Transvios e retificações

Encontramos no Cristianismo primitivo os sublimes ensinos de Jesus aos homens.

Esses ensinos são princípios perenes, imortais, eternos, desde que interpretados na sua verdadeira significação.

A dificuldade maior encontrada pelo Mestre em transmitir sua Mensagem estava na incapacidade de compreensão por parte daqueles a quem se dirigia quando falava de coisas transcendentes.

Mesmo seus discípulos nem sempre alcançavam o verdadeiro sentido de muitos de seus ensinos.

Para contornar as dificuldades naturais da transmissão das verdades eternas a seres imaturos, de inteligência e percepção limitadas, Jesus utilizou métodos diferentes na apresentação de sua plataforma de princípios basilares, necessários ao conhecimento de toda a Humanidade.

Para isso, ao lado da linguagem simples e direta, lançou mão das parábolas, das pequenas histórias, dos exemplos, das comparações e ilustrações, sempre com o objetivo de se fazer compreendido por seus ouvintes, fossem eles seus discípulos, ou os homens e mulheres do povo, ou os orgulhosos saduceus, fariseus e doutores da lei.

Mas sua Mensagem destinava-se também ao futuro, às gerações que viriam constituir a crescente população de um mundo atrasado e carente de conhecimentos superiores.

Hoje podemos perceber a previsão do Cristo, com relação à necessidade de ser conhecida sua Divina Mensagem.

Sabia Ele das deturpações que, por ignorância ou por interesses diversos, seriam impostas pelos homens na interpretação do Cristianismo.

Sabia também da necessidade de complementar suas palavras, diante do natural progresso e desenvolvimento dos conhecimentos humanos.

Por isso, prometeu pedir ao Pai o envio de outro Consolador para complementar e relembrar seus ensinos.

Esse Consolador Prometido foi enviado e encontra-se à disposição de todos os que procuram a Verdade, representado pela Doutrina dos Espíritos.

Os espíritas estudiosos conhecem os fatos ocorridos desde a vinda do Mestre Incomparável, as oposições que enfrentou, o desvirtuamento de parte de sua Mensagem para o atendimento de interesses diversos e as interpretações das Escrituras ao sabor de instituições humanas denominadas igrejas cristãs.

Esses fatos, consequentes da ignorância dos homens aliada ao livre-arbítrio de que são dotados, determinaram o transviamento da Mensagem Redentora.

Passaram-se os séculos. A Humanidade progrediu em muitos sentidos, cultivou diversas ciências e descobriu muitos dos chamados mistérios da Natureza.

Os transvios ocorridos no Cristianismo primitivo foram agravados por sucessivas resoluções tomadas por Concílios, que enveredaram por um dogmatismo impróprio, desvirtuando cada vez mais a Mensagem original de Jesus, o Cristo.

A retificação de tantos erros sucessivos tornou-se difícil, diante do poder das organizações religiosas, que se aliaram aos poderes temporais em muitas nações, na defesa dos interesses comuns.

Somente o Governo Espiritual da Terra, com seu poder e segurança absolutos, poderia determinar a correção de tantos enganos, sem violência ou desrespeito à liberdade individual e coletiva.

Foi justamente o que ocorreu.

A correção visou, ao mesmo tempo, o esclarecimento e a instrução dos homens, sem prejuízo do livre-arbítrio de cada um.

As civilizações humanas atravessaram muitos séculos de incompreensões e ilusões com relação à vida, que se desdobra tanto na Terra, mundo material, quanto nas Esferas Espirituais.

Somente nos meados do século XIX, cerca de 1.850 anos após a vinda do Cristo a este Orbe, cumpriu-se sua promessa de enviar outro Consolador, com a dupla finalidade de reafirmar os ensinos originais autenticamente cristãos e de fazer surgir uma nova luz destinada a clarear os caminhos do futuro.

O Consolador – o Espiritismo ou Doutrina dos Espíritos –, como a última das grandes Revelações, veio trazer aos homens o conhecimento do mundo invisível que nos cerca e que sempre existiu, com suas leis e suas relações com o mundo das formas. É o destino de todos nós, Espíritos imortais, após a morte do corpo físico.

Essas Revelações, ao lado de outras de suma importância, aclaram o sentido da vida do Espírito, criado para toda a eternidade. São verdades eternas, divinas, trazidas pelos Espíritos tal como prometera o Cristo ao referir-se ao Espírito de Verdade, que os homens desconheciam. Mas participam, ao mesmo tempo, de um sentido científico, por não dispensarem o raciocínio lógico, a observação de fatos e o livre exame.

São evidências não impostas à fé e à crença cegas, mas deduzidas pelo trabalho de investigação dos próprios homens, como no trato com as ciências de observação.

Como ficou expresso no capítulo I, item 13 de A Gênese, “o que caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem”.

O Espiritismo, como o Consolador, veio ao conhecimento dos homens no tempo certo.

Se tivesse vindo antes, quando não havia liberdade de exame, ou na Idade Média, “a noite de 1.000 anos”, ou antes das diversas ciências cultivadas e desenvolvidas pelo homem, teria sido perseguido e incompreendido de forma a não se poder firmar num mundo dominado pela ignorância, pela prepotência e pelo despotismo.

A realidade da comunicação entre os habitantes dos dois mundos, o material e o espiritual, é tão antiga quanto a existência do homem na Terra. Foi constatada em muitas oportunidades, havendo referências a esse fato em diversas religiões e em antigas tradições de muitos povos.

Entretanto, a explicação dos fatos variou muito, de conformidade com os parcos conhecimentos existentes, as religiões dominantes, as superstições e as suposições de cada povo ou civilização.

Seria necessário que a Humanidade, ou parte dela, atingisse determinado estágio evolutivo para compreender a existência dos dois mundos e a interferência de um sobre o outro, tudo regido por leis naturais ou divinas.

O reconhecimento das verdades e realidades reveladas pelo Espiritismo, quando se generalizar no seio da população terrestre, trará modificações profundas nas religiões e crenças, nos costumes e hábitos e nas próprias ciências materialistas, que não cogitam do elemento espiritual.

Será um novo estágio para a Humanidade, mais realista e convincente que o atual, porque fundamentado na verdade dos fatos e não em conjecturas, em hipóteses e na interpretação inexata das Revelações anteriores.

Com a demonstração de uma nova realidade, não concebida pelas religiões e pelas ciências materialistas, as interpretações de certas passagens das antigas Escrituras e dos Evangelhos serão mais realistas e verdadeiras, e não baseadas em ideias preconcebidas e muitas vezes contraditórias.

O Espiritismo vem substituir a ideia vaga da vida futura no céu, no paraíso, no inferno ou no purgatório, pela certeza da existência de um mundo real que nos espera, invisível pelos sentidos físicos, que se entende por múltiplas esferas espirituais.

Demonstra também a absoluta justiça de Deus, através das vivências sucessivas do Espírito ligado à matéria, até que atinja o grau de perfeição que o exima da necessidade das reencarnações.

Ensina, ainda, a Doutrina Consoladora que não há criaturas favorecidas, nem deserdadas. A todas, sem exceção, foram e são dispensados tratamentos iguais e justos.

Assim, os denominados anjos são seres que chegaram à condição de Espíritos puros por seus próprios méritos e dedicação ao trabalho do Bem. E os demônios são Espíritos rebeldes, atrasados, que praticam o mal por opção, mas que terão oportunidade de regeneração e encaminhamento no progresso moral.

Com a pluralidade das existências, ou doutrina da reencarnação, referida nos Evangelhos de forma indireta, e claramente exposta como Lei Divina pela Revelação Espírita, são explicados e entendidos todos os fatos da vida humana, com suas aparentes anomalias, tais como as diferenças das posições sociais, a riqueza e a pobreza, as mortes prematuras, as desigualdades das aptidões intelectuais e morais e todas as condições humanas aparentemente injustas, mas que se tornam inteligíveis e justas diante da multiplicidade existencial e da necessidade das retificações, perante a lei do progresso.

O Cristianismo autêntico, primitivo, revivido com as novas revelações do Consolador Prometido, é a religião de que necessita o nosso mundo de expiações e provas para uma vida de mais compreensão e de mais amor.

Jesus, com sua Mensagem, abriu caminho para as verdades transcendentes e para o conhecimento do futuro. Demonstrou pessoalmente o que ensinou aos homens.

Nela, mostrou o Mestre a necessidade de arrependermo-nos de nossos erros e enganos e de instruirmo-nos, convertendo-nos ao bem e à sua prática. O problema é, ao mesmo tempo, individual e de todas as sociedades humanas, para a construção de um mundo melhor.

A educação renovadora para o bem subsiste no seio da Humanidade, mas existem também muitas tendências para o inferior, o negativismo, o mal.

Essa duplicidade é uma realidade e caracteriza os mundos inferiores, em luta para o aperfeiçoamento.

Por toda parte atuam as religiões, com seus ensinos positivos e enganos concepcionais.

Erguem-se templos suntuosos destinados aos cultos exteriores.

A literatura humana é riquíssima, divulgando verdades, mas também meias verdades e pensamentos negativos.

Então, a predominância do bem sobre o mal torna-se lenta, já que depende da adesão individual de quem dispõe de livre-arbítrio.

Os que já abriram os olhos para a luz, como é o caso dos espíritas sinceros, têm o dever de cooperar com as forças espirituais superiores, em solidariedade a um trabalho edificante de ajuda e de esclarecimento aos que se encontram na retaguarda.

Se o desejo do bem já se solidificou em nós, uma de suas consequências mais edificantes é a de estendê-lo aos nossos semelhantes, através do esclarecimento de aspectos da vida por eles desconhecidos.

O zelo do bem não deve ficar estagnado em nós. É nosso dever dinamizá-lo com a prática do amor ao próximo sob múltiplas formas, uma das quais é a de transmitir aos outros conhecimentos fundamentais que poderão influir beneficamente em suas vidas.

Os esforços no sentido da edificação variam em cada criatura. Assim como a árvore produz flores e frutos de acordo com sua espécie, cada trabalhador da seara do bem contribuirá conforme suas possibilidades, sua evolução, sua coragem e sua vontade de servir. Cada servidor precisa se convencer de que as experiências humanas, mesmo quando visam ajudar o próximo, não são postos de prazer, mas, sim, meios de aprendizado, com as naturais dificuldades, incompreensão e mesmo ingratidões. É importante não desanimar ante tais estorvos, mas seguir adiante, com a bênção do trabalho útil. Esse foi o exemplo do Mestre Divino, que serviu sempre, sem esperar pelo reconhecimento dos beneficiários.

O reconforto espiritual liga-se mais às atividades necessárias e a uma consciência ajustada ao bem do que aos aplausos do mundo.

Quando o trabalhador adquire a certeza da vida futura, por não ter mais dúvidas sobre os ensinos de Jesus e da Doutrina dos Espíritos, sua fé o ampara nas dificuldades do caminho, aumentando-lhe a confiança e amparando-lhe a vontade, para não recuar diante dos obstáculos.

Sempre existiram criaturas que procuram fortalecer a própria fé e que anseiam pela paz. Entretanto, deixando seus sentimentos transformarem-se em inquietações, por não se efetivar a ajuda esperada, acabam vencidas pelo desânimo. Não compreendem que os benefícios do Alto amparam a todos que os mereçam, não ao sabor do desejo de cada um, mas no ritmo estabelecido pela lei divina.

Se visamos a aprovação e santificação de nossas atividades no bem, torna-se necessário o domínio de nossos impulsos de inquietação, desfazendo as sombras do egoísmo e “endireitando os caminhos”, como recomendou o apóstolo João.

As expressões exteriores de cada indivíduo refletem as ideias, os sentimentos bons ou maus, as aspirações, os conhecimentos e todo o campo de sua vida íntima.

Todos nós, habitantes deste planeta atrasado, somos portadores de deficiências íntimas que necessitam de retificações.

Essa purificação não é fácil. Não basta a simples aceitação de verdades religiosas e de ideologias edificantes, que auxiliam a elevação; é preciso que sejam bem compreendidas e praticadas.

Para tanto, tornam-se necessários o estudo, a busca da verdade e a preocupação constante com a elevação dos sentimentos, tal como preconiza a Doutrina Consoladora.

Fonte: Reformador, ano 124, nº 2.128, julho 2006, por Juvanir Borges de Souza.

 

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