Em sentido lato, a política
se entrecruza com várias outras ciências, entre elas a Filosofia, a História, a
Economia, o Direito... Entretanto, é com a Sociologia que ela possui laços mais
estreitos, visto que tem seu nascedouro na própria sociedade. Segundo essa
visão, inspirada em Aristóteles, o homem é um animal social e político.
Herança da Grécia antiga,
berço da democracia, o termo política deriva-se do grego politikós, alusivo às antigas cidades gregas organizadas (pólis), que teriam dado origem ao modelo
de vida urbano contemporâneo, onde os homens se aglomeram em busca da
sobrevivência e do progresso, sujeitando-se a uma administração pública
regulada por normas coletivas de convivência.
Na Idade Média, Tomás de
Aquino (1225-1274) já preconizava que a finalidade da política é o bem comum.
Modernamente, a política é designada como a “Ciência do Estado”, podendo ser
definida como a arte de governar. Sob esse prisma, ela será sempre o exercício
de alguma forma de poder. Quando utilizada corretamente, gera bem-estar e
prosperidade, bem assim contribui para a manutenção da paz e da ordem.
O Espiritismo abrange todas
as áreas do conhecimento, sob tríplice aspecto: científico, filosófico e
religioso, razão pela qual não está alheio à Ciência política ou a qualquer
outro ramo do conhecimento humano. Todavia, o Espiritismo não tem por missão
específica fazer reformas sociais, mas, pela amplitude dos seus ensinamentos, é
a doutrina mais apta a coadjuvar tais reformas, à medida que influencia a
sociedade, estimulando o aprimoramento moral, sem que seja preciso
acumpliciar-se com a política partidária, em contradição com o caráter laico1
do Estado:
[...] A missão da doutrina é consolar e instruir, em Jesus, para que todos mobilizem as suas possibilidades divinas no caminho da vida. Trocá-la por um lugar no banquete dos Estados é inverter o valor dos ensinos, porque todas as organizações humanas são passageiras em face da necessidade de renovação de todas as fórmulas do homem na lei do progresso universal, depreendendo-se daí que a verdadeira construção da felicidade geral só será efetiva com bases legítimas no espírito das criaturas.2
A seu turno, qual seria a
missão dos espíritas, enquanto homens no mundo? Sem embargo da tarefa de
divulgação e da vivência dos princípios da Doutrina Espírita, ela é a mesma de
qualquer indivíduo, religioso ou não, como elucidam os Espíritos na primeira
obra básica. Consiste “em instruir os homens, em ajudá-los a progredir, em
melhorar suas instituições, por meios diretos e materiais”.3 Nesse
contexto, será mesmo útil e necessário, para que o Espiritismo cumpra sua missão,
a politização do Movimento Espírita, como defendem alguns? Parece-nos
equivocada a ideia de que o Movimento Espírita careça de engajar-se na
militância política, fundando partidos ou organizando bancadas, como forma de
se fazer representar perante os poderes constituídos, com o objetivo de
divulgar, oficialmente, os seus princípios, colaborando, assim, com a reforma
social, no combate às mazelas sociais.
De má lembrança são as
conspurcações que o movimento cristão primitivo sofreu (e que o Espiritismo
intenta restaurar na atualidade), sobretudo a partir do século III, momento em
que se deixou seduzir pela política de Roma, cujo império estertorava graças
aos abusos da governança.
É óbvio que o espírita,
individualmente, não está impedido de exercer a política. Se tiver vocação para
isso e for chamado para essa tarefa, deve atender ao clamor de sua consciência
e procurar exercê-la com dignidade, como fizeram tantos outros espíritas, por
exemplo, Bezerra de Menezes, Eurípedes Barsanulto, Cairbar Schutel e José de
Freitas Nobre. Se isso vier a acontecer, espontaneamente, que jamais nos apartemos
das diretrizes traçadas por André Luiz, que nos alerta sobre as tentações e os
perigos de confundirmos “os interesses de César com os deveres para com o
Senhor”.4
Diante disso, não é
recomendável que os políticos, simpatizantes ou adeptos do Espiritismo, façam
da tribuna espírita um palanque. Jesus, nosso guia e modelo, quando esteve
entre nós, jamais postulou ou se valeu do poder político estatal para pregar a
implantação do “Reino de Deus” na Terra. Não é a Doutrina Espírita que precisa
da política e sim a política que precisa do Espiritismo. Isto é, progredindo
moralmente, por influência do Espiritismo, a sociedade prepará, de forma
natural, bons políticos e até estadistas para atuarem nas instituições
públicas:
O
discípulo sincero do Evangelho não necessita respirar o clima da política
administrativa do mundo para cumprir o ministério que lhe é cometido.
O
Governador da Terra, entre nós, para atender aos objetivos da política do amor,
representou, antes de tudo, os interesses de Deus junto do coração humano, sem
necessidade de portarias e decretos, respeitáveis embora. Administrou servindo,
elevou os demais, humilhando a si mesmo.
Não
vestiu o traje do sacerdote, nem a toga do magistrado. Amou profundamente os
semelhantes e, nessa tarefa sublime, testemunhou a sua grandeza celestial.
Que
seria das organizações cristãs, se o apostolado que lhes diz respeito estivesse
subordinado a reis e ministros, câmaras e parlamentos transitórios? [...]5
Por isso mesmo, “Deus
confere a autoridade a título de missão, ou de prova, quando julga conveniente,
e a retira quando bem o entende”.6 Emmanuel, tal qual André Luiz,
também abordou essa questão delicada. Respondendo à pergunta: “Como se deverá
comportar o espiritista perante a política do mundo”,7 aconselhou:
– O
sincero discípulo de Jesus está investido de missão mais sublime, em face da
tarefa política saturada de lutas materiais. Essa é a razão por que não deve
provocar uma situação de evidência para si mesmo nas administrações
transitórias do mundo. E, quando convocado a tais situações pela força das
circunstâncias, deve aceitá-las não como galardão para a doutrina que professa,
mas como provação imperiosa e árdua, onde todo êxito é sempre difícil. O
espiritista sincero deve compreender que a iluminação de uma consciência é como
se fora a iluminação de um mundo, salientando-se que a tarefa do Evangelho,
junto das almas encarnadas na Terra, é a mais importante de todas, visto
constituir uma realização definitiva e real. 7 (Grifos nosso.)
Não devemos pedir ao Espiritismo
o que ele não nos pode dar.8 A estratégia equivocada de Judas que,
embora bem intencionado, pretendia utilizar a política terrena, para acelerar o
processo de implantação do Evangelho na Terra, é uma advertência perene a todos
nós, pois “as conquistas do mundo são cheias de ciladas para o espírito e,
entre elas, é possível que nos transformemos em órgão de escândalo para a
verdade que o Mestre representa”.9
A Humanidade progride por
meio dos indivíduos, que se melhoram pouco a pouco. É pelo desenvolvimento
moral que se reconhece uma civilização completa. Os povos que só vivem a vida
do corpo, cujo poder se baseia apenas na força e na extensão territorial, um
dia fenecerão, pois a vida da alma prevalece sempre:
[...]
Aqueles cujas leis se harmonizam com as leis eternas do Criador, viverão e
servirão de farol aos outros povos.10
Todos podemos contribuir com
nossa parte para acelerar as esperadas mudanças sociais: “A responsabilidade
pelo aperfeiçoamento do mundo compete-nos a todos”.11 O Espiritismo
não depende da política terrena para atingir seus fins. Triunfará, porque se
funda nas leis naturais, sem que seja necessário violentar a consciência dos
incrédulos. Deus não conduz o homem por meio de prodígios, mas deixa que tenha
o mérito da própria conquista, que se dará, mais cedo ou mais tarde, pelo
convencimento da razão.
Que estas breves reflexões
fortaleçam a esperança de todos os que mourejam na seara espírita, para que o
Brasil consiga realizar a missão redentora da qual é depositário. Mais importante
que as colossais riquezas naturais do seu vasto território é a imensa
diversidade racial, social e religiosa de seu povo. Se soubermos vivenciar o
Evangelho, conforme Jesus ensinou, inevitavelmente faremos jus à vocação
assinalada pelos Espíritos superiores de “coração do mundo, pátria do
Evangelho”.
1)
Estado laico não é o mesmo que Estado ateu.
Mantém neutralidade em matéria confessional, não adotando nem perseguindo
nenhuma religião (ver Preâmbulo e art. 19 da Constituição Federal brasileira).
2)
XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo
Espírito Emmanuel. 28. ed. 5. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 60.
3)
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 573.
4)
VIEIRA, Waldo. Conduta espírita. Pelo
Espírito André Luiz. 31. ed. 4. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 10, p.
46.
5)
XAVIER, Francisco C. Vinha de luz. Pelo
Espírito Emmanuel. 27. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 59, p.
137.
6)
KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo.
Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 17, it.
9, p. 346.
7)
XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo
Espírito Emmanuel. 28. ed. 5. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 60.
8)
KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad.
Guillon Ribeiro. 2. ed. esp. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Pt. 2, cap.
27, it. 303, subit. 1, p. 476.
9)
XAVIER, Francisco C. Boa nova. Pelo Espírito
Humberto de Campos. 3. ed. 5. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 24, p.
200.
10)
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 788.
11)
XAVIER, Francisco C. Libertação. Pelo
Espírito André Luiz. 31. ed. 4. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 3, p.
46.
Fonte: Reformador, ano 130,
nº 2.198, maio 2012, por Christiano Torchi (e-book).
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