Jejum e tentação de Jesus
(Marcos,
1:12,13; Lucas, 4:1-13)
1.
Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo. 2.
Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome. 3. Aproximando-se
então dele, o tentador lhe disse. Se és filho de Deus, ordena a estas pedras
que se tornem pães. 4. Jesus lhe respondeu: Escrito está: Não só de pão vive o
homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. 5. O diabo o transportou à
cidade santa e, colocando-o no pináculo do templo, 6, disse-lhe: Se és filho de
Deus, Lança-te daqui a baixo, pois está escrito que Ele ordenou a seus anjos
tenham cuidado contigo e te sustentem com suas mãos, para que não firas os pés
nalguma pedra. 7. Jesus respondeu: Também está escrito: Não tentarás o Senhor
teu Deus. 8. O diabo o transportou ainda para um monte muito alto, donde lhe
mostrou todos os reinos do mundo e a glória que os acompanha, 9, e lhe disse:
Dar-te-ei todas estas coisas se, prosternando-te diante de mim, me adorares. 10.
Disse-lhe em resposta Jesus: Retira-te, satanás, pois está escrito: Adorarás o
Senhor teu Deus e só a Ele servirás. 11. Deixou-o então o diabo, cercaram-no os
anjos e o serviam.
Disse o divino Mestre e
Paulo repetia: a letra mata e o espírito vivifica, de modo a ficar bem
entendido que, para a compreensão das sagradas letras, não nos devemos prender
às palavras. Temos, pois, prescientemente uma regra de interpretação, a que
antes podemos chamar autêntica, que de doutrinal ou lógica, porque nos conduz à
indagação do pensamento e do sentido da lei ou do ensino, à pesquisa das
causas, da derivação histórica e das circunstâncias de tempo em que foi dado
este, ou promulgada aquela, assim com suas fontes de origem, sua razão de ser e
seus fins. É uma regra, em suma, que nos faculta a hermenêutica ou arte de
afiançarmos o verdadeiro sentido dos textos sagrados.
Aplicada à interpretação das
narrativas evangélicas referentes ao jejum de Jesus, ver-se-á que, se as
condições da época fizeram necessária a interpretação literal dessas
narrativas, interpretação que serviu para que, no ano 130, Telésforo, Bispo de
Roma, apoiando-se numa tradição apostólica, instituis-se o preceito do jejum,
ela já não pode hoje satisfazer, por falsa, absurda, inadmissível, a menos se
negue o progresso da ciência das verdades eternas.
Estudemos o que foi dado a Moisés e consta no “Deuteronômio” (capítulo 8, versículo 3): “Afligiu-te com a fome e deu-te por sustento o maná que desconhecias e teus pais desconheceram, para te mostrar que o homem não vive só de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”; de “Êxodo” (capítulo 16, versículo 5): Este é o pão que o Senhor vos deu para comer”; de “Números” (capítulo 11, versículo 9): “E ao tempo que de noite caia o orvalho, no campo também caia o maná.
Que é esse maná, senão uma
figura emblemática da graça que, em todo o seu esplendor, devemos procurar no
plano do Evangelho?
Que é esse maná caído do
céu, senão o Salvador prometido à raça humana, personificada em Adão?
Passemos ao Novo Testamento.
Lemos (em JOÃO, capítulo 6, versículo 48 e seguintes): Eu sou o pão vivo que desci do céu; quem o comer viverá eternamente.
Vê-se que o pão, a que Jesus
alude, referindo-Se ao tempo em que o supuseram sob o poder do diabo; o pão que
era o seu sustento e que Ele trazia para matar a fome aos filhos de Israel,
como maná que caiu do céu; o pão de que Ele fez emblema o seu corpo e o seu
sangue; enfim, o pão da vida, outra coisa não é senão o alimento que toda alma
encontra na sua doutrina, nos seus ensinamentos, contidos nos Evangelhos,
entendidos em espírito e verdade, como no-los faz entender a Revelação Nova.
Nem de outro modo se pode compreender, quando é certo que, revestido de um
corpo celeste, não se Sustentava com os alimentos cuja privação constitui o
jejum.
Era costume dos profetas
prepararem-se, para o desempenho de suas missões, pela prece e pelo jejum no
deserto. Jesus que, enquanto durou a que veio desempenhar na Terra, quis, para
que ela produzisse os frutos imediatos que devia produzir, que o tivessem como
um profeta, desapareceu, a fim de causar impressão aos homens e os induzir a
considerá-lo tal, durante 40 dias, número que se tornou tradicional para
ausência dos profetas. Pareceu então aos homens que, como profeta, Ele se
submetera ao uso.
A alimentação material é
necessária ao homem, isto é, ao Espírito encarnado em corpo material. Quando,
porém, tem de penetrar num mundo superior, onde os corpos dos respectivos
habitantes não são carnais como os nossos e sim de natureza perispirítica, o
Espírito se incorpora fluidicamente. A sua nutrição aí, para a vida do corpo de
que se acha revestido, opera-se pela absorção dos fluídos ambientes, apropriados
àquele efeito - A planta não necessita comer, nem beber: absorve da Terra e do
ar os fluídos que lhe são necessários à nutrição. Semelhantemente, o Espírito,
revestido de um corpo de natureza perispirítica, absorve, para sustentar os
princípios constitutivos desse corpo, ou desse perispírito, os fluídos
ambientes, nos quais se acham contidos esses mesmos princípios.
Nem se diga, citando Êxodo,
34, 28, para sustentar que Jesus haja podido, como homem, passar tanto tempo
sem se alimentar, que o mesmo fez Moisés, enquanto esteve no cume do Sinai a
receber o Decálogo. Ali não se refere que o chefe do povo hebreu passou todo
aquele tempo sem comer coisa alguma, como diz (LUCAS, capítulo 4, versículo 2),
falando de Jesus, O que se lê naquela passagem do Êxodo é que Moisés não comeu
pão, nem bebeu água, durante os 40 dias e 40 noites do seu retiro no Sinai.
Tendo podido alimentar-se de ervas e insetos, o seu exemplo não colhe para o
caso de Jesus.
Quanto à tentação, foi
também uma figura emblemática que, de acordo com as necessidades da época e
destinada a preparar o futuro, surgiu dos comentários a que deram lugar as
palavras de Jesus, acerca das tentações a que está sujeita a Humanidade. E de
outra forma não a podemos compreender hoje, quando sabemos, pela Revelação
Espírita, que o “diabo”, o “demônio”, “satanás” não existem como
individualidade votada eternamente ao mal, à perdição das criaturas de Deus;
que aqueles nomes apenas designam o conjunto das maldades, das imperfeições,
das paixões e dos vícios, existentes no homem e que lhe atraem influências
perniciosas, “diabólicas”, capazes de desviá-lo do caminho do bem, do mesmo
modo que os bons pensamentos e as boas obras lhe granjeiam influências boas,
que o ajudam a avançar pela senda do progresso espiritual.
A tentação de Jesus,
portanto, não foi uma realidade. A ideia de que o tenha sido nasceu, como
dissemos acima, dos comentários que os apóstolos e discípulos teceram em torno
de uma prédica sua, sobre o modo por que deve o homem resistir às tentações e
emboscadas a que se acha exposto, isto é, opondo-lhes a fé e a perseverança. O
Mestre desapareceu das vistas de todos por 40 dias e, ao reaparecer, falou,
figurando as diversas maneiras por que pode o homem ser tentado. Concluíram
daí, os que o ouviram, que o fato com Ele ocorrera e a imaginação emoldurou a
suposta ocorrência, criando as circunstâncias em que esta deverá ter-se dado.
A desaparição e a reaparição
de Jesus, dada a sua natureza, não constituíram um “milagre”, isto é, uma
derrogação das leis naturais. Deram-se, antes, no cumprimento de uma dessas
leis, se bem que desconhecida dos homens. Milagre seria, por exemplo, uma
mulher dar à luz um leão, ou tombarem do céu as estrelas, porque tais fatos
teriam sido contrários àquelas leis, como milagre seria também o haver Jesus
sofrido uma encarnação humana, porquanto, realmente, só por milagre fora
possível que um Espírito tão sutil, tão etéreo, qual o seu, suportasse o
contacto de matéria tão grosseira, como a do corpo humano, visto que tal fato
estaria fora das leis naturais, que são imutáveis, importando, pois, numa
subversão da ordem estabelecida desde toda a eternidade. (1)
Ora, bem sabemos que não há
milagres, o que há, no caso de fenômenos assim chamados, é desconhecimento das
causas que lhes dão origem, ignorância das leis que lhes presidem à produção.
Os desaparecimentos de
Jesus, quando o supunham em retiro no deserto, ou a orar no cume de uma
montanha, se davam, desmaterializando ele, pela ação da sua vontade, o corpo
etéreo de que se achava revestido, o que só é possível aos Espíritos
superiores, quando em encarnação ou incorporação fluídica.
Estando materialmente
encarnado, o Espírito não tem meio de desmaterializar o invólucro que o
reveste. Pode, é certo, apartar-se temporariamente dele, mas conservando-se-lhe
sempre ligado por um cordão fluídico, invisível a olhos humanos. Consegue
assim, pelo desprendimento durante o sono e, algumas vezes, raras, nos casos de
estado mais ou menos extático, libertar-se do seu corpo de carne e, pelo fenômeno
da bicorporeidade e da bilocação, com o auxílio do seu perispírito, tornar-se
visível e tangível em mais de um lugar, sob as aparências do corpo humano.
Temos disso um exemplo no que se deu com Santo Antônio de Pádua.
Esses fatos são
perfeitamente compreensíveis e podem ser realizáveis para quem tenha
conhecimento bastante dos fluídos e do poder magnético de os atrair e combinar,
pela ação da sua vontade.
Cumpre, porém, se estude
profundamente e pratique o Magnetismo, para se adquirir o conhecimento da sua
ação sobre toda a Natureza. Aquele que assim fizer e colher a experiência a que
as sessões espíritas oferecem campo, prontamente se convencerá da ação
prodigiosa do Magnetismo espiritual e, na posse de convicções nascidas do
estado e do esforço da razão, bem como do testemunho dos próprios olhos, estará
em condições de se não deixar embair pelas opiniões dos escribas e fariseus da
época, nem pelas dos pseudossábios, que tudo negam do alto do pedestal do seu
orgulho e das suas ideias preconcebidas.
(1) A boa compreensão do que
seja, em verdade, a encarnação, do que significa, da sua razão de ser, do seu
objetivo, é bastante para que também claramente se compreenda que não pode ter
encarnado um Espírito, qual o de Jesus, cuja suprema excelsitude, não só suas palavras,
seus ensinamentos, seus atos e suas obras atestam, como ainda os ensinos
constitutivos da Terceira Revelação e, talvez mais que tudo, esse sentimento
íntimo e profundo que nos leva a considerá-lo colocado logo abaixo de Deus
quando, em busca do amparo celestial para fortalecimento da nossa alma,
lançamos, na amplidão do infinito, o nosso pensamento em prece; um Espírito que
pôde, na plenitude da sua gloriosa humildade, formular esta interpelação e este
conselho: “Quem me convencerá de pecado? Sede santos, como eu sou santo”; um Espírito,
cuja culminância na perfeição Inspirou ao Padre Marchal esta exclamação, que se
lê em O Espírito Consolador: “Que homem houvera podido tirar do seu coração a
parábola do Filho Pródigo e o colóquio com a Samaritana?” e estes períodos de
sublimada eloquência, saídos da sua alma transportada: “Não, a Humanidade
terrena, ainda que condensasse todas as suas energias de concepção, não poderia
inventar Jesus Cristo. Antes dele, a Terra vira passar grandes luzeiros, não vira
passar “o grande amor”. Os luminares da antiguidade hauriram suas mais belas ideias
nessa fonte que se chama a tradição: a fonte onde Jesus hauria era a sua alma e
essa alma, derramando-se pelo mundo, basta para o aquecer. Só ele fundou a
religião universal, trazendo à Terra o grande mandamento que a ligaria ao céu:
“Amai a Deus de todo o coração; amai-vos como eu vos amo.”
Útil, pois, é conheçamos
tudo o que possa concorrer para a melhor inteligência, de nossa parte, da lei
de justiça e misericórdia, que prescreve ao Espírito a encarnação e a
reencarnação. Para esse efeito, um dos ensinos mais proveitosos é o que deram a
Alexandre Belemare os Espíritos que o assistiam na elaboração da sua excelente
obra Espírita e Cristão, cujos originais foram lidos pelo Mestre Allan Kardec.
Esse ensino se resume no
seguinte: O Espírito que haja falido fica na contingência, para chegar ao mesmo
grau de aperfeiçoamento em que se acha outro que, partido do mesmo ponto,
progrediu sem jamais falir, de fazer mais do que este. Como conseguirá fazer
esse mais, para resgatar sua dívida? Sendo submetido a uma dificuldade especial
que lhe cumpre vencer. Essa dificuldade é a encarnação, durante a qual terá ele
que lutar contra paixões que representam, pela sua natureza e pela sua intensidade,
a natureza e a Importância da falta a ser apagada.
Em todos os casos, mesmo que
o Espírito encarne em missão, a encarnação representa sempre, para ele, uma
dificuldade que lhe cabe vencer, pois que para vencê-la é que o Espírito
encarna, e que no vencê-la é que consiste o seu progresso.
Ora, tendo Jesus podido
dizer que ninguém havia capaz de o convencer de pecado, ou seja: capaz de lhe
imputar com fundamento a mais ligeira transgressão da lei divina, e dizer
igualmente que todos se tornassem santos, como ele era santo, isto é, puro, a
que gênero de progresso lhe poderia um mundo inferioríssimo, qual a Terra,
oferecer ensanchas, para justificar ou legitimar uma sua encarnação nele?
Notícia do encarceramento de João.
Retirada de Jesus para a Galiléia
(Marcos,
1:14,15; Lucas, 4:14,15)
12.
Tendo ouvido dizer que João fora encarcerado, Jesus se retirou para a Galileia;
13, e, deixando a cidade de Nazaré, foi habitar em Cafarnaum, cidade marítima
dos confins de Zabulon e de Nefatalim, 14, a fim de que se cumprissem estas
palavras do profeta Isaías: 15. “A terra de Zabulon e a terra de Nefatalim,
caminho do mar além Jordão, a Galileia das nações, 16, o povo que jazia nas
trevas, viu uma grande luz; e a luz surgiu para os que jaziam na região da
sombra da morte.” 17. A partir daí, Jesus começou a pregar e a dizer: Fazei penitencia,
pois o reino dos céus se aproxima.
Jesus levava, nas suas
palavras, que tinham de ser por todos ouvidas, a luz onde mais necessária era.
Para esse efeito, retirou-se de Nazaré e se dirigiu a Cafarnaum, nos confins da
Galileia. Ali, o povo, que se achava imerso nas trevas, recebeu a grande luz.
Mal, porém, lhe percebeu a claridade; ao passo que a viram refulgente os que se
achavam livres da morte.
Jesus, Ele próprio, era a
luz, pois que ensinava e pregava a verdade, apontando o caminho que conduz ao
reino dos céus. Nem todos, porém, os que as ouviam lhe compreendiam as
palavras: eram os que estavam nas trevas. Muitos, entretanto, as apreendiam: os
que estavam na região da sombra da morte, os que já se encontravam no plano
espiritual, preparados, pelas reencarnações, para entendê-las.
Assim, os primeiros, que
apenas viam a Jesus sob a sua aparência humana, divisavam velada a grande luz
e, por isso, não percebiam o sentido das palavras que lhe ouviam. Os outros, os
que lhe compreendiam as palavras, esses viam em forte esplendor a luz brilhante
que o seu Espírito irradiava.
Fazei penitência, pois o
reino do céu se aproxima, o que significa: chegou o tempo de ouvirdes o Enviado
de Deus, o qual vos vem trazer a luz da verdade que, tirando-vos das trevas em
que vos lançaram os vossos pecados, vos patenteará a estrada que leva ao céu ou
seja: à perfeição na pureza. Fazei penitência: arrependei-vos dos vossos erros,
faltas e crimes, para poderdes ver a luz, para serdes por ela alumiados e,
deixando as trevas em que jazeis, tomardes a senda do progresso espiritual e
subirdes ao seio de Deus.
Hoje, pela boca dos
Espíritos, seus mensageiros, o mesmo Jesus clama: chegou o tempo de estudardes o
Consolador, que vos vem ensinar os Evangelhos em espírito e verdade.
Então, pela virtude do
espírito, voltou Jesus para a Galileia. Quer isto dizer: sendo ele sempre
Espírito, sob as aparências humanas que tomara, transportou-se para os confins
da Galileia, com a rapidez do relâmpago, como fazia sempre que viajava só, pelo
poder ou faculdade que tem o Espírito de ir de um ponto a outro, tão célere
quanto o pensamento.
Vocação de Pedro, André, Tiago e João
18.
Andando Jesus pela praia do mar da Galiléia, viu dois irmãos: Simão, chamado
Pedro, e André, que lançavam suas redes ao mar, pois eram pescadores; 19, e
lhes disse: Segui-me e farei que vos torneis pescadores de homens. 20. Para
logo os dois abandonaram as redes e o seguiram. 21. Continuando a andar, viu
dois outros irmãos, Tiago e João, filhos de Zebedeu, que numa barca com o pai
consertavam suas redes. e os chamou. 22. Deixando no mesmo instante o pai e as
redes, ambos o seguiram.
Desta parte da narrativa
evangélica ressalta a submissão dos primeiros discípulos de Jesus. Sob a
inspiração de seus anjos da guarda, eles ouviram a voz interior que os
concitava à obediência e fizeram o que ela lhes prescrevia, cedendo a essa
espécie de atração que liga fortemente uns aos outros os Espíritos reciprocamente
simpáticos.
Predições de Jesus. Sua fama. Curas
físicas e morais chamadas milagres
(Marcos,
1:21-28; Lucas, 4:31-37)
23.
E Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o
evangelho do reino, curando todos os males e enfermidades do povo. 24. Sua fama
se espalhou por toda a Síria, à sua presença foram trazidos os que se achavam
doentes e atormentados por dores e males diversos: possessos, lunáticos,
paralíticos e ele os curou. 25. Acompanhava-o grande multidão de gente da
Galiléia, de Decápolis, de Jerusalém, da Judeia e de além Jordão.
Como se evidencia desses
versículos, Jesus passava a sua aparente vida humana a praticar incessantemente
a caridade, assim com os humildes e desgraçados, como com os grandes e
poderosos, pregando por toda parte o arrependimento, multiplicando ao seu
derredor as curas do corpo e da alma. E os que o ouviam, pasmados autoridade
com que Ele falava, inquiriam: Mas, que doutrina é esta, que faz que os
Espíritos imundos lhe obedeçam?
Nos Evangelhos, portanto,
encontramos a prova de que Jesus curava tanto as moléstias do corpo quanto as
da alma, isto é, tanto restituía a saúde aos que sofriam de doenças corporais,
como libertava os que se achavam presas de Espíritos obsessores, ou, conforme
então se dizia, possessos do demônio. Segue-se daí que a crença dos espíritas,
com respeito à influência dos Espíritos desencarnados sobre os encarnados, se
funda na doutrina que Jesus pregava e exemplificava, bem como nos fatos que a
sua ação caridosa tornou manifestos.
Mas, que podem valer esse
argumento, ou essa autoridade, para quem sustenta que a alma é o conjunto das
faculdades intelectuais, uma simples função do organismo físico, destinada a
desaparecer com este, para sempre, pela morte? que o pensamento é uma secreção
do cérebro? que as leis da Natureza são simples manifestações de forças
incontrastáveis, carentes assim de moral, como de benevolência?
Tal o evangelho dos
materialistas, que infelizmente ainda dominam. E são eles que lançam aos
espíritas os epítetos de idiotas, de exploradores dos néscios de boa-fé! Nisso,
entretanto, nada há de espantar. A fúria que revelam é idêntica e tem a mesma
origem que a daqueles que inventaram as fornalhas ardentes, as cavernas dos
animais ferozes. É ainda a mesma que o sacerdócio tem desencadeado, em nome de
Jesus. Ë o fogo das baterias que, desde todos os tempos, margeiam a vereda que
conduz a Sião; são as mesmas setas envenenadas que as hostes dos inimigos da
verdade, ocultas ao longo dessa vereda, hão sempre desfechado contra os que a
percorrem.
Mas, que importa, se,
justificados pela fé, temos a paz com Deus, por intermédio de Nosso Senhor
Jesus Cristo, como disse Paulo? (“Epístola aos Romanos”, Versículo 1). Que
importa, se temos por nós o que fora dito a Abraão (Gênese, capítulo 15,
versículo 1) e aquele de quem falam os Salmos (capítulo 90, versículos 2 ao 5 e
capítulo 104, versículo 10)? Marchemos, pois, para a frente, revestidos da
couraça da fé, sob o escudo de Jesus Cristo.
Para imaginarmos o poder dos
fluídos magnéticos de que dispunha Jesus, o mais puro de todos os Espíritos, e
bem assim o poder que a sua vontade exercia sobre esses fluídos, regeneradores
e fortificantes, cuja natureza, bem como combinações, efeitos e propriedades
Ele conhecia de modo absoluto, basta atentemos nos efeitos que produz o
magnetismo humano e nos que conseguem os médiuns curadores, mesmo os médiuns
receitistas, com os quais inúmeras pessoas se têm tratado de variadíssimas
enfermidades, com os mais satisfatórios resultados.
Operando as curas de que,
sob o nome de milagres, falam os Evangelhos, Jesus fazia da doutrina de amor
que trouxera ao mundo a mais eloquente propaganda. Por isso mesmo, é esse o
meio mais eficiente de que se servem os Espíritos, para, presentemente, fazer a
da Doutrina Espírita. É que, a fatos, não há argumento, nem autoridade real que
se contraponham. Menos ainda poderão Contrapor-se-lhes as opiniões de simples
médicos, que nada sabem de Espiritismo, tanto mais quando muitos deles hão
recorrido e recorrem às consultas mediúnicas, em casos desesperados,
encontrando sempre a satisfação de seus anseios, com os Bittencourt Sampaio, os
Figueiras, os Nascimentos e muitos outros médiuns que a esses sucederam, todos
alheios à ciência médica, mas cheios de dedicação e de solicitude para acudirem
desinteressadamente o próximo em suas aflições, servindo de instrumentos a
Espíritos elevados, fiéis servos de N. Senhor Jesus Cristo, dos quais recebem a
ação fluídico-magnética, que transmitem aos enfermos.
Quanto às curas da alma,
isto é, quanto à libertação dos possessos, só mediante estudo sério das obras
do mestre Allan Kardec, especialmente de O Livro dos Médiuns, obras cuja
meditação acurada recomendamos a todos os adeptos do Espiritismo, se pode obter
uma explicação racional e completa.
Os possessos, de que falam
os Evangelhos, eram os subjugados por Espíritos impuros, dentre os quais, nem
mesmo os mais endurecidos e obstinados no mal resistiam às intensamente
luminosas irradiações da pureza e da perfeição de Jesus, cujo nome é hoje
bastante para, se invocado com fé viva, produzir efeitos análogos aos que Ele
pessoalmente conseguia.
Quer isto dizer que, nós
outros, só os podemos obter por meio das preces fervorosas, da humildade e da
fé na misericórdia ilimitada do nosso Salvador, porquanto nos faltam as mais
poderosas armas que existem para a libertação de um subjugado a força moral
decorrente do jejum espiritual a que Ele tantas vezes aludiu, e a pureza de
sentimentos, que atrai os Espíritos bons, cuja presença é suficiente para dominar
e subjugar, a seu turno, os mais obstinados e ferozes subjugadores. Todavia, a
bondade de Jesus é tal e tanta que, mau grado às precárias condições morais em
que nos encontramos, a não poucas curas temos assistido de irmãos que recobram
o uso da razão e do livre-arbítrio, depois de terem sido dados como loucos
incuráveis, pela ainda mais precária ciência dos homens.
O Espiritismo que,
repetimos, é revelação e ciência, veio, restaurando na sua pureza aquela
doutrina que de tanta surpresa enchia os que presenciavam as curas que o divino
Mestre operava, ensinar-nos a distinguir a obsessão e a subjugação da alienação
mental, ou loucura propriamente dita, que decorre do desmantelo do aparelho
cerebral. Essa distinção quem no-la faculta é a mediunidade, que também nos
fornece os meios adequados a repararmos os estragos que apresenta o organismo
material, depois de removida a causa da aparente loucura, como se dá com um
prédio incendiado, após a extinção do incêndio.
Esses fatos, de que nos
oferecem testemunho as sagradas letras, já têm sido comprovados por homens
notáveis, cujas observações a respeito se acham registradas em livros e
jornais. Esses homens, porém, acreditavam ou acreditam na existência e na
imortalidade da alma, qual esta é realmente, e não consideram o pensamento uma
espécie de bílis, ou qualquer outra dessas secreções que o organismo expele ou
absorve, ou, ainda, fixa nas suas cavidades interiores. Os ortodoxos, a seu
turno, não contestam as curas operadas por Jesus, antes as proclamam, mas como
milagres. Em consequência, declaram e sustentam que tudo o que os homens façam
de semelhante ou idêntico é diabólico, sem perceberem que desse modo colocam no
mesmo nível a divindade, pois que para eles Jesus é uma fração de Deus, e a
suprema potência do mal Satanás cuja existência afirmam. Assim, os doutores não
admitem senão o que lhes vem por intermédio da Ciência, em cujo nome falam, e
repelem a ciência espírita como produto da imaginação de fanáticos ignorantes
ou velhacos, considerando mesmo o seu cultivo um crime severamente punível.
De outro lado, os ortodoxos
guardam a mesma atitude, não por amor da verdade, que pouco lhes interessa, mas
por muito ciosos do prestígio do “demônio”, que tanto há contribuído para lhes
fortalecer o poderio.
Tal a situação que, embora
já algum tanto modificada para melhor, pelos rápidos progressos da Doutrina dos
Espíritos, ainda se apresenta aos profitentes desta, patenteando-lhes as
dificuldades de ordem exterior que lhes cumpre superar, para, convencidos e confiantes,
esperarem se cumpram integralmente as promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Eles, no entanto, se
manterão firmes em seus postos, porque veem que cada vez mais essas promessas
se irão cumprindo, quando veem que já lhes é dado fazerem, sob a égide de
Jesus, obras semelhantes às que Ele fazia, o que implica o cumprimento do
prometido nestas palavras suas: Aquele que em mim crer também fará as obras que
eu faço e fará outras ainda maiores (JOÃO, capítulo 14, versículo 12).
E, como o dessas, verificam
que igualmente se está dando o destas outras, visto que inegavelmente chegariam
os tempos nelas preditos e se realizou o advento por elas anunciado:
E o
Consolador, que é o Espírito Santo, que o Pai enviará em. meu nome, vos
ensinará todas as coisas e vos lembrará tudo o que vos tenho dito. (JOÃO,
capítulo 14, versículo 26).
Elucidações evangélicas. FEB
(e-book).
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