Humildade e desinteresse. Segredo na
prática das boas obras
1.
Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens para que vos
vejam; do contrário, recompensa não recebereis do vosso Pai que está nos céus. 2.
Quando, pois, derdes a esmola, não mandeis tocar trombetas à vossa frente, como
fazem os hipócritas nas sinagogas e nas praças públicas para serem honrados
pelos outros homens. Em verdade vos digo: esses já receberam a sua recompensa. 3.
Quando derdes a esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita, 4,
a fim de que a esmola fique secreta; e vosso Pai, que vê o que se passa em
segredo, vos recompensará.
É certo que nem sempre a
nossa consciência, dadas as condições do meio em que nos encontramos
encarnados, nos pode indicar a causa determinante do nosso procedimento, ou os
impulsos a que obedecemos na prática dos nossos atos. Entretanto, assim como,
até certo ponto, nos é possível estudar as causas da enfermidade de que
padeçamos, pelos medicamentos que nos aconselha o nosso médico, também podemos
descobrir as das nossas enfermidades morais, pelo remédio espiritual que nos
aconselham os nossos maiores, repetindo o conselho daquele que foi, é e será
sempre o médico supremo, não só dos corpos, mas principalmente das almas.
Procedendo, então, a esse estudo, reconheceremos que a carência de humildade em
nossos corações constitui, as mais das vezes, a causa principal, mais ou menos
oculta, das nossas faltas, dos nossos erros, dos nossos pecados.
Não é, certamente, por outra
razão que, nos Evangelhos, a cada passo, quase que em todas as suas páginas, se
nos deparam tantos e tão sublimados ensinamentos e exemplos de humildade. Não
é, igualmente, por outro motivo que os nossos anjos de guarda, os nossos guias,
tão de contínuo e com tanta insistência nos recomendam que sejamos humildes.
Pois bem, do trecho que
estamos apreciando, o que sobretudo decorre é ainda uma esplêndida lição de
humildade. Somente possuindo essa virtude celeste, de que, como de todas as
outras, foi modelo excelso Nosso Senhor Jesus Cristo, é que seremos capazes de
praticar unicamente boas obras, com o cunho da abnegação, do desinteresse, da
sinceridade, do sigilo, do devotamento, do amor, em suma, ensinados também nos
versículos que estudamos. Somente a posse daquela virtude fundamental nos
capacitará para a prática da caridade material e moral, pondo em jogo todas as
aptidões da inteligência e todas as delicadezas do coração.
À caridade assim praticada, sob o duplo aspecto que comporta, é que se referia o divino Mestre, como facilmente verificaremos, se procurarmos interpretar-lhe, em espírito e verdade, as palavras, quando, conforme ao texto acima, empregava o termo esmola que, entre nós, tem um sentido que abate e humilha.
Prece. O Pai Nosso
5.
Do mesmo modo, quando orardes, não façais como os hipócritas que gostam de orar
de pé, nas sinagogas e nos cantos das praças públicas para serem vistos pelos
homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. 6. Quando
quiserdes orar, entrai para o vosso aposento e, fechada a porta, orai a vosso
Pai em segredo; e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos
recompensará. 7. Quando orardes, não faleis muito como fazem os gentios,
imaginando que serão escutados por muito falarem. 8. Não vos assemelheis a
eles, porquanto vosso Pai sabe do que precisais antes de lho pedirdes. 9. Orai
assim: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome; 10, venha a
nós o teu reino; faça-se a tua vontade tanto na Terra como no céu; 11, dá-nos
hoje o nosso pão que está acima de qualquer substância; 12, perdoa as nossas
dividas como perdoamos aos nossos devedores; 13, e não nos abandones à
tentação; mas livra-nos do mal, assim seja. 14. Porque, se perdoardes aos
homens as faltas que cometam contra vós, também o Pai celestial perdoará as
vossas. 15. Se porém, não perdoardes aos homens, vosso Pai não vos perdoará os
pecados.
A prece! Antes que a luz do
Espiritismo nos banhasse a alma, não sabíamos o que é verdadeiramente prece,
nem quais o seu poder e a sua eficácia. Ela não passava, para nós, de uma
prática costumeira, a que nos habituara nossa mãe e a que recorríamos, sempre
que nos sentíamos aflito. Rogávamos então a Nosso Senhor Jesus Cristo um
remédio para o nosso sofrimento. Apesar, porém, de lhe ignorarmos o valor e a
eficácia, mesmo fazendo-a por simples hábito, ela nos enchia de doces
esperanças o coração e nos proporcionava conforto. Faltava-nos, entretanto, a
convicção de que aqueles por quem pedíamos beneficiavam dos nossos rogos.
Essa, aliás, a situação em
que se encontra, com relação à prece, a generalidade das criaturas, devido à
ignorância em que se mantêm da verdade, por efeito da incompreensão das coisas
santas, donde a indiferença geral, cuja responsabilidade pesa toda sobre os
que, monopolizando a interpretação das letras sagradas, fazem dos Evangelhos
hieróglifos semelhantes aos do antigo Egito.
Considere-se, porém, que, se
entre os egípcios o sacerdócio proibia aos leigos a leitura e a explicação dos
livros sagrados, era porque, para os ler e explicar, mister se fazia uma
iniciação longa, que se praticava através de estudo profundo e continuado e de
provas que capacitavam o indivíduo para um estado de desprendimento que lhe
permitia penetrar no mundo da verdade. Assim, esta, naquela época, como ao
tempo de Jesus, só era ministrada ao povo de modo muito restrito, em proporções
compatíveis com o desenvolvimento comum das inteligências. Aos fracos,
precisava ser transmitida veladamente, para os não tornar insanos; aos maus,
para lhes não aumentar as responsabilidades, ou lhes facultar meios de
praticarem o mal. Os sacerdotes egípcios, no entanto, os iniciados, esses já
conheciam o magnetismo, o sonambulismo e praticavam a sugestão, chamada então
magia, segundo refere Estrabão, o célebre geógrafo grego.
Vê-se assim que, no Egito,
iniciados eram aqueles para quem a luz da verdade brilhava com grande fulgor.
Eles não ficavam, como os que se dizem representantes de Jesus na Terra e
únicos possuidores do conhecimento da sua doutrina, envoltos na obscuridade dos
mistérios, dos milagres e dos dogmas, em contrário ao que quer o manso Rabi de
Nazaré, que veio à Terra precisamente para iluminar com seus ensinos e exemplos
o caminho da salvação a todas as criaturas de Deus. E é do estudo e da prática
sincera e simples desses ensinos que ressaltam o poder extraordinário, o valor
inigualável e a prodigiosa eficácia da prece.
Um exemplo: certa vez,
durante algumas noites seguidas, à hora de nos deitarmos, oramos em favor de um
irmão do espaço que, por um médium, nos fizera a narração de seus sofrimentos.
Decorridos algumas semanas, por ocasião de outro trabalho, disse-nos o médium,
ao ouvido: F. agradece os benefícios que colheu das tuas preces. Despertada a
nossa reminiscência, pelo irmão agradecido, sentimo-nos surpreso, mas, ao mesmo
tempo, cheio de grande contentamento.
Doutra feita, havendo
acompanhado o bom irmão Bittencourt Sampaio, nosso mestre e companheiro de
saudosa memória, em visita que fez a uma infeliz irmã que tinha o rosto já todo
devorado por um cancro e à qual ia ele levar algum alívio, na primeira sessão
que realizamos depois desse fato, o anjo de guarda da pobrezinha se manifestou,
para nos- agradecer, dizendo: “O Pai celestial ouviu as vossas preces e
Francisca deixa de sofrer neste momento”. Desencarnara. Desde então se nos
firmou definitivamente a convicção de que a prece opera prodígios de
misericórdia, é um recurso de valor inapreciável, que a bondade infinita de Deus
nos concede para obtermos o de que necessitam os nossos Espíritos, uma vez que
o empreguemos com humildade, submissão e fé.
A ciência espírita ensina
como se produzem esses efeitos, fazendo-nos compreender que a prece,
considerada do ponto de vista espiritual, é uma emanação dos mais puros
fluídos, por meio da qual amparo e força recebem, mesmo a seu mau grado,
aqueles a cujo favor é ela feita; que é uma magnetização moral, operando-se a
distância; que, assim sendo, orar é emitir fluídos sutis que, propelidos pela
força da vontade, do amor, vão envolver aquele por quem se ora, fortalecer-lhe
o Espírito e esclarecê-lo. Pela prece, exercemos, de um ponto de vista mais
alto, ação idêntica à que desenvolve o magnetizador sobre um paciente.
Recomendando, para a prece,
o segredo, o silêncio, o recolhimento, e aconselhando seja ela feita em poucas
palavras, Jesus, ipso facto,
condenou, assim com relação àquela época, como em relação ao futuro, as pompas
cultuais e as cerimônias ritualísticas, a multiplicidade das rezas que os
lábios pronunciam, conservando-se-lhes alheio o coração.
Jesus orou ao Pai por nós,
do mesmo modo que o fez Moisés que, dando um ensinamento aos hebreus, levantou
para os céus as mãos, sempre que precisou vencer a Israel. (Êxodo, capítulo 17,
versículo 11).
Jesus Cristo vive sempre
para interceder por nós. (Paulo, “Epístola aos Hebreus”, capítulo 7, versículo
25; “Epístola aos Romanos”, capítulo 8, versículo 34; 1ª. a Timóteo, capítulo
2, versículo 5; João, 1ª Epístola”, capítulo 2, versículo 1). Pai, perdoa-lhes.
(Lucas, capítulo 23, versículo 34). Pai santo, guarda em teu nome aqueles que
me deste. (João capítulo 17, versículo 11). Eu rogarei ao Pai e Ele vos dará
outro Consolador, para que fique eternamente convosco. (João, capítulo 14, versículo
16).
Intercedendo, pois, pelas
ovelhas de seu rebanho, Jesus nos deu um exemplo que devemos seguir
constantemente, orando, sempre com o pensamento nele, que ora por nós, que por
nós vive e reina.
Foi num desses dias, em que
o viram absorvido na oração, que seus discípulos, pela boca de um deles, lhe
pediram, terminada a sua prece: “Mestre, ensina-nos a orar.” E o divino Mestre,
satisfazendo de pronto a esse pedido, lhes ensinou a oração, que ficou sendo
chamada dominical, porque dirigida a Deus, o Senhor, em latim —dominus. Temos dela a explicação que nos
deram o Mestre Allan Kardec, e, posteriormente, os próprios evangelistas,
assistidos pelos apóstolos. Dessa explicação é este o resumo:
Pai
nosso: Pai de todas as criaturas, Criador supremo, de quem
todos provimos.
Que
estás no céu: que ocupas o infinito da tua criação, tão
acima de nós, que os nossos olhos impuros te não podem descobrir.
Santificado
seja o teu nome: que cada uma das tuas criaturas te bendiga
o nome, pelos seus pensamentos e atos, como pelas suas palavras; que seus
corações nada abriguem capaz de lhes macular os lábios com uma blasfêmia,
tornando-os impuros para proferir o nome daquele que é a pureza absoluta.
Venha
a nós o teu reino: pois que o teu reino é da justiça, da paz e
do amor; que a paz, o amor e a justiça reinem entre os homens.
Faça-se
a tua vontade, assim na Terra como no céu: que as leis santas,
justas e imutáveis, que nos impuseste, sejam observadas e praticadas com amor e
reconhecimento em nosso mundo, como o são nos mundos felizes, por humanidades
mais adiantadas do que a nossa; como o são pelos Espíritos bem-aventurados, que
na sua submissão aos teus santíssimos desígnios têm a fonte da bem-aventurança
de que gozam.
Dá-nos
hoje o pão de cada dia, pão que está acima de qualquer substância: concede-nos,
Senhor, o alimento necessário à sustentação do corpo material que nos deste,
como instrumento para a obra da nossa purificação espiritual; mas, dá-nos,
sobretudo, o pão da vida eterna, o viático indispensável a todos os Espíritos
que faliram, como os nossos, para que tenham a força de subir até ao sólio da
tua eternidade.
Perdoa
as nossas dívidas, como perdoamos aos nossos devedores: Perdoa-nos
as ofensas que te temos feito, os pecados em que a todo instante caímos, as
faltas em que ainda a todo momento incorremos, transgredindo os preconceitos da
tua santa lei. Mas, como o amor e o perdão formam a essência dessa lei, a que
se acha submetida a nossa existência, que a tua justiça caia sobre nós, pois
que disseste, pelo teu Filho bem-amado, o nosso Mestre divino: “Amai os vossos
inimigos; fazei bem aos que vos odeiam; abençoai os que vos amaldiçoam.” Usa,
porém, de misericórdia para conosco, se misericordiosos formos para com os
nossos irmãos, perdoando-nos tanto quanto houvermos perdoado as faltas dos
nossos semelhantes.
Não
nos deixes cair em tentação: bem conhecendo a extensão da nossa
fraqueza, forra-nos, Senhor, às provas demasiado fortes para a nossa virtude e
dá-nos forças para resistirmos aos nossos maus pendores; fortalece-nos a
coragem, revigora-nos as energias, a fim de que possamos vencer, sem tibiezas,
nem desfalecimentos, na luta que precisamos travar com as paixões grosseiras e
os sentimentos inferiores, que nos tentam de contínuo, para a nossa perdição.
Livra-nos
de todo mal: permite, Senhor, que cercados pelos bons
Espíritos, dóceis aos seus conselhos e inspirações, possamos sempre resistir às
nossas paixões e vícios, às nossas inclinações más, e repelir assim os maus
Espíritos que, atraídos por essas inclinações, paixões e vícios, tentam
constantemente apoderar-se de nós e arrastar-nos ao caminho do mal.
Amém,
que quer dizer assim seja: assim seja, Senhor, pois que o
reinado, o poder e a glória te pertencem a ti que és o único verdadeiramente
grande, que estás acima de todas as coisas e de todas as criaturas, a ti que és
o nosso Deus, o Criador único de tudo o que vive e se move no espaço infinito,
a ti que, onipotente na imensidade, és o nosso juiz supremo, o nosso soberano,
o nosso Rei, a quem tributamos as homenagens dos nossos corações e em cujo
louvor entoarão as nossas almas cânticos eternos.
Por concluir, repitamos o
conselho com que os evangelistas e os apóstolos puseram fecho a essa explicação
da oração dominical: “Meditai, amados irmãos, este ensinamento que, em nome e
da parte do Cristo, Espírito da Verdade, acabamos de dar-vos, acerca da oração
dominical. Estudai com o coração tudo quanto esta sublime prece inspira ao
homem, para se manter no bom caminho, desenvolvendo e fortificando em si os sentimentos
do dever para com Deus, para com seus irmãos e para consigo mesmo. Estudai com
o coração tudo o que ela encerra de amor, de reconhecimento e de submissão
Àquele que, desde toda a eternidade, foi, é e será Deus de bondade, de
perfeições absolutas e infinitas. Que esse Deus, o Deus de amor vos abençoe.”
Jejum
16.
Quando jejuardes, não vos ponhais tristes como os hipócritas, que desfiguram o
semblante para que os homens vejam que eles estão jejuando. Em verdade vos
digo: já receberam a sua recompensa. 17. Vós, quando jejuardes, perfumai a
cabeça e lavai o rosto, 18, a fim de que o vosso jejum não seja visível aos
olhos dos homens e sim aos do vosso Pai, que tem presente a si o que haja de
mais secreto; e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará.
Compreende-se, é mesmo
justo, louvável, meritório que nos privemos de alimentos, que restrinjamos a
nossa alimentação ao estritamente necessário, para socorrermos o nosso irmão a
quem falte o indispensável; porém, que enfraqueçamos o nosso corpo, deixando de
alimentá-lo, em obediência a um preceito supostamente religioso, é simplesmente
absurdo. Semelhante preceito só se concebe como obra de fanatismo, como
imaginado por obscurantistas, que cifram toda a religião na observância de um formalismo
absolutamente estéril. Quando mesmo se pudesse admitir que tais privações
ritualísticas fossem do agrado de Deus, certo não o seriam, desde que
praticadas publicamente, com ostentação.
De salvar a alma é tudo o de
que devemos e precisamos cogitar; mas, isso só o conseguiremos, levando-a
moralmente, purificando-a, mediante a prática da caridade, porta única da
salvação. Se a nossa consciência nos disser que, para a esse efeito chegarmos,
necessitamos fazer sacrifícios, façamo-los, porém de modo que todos redundem em
benefício do Espírito. Esse o ensino do divino Mestre.
Os judeus praticavam o jejum
material; e Jesus, dizendo o que consta nos versículos que estamos apreciando,
visou evitar que essa prática continuasse a oferecer ensejo para a hipocrisia e
incentivo ao orgulho, tornando-se uma causa de acréscimo de responsabilidades e
de maior transviamento dos que a ela se entregavam. Nenhum mérito tem aos olhos
de Deus o que a criatura faça por ostentação, para ser vista, apreciada e
louvada pelos homens.
Jesus aconselhava e os seus
mensageiros presentemente aconselham o jejum, mas o jejum espiritual, que
consiste na abstenção de todo mal, isto é, de todo mau pensamento, de toda má
palavra, de todo ato que nos degrade aos olhos do nosso Criador. Jamais façamos
consistir a prática do amor a Deus e ao próximo, mandamento que encerra toda a
lei e os profetas, como o disse o Mestre divino, na observância daquela e de
outras formalidades idênticas, que nada valem, porque em nada concorrem para a
melhora espiritual das criaturas.
Desprendimento das coisas terrenas.
Coração puro, único e verdadeiro tesouro
19.
Não queirais acumular tesouros na Terra, onde a ferrugem e as traças os
destroem, onde os ladrões os desenterram e roubam. 20. Preparai-vos tesouros no
céu, onde não há ferrugem nem traças que os possam destruir, onde não há
ladrões que os desenterrem e roubem. 21. Porquanto, onde estiver o vosso
tesouro aí estará também o vosso coração. 22. Vosso olho é a lâmpada do vosso
corpo; se vosso olho for simples, todo o vosso corpo será luminoso. 23. Mas, se
vosso olho for mau, todo o vosso corpo é tenebroso. Se, pois, a luz que está em
vós não for senão trevas, quão grandes não serão estas mesmas trevas!
Como várias vezes temos
dito, Jesus, por isso que falava a homens materiais, costumava empregar, para
tocá-los, imagens materiais. Se lhes procurarmos, porém, o espírito,
encontraremos o verdadeiro sentido e o alcance de suas palavras.
Assim procedendo,
relativamente às que constam nestes versículos, veremos ser o seguinte o ensino
que delas decorre: não procureis realizar na Terra a vossa felicidade, quando
isso esteja em oposição à felicidade eterna do vosso Espírito, na imensidade.
Aproximar-nos cada vez mais
de Deus deve ser o pensamento que presida a todos os nossos atos. Para
avançarmos no sentido dessa aproximação é que, principalmente, nos achamos
neste mundo, visto que nisso está toda a nossa felicidade, o fim para que fomos
criados. Tendo-nos transviado da senda que devêramos trilhar sempre, tudo para
nós está em a retomarmos de novo, a fim de ganharmos a nossa verdadeira pátria,
ascendendo ao seio do nosso Mestre, que no-la veio mostrar, ao mesmo tempo que
nos veio habilitar, mediante seus ensinos, para entrarmos na posse do
patrimônio de luz e bem-aventurança, que o Pai nos reserva.
Não nos deixemos fascinar
pelos bens perecíveis, qualquer que seja o brilho que aparentem, porque são uma
fonte de trevas para o nosso Espírito. A luz que parecem ter se apaga, desde
que deles nos prive a morte. Ver-nos-emos então numa existência, onde não cabem
as vaidades, e sem coisa alguma com que possamos apresentar-nos perante Deus.
O nosso único e verdadeiro
tesouro está junto do Eterno, que é o possuidor de todas as graças. Desde que
nos compenetremos desta verdade, Ele será sempre o alvo de todas as nossas
ações, de todos os nossos pensamentos, para Ele se voltará de contínuo o nosso
coração, que assim estará sempre junto de Deus, origem e concretização de todos
os bens reais, porque junto dele estará o nosso tesouro.
Pequenino rebanho, não
temais, etc. Estas palavras Jesus as dirigia aos primeiros discípulos, muito
poucos, em número, comparativamente à grandeza da tarefa que lhes cabia
desempenhar, mas devotados e atentos em caminhar sem desvios pela senda do Senhor.
Dirigem-se também aos primeiros espíritas que, em número igualmente reduzido
para a missão que lhes cumpre desempenhar, precisam ser, como aqueles, cheios
de devotamento e firmes nos seus passos sob as vistas do Senhor, em cujas
promessas devem, como os primeiros discípulos, confiar plenamente.
Vendei o que possuía e
distribui-o em esmolas. Não quer isto dizer que devamos desfazer-nos de todos
os nossos haveres, de modo a ficarmos na condição de termos que, por nossa vez,
esmolar. Fora absurdo e contrário a todos os ensinamentos do Mestre. Significa
que a posse e a aplicação dos bens que nos pertençam devem ser isentas de
egoísmo e santificadas pela caridade; que as boas obras, de ordem material,
como de ordem intelectual, constituem as únicas riquezas indestrutíveis,
porque, como bens espirituais que são, representam o principal fator de todo
progresso moral, que nos conduz à perfeição, fazendo-nos aproximar de Deus.
Servir a Deus e não a Mamon. Nada de
preocupação exclusiva com as coisas materiais
24.
Ninguém pode servir a dois senhores, porque, ou odiará a um e amará o outro, ou
se submeterá a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamon. 25.
Eis por que vos digo: não vos inquieteis pelo que comereis para sustento da
vossa vida, nem com que vestireis o vosso corpo. A vida não é muito mais do que
o alimento, e o corpo muito mais do que as roupas? 26. Vede as aves do céu: não
semeiam, não ceifam, não enchem celeiros e entretanto vosso Pai celestial as
alimenta. Não sois muito mais do que elas? 27. E qual de vós pode, pelo seu
engenho, acrescentar um côvado à sua estatura? 28. E com as vestes, por que vos
inquietais? Considerai como crescem os lírios do campo: não trabalham, nem
fiam. 29. E eu vos digo que, no entanto, nem Salomão, em toda a sua glória,
jamais vestiu como um deles. 30. Se, pois, Deus cuida de vestir assim o feno
dos campos que hoje existe e amanhã será lançado ao forno, quanto mais a vós,
homens de pouca fé! 31. Não vos inquieteis, pois, dizendo: que comeremos? ou:
que beberemos? ou como nos vestiremos? 32. À semelhança dos gentios que se
azafamam por essas coisas, porquanto vosso Pai sabe que delas precisais. 33.
Procurai primeiramente o reino de Deus e sua justiça e todas aquelas coisas vos
serão dadas de acréscimo. 34. Assim, não vos inquieteis pelo dia de amanhã,
pois o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia a sua própria
aflição.
A missão de Jesus, como
ainda há pouco dizíamos, tinha por principal escopo libertar os homens do jugo,
da escravidão da matéria e convencê-los de que o objetivo que devem colimar, o
fim que acima de todas as coisas devem propor aos seus esforços é a conquista
da vida eterna, isto é, a vida de puro Espírito, do Espírito que, havendo
completado o ciclo das provas que se lhe tornaram necessárias ao progresso
moral, chega ao supremo grau de pureza, o que lhe faculta a compreensão de Deus
e o gozo eterno da vida espiritual livre, que o leva a aproximar-se cada vez
mais do centro da onipotência, sem, todavia, igualar-se jamais à Divindade.
Predicando a homens
grosseiros, de naturezas rebeldes, de almas endurecidas, tinha Ele, como também
já dissemos, que lhes dirigir fortes e enérgicas reprimendas, para conseguir
tocá-los um pouco, impressionando-lhes a imaginação.
Tendo-se em conta essas
circunstâncias e considerando-se que as suas palavras devem ser interpretadas
sempre segundo o espírito e não segundo a letra, facilmente se percebe que, ao
proferir as que constam nos versículos acima, não pretendeu o divino Mestre
aconselhar ao homem que, para satisfação de todas as necessidades da sua
existência, se entregue exclusivamente aos cuidados do seu Criador; que deixe
de cumprir a sua tarefa; que se despreocupe de toda previdência, negligenciando
em precatar-se para os dias da senectude e da invalidez. Jamais poderia Ele
pensar em dar semelhante conselho, quando é certo que do conjunto de seus
ensinos decorre para a criatura humana o dever de ajuntar no seu celeiro,
enquanto se ache no vigor da idade, os grãos que lhe assegurem o pão da velhice.
Apenas, o que é mister é que faça isso lealmente, com integridade diante do
Senhor, sem desperdiçar qualquer parcela, porque lhe cabe ajudar seus irmãos
desvalidos ou inválidos, que não puderam colher mais do que algumas espigas
para seu sustento diário.
Portanto, trabalhar segundo
as nossas forças e meios, pensando sempre nos que não o podem fazer, ou já não
podem mais, e cuidando de auxiliá-los quanto nos seja possível, eis como cumpre
procedamos, certos de que Deus abençoa os corações puros e as boas intenções.
Ninguém pode servir a Deus e
a Mamon. Mamon era uma divindade que os antigos sírios adoravam, um ídolo de
prata ou de ouro, que mais ou menos correspondia ao Júpiter dos latinos e
representava as paixões humanas, com seu cortejo de vícios, o que explica o
pensamento de Jesus, quando disse: Ninguém pode ao mesmo tempo servir a dois
senhores.
De fato, não podemos viver a
vida que Deus quer que vivamos, cedendo simultaneamente aos desvarios da vida
mundana. O mundo, em regra, considera coisas elevadas e dignas do maior apreço,
únicas cobiçáveis, a riqueza e a glória, por serem as que satisfazem ao cego
orgulho do homem, enquanto que o Senhor ama os de espírito humilde, aos simples
e mansos de coração.
A criatura deve aguardar que
pela vontade do seu Criador se lhe desenvolvam os predicados com que haja de
brilhar aos olhos de seus irmãos, mas deve esperar em atividade, no trabalho,
que Deus sempre abençoa, e não na inércia, na ociosidade, na despreocupação com
que a açucena dos campos espera, no seio da Terra, que de suas brilhantes
vestes Ele a cubra. Proceder de modo contrário é pretender que Jesus tenha
encomiado a preguiça, a negligência, é fazer de suas palavras um pretexto para
a incúria, para o fatalismo.
Não vos inquieteis pelo dia
de amanhã. Quer isto dizer que, vivendo segundo os desígnios de Deus e
trabalhando, como lhe cumpre, para a sua subsistência, deve o homem estar
sempre confiante de que a tudo mais, como for de justiça e conforme às suas
necessidades espirituais, o Pai proverá. Quer dizer também que, embora sem ser
menos previdente do que certos animais, não deve ele mostrar-se ambicioso, nem
concentrar na acumulação de riquezas todos os seus pensamentos e desejos. Quer,
ainda, dizer que, se apesar da sua aplicação ao trabalho, vier o homem a
achar-se na penúria, deve confiar-se ao Senhor, que, sabendo o que convém a
cada uma de suas criaturas, se permite que em tal situação ele se encontre, é
porque ela representa a prova necessária a lhe depurar o Espírito e a torná-lo
digno do seu Criador.
Cônscios, que devemos estar,
de que, por nós mesmos, nem as mínimas coisas somos capazes de fazer, como
poderemos alimentar a pretensão de mudar a face dos acontecimentos, que todos
decorrem da onisciente ação divina? Em todas as circunstâncias, pois, o que nos
cabe é conformar-nos, certos de que tudo obedece à vontade de Deus, que só ao
nosso bem visa.
Não nos preocupemos com os
cuidados e aflições que hajam de vir. Entreguemo-nos confiantes à misericórdia
do Senhor, que não deixará de chamar os obreiros diligentes para, no devido
tempo, gozarem do fruto de seus labores. Coragem, portanto, coragem, que esse
tempo chegará. Quando houvermos transposto a barreira que nos detém os passos,
volveremos à nossa verdadeira pátria e de lá apreciaremos os progressos da
Humanidade, e cumprida integralmente estará a revelação do Cristo.
Elucidações evangélicas. FEB
(e-book).
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