Transfiguração de Jesus no Tabor. Aparição
de Elias e de Moisés. Nuvem que cobriu os discípulos Voz que saiu dessa nuvem e
palavras que proferiu
1.
Seis dias depois, Jesus chamou a Pedro. a Tiago e a João, irmão de Tiago e,
afastando-se com eles, os conduziu a um monte elevado. 2. E se transfigurou
diante deles: seu rosto resplandeceu como o Sol, suas vestes se tornaram
brancas como a neve. 3. E eis lhes apareceram Elias e Moisés, que com Ele
falavam. 4. Disse então Pedro a Jesus: Senhor, estamos bem aqui; se quiseres
faremos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias. 5. Pedro
ainda falava quando uma nuvem luminosa os cobriu e uma voz, que da nuvem saía,
disse: Este é meu filho dileto em quem hei posto todas as minhas complacências;
escutai-o. 6. Ouvindo isso, os discípulos caíram de rosto em terra, presas de
grande temor. 7. Jesus se aproximou, tocou-os e lhes disse: Levantai-vos e não
temais. 8. Erguendo então os olhos, eles a ninguém mais viram senão somente a
Jesus. 9. Quando desciam do monte, Jesus lhes fez esta recomendação: Não faleis
a pessoa alguma do que vistes, até que o filho do homem tenha ressuscitado
dentre os mortos.
O fenômeno, que se produziu
no monte Tabor, em presença de Pedro, Tiago e João, foi uma formidável
manifestação espírita, que teve por fim mostrar a elevação espiritual de Jesus,
afirmar a sua missão como Cristo, filho do Deus vivo, Cristo de Deus, e enunciar,
sob um véu que a nova revelação levantaria mais tarde, as promessas para o
futuro. Retomando, momentaneamente, diante daqueles discípulos, por meio da
transfiguração, os atributos da natureza que lhe era própria, se bem que
velados ainda, pois de outro modo eles não lhes teriam podido suportar o
brilho, Jesus lhes dava uma ideia da sua grandeza espiritual e da glória da
vida por que eles ansiavam.
A presença, visível para os
discípulos, de Moisés e Elias que, como outros Espíritos, tanto e ainda mais
elevados, rodeiam incessantemente a Jesus, foi um meio de que se serviu este
para lhes ferir a imaginação e de, por assim dizer, confirmar, diante dos
mesmos discípulos, a sua elevação espiritual e que Ele era o Cristo, o Messias
prometido. Ambos, Moisés e Elias, haviam anunciado o Messias; a presença ali
dos dois como que sancionava e santificava, aos olhos dos Apóstolos, a missão
que Ele, Jesus, desempenhava.
A voz que saiu da nuvem e
que se foi perdendo no espaço, depois de haver dito: Este é o meu filho bem-amado, em quem pus todas as minhas
complacências; escutai-o, afirmava, dessa forma, em nome do Todo-Poderoso,
do Pai, a missão de Jesus, como sendo o Cristo, filho do Deus vivo.
Atestando, aquela presença, a intervenção dos Espíritos junto dos homens, o fato de que tratamos foi a revelação, aos apóstolos, da realidade das manifestações espíritas. Constituía, pois, uma promessa feita para o futuro, promessa que se cumpre agora, quando tais manifestações se produzem ostensivamente por toda a parte, explicadas e tornadas compreensíveis pela Nova Revelação outorgada ao mundo mediante tais manifestações. Verifica-se, pois, que são chegados os tempos então preditos. Nessas condições, a Revelação Espírita é bem o outro Consolador, o Espírito da Verdade, que Jesus, o Messias prometido por Moisés e Elias, a seu turno prometeu. Assim como há dois mil anos se cumpriu a promessa desses dois grandes profetas, hoje se cumpre o que prometeu Aquele cujo advento constituíra objeto daquela promessa.
Escolhidos por serem os que
apresentavam condições físicas mais favoráveis a torná-los aptos,
mediunicamente, à produção da manifestação espírita que se ia dar, os três
discípulos, Pedro, Tiago e João, caíram nesse estado de sonolência, de torpor,
em que ficam os médiuns, quando se dá uma forte manifestação espírita. E o fato
da transfiguração se produziu para eles, com o esplendor correspondente à
elevação dos Espíritos que no mesmo fato tomavam parte. Os Espíritos, como o
ensina a Doutrina Espírita, têm a faculdade de tornar-se visíveis e tangíveis,
sob a forma humana, e transfigurar-se, reunindo em torno de si os fluídos
luminosos que sejam necessários ao fenômeno.
A resplendecia que tomaram
as vestes de Jesus, as quais, segundo diz o Evangelista, eram de alvura tal,
que nenhum pisoeiro da Terra jamais poderia consegui-la, foi uma confirmação da
elevação sem par do Cristo, pois que aquelas palavras, entendidas em espírito e
verdade, significam que na Terra ninguém jamais poderia igualá-lo em elevação.
Com efeito, ainda quando haja alcançado a perfeição sideral, isto é, se tenha
tornado puro Espírito, qualquer dos que encarnem no nosso planeta será sempre
menos adiantado do que Jesus: ser-lhe-á inferior em ciência universal. Ë que
Jesus, Espírito que, como todos os demais, teve a mesma origem, partiu do mesmo
ponto de inocência e ignorância, havendo chegado sem o menor desvio, sem a mais
ligeira falta, sem se afastar jamais da diretriz traçada pelas leis do Pai, à
suprema perfeição moral, continuou e continua a progredir em ciência universal,
visto que esse progresso é indefinido. Assim sendo, nunca poderá Ele ser
alcançado, na senda desse progresso, por qualquer outro Espírito que haja
retardado a marcha da sua evolução, do seu aperfeiçoamento moral, por efeito de
uma transgressão que seja daquelas leis.
Quanto mais elevado, tanto
mais luminoso se revela o Espírito às vistas humanas. Do mesmo modo, quanto
mais elevado é um planeta na escala dos mundos, tanto mais branca e refulgente
é a sua luz. Os mundos espirituais, que qualificamos de celestes, aos quais só
têm acesso os puros Espíritos, são, na hierarquia dos mundos, os que projetam
luz mais branca e mais brilhante. Também entre os puros Espíritos, que em
pureza são todos iguais, por haverem todos chegado à perfeição moral, há
hierarquia, sob o ponto de vista da ciência universal, pois que se distinguem
pela soma de suas aquisições intelectuais. Todos, através da eternidade, se vão
cada vez mais aproximando de Deus, tendo do Criador mais perfeito conhecimento,
sem, no entanto, poderem jamais igualá-lo, nem abrangê-lo com o olhar, ou lhe
suportar as irradiações, quando se acercam do foco da onipotência, para se
inspirarem nas vontades daquele que é o Pai de tudo o que é.
A recomendação que Jesus fez
aos discípulos, para que a ninguém falassem do que tinham visto, até que Ele
houvesse ressuscitado dentre os mortos, obedeceu à razão de que, se os
discípulos divulgassem imediatamente os fatos que presenciaram, antes de
verificar-se o que se chamaria a “ressurreição” do mesmo Jesus, ninguém lhes
daria crédito.
O fenômeno da transfiguração
do Divino Mestre, assim como a de um Espírito muito elevado, nada tem de comum
com o da transfiguração do ser humano. Naqueles casos, há ação exclusiva do
Espírito sobre o seu corpo perispirítico; nos outros, há necessidade de uma
combinação do perispírito do Espírito que opera com o do encarnado que lhe
serve de instrumento, sendo, portanto, aparente a transfiguração, visto que
resulta do aspecto que o desencarnado dá aos fluídos em que envolve o
encarnado.
O Espírito de Elias reencarnado na
pessoa de João
10.
Seus discípulos então lhe perguntaram: Por que é que os escribas dizem ser
preciso que Elias venha primeiro? 11. Jesus lhes respondeu: Em verdade, Elias
tem que vir e restabelecerá todas as coisas. 12. Mas eu vos digo que Elias já
veio; eles não o conheceram e contra ele fizeram tudo o que quiseram. Assim
também farão sofrer o filho do homem. 13. Então seus discípulos compreenderam
que Ele lhes havia falado de João Batista.
Chamando a atenção dos
discípulos para o fato de haver Elias voltado à Terra na pessoa de João
Batista, Jesus assentava as bases da Revelação Espírita, que Ele, mais tarde,
no seu colóquio com Nicodemos, deixaria veladamente entrever e que, depois, os
Espíritos do Senhor trariam aos homens, nos tempos marcados por Deus,
explicando-lhes, em espírito e verdade, a lei natural e imutável da
reencarnação, seu princípio fundamental, suas regras, fins e consequências.
Talhava assim Jesus a pedra angular sobre que repousaria o edifício do futuro.
Aquelas suas palavras que,
cobertas pelo véu da letra, grande influência haviam de exercer no porvir, sob
o império do espírito, pouca importância tinham para os apóstolos, dada a
natureza da época em que foram ditas, pois a reencarnação, se bem não
constituísse lei entre os hebreus, estava no domínio das crenças da maioria
deles, embora já a houvessem combatido os “espíritos fortes”, como erros da
superstição. Jesus, portanto, ressuscitando Elias na pessoa de João Batista,
não fez mais do que ressuscitar essa velha crença, mostrando a lei natural e
imutável do renascimento, de cuja aplicação entre nós a reencarnação daquele
profeta era apenas um exemplo, dentro da ordem geral da Natureza, pelo que
respeita ao reino humano.
E não nos devemos admirar de
que os discípulos houvessem feito ao Mestre aquela pergunta, visto que, nas
condições sociais em que viviam, pouco sabiam da história sagrada, porquanto a
ciência teológica era, na Igreja Hebraica, o que ainda é em nossos dias: uma
luz que se oculta, para que não esclareça a multidão e não lhe patenteie as
feridas que a Escritura, essa pobre desfigurada, recebeu das interpretações
humanas.
Falando de João, disse Jesus
a seus discípulos que os escribas e fariseus não haviam compreendido que aquele
que pregava o arrependimento e o advento do Redentor era o Elias cuja volta o
Antigo Testamento prometera e os discípulos logo compreenderam que Ele se
referia ao Batista, que este era o mesmo Elias que as profecias anunciavam,
como tendo que ser o Precursor do Cristo.
O que, porém, Jesus, naquela
ocasião, não podia, nem devia dizer, mas que hoje a Nova Revelação nos diz é
que Moisés, Elias e João Batista são uma mesma e única entidade. Isso os
Espíritos do Senhor nos revelam agora, porque são chegados os tempos em que se
tem de efetuar a “nova aliança”; em que todos os homens, Judeus e Gentios, se
têm que abrigar debaixo de uma só crença, da crença num Deus uno, único,
indivisível, Criador incriado, eterno, único eterno: o Pai; em Jesus Cristo,
nosso Protetor, Governador e Mestre: o Filho; nos Espíritos do Senhor,
Espíritos puros, Espíritos superiores, Espíritos bons, que, sob a direção do
Cristo, trabalham pelo progresso do nosso planeta e da sua Humanidade: o
Espírito Santo.
Sim, Moisés, Elias e João
Batista são um só, são o mesmo Espírito encarnado três vezes em missão. Quando
foi Moisés, preparou a vinda do Cristo e a anunciou veladamente. Quando foi
Elias, deu grande brilho à tradição hebraica e anunciou, nas suas profecias,
que teria de ser o precursor do Cristo. Quando reencarnou em João, filho de
Zacarias e Isabel, foi esse precursor.
Essas três figuras formam o
emblema de uma tríplice missão desempenhada em três épocas diferentes, e, por
meio da aparição de Moisés e de Elias, no Tabor, aos três discípulos, foram
elas postas ao alcance das inteligências humanas, quando Jesus ensinou aos
homens que João Batista fora Elias, que volvera à Terra. Assim, Moisés, Elias e
João foram sempre o mesmo Espírito reencarnado, porém, não a mesma personalidade
humana, a mesma individualidade terrena.
Haverá, talvez, quem objete
que, sendo os três um só Espírito, não poderiam Moisés e Elias aparecer no
Tabor como dois Espíritos distintos, conforme se verificou. Entretanto, a Nova
Revelação explica o fato, ensinando que, ali, um Espírito superior, da mesma
elevação que Elias e João, tomou a figura, a aparência de Moisés. Tais
substituições se dão, quando necessárias, por Espíritos da mesma ordem.
O princípio da reencarnação
esteve esquecido durante muito tempo e convinha que assim acontecesse, porque
preciso se tornara que um véu fosse lançado entre os homens cheios de vícios,
de charlatanices, de superstições, e os mistérios de além-túmulo, até que a
Humanidade, pelos progressos realizados, se mostrasse apta a apreender esses
mistérios e, com eles, a lei natural da reencarnação, que então lhe seria,
pelos Espíritos do Senhor, revelada, como o está nos ensinos da Terceira
Revelação, em espírito e verdade, no seu fundamento e nas suas consequências,
lei que, de par com aqueles mistérios, desvenda aos homens as sendas da
expiação, da reparação e do progresso, sempre abertas ao Espírito que,
trilhando-as, chegará à perfeição moral e, assim, à realização de seus
destinos, por virtude da justiça de Deus, cujos tesouros de bondade e
misericórdia são inesgotáveis.
Lunático. Fé onipotente. Prece e jejum
14.
Quando voltou para onde estava o povo, chegou-se a ele um homem que,
ajoelhando-se a seus pés, lhe disse: Senhor, tem piedade de meu filho, que é
lunático e sofre cruelmente; muitas vezes cai ora no fogo, ora na água. 15. Já
o apresentei a teus discípulos, mas estes não o puderam curar. 16. Jesus
respondeu: Oh! geração incrédula e perversa, até quando estarei entre vós? até
quando vos sofrerei? Trazei-me aqui o menino. 17. E tendo Jesus ameaçado o
demônio, este saiu do menino, que ficou no mesmo instante curado. 18. Então os
discípulos vieram ter com Jesus em particular e lhe perguntaram: Por que não
pudemos nós expulsar esse demônio? 19. Jesus lhes disse: Por causa da vossa
nenhuma fé; pois, em verdade vos digo, que, se tivésseis a fé do tamanho de um
grão de mostarda, diríeis àquela montanha: Passa daqui para ali, e ela
passaria; nada vos seria impossível. 20. Não se expulsam os demônios desta
espécie senão por meio da prece e do jejum.
Destes trechos evangélicos
se vê que os discípulos de Jesus, apesar de investidos por Ele no poder de
curar os enfermos e de afastar dos obsidiados os Espíritos obsessores, não
puderam expulsar daquele rapaz, que lhes fora trazido, o perseguidor que o
atormentava. Entretanto, apresentado o moço ao Mestre, este ameaçou o “demônio”
que sobre ele atuava e no mesmo instante cessou a obsessão de que era agente
tal “demônio”.
Enquanto se achava com seus
discípulos, Jesus os preparava para desempenhar as missões que lhes iam ser
confiadas, sobretudo quando Ele houvesse terminado a sua entre os homens.
Eram ainda incipientes as
faculdades mediúnicas de seus discípulos, tinham que se desenvolver, para serem
exercidas cada vez em maior escala, até alcançarem toda a amplitude a que
haviam de chegar. O mesmo se dá com os médiuns atuais; mas, ao passo que
aqueles atingiram o seu pleno desenvolvimento sob as vistas de Jesus, como
devia suceder, o dos instrumentos mediúnicos da atualidade só se tornará completo,
quando estiver na Terra o Regenerador, grande Espírito que trará a missão de
aproximar a Humanidade do ponto de sua purificação integral, da sua perfeição
moral. Até lá, eles apenas obterão fatos isolados, estranhos à ordem comum dos
fatos.
Quanto ao não haverem podido
os discípulos expelir do rapaz, a que se referem os Evangelistas, o “demônio”,
a causa de tal insucesso está assinalada na resposta que Jesus deu, quando eles
lhe perguntaram por que não tinham conseguido “lançá-lo fora”. Foi por causa da
vossa pouca fé, disse o Divino Mestre, acrescentando: “Os demônios desta casta
não podem ser expulsos senão pela prece e pelo jejum”.
Ocorre, entretanto,
perguntar como é que, já tendo eles produzido, dentro de certos limites, fatos
considerados “milagrosos”, pela assistência que lhes dispensava o Mestre,
quando os mandara às cidades vizinhas, com o poder de curar os enfermos e
expulsar os demônios (MATEUS, capítulo 10, versículo 8), ficaram sem essa
assistência naquele caso do lunático. É que Jesus lhes quis significar não se
terem eles ainda tornado capazes de cumprir com segurança a tarefa que lhes
cabia, preservando-os desse modo do orgulho a que, na condição de homens,
poderiam dar entrada em seus corações e levando-os a reconhecer que ainda precisavam
fortalecer a fé, tornar absoluta a confiança, que deviam depositar naquele em
cujo nome iam falar e agir, para estarem aptos a realizar com firmeza as obras
que o viam praticar pelo só poder da sua vontade, em virtude da sua perfeita
pureza.
Foi, ao mesmo tempo, um
exemplo, para os que de futuro viessem a ser os continuadores da obra dos
discípulos. De fato, se estes, edificados como eram, constantemente, pelos
ensinos, conselhos e exemplos do Mestre, santificados pela sua presença, ainda
estavam sujeitos a fracassos, como o que nesta passagem dos Evangelhos se
registra, quão maiores não hão de ser esses fracassos, na atualidade, entre
nós, que carecemos de fé, que não sabemos orar e que não praticamos o jejum
espiritual! A fé, alavanca poderosa, capaz por si só de levantar o mundo,
constitui o meio único de que podemos lançar mão eficazmente, para afastar os
Espíritos atrasados e sofredores. Da fé nasce a prece que, se, além de
fervorosa e perseverante, é acompanhada do jejum espiritual, acaba sempre por
tocar o Espírito culpado, o esclarecer e encaminhar para a verdade.
Que é a fé? Que é a prece?
Que é o jejum? Em que consistem este e aquelas?
Disse Jesus ao pai do moço:
Se puderes crer, todas as coisas são possíveis àquele que crê. Cumpre notar que,
dizendo isso, o Mestre falou figuradamente, como, aliás, de ordinário, sucedia.
Mas, dentro da figura de que usou, está a verdade. Efetivamente, que prodígios
não pode a fé operar? Que é o que não consegue essa alavanca prodigiosa, essa
força motriz incoercível, esse calor fecundante, que dá à alma a essência pura
da crença, sem sombras, na existência de Deus, no seu amor e na sua
misericórdia infinitos, que a faz librar-se às regiões luminosas do espaço e
subir até ao seu Criador, sem mesmo perceber como e por que sobe. A fé consiste
na confiança absoluta, sem a mais ligeira dúvida, sem vacilações. Ë uma virtude
difícil, senão impossível de definir-se e quase incompreensível para nós
outros, pobres pecadores de todos os instantes, cheios de imperfeições e
fraquezas. Dizemo-la incompreensível para nós, porque, propensos a considerá-la
apanágio somente de Espíritos elevados, por verificarmos que, nas ocasiões em
que mais necessária nos é, ela nos falece a nós que a todos os instantes
recebemos provas da bondade e misericórdia extremas de Nosso Senhor Jesus
Cristo; que estudamos e aceitamos, com lágrimas de reconhecimento, as lições
por Ele dadas e exemplificadas até ao cimo do Gólgota, vemos, no entanto, que,
noutros irmãos, menos aparelhados de outras virtudes, ela é forte, esclarecida
e sábia, como deve ser em todo cristão, segundo ensinam os Evangelhos.
A verdade, porém, é que:
àquele que crê, todas as coisas são possíveis, por isso que em torno dele se
grupam os Espíritos do Senhor, para assisti-lo. À fé se alia sempre a esperança
e ambas se desdobram em caridade. Não tendo ainda os nossos corações bastante
abertos para agasalharmos essas virtudes, esforcemo-nos, pelo estudo, pela
meditação dos ensinos e exemplos do nosso Salvador e dos seus apóstolos, por
fortalecê-los em nossos espíritos, aprendendo a pedir somente o que possa ser
de justiça aos olhos de Deus.
Sim,
Senhor, eu creio; ajuda a minha pouca fé. —Na humildade e
simplicidade do seu coração, aquele pai não se sentia bastante forte em sua fé,
para merecer tal graça; porém, esse mesmo temor militava por ele e lhe facultou
ser atendido pela bondade infinita. Aí temos o valor e o alcance da prece!
Orai e jejuai, disse-nos o
Bom Jesus. Mas, que é orar? Será repetir palavras mais ou menos harmoniosas,
mais ou menos sonoras, mais ou menos humildes, ditas de lábios para subirem ao
Senhor?
Jejuar será abster-nos de
alimentos quaisquer, necessários à sustentação do nosso corpo material e
indispensáveis ao regular funcionamento do nosso organismo?
Não. Não nos iludamos. Não é
prece uma reunião de palavras que se repetem todos os dias, por ofício, como
meio de ganhar a vida, e que acabam tornando-se maquinais.
A prece poderosa, a prece de
Jesus são os atos da vida praticados com o pensamento em Deus, e sempre a Deus
reportados. É um arroubo contínuo do pensamento, uma aspiração incessantemente
dirigida ao Criador e a guiar-nos na prática da verdade, da caridade e do amor,
a bem do nosso progresso moral e intelectual e do progresso dos nossos irmãos.
O jejum que Jesus nos
recomendou consiste em nos abstermos de pensamentos culposos, inúteis, frívolos
mesmo; em sermos sóbrios na satisfação das nossas necessidades materiais,
reservando o supérfluo para o repartirmos com os nossos irmãos a quem falte o
necessário; em sermos sinceros na modéstia, na regularidade dos costumes, na
austeridade do proceder.
Tais são o jejum e a prece
que expelem os “demônios” da pior espécie, os “demônios” que nos tornam cegos,
surdos e mudos.
Jesus não precisava recorrer
à prece ocasional, porque, puro Espírito, Espírito perfeito, investido de
onipotência sobre os Espíritos impuros, sua vida, aquela vida que os homens
supunham humana, decorria continuamente piedosa aos olhos do Senhor e também
porque a sua missão já era um ato de fé e amor, uma prece ativa e permanente,
que o colocava (mesmo posta de lado a sua superioridade espiritual) acima de
todos os Espíritos, pelo poder e pela persuasão.
Predição, por Jesus, da sua morte e
ressurreição
21.
Quando voltaram para a Galiléia, Jesus lhes disse: O filho do homem será
entregue às mãos dos homens, 22, e estes lhe darão a morte, mas ele
ressuscitará ao terceiro dia. Os discípulos ficaram profundamente contristados.
Estes versículos se explicam
por si mesmos. Jesus revelava antecipadamente os acontecimentos que se iam dar,
a fim de tocar mais fundamente o espírito dos discípulos e lhes aumentar a fé.
Predisse-lhes que “habitaria
com os mortos”, a fim de tornar mais frisante a sua ressurreição.
O que eles, porém,
compreenderam foi, apenas, que o Senhor se preparava para morrer, que corriam o
risco de perder o Mestre bem-amado, crentes de que este pertencia, pelo seu
invólucro corpóreo à humanidade terrena. Ao mesmo tempo, receavam interrogá-lo,
porque a ressurreição, após uma morte que, no parecer deles, seria real,
material, povoava de dúvidas os Espíritos, quanto à possibilidade de tal fato,
mesmo como um milagre, dúvidas de que lhes nascia o temor de interpelarem a
Jesus.
A vida, a morte e a
ressurreição do Salvador, fatos aparentes, mas que deviam ser consideradas
reais, tiveram uma razão e um fim que hoje se justificam e explicam, sem que
haja mister sejam impostas, dogmaticamente, como milagres, isto é, como
derrogações de leis naturais e imutáveis.
Jesus paga o tributo
23.
Tendo eles vindo a Cafarnaum, os que recebiam o tributo das duas dracmas se
aproximaram de Pedro e lhe perguntaram: Teu Mestre não paga as duas dracmas? 24.
Ele respondeu: Sim. Ao entrarem em casa, Jesus lhe perguntou: Que te parece,
Simão? De quem recebem os reis da terra os tributos ou impostos? De seus filhos
ou dos estranhos? 25. Pedro respondeu: Dos estranhos. Jesus replicou: Então os
filhos se acham isentos; 26. mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar e
lança o teu anzol; pega do primeiro peixe que apanhares, abre-lhe a boca, que
encontrarás dentro um estáter; toma-o e vai entregá-lo por mim e por ti.
Destes versículos, que à
primeira vista parecem destituídos de importância, decorrem altas e proveitosas
lições, como, aliás, de todos os textos das sagradas letras, para quem as
estude com a atenção e o interesse que merecem as coisas santas.
Os Judeus, como sabemos,
persistiam em querer que Jesus fosse um chefe temporal, pretensão que Ele não
perdia ensejo de demonstrar infundada, porquanto o seu reino não era deste
mundo, não sendo, pois, de estranhar que os discípulos, como hebreus, que eram,
desejassem encontrar um pretexto para se forrarem às obrigações que lhes
impunha o poder do dominador estrangeiro. Por isso, o Mestre, cuja missão era
toda de natureza espiritual, aproveitou aquela oportunidade, para, com a eloquência
de seus atos, lhes dar uma lição de humildade e submissão, apontando-lhes estas
virtudes como as armas que dão, aos pequenos, a vitória da razão e da verdade.
Os “filhos”, a quem Jesus se
referia, eram, com relação aos reis da Terra, os naturais do país; ao passo
que, para os romanos, eram “filhos” os cidadãos de Roma, sendo estrangeiros os
povos subjugados; para os hebreus, ao contrário, no país que aqueles haviam
conquistado, estrangeiros eram os conquistadores e filhos os que nesse país
haviam nascido. Justo era, portanto, que, estando na sua terra, eles não
pagassem tributo aos romanos.
Nada obstante, logo que
interpelado foi, Pedro respondeu que o seu Mestre pagaria o tributo, tão certo
estava de que este cumpriria, como de fato aconteceu, as obrigações do homem
pacífico, que se submete às leis de seu país ainda que as tenha por injustas e
que elas realmente o sejam.
E, assim, com efeito, deve
ser, porque a derrogação ou revogação das leis rigorosas ou iníquas, tem que
resultar, não de revoluções, que sempre acarretam calamidades e as mais das
vezes pioram a situação, mas da ação dessa força moral que se personifica na
razão e na discussão, ativas, sábias, esclarecidas e perseverantes, força que,
com o auxílio do tempo, põe em foco a justiça e a verdade, fontes de toda
civilização lídima e de todo o progresso.
Com relação ao fato de haver
Pedro achado no ventre do peixe a moeda com que pagou o tributo, cabem as
explicações gerais dadas sobre os efeitos magnéticos, quando tratamos da pesca
tida por miraculosa. Uma ação magnética, exercida pela vontade de Jesus, sobre
os fluídos, impeliu o peixe a engolir a moeda e a encaminhar-se para o anzol
com que foi pescado.
Elucidações evangélicas. FEB
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