Evangelho segundo Mateus - cap. 6

Humildade e desinteresse. Segredo na prática das boas obras

1. Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens para que vos vejam; do contrário, recompensa não recebereis do vosso Pai que está nos céus. 2. Quando, pois, derdes a esmola, não mandeis tocar trombetas à vossa frente, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas praças públicas para serem honrados pelos outros homens. Em verdade vos digo: esses já receberam a sua recompensa. 3. Quando derdes a esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita, 4, a fim de que a esmola fique secreta; e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará.

É certo que nem sempre a nossa consciência, dadas as condições do meio em que nos encontramos encarnados, nos pode indicar a causa determinante do nosso procedimento, ou os impulsos a que obedecemos na prática dos nossos atos. Entretanto, assim como, até certo ponto, nos é possível estudar as causas da enfermidade de que padeçamos, pelos medicamentos que nos aconselha o nosso médico, também podemos descobrir as das nossas enfermidades morais, pelo remédio espiritual que nos aconselham os nossos maiores, repetindo o conselho daquele que foi, é e será sempre o médico supremo, não só dos corpos, mas principalmente das almas. Procedendo, então, a esse estudo, reconheceremos que a carência de humildade em nossos corações constitui, as mais das vezes, a causa principal, mais ou menos oculta, das nossas faltas, dos nossos erros, dos nossos pecados.

Não é, certamente, por outra razão que, nos Evangelhos, a cada passo, quase que em todas as suas páginas, se nos deparam tantos e tão sublimados ensinamentos e exemplos de humildade. Não é, igualmente, por outro motivo que os nossos anjos de guarda, os nossos guias, tão de contínuo e com tanta insistência nos recomendam que sejamos humildes.

Pois bem, do trecho que estamos apreciando, o que sobretudo decorre é ainda uma esplêndida lição de humildade. Somente possuindo essa virtude celeste, de que, como de todas as outras, foi modelo excelso Nosso Senhor Jesus Cristo, é que seremos capazes de praticar unicamente boas obras, com o cunho da abnegação, do desinteresse, da sinceridade, do sigilo, do devotamento, do amor, em suma, ensinados também nos versículos que estudamos. Somente a posse daquela virtude fundamental nos capacitará para a prática da caridade material e moral, pondo em jogo todas as aptidões da inteligência e todas as delicadezas do coração.

À caridade assim praticada, sob o duplo aspecto que comporta, é que se referia o divino Mestre, como facilmente verificaremos, se procurarmos interpretar-lhe, em espírito e verdade, as palavras, quando, conforme ao texto acima, empregava o termo esmola que, entre nós, tem um sentido que abate e humilha.

Prece. O Pai Nosso

5. Do mesmo modo, quando orardes, não façais como os hipócritas que gostam de orar de pé, nas sinagogas e nos cantos das praças públicas para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. 6. Quando quiserdes orar, entrai para o vosso aposento e, fechada a porta, orai a vosso Pai em segredo; e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará. 7. Quando orardes, não faleis muito como fazem os gentios, imaginando que serão escutados por muito falarem. 8. Não vos assemelheis a eles, porquanto vosso Pai sabe do que precisais antes de lho pedirdes. 9. Orai assim: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome; 10, venha a nós o teu reino; faça-se a tua vontade tanto na Terra como no céu; 11, dá-nos hoje o nosso pão que está acima de qualquer substância; 12, perdoa as nossas dividas como perdoamos aos nossos devedores; 13, e não nos abandones à tentação; mas livra-nos do mal, assim seja. 14. Porque, se perdoardes aos homens as faltas que cometam contra vós, também o Pai celestial perdoará as vossas. 15. Se porém, não perdoardes aos homens, vosso Pai não vos perdoará os pecados.

A prece! Antes que a luz do Espiritismo nos banhasse a alma, não sabíamos o que é verdadeiramente prece, nem quais o seu poder e a sua eficácia. Ela não passava, para nós, de uma prática costumeira, a que nos habituara nossa mãe e a que recorríamos, sempre que nos sentíamos aflito. Rogávamos então a Nosso Senhor Jesus Cristo um remédio para o nosso sofrimento. Apesar, porém, de lhe ignorarmos o valor e a eficácia, mesmo fazendo-a por simples hábito, ela nos enchia de doces esperanças o coração e nos proporcionava conforto. Faltava-nos, entretanto, a convicção de que aqueles por quem pedíamos beneficiavam dos nossos rogos.

Essa, aliás, a situação em que se encontra, com relação à prece, a generalidade das criaturas, devido à ignorância em que se mantêm da verdade, por efeito da incompreensão das coisas santas, donde a indiferença geral, cuja responsabilidade pesa toda sobre os que, monopolizando a interpretação das letras sagradas, fazem dos Evangelhos hieróglifos semelhantes aos do antigo Egito.

Considere-se, porém, que, se entre os egípcios o sacerdócio proibia aos leigos a leitura e a explicação dos livros sagrados, era porque, para os ler e explicar, mister se fazia uma iniciação longa, que se praticava através de estudo profundo e continuado e de provas que capacitavam o indivíduo para um estado de desprendimento que lhe permitia penetrar no mundo da verdade. Assim, esta, naquela época, como ao tempo de Jesus, só era ministrada ao povo de modo muito restrito, em proporções compatíveis com o desenvolvimento comum das inteligências. Aos fracos, precisava ser transmitida veladamente, para os não tornar insanos; aos maus, para lhes não aumentar as responsabilidades, ou lhes facultar meios de praticarem o mal. Os sacerdotes egípcios, no entanto, os iniciados, esses já conheciam o magnetismo, o sonambulismo e praticavam a sugestão, chamada então magia, segundo refere Estrabão, o célebre geógrafo grego.

Vê-se assim que, no Egito, iniciados eram aqueles para quem a luz da verdade brilhava com grande fulgor. Eles não ficavam, como os que se dizem representantes de Jesus na Terra e únicos possuidores do conhecimento da sua doutrina, envoltos na obscuridade dos mistérios, dos milagres e dos dogmas, em contrário ao que quer o manso Rabi de Nazaré, que veio à Terra precisamente para iluminar com seus ensinos e exemplos o caminho da salvação a todas as criaturas de Deus. E é do estudo e da prática sincera e simples desses ensinos que ressaltam o poder extraordinário, o valor inigualável e a prodigiosa eficácia da prece.

Um exemplo: certa vez, durante algumas noites seguidas, à hora de nos deitarmos, oramos em favor de um irmão do espaço que, por um médium, nos fizera a narração de seus sofrimentos. Decorridos algumas semanas, por ocasião de outro trabalho, disse-nos o médium, ao ouvido: F. agradece os benefícios que colheu das tuas preces. Despertada a nossa reminiscência, pelo irmão agradecido, sentimo-nos surpreso, mas, ao mesmo tempo, cheio de grande contentamento.

Doutra feita, havendo acompanhado o bom irmão Bittencourt Sampaio, nosso mestre e companheiro de saudosa memória, em visita que fez a uma infeliz irmã que tinha o rosto já todo devorado por um cancro e à qual ia ele levar algum alívio, na primeira sessão que realizamos depois desse fato, o anjo de guarda da pobrezinha se manifestou, para nos- agradecer, dizendo: “O Pai celestial ouviu as vossas preces e Francisca deixa de sofrer neste momento”. Desencarnara. Desde então se nos firmou definitivamente a convicção de que a prece opera prodígios de misericórdia, é um recurso de valor inapreciável, que a bondade infinita de Deus nos concede para obtermos o de que necessitam os nossos Espíritos, uma vez que o empreguemos com humildade, submissão e fé.

A ciência espírita ensina como se produzem esses efeitos, fazendo-nos compreender que a prece, considerada do ponto de vista espiritual, é uma emanação dos mais puros fluídos, por meio da qual amparo e força recebem, mesmo a seu mau grado, aqueles a cujo favor é ela feita; que é uma magnetização moral, operando-se a distância; que, assim sendo, orar é emitir fluídos sutis que, propelidos pela força da vontade, do amor, vão envolver aquele por quem se ora, fortalecer-lhe o Espírito e esclarecê-lo. Pela prece, exercemos, de um ponto de vista mais alto, ação idêntica à que desenvolve o magnetizador sobre um paciente.

Recomendando, para a prece, o segredo, o silêncio, o recolhimento, e aconselhando seja ela feita em poucas palavras, Jesus, ipso facto, condenou, assim com relação àquela época, como em relação ao futuro, as pompas cultuais e as cerimônias ritualísticas, a multiplicidade das rezas que os lábios pronunciam, conservando-se-lhes alheio o coração.

Jesus orou ao Pai por nós, do mesmo modo que o fez Moisés que, dando um ensinamento aos hebreus, levantou para os céus as mãos, sempre que precisou vencer a Israel. (Êxodo, capítulo 17, versículo 11).

Jesus Cristo vive sempre para interceder por nós. (Paulo, “Epístola aos Hebreus”, capítulo 7, versículo 25; “Epístola aos Romanos”, capítulo 8, versículo 34; 1ª. a Timóteo, capítulo 2, versículo 5; João, 1ª Epístola”, capítulo 2, versículo 1). Pai, perdoa-lhes. (Lucas, capítulo 23, versículo 34). Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste. (João capítulo 17, versículo 11). Eu rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Consolador, para que fique eternamente convosco. (João, capítulo 14, versículo 16).

Intercedendo, pois, pelas ovelhas de seu rebanho, Jesus nos deu um exemplo que devemos seguir constantemente, orando, sempre com o pensamento nele, que ora por nós, que por nós vive e reina.

Foi num desses dias, em que o viram absorvido na oração, que seus discípulos, pela boca de um deles, lhe pediram, terminada a sua prece: “Mestre, ensina-nos a orar.” E o divino Mestre, satisfazendo de pronto a esse pedido, lhes ensinou a oração, que ficou sendo chamada dominical, porque dirigida a Deus, o Senhor, em latim —dominus. Temos dela a explicação que nos deram o Mestre Allan Kardec, e, posteriormente, os próprios evangelistas, assistidos pelos apóstolos. Dessa explicação é este o resumo:

Pai nosso: Pai de todas as criaturas, Criador supremo, de quem todos provimos.

Que estás no céu: que ocupas o infinito da tua criação, tão acima de nós, que os nossos olhos impuros te não podem descobrir.

Santificado seja o teu nome: que cada uma das tuas criaturas te bendiga o nome, pelos seus pensamentos e atos, como pelas suas palavras; que seus corações nada abriguem capaz de lhes macular os lábios com uma blasfêmia, tornando-os impuros para proferir o nome daquele que é a pureza absoluta.

Venha a nós o teu reino: pois que o teu reino é da justiça, da paz e do amor; que a paz, o amor e a justiça reinem entre os homens.

Faça-se a tua vontade, assim na Terra como no céu: que as leis santas, justas e imutáveis, que nos impuseste, sejam observadas e praticadas com amor e reconhecimento em nosso mundo, como o são nos mundos felizes, por humanidades mais adiantadas do que a nossa; como o são pelos Espíritos bem-aventurados, que na sua submissão aos teus santíssimos desígnios têm a fonte da bem-aventurança de que gozam.

Dá-nos hoje o pão de cada dia, pão que está acima de qualquer substância: concede-nos, Senhor, o alimento necessário à sustentação do corpo material que nos deste, como instrumento para a obra da nossa purificação espiritual; mas, dá-nos, sobretudo, o pão da vida eterna, o viático indispensável a todos os Espíritos que faliram, como os nossos, para que tenham a força de subir até ao sólio da tua eternidade.

Perdoa as nossas dívidas, como perdoamos aos nossos devedores: Perdoa-nos as ofensas que te temos feito, os pecados em que a todo instante caímos, as faltas em que ainda a todo momento incorremos, transgredindo os preconceitos da tua santa lei. Mas, como o amor e o perdão formam a essência dessa lei, a que se acha submetida a nossa existência, que a tua justiça caia sobre nós, pois que disseste, pelo teu Filho bem-amado, o nosso Mestre divino: “Amai os vossos inimigos; fazei bem aos que vos odeiam; abençoai os que vos amaldiçoam.” Usa, porém, de misericórdia para conosco, se misericordiosos formos para com os nossos irmãos, perdoando-nos tanto quanto houvermos perdoado as faltas dos nossos semelhantes.

Não nos deixes cair em tentação: bem conhecendo a extensão da nossa fraqueza, forra-nos, Senhor, às provas demasiado fortes para a nossa virtude e dá-nos forças para resistirmos aos nossos maus pendores; fortalece-nos a coragem, revigora-nos as energias, a fim de que possamos vencer, sem tibiezas, nem desfalecimentos, na luta que precisamos travar com as paixões grosseiras e os sentimentos inferiores, que nos tentam de contínuo, para a nossa perdição.

Livra-nos de todo mal: permite, Senhor, que cercados pelos bons Espíritos, dóceis aos seus conselhos e inspirações, possamos sempre resistir às nossas paixões e vícios, às nossas inclinações más, e repelir assim os maus Espíritos que, atraídos por essas inclinações, paixões e vícios, tentam constantemente apoderar-se de nós e arrastar-nos ao caminho do mal.

Amém, que quer dizer assim seja: assim seja, Senhor, pois que o reinado, o poder e a glória te pertencem a ti que és o único verdadeiramente grande, que estás acima de todas as coisas e de todas as criaturas, a ti que és o nosso Deus, o Criador único de tudo o que vive e se move no espaço infinito, a ti que, onipotente na imensidade, és o nosso juiz supremo, o nosso soberano, o nosso Rei, a quem tributamos as homenagens dos nossos corações e em cujo louvor entoarão as nossas almas cânticos eternos.

Por concluir, repitamos o conselho com que os evangelistas e os apóstolos puseram fecho a essa explicação da oração dominical: “Meditai, amados irmãos, este ensinamento que, em nome e da parte do Cristo, Espírito da Verdade, acabamos de dar-vos, acerca da oração dominical. Estudai com o coração tudo quanto esta sublime prece inspira ao homem, para se manter no bom caminho, desenvolvendo e fortificando em si os sentimentos do dever para com Deus, para com seus irmãos e para consigo mesmo. Estudai com o coração tudo o que ela encerra de amor, de reconhecimento e de submissão Àquele que, desde toda a eternidade, foi, é e será Deus de bondade, de perfeições absolutas e infinitas. Que esse Deus, o Deus de amor vos abençoe.”

Jejum

16. Quando jejuardes, não vos ponhais tristes como os hipócritas, que desfiguram o semblante para que os homens vejam que eles estão jejuando. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 17. Vós, quando jejuardes, perfumai a cabeça e lavai o rosto, 18, a fim de que o vosso jejum não seja visível aos olhos dos homens e sim aos do vosso Pai, que tem presente a si o que haja de mais secreto; e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará.

Compreende-se, é mesmo justo, louvável, meritório que nos privemos de alimentos, que restrinjamos a nossa alimentação ao estritamente necessário, para socorrermos o nosso irmão a quem falte o indispensável; porém, que enfraqueçamos o nosso corpo, deixando de alimentá-lo, em obediência a um preceito supostamente religioso, é simplesmente absurdo. Semelhante preceito só se concebe como obra de fanatismo, como imaginado por obscurantistas, que cifram toda a religião na observância de um formalismo absolutamente estéril. Quando mesmo se pudesse admitir que tais privações ritualísticas fossem do agrado de Deus, certo não o seriam, desde que praticadas publicamente, com ostentação.

De salvar a alma é tudo o de que devemos e precisamos cogitar; mas, isso só o conseguiremos, levando-a moralmente, purificando-a, mediante a prática da caridade, porta única da salvação. Se a nossa consciência nos disser que, para a esse efeito chegarmos, necessitamos fazer sacrifícios, façamo-los, porém de modo que todos redundem em benefício do Espírito. Esse o ensino do divino Mestre.

Os judeus praticavam o jejum material; e Jesus, dizendo o que consta nos versículos que estamos apreciando, visou evitar que essa prática continuasse a oferecer ensejo para a hipocrisia e incentivo ao orgulho, tornando-se uma causa de acréscimo de responsabilidades e de maior transviamento dos que a ela se entregavam. Nenhum mérito tem aos olhos de Deus o que a criatura faça por ostentação, para ser vista, apreciada e louvada pelos homens.

Jesus aconselhava e os seus mensageiros presentemente aconselham o jejum, mas o jejum espiritual, que consiste na abstenção de todo mal, isto é, de todo mau pensamento, de toda má palavra, de todo ato que nos degrade aos olhos do nosso Criador. Jamais façamos consistir a prática do amor a Deus e ao próximo, mandamento que encerra toda a lei e os profetas, como o disse o Mestre divino, na observância daquela e de outras formalidades idênticas, que nada valem, porque em nada concorrem para a melhora espiritual das criaturas.

Desprendimento das coisas terrenas. Coração puro, único e verdadeiro tesouro

19. Não queirais acumular tesouros na Terra, onde a ferrugem e as traças os destroem, onde os ladrões os desenterram e roubam. 20. Preparai-vos tesouros no céu, onde não há ferrugem nem traças que os possam destruir, onde não há ladrões que os desenterrem e roubem. 21. Porquanto, onde estiver o vosso tesouro aí estará também o vosso coração. 22. Vosso olho é a lâmpada do vosso corpo; se vosso olho for simples, todo o vosso corpo será luminoso. 23. Mas, se vosso olho for mau, todo o vosso corpo é tenebroso. Se, pois, a luz que está em vós não for senão trevas, quão grandes não serão estas mesmas trevas!

Como várias vezes temos dito, Jesus, por isso que falava a homens materiais, costumava empregar, para tocá-los, imagens materiais. Se lhes procurarmos, porém, o espírito, encontraremos o verdadeiro sentido e o alcance de suas palavras.

Assim procedendo, relativamente às que constam nestes versículos, veremos ser o seguinte o ensino que delas decorre: não procureis realizar na Terra a vossa felicidade, quando isso esteja em oposição à felicidade eterna do vosso Espírito, na imensidade.

Aproximar-nos cada vez mais de Deus deve ser o pensamento que presida a todos os nossos atos. Para avançarmos no sentido dessa aproximação é que, principalmente, nos achamos neste mundo, visto que nisso está toda a nossa felicidade, o fim para que fomos criados. Tendo-nos transviado da senda que devêramos trilhar sempre, tudo para nós está em a retomarmos de novo, a fim de ganharmos a nossa verdadeira pátria, ascendendo ao seio do nosso Mestre, que no-la veio mostrar, ao mesmo tempo que nos veio habilitar, mediante seus ensinos, para entrarmos na posse do patrimônio de luz e bem-aventurança, que o Pai nos reserva.

Não nos deixemos fascinar pelos bens perecíveis, qualquer que seja o brilho que aparentem, porque são uma fonte de trevas para o nosso Espírito. A luz que parecem ter se apaga, desde que deles nos prive a morte. Ver-nos-emos então numa existência, onde não cabem as vaidades, e sem coisa alguma com que possamos apresentar-nos perante Deus.

O nosso único e verdadeiro tesouro está junto do Eterno, que é o possuidor de todas as graças. Desde que nos compenetremos desta verdade, Ele será sempre o alvo de todas as nossas ações, de todos os nossos pensamentos, para Ele se voltará de contínuo o nosso coração, que assim estará sempre junto de Deus, origem e concretização de todos os bens reais, porque junto dele estará o nosso tesouro.

Pequenino rebanho, não temais, etc. Estas palavras Jesus as dirigia aos primeiros discípulos, muito poucos, em número, comparativamente à grandeza da tarefa que lhes cabia desempenhar, mas devotados e atentos em caminhar sem desvios pela senda do Senhor. Dirigem-se também aos primeiros espíritas que, em número igualmente reduzido para a missão que lhes cumpre desempenhar, precisam ser, como aqueles, cheios de devotamento e firmes nos seus passos sob as vistas do Senhor, em cujas promessas devem, como os primeiros discípulos, confiar plenamente.

Vendei o que possuía e distribui-o em esmolas. Não quer isto dizer que devamos desfazer-nos de todos os nossos haveres, de modo a ficarmos na condição de termos que, por nossa vez, esmolar. Fora absurdo e contrário a todos os ensinamentos do Mestre. Significa que a posse e a aplicação dos bens que nos pertençam devem ser isentas de egoísmo e santificadas pela caridade; que as boas obras, de ordem material, como de ordem intelectual, constituem as únicas riquezas indestrutíveis, porque, como bens espirituais que são, representam o principal fator de todo progresso moral, que nos conduz à perfeição, fazendo-nos aproximar de Deus.

Servir a Deus e não a Mamon. Nada de preocupação exclusiva com as coisas materiais

24. Ninguém pode servir a dois senhores, porque, ou odiará a um e amará o outro, ou se submeterá a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamon. 25. Eis por que vos digo: não vos inquieteis pelo que comereis para sustento da vossa vida, nem com que vestireis o vosso corpo. A vida não é muito mais do que o alimento, e o corpo muito mais do que as roupas? 26. Vede as aves do céu: não semeiam, não ceifam, não enchem celeiros e entretanto vosso Pai celestial as alimenta. Não sois muito mais do que elas? 27. E qual de vós pode, pelo seu engenho, acrescentar um côvado à sua estatura? 28. E com as vestes, por que vos inquietais? Considerai como crescem os lírios do campo: não trabalham, nem fiam. 29. E eu vos digo que, no entanto, nem Salomão, em toda a sua glória, jamais vestiu como um deles. 30. Se, pois, Deus cuida de vestir assim o feno dos campos que hoje existe e amanhã será lançado ao forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé! 31. Não vos inquieteis, pois, dizendo: que comeremos? ou: que beberemos? ou como nos vestiremos? 32. À semelhança dos gentios que se azafamam por essas coisas, porquanto vosso Pai sabe que delas precisais. 33. Procurai primeiramente o reino de Deus e sua justiça e todas aquelas coisas vos serão dadas de acréscimo. 34. Assim, não vos inquieteis pelo dia de amanhã, pois o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia a sua própria aflição.

A missão de Jesus, como ainda há pouco dizíamos, tinha por principal escopo libertar os homens do jugo, da escravidão da matéria e convencê-los de que o objetivo que devem colimar, o fim que acima de todas as coisas devem propor aos seus esforços é a conquista da vida eterna, isto é, a vida de puro Espírito, do Espírito que, havendo completado o ciclo das provas que se lhe tornaram necessárias ao progresso moral, chega ao supremo grau de pureza, o que lhe faculta a compreensão de Deus e o gozo eterno da vida espiritual livre, que o leva a aproximar-se cada vez mais do centro da onipotência, sem, todavia, igualar-se jamais à Divindade.

Predicando a homens grosseiros, de naturezas rebeldes, de almas endurecidas, tinha Ele, como também já dissemos, que lhes dirigir fortes e enérgicas reprimendas, para conseguir tocá-los um pouco, impressionando-lhes a imaginação.

Tendo-se em conta essas circunstâncias e considerando-se que as suas palavras devem ser interpretadas sempre segundo o espírito e não segundo a letra, facilmente se percebe que, ao proferir as que constam nos versículos acima, não pretendeu o divino Mestre aconselhar ao homem que, para satisfação de todas as necessidades da sua existência, se entregue exclusivamente aos cuidados do seu Criador; que deixe de cumprir a sua tarefa; que se despreocupe de toda previdência, negligenciando em precatar-se para os dias da senectude e da invalidez. Jamais poderia Ele pensar em dar semelhante conselho, quando é certo que do conjunto de seus ensinos decorre para a criatura humana o dever de ajuntar no seu celeiro, enquanto se ache no vigor da idade, os grãos que lhe assegurem o pão da velhice. Apenas, o que é mister é que faça isso lealmente, com integridade diante do Senhor, sem desperdiçar qualquer parcela, porque lhe cabe ajudar seus irmãos desvalidos ou inválidos, que não puderam colher mais do que algumas espigas para seu sustento diário.

Portanto, trabalhar segundo as nossas forças e meios, pensando sempre nos que não o podem fazer, ou já não podem mais, e cuidando de auxiliá-los quanto nos seja possível, eis como cumpre procedamos, certos de que Deus abençoa os corações puros e as boas intenções.

Ninguém pode servir a Deus e a Mamon. Mamon era uma divindade que os antigos sírios adoravam, um ídolo de prata ou de ouro, que mais ou menos correspondia ao Júpiter dos latinos e representava as paixões humanas, com seu cortejo de vícios, o que explica o pensamento de Jesus, quando disse: Ninguém pode ao mesmo tempo servir a dois senhores.

De fato, não podemos viver a vida que Deus quer que vivamos, cedendo simultaneamente aos desvarios da vida mundana. O mundo, em regra, considera coisas elevadas e dignas do maior apreço, únicas cobiçáveis, a riqueza e a glória, por serem as que satisfazem ao cego orgulho do homem, enquanto que o Senhor ama os de espírito humilde, aos simples e mansos de coração.

A criatura deve aguardar que pela vontade do seu Criador se lhe desenvolvam os predicados com que haja de brilhar aos olhos de seus irmãos, mas deve esperar em atividade, no trabalho, que Deus sempre abençoa, e não na inércia, na ociosidade, na despreocupação com que a açucena dos campos espera, no seio da Terra, que de suas brilhantes vestes Ele a cubra. Proceder de modo contrário é pretender que Jesus tenha encomiado a preguiça, a negligência, é fazer de suas palavras um pretexto para a incúria, para o fatalismo.

Não vos inquieteis pelo dia de amanhã. Quer isto dizer que, vivendo segundo os desígnios de Deus e trabalhando, como lhe cumpre, para a sua subsistência, deve o homem estar sempre confiante de que a tudo mais, como for de justiça e conforme às suas necessidades espirituais, o Pai proverá. Quer dizer também que, embora sem ser menos previdente do que certos animais, não deve ele mostrar-se ambicioso, nem concentrar na acumulação de riquezas todos os seus pensamentos e desejos. Quer, ainda, dizer que, se apesar da sua aplicação ao trabalho, vier o homem a achar-se na penúria, deve confiar-se ao Senhor, que, sabendo o que convém a cada uma de suas criaturas, se permite que em tal situação ele se encontre, é porque ela representa a prova necessária a lhe depurar o Espírito e a torná-lo digno do seu Criador.

Cônscios, que devemos estar, de que, por nós mesmos, nem as mínimas coisas somos capazes de fazer, como poderemos alimentar a pretensão de mudar a face dos acontecimentos, que todos decorrem da onisciente ação divina? Em todas as circunstâncias, pois, o que nos cabe é conformar-nos, certos de que tudo obedece à vontade de Deus, que só ao nosso bem visa.

Não nos preocupemos com os cuidados e aflições que hajam de vir. Entreguemo-nos confiantes à misericórdia do Senhor, que não deixará de chamar os obreiros diligentes para, no devido tempo, gozarem do fruto de seus labores. Coragem, portanto, coragem, que esse tempo chegará. Quando houvermos transposto a barreira que nos detém os passos, volveremos à nossa verdadeira pátria e de lá apreciaremos os progressos da Humanidade, e cumprida integralmente estará a revelação do Cristo.

Elucidações evangélicas. FEB (e-book).

 

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