Evangelho segundo Mateus - cap. 19

Divórcio. Casamento

1. Tendo acabado de dizer essas coisas. Jesus deixou a Galiléia e foi para os confins da Judéia, além Jordão. 2. Grandes multidões o acompanharam e ali curou ele os doentes. 3. Dele se acercaram os fariseus e para o tentarem lhe perguntaram: É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer causa? 4. Respondeu Jesus: Não tendes lido que aquele que no princípio criou o homem o criou macho e fêmea? e disse: 5. Por isto o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher e serão dois numa só carne. 6. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Não separe, pois, o homem o que Deus uniu. 7. Replicaram eles: Como é então que Moisés mandou que desse carta de repúdio à mulher e a despedisse? 8. Respondeu Jesus: Por causa da dureza de vossos corações é que Moisés vos permitiu repudiásseis vossas mulheres; mas no princípio não foi assim. 9. Eu, porém, vos digo que aquele que repudiar sua mulher, a não ser por motivo de adultério, e casar com outra, comete adultério, assim como aquele que casar com uma mulher repudiada, também comete adultério.

Criados todos simples e ignorantes, mas dotados das faculdades necessárias a avançar, para o destino que lhes é comum, usando do livre-arbítrio e da razão e, assim, recebendo o prêmio ou o castigo a que fizeram jus, isto é, experimentando as sanções da lei imprescritível do progresso, moral e intelectual, a que todos se acham sujeitos, para chegarem todos à perfeição, herança que o Pai celestial reserva a seus filhos, sem exceção nenhuma, é certo que apenas alguns Espíritos ascendem a essa perfeição sem jamais se desviarem do carreiro santo que lhes foi traçado.

Esses constituem as falanges dos Espíritos puros, imaculados, que têm por morada as regiões etéreas mais próximas do centro da onisciência Deus, Os outros formam as dos que faliram mais ou menos gravemente e para os quais, em consequência, se cria a necessidade de encarnar e reencarnar, a fim de se depurarem gradativamente, mediante expiações, provações e reparações, e conquistar, progredindo, a perfeição moral.

Compreende-se, pois, que o corpo, pela sua mesma natureza, não é mais do que um instrumento facultado ao Espírito, para que, no meio planetário correspondente ao gênero e à gravidade dos seus delitos, passe pelas provas que, fazendo-lhe nascer no intimo o arrependimento, o levem de reparação em reparação e, conseguintemente, de progresso em progresso, ao fim providencial colimado. Ora, sendo a encarnação o meio de se efetivar o progresso dos Espíritos que delinquem, a existência de sexos diferentes, nos corpos que eles então têm que tomar, se tornou necessária, para que, mediante a procriação, esses corpos se reproduzissem, pois, de outro modo, não haveria para o Espírito possibilidade de encarnar.

Da obrigatoriedade imperiosa da procriação, gerou-se a necessidade da união de corpos sexualmente distintos. O casamento, porém, se bem do ponto de vista material atenda a essa necessidade, corresponde, no entanto, a um objetivo muito mais alto, em relação ao qual os corpos do homem e da mulher nenhum valor têm aos olhos do Senhor, para quem ambos só valem como Espíritos, porquanto o Espírito é que é o ser por Ele criado, com o destino a que há pouco nos referimos, nada mais sendo que instrumento de depuração o corpo que o Espírito temporariamente reveste.

Assim, o casamento que, na ordem material, tem por fim a procriação, na ordem moral traduz execução da lei de amor, pelo que tem de ser a união íntima, a fusão, por bem dizer, de duas almas, o que justifica as palavras emblemáticas da Gênese: serão dois numa só alma.

Ora, se, no matrimônio, a verdadeira união é de Espíritos, por isso que o fim moral prepondera com relação ao material, embora este também seja providencial, a conclusão a tirar-se é que ele só se realizará com acerto, oferecendo garantias seguras ao preenchimento do fim principal, quando for uma união que se efetue espontaneamente, por virtude de mútua simpatia e isento de preocupações subalternas. Então, sim, será uma união perfeita e indissolúvel, pois que, interrompida pela morte, se reatará na erraticidade, conservando-se ali, onde como disse Jesus não há “marido e mulher”, qual laço forte, a prender, pela eternidade em fora, os que o hajam formado para se prestarem apoio mútuo na sua ascensão através do infinito.

Mas, então, como se explica que Moisés tenha autorizado o divórcio, contrariamente às palavras da (Gênese, quando diz: “Não separe o homem o que Deus uniu”? Fê-lo, por causa da dureza do coração humano, declarou-o Jesus. A princípio, as necessidades materiais constituíam o móvel único da união do homem e da mulher. Depois, tornando-se a multiplicidade dos filhos uma riqueza, o que se verificou ao surgirem ou desenvolverem-se os povos pastores, a mulher estéril entrou a ser perseguida e até mesmo eliminada. À vista dessa situação, que a ânsia pelo aumento das populações criou para a mulher, dando lugar, depois, a que todos os pretextos servissem para o abandono da esposa, que era o que ocorria ao tempo de Moisés, procurou este remediar ao mal, autorizando o divórcio, que, ao menos, preservava a estéril dos maus tratos a que se via sujeita.

Aos novos abusos que daí decorreram cuidou Jesus de remediar, só admitindo o divórcio no caso de adultério.

Conforme já dissemos, o casamento é, de fato, indissolúvel, quando é a união de dois entes que se sentem atraídos um para o outro por forte simpatia toda espiritual, que, no propósito sincero de se auxiliarem mutuamente nas suas provas, espontaneamente se ligam pelos laços de um afeto, também de natureza espiritual, independente de quaisquer formalidades religiosas e civis, apenas atraindo para si, humildes e submissos, pela prece do coração, as bênçãos e graças do Pai celestial.

Nesse caso, sim, os dois passam a ser uma só carne, que ao homem não é dado, nem possível, separar, por ter sido Deus quem os uniu, isto é, por se haver a união deles efetuado segundo as vistas de Deus, que, conseguintemente, a santificou, abençoando-a. Semelhantes uniões, no entanto, ainda, por ora, constituem apenas, para a nossa Humanidade, um ideal. Na Terra, por enquanto, mau grado a todas as pomposas solenidades de que o cercam, o casamento perde o caráter sagrado que devera ter, para ser, na grande maioria dos casos, a legalização de um contrato comercial, no cumprimento de cujas obrigações as duas partes contratantes se mostram mais ou menos escrupulosas.

Dizendo não separasse o homem o que Deus unira, Jesus cortou cerce o abuso do século em que Ele desceu à Terra e pôs um óbice à corrupção dos séculos que se seguiriam. Não disse, porém, que vivessem forçosamente unidas, em comum, duas criaturas que não possam aproximar-se uma da outra, sem se excitarem reciprocamente à prática de faltas, que implicam transgressão da lei de caridade.

O divórcio não pode existir, aos olhos do Senhor, senão quando um Espírito, pelos seus exemplos ou palavras, impele ao mal um outro com quem antipatize. Aí, conceda-o ou não a lei humana, existe, de fato, o divórcio, porque, então, há, na ordem moral, adultério. Ora, em tal caso, não será melhor separar os galhos da árvore, do que deixar que esta dê maus frutos?

É uma contingência que há de desaparecer por efeito da gradual depuração da Humanidade, mas que ainda subsistirá por longo tempo, até quando os homens, ainda tão presunçosos de seus costumes e da sua moralmente hedionda civilização, deixarem de orgulhar-se do merecimento que supõem ter. A sociedade humana ainda está muito escravizada aos preconceitos, aos abusos, aos vícios, para que se execute a reforma das leis terrenas sobre o casamento, no sentido de pô-las de acordo com a lei natural da união perante Deus. Isso será obra do tempo e do progresso verdadeiro. Cada dia, entretanto, traz o seu grão de areia, que se sobrepõe aos precedente mente trazidos, e esses grãos, acumulando-se, acabarão por formar muralha impenetrável aos vícios da Humanidade.

Torne-se o casamento uma aliança determinada por mútua inclinação, por uma poderosa e irresistível simpatia, de onde se origine puro e sincero amor; uma aliança que, ao influxo desse sentimento, se efetive para recíproca sustentação e apoio, no desempenho dos encargos da existência, nos sofrimentos e infortúnios que advenham como provas, para a depuração espiritual, e o divórcio perderá toda razão de ser, porque caso não haverá em que seja aplicável.

Enquanto, porém, as nossas naturezas se não houverem modificado tão profundamente quanto é preciso, para que o casamento, de acordo com a lei natural, seja a. união, aos olhos de Deus, ao mesmo tempo livre e indissolúvel, conformemo-nos com as leis que nos regem, observando as formalidades que elas impõem para a celebração do matrimônio. E, para prescindirmos, como espíritas, das bênçãos religiosas que as Igrejas humanas pretendem indispensáveis à santificação do ato matrimonial, lembremo-nos de que estamos cercados de levitas os bons Espíritos, os mensageiros divinos, sempre prontos a nô-las conceder em nome do Senhor, e de que, se nos esforçarmos por praticar o casamento, segundo a lei natural perante Deus, com relação a nós se cumprirão estas palavras do Divino. Mestre: Já não sois dois, mas uma só carne; não separe o homem o que Deus uniu.

Respostas de Jesus relativas às condições do casamento. Dos eunucos por diversos motivos

10. Disseram-lhe então os discípulos: Se tal é a condição do homem com relação à esposa, não convém casar. 11. Jesus lhes disse: Nem todos compreendem esta palavra, mas sim aqueles a quem isso é dado. 12. Porque, há os que do ventre materno nasceram eunucos; há os que foram feitos eunucos pelos homens e outros há que a si mesmos se fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Entenda-o quem puder entender.

Como encarnados, os discípulos de Jesus se achavam sob a influência dos preconceitos hebraicos e, assim, encarando o casamento apenas do ponto de vista das satisfações sensuais, consideravam um embaraço a obrigação de conservarem a mulher que escolhessem, houvesse que houvesse. Daí o terem dito: “Se tal é a condição do homem com relação à esposa, não convém casar”. Entendiam que não convinha ao homem casar-se, desde que lhe cumpria, sob pena de incorrer em adultério, guardar a esposa escolhida, acontecesse o que acontecesse.

Eles não perceberam a alusão que Jesus fazia, em mente, aos tempos futuros em que, depuradas as criaturas, a união do homem e da mulher será simultaneamente livre e indissolúvel, segundo a lei natural, à face de Deus, porque será a reunião de dois corpos para a reprodução e a ligação de duas almas pelo laço divino da lei do amor.

Supunham, fazendo a observação que fizeram, falar por inspiração própria. Entretanto, haviam recebido do Alto a inspiração e a ela obedeceram, tanto mais facilmente, quanto era conforme às ideias que alimentavam em virtude daqueles preconceitos. Receberam-na, para abrirem ensejo a que o Mestre desse, como deu, veladamente, um novo ensino, destinado a ser explicado e desenvolvido pela revelação atual, tendo por objetivo, com o lhes dar a compreender os motivos de incapacidade ou de abstenção do casamento, indicar aos homens a maneira por que hão de proceder para praticar, de acordo com a lei divina, a união simultaneamente livre e indissolúvel do homem e da mulher.

Eunucos, desde o ventre materno, são os que, ao procederem à escolha de suas provações, se impõem, como uma delas, tomar, para expiação de abusos em vidas anteriores, um corpo incapaz de corresponder às exigências do Espírito, quando este ceda às tentações da carne.

Eunucos feitos pelos homens são os que tais se tornam por efeito da castração, de uso corrente na época em que Jesus falava, uso que se conservou ainda por muito tempo, ou para que adquirissem belas vozes os que a sofriam, ou para servirem de guardas de haréns ou serralhos, devendo-se também incluir no número dos que falamos os que se tornam quais os castrados, por efeito dos excessos e deboches a que se entregam e os que são vitimas de crimes, de horrendas vinganças, o que tudo exprime, para vergonha da Humanidade, a sua barbaria e depravação.

Há os que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Entenda-o quem puder entender.

Tendo Jesus enunciado veladamente o seu pensamento, porque assim o exigiram a época e o estado das inteligências, muitos houve que lhe não compreenderam as palavras e que, tomando-as no sentido literal, procederam como Orígenes, filho de Leônidas de Alexandria, o qual, encarregado de instruir os fiéis dessa cidade, se fez eunuco para colocar-se ao abrigo da calúnia, visto que homens e mulheres acorriam em multidão à sua escola. Outros, seguindo-lhe os conselhos de continência perpétua, se fizeram mutilar, para porem termo aos ímpetos da Natureza e, assim, ganharem o céu. Dessa falsa interpretação humana do ensino do Cristo é que nasceu o voto de celibato dos padres e dos membros de todas as ordens religiosas e monásticas de ambos os sexos.

Tudo, porém, tem a sua razão de ser, até mesmo os abusos que hoje se assinalam e profligam. As associações religiosas foram a salvaguarda dos primeiros tempos da era atual. No seio delas se refugiavam os fracos e os perseguidos; as ciências e as artes ali se desenvolviam ao abrigo da destruição pela brutalidade dos homens e pela violência dos poderosos. Desde, entretanto, que foram desaparecendo as causas que as fizeram surgir, deveram ter sido modificadas, acompanhando o progresso geral da Humanidade. Não se tendo verificado isso, elas se tornaram prejudiciais a esse mesmo progresso.

O homem e a mulher, que não se sintam com forças para cumprir dignamente, com a abnegação e o desinteresse precisos, os deveres que a família impõe, fazem bem, aos olhos de Deus, abstendo-se de a constituírem pelo casamento, qualquer que seja o sacrifício material, carnal, que isso lhes custe. Mas, que ninguém assim proceda, na suposição de ser esse um meio de ganhar o céu, porque fora desconhecer os fundamentos divinos da constituição da família e negar funestamente satisfação às exigências da Natureza; que isso não seja tido como uma coroa de glória que cause orgulho, sob a influência deletéria do misticismo, ou da preguiça, do fanatismo, da ambição, do egoísmo. De nada serviria, em tal caso, a não ser para alimentar no coração humano o orgulho e o desvario e para fortalecer uma confiança ilusória.

Não é bom que o homem seja só, disse Deus, segundo refere Moisés. Não o é, de fato, porque, em contraposição a um que saiba dominar a carne, mil outros sucumbirão na sombra, sob o seu jugo, tornando-se hipócritas, verdade que, por manifesta, dispensa qualquer demonstração.

A humildade, fonte de todas as virtudes, de todos os progressos, caminho único que leva à perfeição

13. Apresentaram-lhe então algumas crianças para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas. Como os discípulos as repelissem com palavras rudes, 14, Jesus lhes disse: Deixai as crianças; não as impeçais de vir a mim, porquanto dos que se lhes assemelham é que é o reino dos céus. 15. E, depois de lhes Impor as mãos, dali se afastou.

Já tivemos ocasião de receber explicações suficientes a este respeito, quando estudamos os versículos de 1 a 5, do capítulo 18, de MATEUS. Jesus repetia essas palavras, a fim de que se gravassem na memória dos discípulos. O pensamento era sempre o mesmo, expresso em termos diferentes, em ocasiões e lugares diversos. Á simplicidade do coração e a humildade do espírito são, ao mesmo tempo, a base, a fonte, o meio e o caminho para se alcançarem as virtudes, a depuração, o progresso, que levam à pureza, à perfeição.

Parábola do mancebo rico

16. Eis que um mancebo, dele se aproximando, lhe disse: Bom Mestre, que bem devo fazer para alcançar a vida eterna? 17. Jesus lhe respondeu: Por que me chamas bom? Bom só Deus o é. Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos. 18. Perguntou-lhe o mancebo: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não darás falso testemunho; 19, honra a teu pai e tua mãe e ama a teu próximo como a ti mesmo. 20. Retrucou o mancebo: Todos esses mandamentos tenho guardado desde a minha juventude; que mais me falta? 21. Disse Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuis, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. 22. Ao ouvir essas palavras o mancebo se retirou triste, porque muitos eram os bens que possuía. 23. Disse então Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo que difícil é um rico entrar no reino dos céus. 24. Digo-vos mais ainda: É mais fácil passar um camelo por um fundo de agulha do que um rico entrar no reino do céu. 25. Ouvindo isto, seus discípulos, muito espantados, perguntaram: Quem pode então ser salvo? 26. Jesus, fitando neles os olhos, disse impossível é isto para os homens, mas para Deus tudo é possível.

O mancebo que, impelido por uma influência espírita, foi ao encontro de Jesus, tinha que servir de exemplo e de lição aos que o cercavam. Naquela circunstância, como sempre que era oportuno e conveniente, o divino Mestre recorreu a imagens e locuções materiais, para tocar e impressionar fortemente as inteligências da época, extirpar o egoísmo e o apego aos bens terrenos e preparar o advento do Espírito, para quando o reinado da letra houvesse produzido todos os seus frutos.

Protestando contra o qualificativo de bom, que lhe fora dado, Ele, que era bom por excelência, o fez intencionalmente, para de antemão proscrever a sua divinização e sustentar o monoteísmo, mostrando que, em face do Deus de Israel, ninguém o poderia tratar como Deus, senão no sentido das palavras do Profeta (Salmo 81, versículo de 1 a 6): Deus assiste sempre ao conselho dos deuses e, colocado no meio deles, julga os deuses; sem deixar, entretanto, de ser, como todos os Espíritos criados, filho do Altíssimo, do Deus dos deuses. Sois deuses e todos sois filhos do Altíssimo (Salmo citado).

Disse o Mestre: Meu pai e eu somos um. Mas, também disse, referindo-se a seus discípulos: Rogo por eles e pelos que hão de crer em mim, pela palavra deles, a fim de que todos sejam um, como tu, meu Pai, és em mim e eu em ti, a fim de que também sejam um em nós. Estou neles e tu estás em mim, para que sejam consumados na unidade. (JOÃO, capítulo 17, versículo 21 ao 23.)

Quer isto dizer que, purificando-nos, adquirindo a perfeição moral, é que nos aproximaremos de Jesus, chegaremos a estar em relação direta com Ele, porque teremos chegado à condição de puros Espíritos e alcançaremos a vida eterna, que consiste em conhecê-lo e conhecer o Pai.

Respondendo ao mancebo, Jesus lhe recordou o Decálogo, que contém os mandamentos a que os homens devem obedecer e que se resumem no seguinte: não fazermos aos outros o que não quisermos que nos façam: fazer aos outros tudo o que quiséramos nos fizessem, amando-os como a nós mesmos, praticando para com eles a justiça e a caridade, material e moral, com devotamento e renúncia.

Entretanto, precisamos entender bem, segundo o espírito, as palavras do Mestre, a fim de não deduzirmos delas que, para servir a Deus, devamos despojar-nos de tudo o que possuirmos. Daquelas palavras o que decorre é que nenhum fruto produz a prática das virtudes e dos mandamentos, se não é escoimada de egoísmo e santificada pela caridade. A caridade e o esquecimento de si mesmo faltavam ao mancebo. Foi por isso que Jesus lhe disse: Ainda te falta uma coisa, velando com a letra da imposição de um sacrifício absoluto dos bens humanos, para melhor tocar a inteligência dos homens materiais a quem falava, o espírito do ensinamento moral que lhes ministrava e que era o de que, onde está o tesouro, aí costuma estar sempre o coração da criatura humana, do que ali mesmo deu prova o mancebo, com a tristeza que lhe causou a resposta obtida. Por pressentir, lendo-lhe o pensamento, essa tristeza, foi que Jesus disse, no momento em que ele se afastava, quando, pois, ainda podia ouvi-lo: “Quão difícil é que os que possuem riquezas entrem no reino de Deus, no reino dos céus”. Proclamou assim o princípio Fora da caridade não há salvação, e preparou as gerações futuras a compreenderem que uma das provas mais temíveis, um dos maiores obstáculos a todo progresso moral é a riqueza, quando não se torna instrumento e meio de praticarem-se a caridade e o amor do próximo.

Porém, a caridade não consiste em dar do supérfluo. A verdadeira caridade sai do coração e o devotamento a acompanha sempre. Mas, ninguém pode ser devotado a seus irmãos, sem a renúncia de si mesmo, porquanto grandes sacrifícios impõe o devotamento que tenha por móvel a caridade. Assim, caridade, devotamento e abnegação formam uma trilogia inseparável.

A caridade, para o ser, de fato, exige o desinteresse absoluto, não só quanto a qualquer remuneração material como também quanto às recompensas celestes, porque, do contrário, ainda será egoísmo. Ela tem que ser praticada, colimando o bem que possa produzir, por amor do próximo exclusivamente.

Aos discípulos que, ante o que Ele dissera ao mancebo, lhe perguntaram: Quem pode então salvar-se? respondeu apenas: O que é impossível para os homens é possível para Deus.

Mas, se só Deus nos pode salvar, para que servem as obras e a fé? É esta uma objeção que formulada tem sido muitas vezes e para a qual somente nós, os espíritas, encontraremos resposta, desde que meditemos os ensinos da Terceira Revelação.

Os que a formulam se colocam no mesmo ponto de vista dos discípulos, que se mostram espantados com o que Jesus dissera ao mancebo e induzidos a interpelá-lo como o fizeram, porque, atentando unicamente na letra, só perceberam as dificuldades da conquista do reino dos céus. Não perceberam os meios que ao Espírito são concedidos, para vencer essas dificuldades. Pode, por acaso; o homem, na sua curta existência terrena, depurar-se bastante para se considerar salvo? Poderão seus atos ser tão bons e sua fé tão viva que lhe assegurem a salvação?

Ora, se só a perfeição nos levará aos pés do Senhor, à salvação, quem senão Ele, por terno e indulgente, nos salva com o conceder-nos tempo, para que todos nos purifiquemos, com o relevar-nos as dívidas, a nós, maus servos, até que as possamos pagar? Concedendo às suas criaturas todo o tempo de que elas hajam mister, faculta-lhes Deus um agente poderoso, com cujo auxilio chegam elas sempre a alcançar a meta, por mais afastadas que desta se achem e por mais escabrosa que seja a estrada que lhes cumpre percorrer.

Assim sendo, quem, de fato, nos salva, senão Deus, que só Ele é bom, só Ele tem indulgência e longanimidade, só Ele tem nas suas mãos a duração do tempo?

O homem carece de capacidade para julgar por si mesmo do grau de pureza que lhe é necessário a elevar-se. Somente Deus pode julgar. À Revelação Espírita estava reservado esclarecer, aos olhos de todos, na época predita pelos Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito da Verdade, o sentido das palavras de Jesus, velado pela letra, e indicar os meios que Deus faculta a seus filhos, para vencerem todas as dificuldades e atingirem o fim. Esses meios são o renascimento, a reencarnação, a princípio expiatória e precedida, no espaço, da expiação proporcionada e apropriada às faltas cometidas; depois, e por fim, gloriosa, visto que dá ao Espírito entrada no reino de Deus, no reino dos céus, isto é, lhe permite alcançar a perfeição moral.

Eis por que e como é Deus e só Deus quem nos salva.

Resposta de Jesus a Pedro. Os doze tronos. As doze Tribos de Israel. Apostolado. Amor purificado. Humildade e perseverança na senda do progresso

27. Pedro então lhe perguntou: Eis aqui estamos nós que tudo deixamos e te seguimos; que recompensa será a nossa? 28. Respondeu-lhe Jesus: Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando, ao tempo da regeneração, o filho do homem estiver assentado no trono da sua glória, também estareis assentados em doze tronos a julgar as doze tribos de Israel. 29. E todo aquele que abandonar, pelo meu nome, casa, ou irmão, ou irmã, ou pai ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, receberá o cêntuplo e terá por herança a vida eterna. 30. Mas, muitos que foram dos primeiros serão dos últimos e muitos que foram dos últimos serão dos primeiros.

Tendo, como encarnados ao tempo de Jesus, colaborado na obra de regeneração da Humanidade, os apóstolos continuaram e continuarão ao serviço do Mestre, até ao momento em que os homens hajam compreendido a marcha e a finalidade de suas existências.

Já, presentemente, eles julgam as tribos de Israel, no sentido de que presidem ao progresso do nosso planeta. São os intermediários entre Jesus e os nossos guias, do mesmo modo que Jesus é o intermediário entre o Senhor e eles.

O tempo da regeneração é o em que a Revelação Espírita regenerará os homens, pondo-lhes desnudas ante os olhos as verdades que até então houveram de estar cobertas pelo véu da parábola. O tempo, em que o filho do homem estará assentado no trono da sua glória, será a época em que todos se curvarão, sob as irradiações da luz espírita, diante daquele que é o único pastor do rebanho que o Senhor lhe confiou.

Também vós estareis assentados em doze tronos. Estas palavras, ditas com referência aos apóstolos, traçam uma alegoria destinada a tornar compreensível o grau extraordinário de elevação a que terão chegado, naquela época, os ministros de Jesus. As doze tribos simbolizam as divisões a que os povos ainda se acham sujeitos na Terra. Julgar (as doze tribos) significa aqui governar, dando a cada um segundo suas obras e méritos. Refere-se à missão, que também cabe aos apóstolos, de velar pelo cumprimento das provas e expiações a que os ditos povos se encontram sujeitos. Os Espíritos culpados têm, regra geral, a liberdade de escolher suas provas. Não são aqueles os que determinam o gênero destas. Eles apenas velam para que as aludidas provas estejam sempre em relação com as forças do culpado, de modo que não haja para este impossibilidade de triunfar. A ação deles se desenvolve, sobretudo, na execução da pena por que deve o delinquente passar, no estado espírita. Os remorsos, corporificados na visão de suas faltas, nos quadros fluídicos que lhe estão constantemente visíveis e que, por assim dizer, lhe cravam de contínuo as lâminas aceradas de uma recordação cruel, tal a obra que, pelo poder de sua vontade, executam os Espíritos que “julgam as doze tribos de Israel” despertando no culpado o arrependimento e o desejo de reparar e progredir.

É de notar-se que, ao proferir aquelas palavras, Jesus se dirigia não somente aos onze apóstolos, que se conservariam fiéis, mas, também, a Judas Iscariotes que, sabia-o Ele de antemão, o trairia, falindo gravissimamente à sua missão, como, de fato, o traiu. Prova isso que o divino Mestre também sabia que Judas, pelos meios postos ao seu alcance, como ao de todos os Espíritos culpados, de purificação e progresso moral, meios que são a expiação e a reencarnação, que constituem o inferno e o purgatório da reparação, chegaria, com o auxílio do tempo, a regenerar-se e a colocar-se em situação igual à dos demais.

Vê-se, assim, que, antecipadamente, Jesus proclamava a falsidade do dogma humano, ímpio e monstruoso, da eternidade das penas para o Espírito culpado; desse “inferno eterno” que, segundo a Igreja Romana, houvera tragado para todo o sempre o de Judas Iscariotes, que ela considera o maior dos réprobos, despercebida das traições que também ela há séculos vem praticando contra o mesmo Jesus.

Por se dirigir diretamente aos Hebreus, o divino Mestre aludiu apenas aos doze apóstolos, como sendo os que ocupariam tronos, para julgar as tribos de Israel, símbolo da Humanidade, dividida em povos de raças diversas. Suas palavras, porem, se estendem a todos os Espíritos bem-aventurados, cujo número é para nós incalculável, os quais todos têm suas missões e encargos, velando solícitos pelo nosso progresso e facilitando o adiantamento dos que, chegados ao ponto de só estarem sujeitos a encarnações não materiais, tenham que progredir nos mundos fluídicos.

Versículo 29 Também são figuradas as palavras de Jesus constantes nestes versículos. Entendidas segundo o espírito, o que se verificará é que Ele apontou, como exemplo, aqueles sacrifícios, por serem os maiores que o homem possa fazer.

O amor, que traz em si a humildade e a caridade, para ser verdadeiro, eficaz, frutuoso, reclama atividade e perseverança na senda do progresso, objetivando, em cada criatura, o seu próprio aperfeiçoamento e o de seus irmãos. Ora, muitos dos que se houverem posto a caminho antes dos outros chegarão últimos ao fim, por não terem avançado com perseverança naquela senda. Esses são os que contam consigo mesmos e julgam caminhar com 335 mais segurança e passar adiante dos demais. A consequência será verem seus passos obstados pelo orgulho e retardada, portanto, a sua marcha. Assim é que, tendo sido dos primeiros a se porem a caminho, serão os últimos a chegar.

Elucidações evangélicas. FEB (e-book).

 

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