Evangelho segundo Mateus - cap. 17

Transfiguração de Jesus no Tabor. Aparição de Elias e de Moisés. Nuvem que cobriu os discípulos Voz que saiu dessa nuvem e palavras que proferiu

1. Seis dias depois, Jesus chamou a Pedro. a Tiago e a João, irmão de Tiago e, afastando-se com eles, os conduziu a um monte elevado. 2. E se transfigurou diante deles: seu rosto resplandeceu como o Sol, suas vestes se tornaram brancas como a neve. 3. E eis lhes apareceram Elias e Moisés, que com Ele falavam. 4. Disse então Pedro a Jesus: Senhor, estamos bem aqui; se quiseres faremos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias. 5. Pedro ainda falava quando uma nuvem luminosa os cobriu e uma voz, que da nuvem saía, disse: Este é meu filho dileto em quem hei posto todas as minhas complacências; escutai-o. 6. Ouvindo isso, os discípulos caíram de rosto em terra, presas de grande temor. 7. Jesus se aproximou, tocou-os e lhes disse: Levantai-vos e não temais. 8. Erguendo então os olhos, eles a ninguém mais viram senão somente a Jesus. 9. Quando desciam do monte, Jesus lhes fez esta recomendação: Não faleis a pessoa alguma do que vistes, até que o filho do homem tenha ressuscitado dentre os mortos.

O fenômeno, que se produziu no monte Tabor, em presença de Pedro, Tiago e João, foi uma formidável manifestação espírita, que teve por fim mostrar a elevação espiritual de Jesus, afirmar a sua missão como Cristo, filho do Deus vivo, Cristo de Deus, e enunciar, sob um véu que a nova revelação levantaria mais tarde, as promessas para o futuro. Retomando, momentaneamente, diante daqueles discípulos, por meio da transfiguração, os atributos da natureza que lhe era própria, se bem que velados ainda, pois de outro modo eles não lhes teriam podido suportar o brilho, Jesus lhes dava uma ideia da sua grandeza espiritual e da glória da vida por que eles ansiavam.

A presença, visível para os discípulos, de Moisés e Elias que, como outros Espíritos, tanto e ainda mais elevados, rodeiam incessantemente a Jesus, foi um meio de que se serviu este para lhes ferir a imaginação e de, por assim dizer, confirmar, diante dos mesmos discípulos, a sua elevação espiritual e que Ele era o Cristo, o Messias prometido. Ambos, Moisés e Elias, haviam anunciado o Messias; a presença ali dos dois como que sancionava e santificava, aos olhos dos Apóstolos, a missão que Ele, Jesus, desempenhava.

A voz que saiu da nuvem e que se foi perdendo no espaço, depois de haver dito: Este é o meu filho bem-amado, em quem pus todas as minhas complacências; escutai-o, afirmava, dessa forma, em nome do Todo-Poderoso, do Pai, a missão de Jesus, como sendo o Cristo, filho do Deus vivo.

Atestando, aquela presença, a intervenção dos Espíritos junto dos homens, o fato de que tratamos foi a revelação, aos apóstolos, da realidade das manifestações espíritas. Constituía, pois, uma promessa feita para o futuro, promessa que se cumpre agora, quando tais manifestações se produzem ostensivamente por toda a parte, explicadas e tornadas compreensíveis pela Nova Revelação outorgada ao mundo mediante tais manifestações. Verifica-se, pois, que são chegados os tempos então preditos. Nessas condições, a Revelação Espírita é bem o outro Consolador, o Espírito da Verdade, que Jesus, o Messias prometido por Moisés e Elias, a seu turno prometeu. Assim como há dois mil anos se cumpriu a promessa desses dois grandes profetas, hoje se cumpre o que prometeu Aquele cujo advento constituíra objeto daquela promessa.

Escolhidos por serem os que apresentavam condições físicas mais favoráveis a torná-los aptos, mediunicamente, à produção da manifestação espírita que se ia dar, os três discípulos, Pedro, Tiago e João, caíram nesse estado de sonolência, de torpor, em que ficam os médiuns, quando se dá uma forte manifestação espírita. E o fato da transfiguração se produziu para eles, com o esplendor correspondente à elevação dos Espíritos que no mesmo fato tomavam parte. Os Espíritos, como o ensina a Doutrina Espírita, têm a faculdade de tornar-se visíveis e tangíveis, sob a forma humana, e transfigurar-se, reunindo em torno de si os fluídos luminosos que sejam necessários ao fenômeno.

A resplendecia que tomaram as vestes de Jesus, as quais, segundo diz o Evangelista, eram de alvura tal, que nenhum pisoeiro da Terra jamais poderia consegui-la, foi uma confirmação da elevação sem par do Cristo, pois que aquelas palavras, entendidas em espírito e verdade, significam que na Terra ninguém jamais poderia igualá-lo em elevação. Com efeito, ainda quando haja alcançado a perfeição sideral, isto é, se tenha tornado puro Espírito, qualquer dos que encarnem no nosso planeta será sempre menos adiantado do que Jesus: ser-lhe-á inferior em ciência universal. Ë que Jesus, Espírito que, como todos os demais, teve a mesma origem, partiu do mesmo ponto de inocência e ignorância, havendo chegado sem o menor desvio, sem a mais ligeira falta, sem se afastar jamais da diretriz traçada pelas leis do Pai, à suprema perfeição moral, continuou e continua a progredir em ciência universal, visto que esse progresso é indefinido. Assim sendo, nunca poderá Ele ser alcançado, na senda desse progresso, por qualquer outro Espírito que haja retardado a marcha da sua evolução, do seu aperfeiçoamento moral, por efeito de uma transgressão que seja daquelas leis.

Quanto mais elevado, tanto mais luminoso se revela o Espírito às vistas humanas. Do mesmo modo, quanto mais elevado é um planeta na escala dos mundos, tanto mais branca e refulgente é a sua luz. Os mundos espirituais, que qualificamos de celestes, aos quais só têm acesso os puros Espíritos, são, na hierarquia dos mundos, os que projetam luz mais branca e mais brilhante. Também entre os puros Espíritos, que em pureza são todos iguais, por haverem todos chegado à perfeição moral, há hierarquia, sob o ponto de vista da ciência universal, pois que se distinguem pela soma de suas aquisições intelectuais. Todos, através da eternidade, se vão cada vez mais aproximando de Deus, tendo do Criador mais perfeito conhecimento, sem, no entanto, poderem jamais igualá-lo, nem abrangê-lo com o olhar, ou lhe suportar as irradiações, quando se acercam do foco da onipotência, para se inspirarem nas vontades daquele que é o Pai de tudo o que é.

A recomendação que Jesus fez aos discípulos, para que a ninguém falassem do que tinham visto, até que Ele houvesse ressuscitado dentre os mortos, obedeceu à razão de que, se os discípulos divulgassem imediatamente os fatos que presenciaram, antes de verificar-se o que se chamaria a “ressurreição” do mesmo Jesus, ninguém lhes daria crédito.

O fenômeno da transfiguração do Divino Mestre, assim como a de um Espírito muito elevado, nada tem de comum com o da transfiguração do ser humano. Naqueles casos, há ação exclusiva do Espírito sobre o seu corpo perispirítico; nos outros, há necessidade de uma combinação do perispírito do Espírito que opera com o do encarnado que lhe serve de instrumento, sendo, portanto, aparente a transfiguração, visto que resulta do aspecto que o desencarnado dá aos fluídos em que envolve o encarnado.

O Espírito de Elias reencarnado na pessoa de João

10. Seus discípulos então lhe perguntaram: Por que é que os escribas dizem ser preciso que Elias venha primeiro? 11. Jesus lhes respondeu: Em verdade, Elias tem que vir e restabelecerá todas as coisas. 12. Mas eu vos digo que Elias já veio; eles não o conheceram e contra ele fizeram tudo o que quiseram. Assim também farão sofrer o filho do homem. 13. Então seus discípulos compreenderam que Ele lhes havia falado de João Batista.

Chamando a atenção dos discípulos para o fato de haver Elias voltado à Terra na pessoa de João Batista, Jesus assentava as bases da Revelação Espírita, que Ele, mais tarde, no seu colóquio com Nicodemos, deixaria veladamente entrever e que, depois, os Espíritos do Senhor trariam aos homens, nos tempos marcados por Deus, explicando-lhes, em espírito e verdade, a lei natural e imutável da reencarnação, seu princípio fundamental, suas regras, fins e consequências. Talhava assim Jesus a pedra angular sobre que repousaria o edifício do futuro.

Aquelas suas palavras que, cobertas pelo véu da letra, grande influência haviam de exercer no porvir, sob o império do espírito, pouca importância tinham para os apóstolos, dada a natureza da época em que foram ditas, pois a reencarnação, se bem não constituísse lei entre os hebreus, estava no domínio das crenças da maioria deles, embora já a houvessem combatido os “espíritos fortes”, como erros da superstição. Jesus, portanto, ressuscitando Elias na pessoa de João Batista, não fez mais do que ressuscitar essa velha crença, mostrando a lei natural e imutável do renascimento, de cuja aplicação entre nós a reencarnação daquele profeta era apenas um exemplo, dentro da ordem geral da Natureza, pelo que respeita ao reino humano.

E não nos devemos admirar de que os discípulos houvessem feito ao Mestre aquela pergunta, visto que, nas condições sociais em que viviam, pouco sabiam da história sagrada, porquanto a ciência teológica era, na Igreja Hebraica, o que ainda é em nossos dias: uma luz que se oculta, para que não esclareça a multidão e não lhe patenteie as feridas que a Escritura, essa pobre desfigurada, recebeu das interpretações humanas.

Falando de João, disse Jesus a seus discípulos que os escribas e fariseus não haviam compreendido que aquele que pregava o arrependimento e o advento do Redentor era o Elias cuja volta o Antigo Testamento prometera e os discípulos logo compreenderam que Ele se referia ao Batista, que este era o mesmo Elias que as profecias anunciavam, como tendo que ser o Precursor do Cristo.

O que, porém, Jesus, naquela ocasião, não podia, nem devia dizer, mas que hoje a Nova Revelação nos diz é que Moisés, Elias e João Batista são uma mesma e única entidade. Isso os Espíritos do Senhor nos revelam agora, porque são chegados os tempos em que se tem de efetuar a “nova aliança”; em que todos os homens, Judeus e Gentios, se têm que abrigar debaixo de uma só crença, da crença num Deus uno, único, indivisível, Criador incriado, eterno, único eterno: o Pai; em Jesus Cristo, nosso Protetor, Governador e Mestre: o Filho; nos Espíritos do Senhor, Espíritos puros, Espíritos superiores, Espíritos bons, que, sob a direção do Cristo, trabalham pelo progresso do nosso planeta e da sua Humanidade: o Espírito Santo.

Sim, Moisés, Elias e João Batista são um só, são o mesmo Espírito encarnado três vezes em missão. Quando foi Moisés, preparou a vinda do Cristo e a anunciou veladamente. Quando foi Elias, deu grande brilho à tradição hebraica e anunciou, nas suas profecias, que teria de ser o precursor do Cristo. Quando reencarnou em João, filho de Zacarias e Isabel, foi esse precursor.

Essas três figuras formam o emblema de uma tríplice missão desempenhada em três épocas diferentes, e, por meio da aparição de Moisés e de Elias, no Tabor, aos três discípulos, foram elas postas ao alcance das inteligências humanas, quando Jesus ensinou aos homens que João Batista fora Elias, que volvera à Terra. Assim, Moisés, Elias e João foram sempre o mesmo Espírito reencarnado, porém, não a mesma personalidade humana, a mesma individualidade terrena.

Haverá, talvez, quem objete que, sendo os três um só Espírito, não poderiam Moisés e Elias aparecer no Tabor como dois Espíritos distintos, conforme se verificou. Entretanto, a Nova Revelação explica o fato, ensinando que, ali, um Espírito superior, da mesma elevação que Elias e João, tomou a figura, a aparência de Moisés. Tais substituições se dão, quando necessárias, por Espíritos da mesma ordem.

O princípio da reencarnação esteve esquecido durante muito tempo e convinha que assim acontecesse, porque preciso se tornara que um véu fosse lançado entre os homens cheios de vícios, de charlatanices, de superstições, e os mistérios de além-túmulo, até que a Humanidade, pelos progressos realizados, se mostrasse apta a apreender esses mistérios e, com eles, a lei natural da reencarnação, que então lhe seria, pelos Espíritos do Senhor, revelada, como o está nos ensinos da Terceira Revelação, em espírito e verdade, no seu fundamento e nas suas consequências, lei que, de par com aqueles mistérios, desvenda aos homens as sendas da expiação, da reparação e do progresso, sempre abertas ao Espírito que, trilhando-as, chegará à perfeição moral e, assim, à realização de seus destinos, por virtude da justiça de Deus, cujos tesouros de bondade e misericórdia são inesgotáveis.

Lunático. Fé onipotente. Prece e jejum

14. Quando voltou para onde estava o povo, chegou-se a ele um homem que, ajoelhando-se a seus pés, lhe disse: Senhor, tem piedade de meu filho, que é lunático e sofre cruelmente; muitas vezes cai ora no fogo, ora na água. 15. Já o apresentei a teus discípulos, mas estes não o puderam curar. 16. Jesus respondeu: Oh! geração incrédula e perversa, até quando estarei entre vós? até quando vos sofrerei? Trazei-me aqui o menino. 17. E tendo Jesus ameaçado o demônio, este saiu do menino, que ficou no mesmo instante curado. 18. Então os discípulos vieram ter com Jesus em particular e lhe perguntaram: Por que não pudemos nós expulsar esse demônio? 19. Jesus lhes disse: Por causa da vossa nenhuma fé; pois, em verdade vos digo, que, se tivésseis a fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis àquela montanha: Passa daqui para ali, e ela passaria; nada vos seria impossível. 20. Não se expulsam os demônios desta espécie senão por meio da prece e do jejum.

Destes trechos evangélicos se vê que os discípulos de Jesus, apesar de investidos por Ele no poder de curar os enfermos e de afastar dos obsidiados os Espíritos obsessores, não puderam expulsar daquele rapaz, que lhes fora trazido, o perseguidor que o atormentava. Entretanto, apresentado o moço ao Mestre, este ameaçou o “demônio” que sobre ele atuava e no mesmo instante cessou a obsessão de que era agente tal “demônio”.

Enquanto se achava com seus discípulos, Jesus os preparava para desempenhar as missões que lhes iam ser confiadas, sobretudo quando Ele houvesse terminado a sua entre os homens.

Eram ainda incipientes as faculdades mediúnicas de seus discípulos, tinham que se desenvolver, para serem exercidas cada vez em maior escala, até alcançarem toda a amplitude a que haviam de chegar. O mesmo se dá com os médiuns atuais; mas, ao passo que aqueles atingiram o seu pleno desenvolvimento sob as vistas de Jesus, como devia suceder, o dos instrumentos mediúnicos da atualidade só se tornará completo, quando estiver na Terra o Regenerador, grande Espírito que trará a missão de aproximar a Humanidade do ponto de sua purificação integral, da sua perfeição moral. Até lá, eles apenas obterão fatos isolados, estranhos à ordem comum dos fatos.

Quanto ao não haverem podido os discípulos expelir do rapaz, a que se referem os Evangelistas, o “demônio”, a causa de tal insucesso está assinalada na resposta que Jesus deu, quando eles lhe perguntaram por que não tinham conseguido “lançá-lo fora”. Foi por causa da vossa pouca fé, disse o Divino Mestre, acrescentando: “Os demônios desta casta não podem ser expulsos senão pela prece e pelo jejum”.

Ocorre, entretanto, perguntar como é que, já tendo eles produzido, dentro de certos limites, fatos considerados “milagrosos”, pela assistência que lhes dispensava o Mestre, quando os mandara às cidades vizinhas, com o poder de curar os enfermos e expulsar os demônios (MATEUS, capítulo 10, versículo 8), ficaram sem essa assistência naquele caso do lunático. É que Jesus lhes quis significar não se terem eles ainda tornado capazes de cumprir com segurança a tarefa que lhes cabia, preservando-os desse modo do orgulho a que, na condição de homens, poderiam dar entrada em seus corações e levando-os a reconhecer que ainda precisavam fortalecer a fé, tornar absoluta a confiança, que deviam depositar naquele em cujo nome iam falar e agir, para estarem aptos a realizar com firmeza as obras que o viam praticar pelo só poder da sua vontade, em virtude da sua perfeita pureza.

Foi, ao mesmo tempo, um exemplo, para os que de futuro viessem a ser os continuadores da obra dos discípulos. De fato, se estes, edificados como eram, constantemente, pelos ensinos, conselhos e exemplos do Mestre, santificados pela sua presença, ainda estavam sujeitos a fracassos, como o que nesta passagem dos Evangelhos se registra, quão maiores não hão de ser esses fracassos, na atualidade, entre nós, que carecemos de fé, que não sabemos orar e que não praticamos o jejum espiritual! A fé, alavanca poderosa, capaz por si só de levantar o mundo, constitui o meio único de que podemos lançar mão eficazmente, para afastar os Espíritos atrasados e sofredores. Da fé nasce a prece que, se, além de fervorosa e perseverante, é acompanhada do jejum espiritual, acaba sempre por tocar o Espírito culpado, o esclarecer e encaminhar para a verdade.

Que é a fé? Que é a prece? Que é o jejum? Em que consistem este e aquelas?

Disse Jesus ao pai do moço: Se puderes crer, todas as coisas são possíveis àquele que crê. Cumpre notar que, dizendo isso, o Mestre falou figuradamente, como, aliás, de ordinário, sucedia. Mas, dentro da figura de que usou, está a verdade. Efetivamente, que prodígios não pode a fé operar? Que é o que não consegue essa alavanca prodigiosa, essa força motriz incoercível, esse calor fecundante, que dá à alma a essência pura da crença, sem sombras, na existência de Deus, no seu amor e na sua misericórdia infinitos, que a faz librar-se às regiões luminosas do espaço e subir até ao seu Criador, sem mesmo perceber como e por que sobe. A fé consiste na confiança absoluta, sem a mais ligeira dúvida, sem vacilações. Ë uma virtude difícil, senão impossível de definir-se e quase incompreensível para nós outros, pobres pecadores de todos os instantes, cheios de imperfeições e fraquezas. Dizemo-la incompreensível para nós, porque, propensos a considerá-la apanágio somente de Espíritos elevados, por verificarmos que, nas ocasiões em que mais necessária nos é, ela nos falece a nós que a todos os instantes recebemos provas da bondade e misericórdia extremas de Nosso Senhor Jesus Cristo; que estudamos e aceitamos, com lágrimas de reconhecimento, as lições por Ele dadas e exemplificadas até ao cimo do Gólgota, vemos, no entanto, que, noutros irmãos, menos aparelhados de outras virtudes, ela é forte, esclarecida e sábia, como deve ser em todo cristão, segundo ensinam os Evangelhos.

A verdade, porém, é que: àquele que crê, todas as coisas são possíveis, por isso que em torno dele se grupam os Espíritos do Senhor, para assisti-lo. À fé se alia sempre a esperança e ambas se desdobram em caridade. Não tendo ainda os nossos corações bastante abertos para agasalharmos essas virtudes, esforcemo-nos, pelo estudo, pela meditação dos ensinos e exemplos do nosso Salvador e dos seus apóstolos, por fortalecê-los em nossos espíritos, aprendendo a pedir somente o que possa ser de justiça aos olhos de Deus.

Sim, Senhor, eu creio; ajuda a minha pouca fé. —Na humildade e simplicidade do seu coração, aquele pai não se sentia bastante forte em sua fé, para merecer tal graça; porém, esse mesmo temor militava por ele e lhe facultou ser atendido pela bondade infinita. Aí temos o valor e o alcance da prece!

Orai e jejuai, disse-nos o Bom Jesus. Mas, que é orar? Será repetir palavras mais ou menos harmoniosas, mais ou menos sonoras, mais ou menos humildes, ditas de lábios para subirem ao Senhor?

Jejuar será abster-nos de alimentos quaisquer, necessários à sustentação do nosso corpo material e indispensáveis ao regular funcionamento do nosso organismo?

Não. Não nos iludamos. Não é prece uma reunião de palavras que se repetem todos os dias, por ofício, como meio de ganhar a vida, e que acabam tornando-se maquinais.

A prece poderosa, a prece de Jesus são os atos da vida praticados com o pensamento em Deus, e sempre a Deus reportados. É um arroubo contínuo do pensamento, uma aspiração incessantemente dirigida ao Criador e a guiar-nos na prática da verdade, da caridade e do amor, a bem do nosso progresso moral e intelectual e do progresso dos nossos irmãos.

O jejum que Jesus nos recomendou consiste em nos abstermos de pensamentos culposos, inúteis, frívolos mesmo; em sermos sóbrios na satisfação das nossas necessidades materiais, reservando o supérfluo para o repartirmos com os nossos irmãos a quem falte o necessário; em sermos sinceros na modéstia, na regularidade dos costumes, na austeridade do proceder.

Tais são o jejum e a prece que expelem os “demônios” da pior espécie, os “demônios” que nos tornam cegos, surdos e mudos.

Jesus não precisava recorrer à prece ocasional, porque, puro Espírito, Espírito perfeito, investido de onipotência sobre os Espíritos impuros, sua vida, aquela vida que os homens supunham humana, decorria continuamente piedosa aos olhos do Senhor e também porque a sua missão já era um ato de fé e amor, uma prece ativa e permanente, que o colocava (mesmo posta de lado a sua superioridade espiritual) acima de todos os Espíritos, pelo poder e pela persuasão.

Predição, por Jesus, da sua morte e ressurreição

21. Quando voltaram para a Galiléia, Jesus lhes disse: O filho do homem será entregue às mãos dos homens, 22, e estes lhe darão a morte, mas ele ressuscitará ao terceiro dia. Os discípulos ficaram profundamente contristados.

Estes versículos se explicam por si mesmos. Jesus revelava antecipadamente os acontecimentos que se iam dar, a fim de tocar mais fundamente o espírito dos discípulos e lhes aumentar a fé.

Predisse-lhes que “habitaria com os mortos”, a fim de tornar mais frisante a sua ressurreição.

O que eles, porém, compreenderam foi, apenas, que o Senhor se preparava para morrer, que corriam o risco de perder o Mestre bem-amado, crentes de que este pertencia, pelo seu invólucro corpóreo à humanidade terrena. Ao mesmo tempo, receavam interrogá-lo, porque a ressurreição, após uma morte que, no parecer deles, seria real, material, povoava de dúvidas os Espíritos, quanto à possibilidade de tal fato, mesmo como um milagre, dúvidas de que lhes nascia o temor de interpelarem a Jesus.

A vida, a morte e a ressurreição do Salvador, fatos aparentes, mas que deviam ser consideradas reais, tiveram uma razão e um fim que hoje se justificam e explicam, sem que haja mister sejam impostas, dogmaticamente, como milagres, isto é, como derrogações de leis naturais e imutáveis.

Jesus paga o tributo

23. Tendo eles vindo a Cafarnaum, os que recebiam o tributo das duas dracmas se aproximaram de Pedro e lhe perguntaram: Teu Mestre não paga as duas dracmas? 24. Ele respondeu: Sim. Ao entrarem em casa, Jesus lhe perguntou: Que te parece, Simão? De quem recebem os reis da terra os tributos ou impostos? De seus filhos ou dos estranhos? 25. Pedro respondeu: Dos estranhos. Jesus replicou: Então os filhos se acham isentos; 26. mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar e lança o teu anzol; pega do primeiro peixe que apanhares, abre-lhe a boca, que encontrarás dentro um estáter; toma-o e vai entregá-lo por mim e por ti.

Destes versículos, que à primeira vista parecem destituídos de importância, decorrem altas e proveitosas lições, como, aliás, de todos os textos das sagradas letras, para quem as estude com a atenção e o interesse que merecem as coisas santas.

Os Judeus, como sabemos, persistiam em querer que Jesus fosse um chefe temporal, pretensão que Ele não perdia ensejo de demonstrar infundada, porquanto o seu reino não era deste mundo, não sendo, pois, de estranhar que os discípulos, como hebreus, que eram, desejassem encontrar um pretexto para se forrarem às obrigações que lhes impunha o poder do dominador estrangeiro. Por isso, o Mestre, cuja missão era toda de natureza espiritual, aproveitou aquela oportunidade, para, com a eloquência de seus atos, lhes dar uma lição de humildade e submissão, apontando-lhes estas virtudes como as armas que dão, aos pequenos, a vitória da razão e da verdade.

Os “filhos”, a quem Jesus se referia, eram, com relação aos reis da Terra, os naturais do país; ao passo que, para os romanos, eram “filhos” os cidadãos de Roma, sendo estrangeiros os povos subjugados; para os hebreus, ao contrário, no país que aqueles haviam conquistado, estrangeiros eram os conquistadores e filhos os que nesse país haviam nascido. Justo era, portanto, que, estando na sua terra, eles não pagassem tributo aos romanos.

Nada obstante, logo que interpelado foi, Pedro respondeu que o seu Mestre pagaria o tributo, tão certo estava de que este cumpriria, como de fato aconteceu, as obrigações do homem pacífico, que se submete às leis de seu país ainda que as tenha por injustas e que elas realmente o sejam.

E, assim, com efeito, deve ser, porque a derrogação ou revogação das leis rigorosas ou iníquas, tem que resultar, não de revoluções, que sempre acarretam calamidades e as mais das vezes pioram a situação, mas da ação dessa força moral que se personifica na razão e na discussão, ativas, sábias, esclarecidas e perseverantes, força que, com o auxílio do tempo, põe em foco a justiça e a verdade, fontes de toda civilização lídima e de todo o progresso.

Com relação ao fato de haver Pedro achado no ventre do peixe a moeda com que pagou o tributo, cabem as explicações gerais dadas sobre os efeitos magnéticos, quando tratamos da pesca tida por miraculosa. Uma ação magnética, exercida pela vontade de Jesus, sobre os fluídos, impeliu o peixe a engolir a moeda e a encaminhar-se para o anzol com que foi pescado.

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