilo que só como milagre se admitia, a Ciência hoje o explica, como efeitos de leis naturais, se bem que de muitas ainda seja desconhecido o mecanismo. Vieram a Ciência e a Doutrina Espírita, doutrina santa em seus fundamentos, porque os tem nos Evangelhos, código eterno da única moral verdadeira a Moral divina; veraz em seus corolários porque, harmônicos com as leis imutáveis, oriundas da onisciência do Criador do Universo, todos eles formam um feixe de luz que orienta, para o redil santo do divino Pastor, as ovelhas do seu imenso rebanho, que, perdidas no matagal inextricável do erro e da mentira, se tornaram presas da intolerância, do fanatismo, da superstição, do dogmatismo despótico, quando não da incredulidade, do materialismo e das suas deletérias influências.

Descendo das altas regiões do bem, os Enviados de Jesus vêm, por ordem sua e em seu nome, repetir-nos, com as mesmas palavras, o que por Ele foi outrora dito a seus discípulos:

“A seara é grande mas os obreiros são poucos. Rogai ao Senhor que envie obreiros à sua seara”.

Ela, pois, tomemo-las como dirigidas aos que sintamos possuídos de boa vontade e, unidos pelo sentimento de amor fraterno, do amor cristão, saiamos a pregar pela palavra, mas, sobretudo, pelo exemplo, a moral que o Cristo de Deus pregou e exemplificou. Seja o Evangelho o sol donde se irradie a luz que nos clareie o caminho de obreiros da salvação da Humanidade.

(60) Marcos, 6, 34 Números, 27, 16 e 17. 3 Reis, 22, 17. Ezequiel, 34, 1 e seguintes. Zacarias, 10, 2. 2ª Tessalonicenses, 3, 1, João, 4, 35.

Elucidações evangélicas. FEB (e-book).

 

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