“Quando derdes um festim,
convidai para ele os pobres, os estropiados, os coxos e os cegos. – E sereis
ditosos por não terem eles meio de vo-lo retribuir; pois isso será retribuído
na ressurreição dos justos.” (Lucas, 14:13-14.)
A qualidade da valiosa lição
transmitida por Jesus, registrada pelo evangelista Lucas, é enaltecer a generosidade, exemplificar o desapego às
posses efêmeras e cultivar o sentido verdadeiro da solidariedade entre todos.
O Mestre nos exorta a manifestar sentimentos fraternos, compadecendo-nos dos
sofrimentos alheios, sem esperar nenhuma compensação pela boa ação que fizermos
para amenizá-los junto às criaturas. Allan Kardec, ao analisar essa passagem,
comenta sobre a sua significação:
[...]
Quer dizer que não se deve fazer o bem tendo em vista uma retribuição, mas tão
só pelo prazer de o praticar. [...] Por festins deveis entender, não os
repastos propriamente ditos, mas a participação na abundância de que
desfrutais.1
E conclui, mais a frente, a
respeito da mesma explicação:
[...]
Outros, ao contrário, encontram satisfação em receber os parentes e amigos
menos felizes. Ora, quem não os conta entre os seus? Dessa forma, grande
serviço, às vezes, se lhes presta, sem que o pareça. Aqueles, sem irem recrutar
os cegos e os estropiados, praticam a máxima de Jesus, se o fazem por benevolência,
sem ostentação, e sabem dissimular o benefício, por meio de uma sincera
cordialidade.1
A caridade, em todas as
situações, qualquer que seja a forma por que se expresse, deve ter como
objetivo a demonstração de afeição sincera entre os corações que se ajudam.
Aquele que ampara, não busca recompensas, mas, apenas, a gratificação de ter
cumprido um dever. Ao fazermos o bem, somos convidados a exemplificar a
legítima beneficência, com modéstia e simplicidade, sensíveis à situação
daqueles que precisam de proteção, sem agravar mais a amargura desses irmãos
necessitados, a quem devemos tratar com paridade sem nos considerarmos
superiores a eles.“[...] socorrê-los publicamente, expondo-os a humilhações, é
profanar a caridade, tornando-a apenas uma agência de publicidade a serviço de
nosso personalismo egoísta e mercenário.”2
Precisamos aumentar o potencial de bondade existente em nós! O amor não tem limites, sobrepõe-se ao mal. Ao ser transmitido para conforto dos que choram, dá e recebe mutuamente as suas divinas consolações. Esse sentimento, porém, deve ser compreendido pelos seres humanos para melhor manifestá-lo, afastando os obstáculos que porventura perturbem a sua demonstração. Kardec, em A Gênese, ao desenvolver estudos relativos ao cultivo do bem, alerta-nos para um problema:
Pode-se
dizer que o mal é a ausência do bem, como o frio é a ausência do calor. Assim como
o frio não é um fluido especial, também o mal não é atributo distinto; um é o
negativo do outro. Onde não existe o bem, forçosamente existe o mal. Não
praticar o mal, já é um princípio do bem. Deus somente quer o bem; só do homem
procede o mal. [...]3
Enquanto trabalharmos nas
boas obras apenas para satisfazer desejos pessoais, com vistas a incitar a
nossa vaidade, sem atender de forma espontânea e amiga às pessoas desprotegidas
que nos procuram, não aplicaremos o bem e agiremos mal por estarmos em
desacordo com um dos ensinamentos preconizados pelo Cristo, que é o de sermos
iguais perante Deus:
Todos
os homens estão submetidos às mesmas leis da Natureza. Todos nascem igualmente
fracos, acham-se sujeitos às mesmas dores e o corpo do rico se destrói como o
do pobre. Deus a nenhum homem concedeu superioridade natural, nem pelo
nascimento, nem pela morte: todos, aos seus olhos, são iguais.4
O sentimento de igualdade
entre os seres humanos é essencial para podermos compreender os padecimentos
alheios. A desigualdade das condições sociais não é obra de Deus, mas dos
homens. Os Espíritos reveladores asseguram:
[...]
Dia virá em que os membros da grande família dos filhos de Deus deixarão de
considerar-se como de sangue mais ou menos puro. Só o Espírito é mais ou menos
puro e isso não depende da posição social.5
Ao respeitarmos os direitos
de nossos semelhantes, ao querermos para os outros o que quereríamos para nós,
tornamo-nos compassíveis à realidade das pessoas que vivem no abandono, na
indigência e na orfandade. Ter piedade daqueles que, sobretudo, vivem sós,
distantes da família, que carecem de saúde e que não possuem condições mínimas
de bem-estar urbano, desperta em nós a compaixão e a abnegação para com os
nossos irmãos, oferecendo cabedais para prestação de serviços individuais e
coletivos, de assistência e alívio. Tendo como fundamentação a lei de justiça, de amor e de caridade,
Allan Kardec faz o seguinte comentário sobre a questão:
[...]
Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si, desde que cada um tome
por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca ninguém desejará para o
seu semelhante senão o bem. [...] A sublimidade da religião cristã está em que
ela tomou o direito pessoal por base do direito do próximo. 6
Os homens devem se unir para
criação de obras beneficentes e consolidar as permanentes, procurando praticar
o autêntico sentimento de caridade, sem se preocupar com os diferentes credos
que as pessoas exerçam, ao acolhê-las nas instituições.“A caridade é caridade,
e nada mais que caridade [...], sem distinção nenhuma, porque todos são filhos
de Deus, objetos de seu amor inesgotável. [...]”7 . Ao prover a vida
do mais fraco, é preciso ter cuidado para não humilhá-lo; aquele que vive da
mendicância, à mercê da boa vontade de alguns, na maioria das vezes, não pode
trabalhar e deve receber certas obrigações para a sua sobrevivência, sem que
esse benefício o degrade física e moralmente. São Vicente de Paulo (1581-1660),
padre francês, fundador de ordens religiosas, em sua peregrinação para levar
alento aos semelhantes, após uma existência de dedicação e sacrifícios na
missão que desempenhou junto aos pobres e desafortunados, adquiriu singular
experiência para legar-nos lições profundas de amor ao próximo, em consonância
aos preceitos do Cristo. Como Espírito superior, ao lado de outros Espíritos
que reencarnaram em épocas diversas na Terra, “cuja elevação é atestada pela pureza
de seus ensinamentos”,8 concorreu na preparação das obras da
Codificação, conforme orientação transmitida a Allan Kardec, responsável pela
missão de organizá-las e publicá-las, para propagação do Espiritismo. Diz ele,
em uma de suas belas mensagens espirituais:
[...]
o que merece reprovação não é a esmola, mas a maneira por que habitualmente é
dada [...].
A
verdadeira caridade é sempre bondosa e benévola; está tanto no ato, como na
maneira por que é praticado. Duplo valor tem um serviço prestado com
delicadeza. Se o for com altivez, pode ser que a necessidade obrigue quem o
recebe a aceitá-lo, mas o seu coração pouco se comoverá. [...]
Deve-se
distinguir a esmola, propriamente dita, da beneficência. Nem sempre o mais
necessitado é o que pede. O temor da humilhação detém o verdadeiro pobre, que
muita vez sofre sem se queixar. A esse é que o homem verdadeiramente humano
sabe ir procurar, sem ostentação. [...]
[...]
Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes. Em vez de votardes
desprezo à ignorância e ao vício, instruí os ignorantes e moralizai os
viciados. Sede brandos e benevolentes [...].9
De indulgência precisamos
nós mesmos, pois ainda somos pobres de virtudes e conquistas morais que não
amealhamos! Quanto mais deplorável for a situação daqueles que procuram amparo,
tanto maior cuidado devemos ter para com eles; dependendo de como os tratarmos
poderemos avivar a situação de desventura em que se encontram, humilhando-os
com a nossa altivez. Aprendamos, assim, a agir com caridade, sem esquecer a
recomendação de Jesus:
Nisto,
agora, conhecerão todos que sois meus discípulos: em vos amardes uns aos outros
como eu vos amei. (João, 13:35.)
Referências:
1 KARDEC, Allan. O evangelho
segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 130. ed. 1. reimp. Rio de
Janeiro: FEB, 2011. Cap. 13, it. 8.
2 CALLIGARIS, Rodolfo. O
sermão da montanha. 18. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Não façais
vossas boas obras diante dos homens, p. 83. 3 KARDEC, Allan. A gênese. Trad.
Guillon Ribeiro. 52. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 3, it. 8,
“Origem do bem e do mal”, p. 86.
4 ______. O livro dos
espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 92. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011.
Comentário de Kardec à q. 803.
5 ______. ______. Q. 806.
6 ______. ______. Comentário
de Kardec à q. 876.
7 AGUAROD, Angel. Grandes e
pequenos problemas. 7. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 7, it. 2,
p. 246.
8 KARDEC, Allan. O livro dos
espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 92. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011.
Prolegômenos, p. 61.
9 ______. ______. Q. 888a,
resposta de São Vicente de Paulo.
Fonte: Reformador, ano 129,
nº 2.195, fevereiro 2012 (e-book)
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