No opúsculo Fugindo da Prisão, o escritor espírita
Richard Simonetti narra a comovente história dos cabos Miller e Moore, que
teria ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1942, quando Cingapura caiu
em poder dos japoneses, os referidos militares foram capturados pelos inimigos
e mantidos, por aproximadamente três anos, em regime de trabalhos forçados, em
um acampamento, no interior da Tailândia, às margens do rio Kwai, juntamente
com cerca de três mil prisioneiros escoceses. Tão severas eram as condições do
local, que esse ficou conhecido como “Os Campos do Inferno”.
Graças à atitude cristã,
Miller e Moore foram os responsáveis pela manutenção da dignidade e da
sobrevivência da maioria dos companheiros de infortúnio, que sofriam todo tipo
de torturas, até mesmo fome, frio, calor e doenças. A eles incumbia fomentar no
grupo o perdão aos algozes e implantar uma rede de assistência mútua, em que os
mais fortes deveriam socorrer os mais debilitados, ao embalo de um poema,
recitado durante as preces: Procurei a minha alma e não a encontrei...
Procurei
o Senhor meu Deus e não o vi... Procurei o meu irmão e encontrei os três.1
Terminada a guerra, a maior
felicidade dos prisioneiros não era a liberdade conquistada, mas a sensação de
haver encontrado um sentido para as suas vidas, o que lhes marcou
indelevelmente os Espíritos.
A vida humana é uma
constante busca da felicidade. Mas onde e como encontrá-la? Geralmente a
colocamos nas coisas materiais, que tocam os sentidos, no bem-estar físico,
isto é, no ter e não no ser. Mesmo quando aspiramos a coisas intangíveis que
dizem respeito aos sentimentos, aos relacionamentos pessoais, nossos desejos
egoísticos constituem obstáculos à busca da felicidade. É quando o predomínio
da nossa natureza corpórea ou animal tolda-nos a visão, impedindo-nos de
enxergar que a felicidade está mais próxima do que supomos.
A Humanidade não pode, ainda, gozar de felicidade plena, enquanto estiver no estágio de provas e expiações. Isso, porém, não lhe impossibilita amenizar os próprios males e ser tão feliz quanto possível. Não sem razão os benfeitores espirituais alertam que “a felicidade não é deste mundo”,2 ressalvando, porém, que a Terra não está destinada a ser, para sempre, uma “penitenciária”,2 haja vista a lei do progresso, que nos permite a superação das etapas de desenvolvimento intelecto-moral, que se processam de forma lenta, gradual, mas irreversível, prenunciando a era da sonhada regeneração, em que o orbe se transformará em morada definitiva do bem e de Espíritos bons:
O
progresso intelectual realizado até ao presente, nas mais largas proporções,
constitui um grande passo e marca uma primeira fase no avanço geral da
Humanidade; impotente, porém, ele é para regenerá-la. Enquanto o orgulho e o
egoísmo o dominarem, o homem se servirá da sua inteligência e dos seus
conhecimentos para satisfazer às suas paixões e aos seus interesses pessoais,
razão por que os aplica em aperfeiçoar os meios de prejudicar os seus
semelhantes e de os destruir.
Somente
o progresso moral pode assegurar aos homens a felicidade na Terra, refreando as
paixões más; somente esse progresso pode fazer que entre os homens reinem a
concórdia, a paz, a fraternidade. [...]3
Indagados por Kardec se
haveria uma medida comum de felicidade para todos os homens, os benfeitores deram
esta reposta magistral:
Para
a vida material, é a posse do necessário; para a vida moral, a consciência
tranquila e a fé no futuro.4
Mas, por que ainda assim a
criatura humana alimenta a frustração por não possuir esses e outros bens,
aumentando os desejos “na proporção daqueles que são satisfeitos”?5
É que o homem, conduzindo-se pelos vícios, desrespeita os limites que a
Natureza lhe traçou, surgindo daí necessidades que não são reais.
Quantas criaturas estão,
neste momento, sentindo fome e frio, muitas sem um abrigo onde possam repousar
o corpo dolorido e cansado depois de um dia estafante! Quantas outras
experimentam o sofrimento do abandono e da doença num leito de hospital, ou
ainda a dor da separação de um ente querido, seja pela morte física, seja pelo
desfazimento dos laços conjugais, entre tantas outras tragédias morais que se
abatem sobre todos os lares, desde a choupana até o palácio!
Diante desse quadro, nunca é
demais ouvir o conselho dos Espíritos amigos:
O
homem vive incessantemente em busca da felicidade, que lhe escapa a todo
instante, porque a felicidade sem mescla não existe na Terra. Entretanto,
apesar das vicissitudes que formam o cortejo inevitável da vida terrena,
poderia ele, pelo menos, gozar de relativa felicidade, se não a procurasse nas
coisas perecíveis e sujeitas às mesmas vicissitudes, isto é, nos gozos
materiais, em vez de procurá-la nos prazeres da alma, que são um gozo
antecipado das alegrias celestes, imperecíveis; em vez de procurar a paz do
coração, única felicidade real neste mundo, ele se mostra ávido de tudo que o
possa agitar e perturbar e, coisa curiosa! o homem parece criar para si,
propositadamente, tormentos que está nas suas mãos evitar.6
Toda vez que experimentarmos
a agrura da infelicidade, olhemos para a criatura menos afortunada, que
necessita de nossa compreensão e de nosso amparo. Tomemos como exemplo de
conduta o nosso irmão menos feliz que sofre resignado, embora não conformado,
porque busca solução para o seu problema, encontrando consolação na própria
consciência, que lhe fornece uma visão diferente da vida, cônscio de que, para
superar-se e superar os reveses, é necessário agir no bem.
Os Espíritos superiores
ensinam que a influência dos maus geralmente sobrepuja a dos bons por fraqueza
destes: “Os maus são intrigantes e audaciosos; os bons são tímidos. Quando
estes o quiserem, haverão de preponderar”.7 A coragem e a audácia de
que falam os Espíritos não é a da rebeldia e da violência, mas a da fortaleza
moral de que o Cristo nos deu exemplo em sua missão terrena.
O homem é, quase sempre, o
artífice de seus sofrimentos materiais e morais, sobretudo destes últimos, pois
todas as paixões, tais como o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade
da avareza, a inveja, o ciúme, constituem torturas da alma, suplícios
voluntários que cria para si mesmo.
Resumindo, geralmente a
infelicidade do homem resulta da importância exagerada que ele dá às coisas
deste mundo:
[...]
Se ele se colocar acima do círculo acanhado da vida material, se elevar seus
pensamentos para o infinito, que é seu destino, as vicissitudes da Humanidade
lhe parecerão mesquinhas e pueris, como a tristeza da criança que se aflige
pela perda de um brinquedo, que constituía a sua felicidade suprema. [...]8
Contudo, ao lado do sofrimento,
Deus colocou a consolação e a esperança. O Espiritismo está nesse rol, porque,
demonstrando a imortalidade e a lei do progresso, dá ao homem a certeza de um
futuro melhor e do verdadeiro sentido da existência.
Portanto, a felicidade dos
Espíritos é proporcional à sua elevação intelecto-moral. É um estado d’alma que
resulta da compreensão das leis divinas e do autoconhecimento. O homem passa a
vida procurando a felicidade, sem saber que ela mora dentro de si. Esse
panorama somente mudará quando o ser humano se descobrir como o dono de seu
próprio destino e agir no sentido de administrar a sua vida, procurando
libertar-se da influência da matéria e das paixões que o retêm nas faixas do
instinto, em que se prioriza a satisfação fugaz de todos os seus desejos.
Enfim, a felicidade é uma
condição interna do indivíduo. Mesmo se insistirmos em procurá-la fora de nós,
como se ela dependesse de outros, procedamos para com esses irmãos como
desejaríamos que eles procedessem para conosco: eis o caminho da felicidade,
pois toda vez que buscarmos o bem de nosso próximo, encontraremos o nosso
próprio, como no poema da história dos prisioneiros, que poderíamos adaptar a
estas reflexões deste modo: “Procurei a felicidade e não a senti... Procurei um
sentido para a vida e não o achei... Procurei o meu semelhante e encontrei os
três”.
1) Op. cit. 3. ed. Bauru (SP): CEAC, 2004. p. 83.
2)
KARDEC, Allan. O evangelho segundo o
espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1. reimp. (atualizada). Rio de
Janeiro: FEB, 2010. Cap. 5, it. 20.
3)
KARDEC,
Allan. A gênese. Trad. Guillon Ribeiro. 52. ed. 3. reimp. Rio de
Janeiro: FEB, 2010. Cap. 18, it. 18 e 19.
4)
Idem. O livro dos espíritos. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 922.
5)
Idem. Ditados espontâneos. Felicidade. Pelo
Espírito Stäel. Médium: Srta. Eugénie. In: Revista espírita: jornal de estudos
psicológicos, ano 3, p. 153, mar. 1860. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. 2.
reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
6)
Idem. O evangelho segundo o espiritismo. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 1. reimp. (atualizada). Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap.
5, it. 23, p. 135.
7)
Idem. O livro dos espíritos. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 932.
8)
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Comentário
de Kardec à q. 933.
Fonte: Reformador, ano 129,
nº 2.195, fevereiro 2012 (e-book)
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