Divórcio. Casamento
1.
Tendo acabado de dizer essas coisas. Jesus deixou a Galiléia e foi para os
confins da Judéia, além Jordão. 2. Grandes multidões o acompanharam e ali curou
ele os doentes. 3. Dele se acercaram os fariseus e para o tentarem lhe
perguntaram: É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer causa? 4.
Respondeu Jesus: Não tendes lido que aquele que no princípio criou o homem o
criou macho e fêmea? e disse: 5. Por isto o homem deixará pai e mãe e se unirá
à sua mulher e serão dois numa só carne. 6. Assim, já não são dois, mas uma só
carne. Não separe, pois, o homem o que Deus uniu. 7. Replicaram eles: Como é
então que Moisés mandou que desse carta de repúdio à mulher e a despedisse? 8.
Respondeu Jesus: Por causa da dureza de vossos corações é que Moisés vos
permitiu repudiásseis vossas mulheres; mas no princípio não foi assim. 9. Eu,
porém, vos digo que aquele que repudiar sua mulher, a não ser por motivo de
adultério, e casar com outra, comete adultério, assim como aquele que casar com
uma mulher repudiada, também comete adultério.
Criados todos simples e
ignorantes, mas dotados das faculdades necessárias a avançar, para o destino
que lhes é comum, usando do livre-arbítrio e da razão e, assim, recebendo o
prêmio ou o castigo a que fizeram jus, isto é, experimentando as sanções da lei
imprescritível do progresso, moral e intelectual, a que todos se acham
sujeitos, para chegarem todos à perfeição, herança que o Pai celestial reserva
a seus filhos, sem exceção nenhuma, é certo que apenas alguns Espíritos
ascendem a essa perfeição sem jamais se desviarem do carreiro santo que lhes
foi traçado.
Esses constituem as falanges
dos Espíritos puros, imaculados, que têm por morada as regiões etéreas mais
próximas do centro da onisciência Deus, Os outros formam as dos que faliram
mais ou menos gravemente e para os quais, em consequência, se cria a
necessidade de encarnar e reencarnar, a fim de se depurarem gradativamente,
mediante expiações, provações e reparações, e conquistar, progredindo, a
perfeição moral.
Compreende-se, pois, que o corpo, pela sua mesma natureza, não é mais do que um instrumento facultado ao Espírito, para que, no meio planetário correspondente ao gênero e à gravidade dos seus delitos, passe pelas provas que, fazendo-lhe nascer no intimo o arrependimento, o levem de reparação em reparação e, conseguintemente, de progresso em progresso, ao fim providencial colimado. Ora, sendo a encarnação o meio de se efetivar o progresso dos Espíritos que delinquem, a existência de sexos diferentes, nos corpos que eles então têm que tomar, se tornou necessária, para que, mediante a procriação, esses corpos se reproduzissem, pois, de outro modo, não haveria para o Espírito possibilidade de encarnar.
Da obrigatoriedade imperiosa
da procriação, gerou-se a necessidade da união de corpos sexualmente distintos.
O casamento, porém, se bem do ponto de vista material atenda a essa
necessidade, corresponde, no entanto, a um objetivo muito mais alto, em relação
ao qual os corpos do homem e da mulher nenhum valor têm aos olhos do Senhor,
para quem ambos só valem como Espíritos, porquanto o Espírito é que é o ser por
Ele criado, com o destino a que há pouco nos referimos, nada mais sendo que
instrumento de depuração o corpo que o Espírito temporariamente reveste.
Assim, o casamento que, na
ordem material, tem por fim a procriação, na ordem moral traduz execução da lei
de amor, pelo que tem de ser a união íntima, a fusão, por bem dizer, de duas
almas, o que justifica as palavras emblemáticas da Gênese: serão dois numa só
alma.
Ora, se, no matrimônio, a
verdadeira união é de Espíritos, por isso que o fim moral prepondera com
relação ao material, embora este também seja providencial, a conclusão a
tirar-se é que ele só se realizará com acerto, oferecendo garantias seguras ao
preenchimento do fim principal, quando for uma união que se efetue
espontaneamente, por virtude de mútua simpatia e isento de preocupações
subalternas. Então, sim, será uma união perfeita e indissolúvel, pois que,
interrompida pela morte, se reatará na erraticidade, conservando-se ali, onde
como disse Jesus não há “marido e mulher”, qual laço forte, a prender, pela
eternidade em fora, os que o hajam formado para se prestarem apoio mútuo na sua
ascensão através do infinito.
Mas, então, como se explica
que Moisés tenha autorizado o divórcio, contrariamente às palavras da (Gênese,
quando diz: “Não separe o homem o que Deus uniu”? Fê-lo, por causa da dureza do
coração humano, declarou-o Jesus. A princípio, as necessidades materiais constituíam
o móvel único da união do homem e da mulher. Depois, tornando-se a
multiplicidade dos filhos uma riqueza, o que se verificou ao surgirem ou
desenvolverem-se os povos pastores, a mulher estéril entrou a ser perseguida e
até mesmo eliminada. À vista dessa situação, que a ânsia pelo aumento das
populações criou para a mulher, dando lugar, depois, a que todos os pretextos
servissem para o abandono da esposa, que era o que ocorria ao tempo de Moisés,
procurou este remediar ao mal, autorizando o divórcio, que, ao menos,
preservava a estéril dos maus tratos a que se via sujeita.
Aos novos abusos que daí
decorreram cuidou Jesus de remediar, só admitindo o divórcio no caso de
adultério.
Conforme já dissemos, o
casamento é, de fato, indissolúvel, quando é a união de dois entes que se
sentem atraídos um para o outro por forte simpatia toda espiritual, que, no
propósito sincero de se auxiliarem mutuamente nas suas provas, espontaneamente
se ligam pelos laços de um afeto, também de natureza espiritual, independente
de quaisquer formalidades religiosas e civis, apenas atraindo para si, humildes
e submissos, pela prece do coração, as bênçãos e graças do Pai celestial.
Nesse caso, sim, os dois
passam a ser uma só carne, que ao homem não é dado, nem possível, separar, por
ter sido Deus quem os uniu, isto é, por se haver a união deles efetuado segundo
as vistas de Deus, que, conseguintemente, a santificou, abençoando-a.
Semelhantes uniões, no entanto, ainda, por ora, constituem apenas, para a nossa
Humanidade, um ideal. Na Terra, por enquanto, mau grado a todas as pomposas
solenidades de que o cercam, o casamento perde o caráter sagrado que devera
ter, para ser, na grande maioria dos casos, a legalização de um contrato
comercial, no cumprimento de cujas obrigações as duas partes contratantes se
mostram mais ou menos escrupulosas.
Dizendo não separasse o
homem o que Deus unira, Jesus cortou cerce o abuso do século em que Ele desceu
à Terra e pôs um óbice à corrupção dos séculos que se seguiriam. Não disse,
porém, que vivessem forçosamente unidas, em comum, duas criaturas que não
possam aproximar-se uma da outra, sem se excitarem reciprocamente à prática de
faltas, que implicam transgressão da lei de caridade.
O divórcio não pode existir,
aos olhos do Senhor, senão quando um Espírito, pelos seus exemplos ou palavras,
impele ao mal um outro com quem antipatize. Aí, conceda-o ou não a lei humana,
existe, de fato, o divórcio, porque, então, há, na ordem moral, adultério. Ora,
em tal caso, não será melhor separar os galhos da árvore, do que deixar que
esta dê maus frutos?
É uma contingência que há de
desaparecer por efeito da gradual depuração da Humanidade, mas que ainda
subsistirá por longo tempo, até quando os homens, ainda tão presunçosos de seus
costumes e da sua moralmente hedionda civilização, deixarem de orgulhar-se do
merecimento que supõem ter. A sociedade humana ainda está muito escravizada aos
preconceitos, aos abusos, aos vícios, para que se execute a reforma das leis
terrenas sobre o casamento, no sentido de pô-las de acordo com a lei natural da
união perante Deus. Isso será obra do tempo e do progresso verdadeiro. Cada
dia, entretanto, traz o seu grão de areia, que se sobrepõe aos precedente mente
trazidos, e esses grãos, acumulando-se, acabarão por formar muralha
impenetrável aos vícios da Humanidade.
Torne-se o casamento uma
aliança determinada por mútua inclinação, por uma poderosa e irresistível
simpatia, de onde se origine puro e sincero amor; uma aliança que, ao influxo
desse sentimento, se efetive para recíproca sustentação e apoio, no desempenho
dos encargos da existência, nos sofrimentos e infortúnios que advenham como
provas, para a depuração espiritual, e o divórcio perderá toda razão de ser,
porque caso não haverá em que seja aplicável.
Enquanto, porém, as nossas
naturezas se não houverem modificado tão profundamente quanto é preciso, para
que o casamento, de acordo com a lei natural, seja a. união, aos olhos de Deus,
ao mesmo tempo livre e indissolúvel, conformemo-nos com as leis que nos regem,
observando as formalidades que elas impõem para a celebração do matrimônio. E,
para prescindirmos, como espíritas, das bênçãos religiosas que as Igrejas
humanas pretendem indispensáveis à santificação do ato matrimonial,
lembremo-nos de que estamos cercados de levitas os bons Espíritos, os
mensageiros divinos, sempre prontos a nô-las conceder em nome do Senhor, e de
que, se nos esforçarmos por praticar o casamento, segundo a lei natural perante
Deus, com relação a nós se cumprirão estas palavras do Divino. Mestre: Já não
sois dois, mas uma só carne; não separe o homem o que Deus uniu.
Respostas de Jesus relativas às
condições do casamento. Dos eunucos por diversos motivos
10.
Disseram-lhe então os discípulos: Se tal é a condição do homem com relação à
esposa, não convém casar. 11. Jesus lhes disse: Nem todos compreendem esta
palavra, mas sim aqueles a quem isso é dado. 12. Porque, há os que do ventre
materno nasceram eunucos; há os que foram feitos eunucos pelos homens e outros
há que a si mesmos se fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Entenda-o
quem puder entender.
Como encarnados, os
discípulos de Jesus se achavam sob a influência dos preconceitos hebraicos e,
assim, encarando o casamento apenas do ponto de vista das satisfações sensuais,
consideravam um embaraço a obrigação de conservarem a mulher que escolhessem,
houvesse que houvesse. Daí o terem dito: “Se tal é a condição do homem com
relação à esposa, não convém casar”. Entendiam que não convinha ao homem
casar-se, desde que lhe cumpria, sob pena de incorrer em adultério, guardar a
esposa escolhida, acontecesse o que acontecesse.
Eles não perceberam a alusão
que Jesus fazia, em mente, aos tempos futuros em que, depuradas as criaturas, a
união do homem e da mulher será simultaneamente livre e indissolúvel, segundo a
lei natural, à face de Deus, porque será a reunião de dois corpos para a
reprodução e a ligação de duas almas pelo laço divino da lei do amor.
Supunham, fazendo a
observação que fizeram, falar por inspiração própria. Entretanto, haviam recebido
do Alto a inspiração e a ela obedeceram, tanto mais facilmente, quanto era
conforme às ideias que alimentavam em virtude daqueles preconceitos.
Receberam-na, para abrirem ensejo a que o Mestre desse, como deu, veladamente,
um novo ensino, destinado a ser explicado e desenvolvido pela revelação atual,
tendo por objetivo, com o lhes dar a compreender os motivos de incapacidade ou
de abstenção do casamento, indicar aos homens a maneira por que hão de proceder
para praticar, de acordo com a lei divina, a união simultaneamente livre e
indissolúvel do homem e da mulher.
Eunucos, desde o ventre
materno, são os que, ao procederem à escolha de suas provações, se impõem, como
uma delas, tomar, para expiação de abusos em vidas anteriores, um corpo incapaz
de corresponder às exigências do Espírito, quando este ceda às tentações da
carne.
Eunucos feitos pelos homens
são os que tais se tornam por efeito da castração, de uso corrente na época em
que Jesus falava, uso que se conservou ainda por muito tempo, ou para que
adquirissem belas vozes os que a sofriam, ou para servirem de guardas de haréns
ou serralhos, devendo-se também incluir no número dos que falamos os que se
tornam quais os castrados, por efeito dos excessos e deboches a que se entregam
e os que são vitimas de crimes, de horrendas vinganças, o que tudo exprime,
para vergonha da Humanidade, a sua barbaria e depravação.
Há os que se fizeram eunucos
por causa do reino dos céus. Entenda-o quem puder entender.
Tendo Jesus enunciado
veladamente o seu pensamento, porque assim o exigiram a época e o estado das
inteligências, muitos houve que lhe não compreenderam as palavras e que,
tomando-as no sentido literal, procederam como Orígenes, filho de Leônidas de
Alexandria, o qual, encarregado de instruir os fiéis dessa cidade, se fez
eunuco para colocar-se ao abrigo da calúnia, visto que homens e mulheres
acorriam em multidão à sua escola. Outros, seguindo-lhe os conselhos de
continência perpétua, se fizeram mutilar, para porem termo aos ímpetos da
Natureza e, assim, ganharem o céu. Dessa falsa interpretação humana do ensino
do Cristo é que nasceu o voto de celibato dos padres e dos membros de todas as
ordens religiosas e monásticas de ambos os sexos.
Tudo, porém, tem a sua razão
de ser, até mesmo os abusos que hoje se assinalam e profligam. As associações
religiosas foram a salvaguarda dos primeiros tempos da era atual. No seio delas
se refugiavam os fracos e os perseguidos; as ciências e as artes ali se
desenvolviam ao abrigo da destruição pela brutalidade dos homens e pela
violência dos poderosos. Desde, entretanto, que foram desaparecendo as causas
que as fizeram surgir, deveram ter sido modificadas, acompanhando o progresso
geral da Humanidade. Não se tendo verificado isso, elas se tornaram
prejudiciais a esse mesmo progresso.
O homem e a mulher, que não
se sintam com forças para cumprir dignamente, com a abnegação e o desinteresse
precisos, os deveres que a família impõe, fazem bem, aos olhos de Deus,
abstendo-se de a constituírem pelo casamento, qualquer que seja o sacrifício
material, carnal, que isso lhes custe. Mas, que ninguém assim proceda, na
suposição de ser esse um meio de ganhar o céu, porque fora desconhecer os
fundamentos divinos da constituição da família e negar funestamente satisfação
às exigências da Natureza; que isso não seja tido como uma coroa de glória que
cause orgulho, sob a influência deletéria do misticismo, ou da preguiça, do
fanatismo, da ambição, do egoísmo. De nada serviria, em tal caso, a não ser
para alimentar no coração humano o orgulho e o desvario e para fortalecer uma
confiança ilusória.
Não
é bom que o homem seja só, disse Deus, segundo refere Moisés. Não
o é, de fato, porque, em contraposição a um que saiba dominar a carne, mil
outros sucumbirão na sombra, sob o seu jugo, tornando-se hipócritas, verdade
que, por manifesta, dispensa qualquer demonstração.
A humildade, fonte de todas as virtudes,
de todos os progressos, caminho único que leva à perfeição
13.
Apresentaram-lhe então algumas crianças para que lhes impusesse as mãos e orasse
por elas. Como os discípulos as repelissem com palavras rudes, 14, Jesus lhes
disse: Deixai as crianças; não as impeçais de vir a mim, porquanto dos que se
lhes assemelham é que é o reino dos céus. 15. E, depois de lhes Impor as mãos,
dali se afastou.
Já tivemos ocasião de
receber explicações suficientes a este respeito, quando estudamos os versículos
de 1 a 5, do capítulo 18, de MATEUS. Jesus repetia essas palavras, a fim de que
se gravassem na memória dos discípulos. O pensamento era sempre o mesmo,
expresso em termos diferentes, em ocasiões e lugares diversos. Á simplicidade
do coração e a humildade do espírito são, ao mesmo tempo, a base, a fonte, o
meio e o caminho para se alcançarem as virtudes, a depuração, o progresso, que
levam à pureza, à perfeição.
Parábola do mancebo rico
16.
Eis que um mancebo, dele se aproximando, lhe disse: Bom Mestre, que bem devo
fazer para alcançar a vida eterna? 17. Jesus lhe respondeu: Por que me chamas
bom? Bom só Deus o é. Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos. 18.
Perguntou-lhe o mancebo: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás, não cometerás
adultério, não furtarás, não darás falso testemunho; 19, honra a teu pai e tua
mãe e ama a teu próximo como a ti mesmo. 20. Retrucou o mancebo: Todos esses
mandamentos tenho guardado desde a minha juventude; que mais me falta? 21.
Disse Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuis, dá-o aos
pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. 22. Ao ouvir essas
palavras o mancebo se retirou triste, porque muitos eram os bens que possuía. 23.
Disse então Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo que difícil é um rico
entrar no reino dos céus. 24. Digo-vos mais ainda: É mais fácil passar um
camelo por um fundo de agulha do que um rico entrar no reino do céu. 25.
Ouvindo isto, seus discípulos, muito espantados, perguntaram: Quem pode então
ser salvo? 26. Jesus, fitando neles os olhos, disse impossível é isto para os
homens, mas para Deus tudo é possível.
O mancebo que, impelido por
uma influência espírita, foi ao encontro de Jesus, tinha que servir de exemplo
e de lição aos que o cercavam. Naquela circunstância, como sempre que era
oportuno e conveniente, o divino Mestre recorreu a imagens e locuções
materiais, para tocar e impressionar fortemente as inteligências da época,
extirpar o egoísmo e o apego aos bens terrenos e preparar o advento do
Espírito, para quando o reinado da letra houvesse produzido todos os seus
frutos.
Protestando contra o
qualificativo de bom, que lhe fora dado, Ele, que era bom por excelência, o fez
intencionalmente, para de antemão proscrever a sua divinização e sustentar o
monoteísmo, mostrando que, em face do Deus de Israel, ninguém o poderia tratar
como Deus, senão no sentido das palavras do Profeta (Salmo 81, versículo de 1 a
6): Deus assiste sempre ao conselho dos deuses e, colocado no meio deles, julga
os deuses; sem deixar, entretanto, de ser, como todos os Espíritos criados,
filho do Altíssimo, do Deus dos deuses. Sois deuses e todos sois filhos do
Altíssimo (Salmo citado).
Disse o Mestre: Meu pai e eu somos um. Mas, também disse,
referindo-se a seus discípulos: Rogo por eles e pelos que hão de crer em mim,
pela palavra deles, a fim de que todos sejam um, como tu, meu Pai, és em mim e
eu em ti, a fim de que também sejam um em nós. Estou neles e tu estás em mim,
para que sejam consumados na unidade. (JOÃO, capítulo 17, versículo 21 ao
23.)
Quer isto dizer que,
purificando-nos, adquirindo a perfeição moral, é que nos aproximaremos de
Jesus, chegaremos a estar em relação direta com Ele, porque teremos chegado à
condição de puros Espíritos e alcançaremos a vida eterna, que consiste em
conhecê-lo e conhecer o Pai.
Respondendo ao mancebo,
Jesus lhe recordou o Decálogo, que contém os mandamentos a que os homens devem
obedecer e que se resumem no seguinte: não fazermos aos outros o que não
quisermos que nos façam: fazer aos outros tudo o que quiséramos nos fizessem,
amando-os como a nós mesmos, praticando para com eles a justiça e a caridade,
material e moral, com devotamento e renúncia.
Entretanto, precisamos
entender bem, segundo o espírito, as palavras do Mestre, a fim de não
deduzirmos delas que, para servir a Deus, devamos despojar-nos de tudo o que
possuirmos. Daquelas palavras o que decorre é que nenhum fruto produz a prática
das virtudes e dos mandamentos, se não é escoimada de egoísmo e santificada
pela caridade. A caridade e o esquecimento de si mesmo faltavam ao mancebo. Foi
por isso que Jesus lhe disse: Ainda te falta uma coisa, velando com a letra da
imposição de um sacrifício absoluto dos bens humanos, para melhor tocar a
inteligência dos homens materiais a quem falava, o espírito do ensinamento
moral que lhes ministrava e que era o de que, onde está o tesouro, aí costuma
estar sempre o coração da criatura humana, do que ali mesmo deu prova o
mancebo, com a tristeza que lhe causou a resposta obtida. Por pressentir,
lendo-lhe o pensamento, essa tristeza, foi que Jesus disse, no momento em que
ele se afastava, quando, pois, ainda podia ouvi-lo: “Quão difícil é que os que possuem
riquezas entrem no reino de Deus, no reino dos céus”. Proclamou assim o
princípio Fora da caridade não há salvação, e preparou as gerações futuras a
compreenderem que uma das provas mais temíveis, um dos maiores obstáculos a
todo progresso moral é a riqueza, quando não se torna instrumento e meio de
praticarem-se a caridade e o amor do próximo.
Porém, a caridade não
consiste em dar do supérfluo. A verdadeira caridade sai do coração e o
devotamento a acompanha sempre. Mas, ninguém pode ser devotado a seus irmãos,
sem a renúncia de si mesmo, porquanto grandes sacrifícios impõe o devotamento
que tenha por móvel a caridade. Assim, caridade, devotamento e abnegação formam
uma trilogia inseparável.
A caridade, para o ser, de
fato, exige o desinteresse absoluto, não só quanto a qualquer remuneração
material como também quanto às recompensas celestes, porque, do contrário,
ainda será egoísmo. Ela tem que ser praticada, colimando o bem que possa
produzir, por amor do próximo exclusivamente.
Aos discípulos que, ante o
que Ele dissera ao mancebo, lhe perguntaram: Quem pode então salvar-se?
respondeu apenas: O que é impossível para os homens é possível para Deus.
Mas, se só Deus nos pode
salvar, para que servem as obras e a fé? É esta uma objeção que formulada tem
sido muitas vezes e para a qual somente nós, os espíritas, encontraremos
resposta, desde que meditemos os ensinos da Terceira Revelação.
Os que a formulam se colocam
no mesmo ponto de vista dos discípulos, que se mostram espantados com o que
Jesus dissera ao mancebo e induzidos a interpelá-lo como o fizeram, porque,
atentando unicamente na letra, só perceberam as dificuldades da conquista do
reino dos céus. Não perceberam os meios que ao Espírito são concedidos, para
vencer essas dificuldades. Pode, por acaso; o homem, na sua curta existência
terrena, depurar-se bastante para se considerar salvo? Poderão seus atos ser
tão bons e sua fé tão viva que lhe assegurem a salvação?
Ora, se só a perfeição nos
levará aos pés do Senhor, à salvação, quem senão Ele, por terno e indulgente,
nos salva com o conceder-nos tempo, para que todos nos purifiquemos, com o
relevar-nos as dívidas, a nós, maus servos, até que as possamos pagar?
Concedendo às suas criaturas todo o tempo de que elas hajam mister,
faculta-lhes Deus um agente poderoso, com cujo auxilio chegam elas sempre a
alcançar a meta, por mais afastadas que desta se achem e por mais escabrosa que
seja a estrada que lhes cumpre percorrer.
Assim sendo, quem, de fato,
nos salva, senão Deus, que só Ele é bom, só Ele tem indulgência e
longanimidade, só Ele tem nas suas mãos a duração do tempo?
O homem carece de capacidade
para julgar por si mesmo do grau de pureza que lhe é necessário a elevar-se.
Somente Deus pode julgar. À Revelação Espírita estava reservado esclarecer, aos
olhos de todos, na época predita pelos Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito
da Verdade, o sentido das palavras de Jesus, velado pela letra, e indicar os
meios que Deus faculta a seus filhos, para vencerem todas as dificuldades e
atingirem o fim. Esses meios são o renascimento, a reencarnação, a princípio
expiatória e precedida, no espaço, da expiação proporcionada e apropriada às
faltas cometidas; depois, e por fim, gloriosa, visto que dá ao Espírito entrada
no reino de Deus, no reino dos céus, isto é, lhe permite alcançar a perfeição
moral.
Eis por que e como é Deus e
só Deus quem nos salva.
Resposta de Jesus a Pedro. Os doze
tronos. As doze Tribos de Israel. Apostolado. Amor purificado. Humildade e
perseverança na senda do progresso
27.
Pedro então lhe perguntou: Eis aqui estamos nós que tudo deixamos e te
seguimos; que recompensa será a nossa? 28. Respondeu-lhe Jesus: Em verdade vos
digo que vós, que me seguistes, quando, ao tempo da regeneração, o filho do
homem estiver assentado no trono da sua glória, também estareis assentados em
doze tronos a julgar as doze tribos de Israel. 29. E todo aquele que abandonar,
pelo meu nome, casa, ou irmão, ou irmã, ou pai ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou
terras, receberá o cêntuplo e terá por herança a vida eterna. 30. Mas, muitos
que foram dos primeiros serão dos últimos e muitos que foram dos últimos serão
dos primeiros.
Tendo, como encarnados ao
tempo de Jesus, colaborado na obra de regeneração da Humanidade, os apóstolos
continuaram e continuarão ao serviço do Mestre, até ao momento em que os homens
hajam compreendido a marcha e a finalidade de suas existências.
Já, presentemente, eles
julgam as tribos de Israel, no sentido de que presidem ao progresso do nosso
planeta. São os intermediários entre Jesus e os nossos guias, do mesmo modo que
Jesus é o intermediário entre o Senhor e eles.
O tempo da regeneração é o
em que a Revelação Espírita regenerará os homens, pondo-lhes desnudas ante os
olhos as verdades que até então houveram de estar cobertas pelo véu da
parábola. O tempo, em que o filho do homem estará assentado no trono da sua
glória, será a época em que todos se curvarão, sob as irradiações da luz
espírita, diante daquele que é o único pastor do rebanho que o Senhor lhe
confiou.
Também
vós estareis assentados em doze tronos. Estas palavras, ditas com
referência aos apóstolos, traçam uma alegoria destinada a tornar compreensível
o grau extraordinário de elevação a que terão chegado, naquela época, os
ministros de Jesus. As doze tribos simbolizam as divisões a que os povos ainda
se acham sujeitos na Terra. Julgar (as doze tribos) significa aqui governar,
dando a cada um segundo suas obras e méritos. Refere-se à missão, que também
cabe aos apóstolos, de velar pelo cumprimento das provas e expiações a que os
ditos povos se encontram sujeitos. Os Espíritos culpados têm, regra geral, a
liberdade de escolher suas provas. Não são aqueles os que determinam o gênero
destas. Eles apenas velam para que as aludidas provas estejam sempre em relação
com as forças do culpado, de modo que não haja para este impossibilidade de
triunfar. A ação deles se desenvolve, sobretudo, na execução da pena por que
deve o delinquente passar, no estado espírita. Os remorsos, corporificados na
visão de suas faltas, nos quadros fluídicos que lhe estão constantemente
visíveis e que, por assim dizer, lhe cravam de contínuo as lâminas aceradas de
uma recordação cruel, tal a obra que, pelo poder de sua vontade, executam os
Espíritos que “julgam as doze tribos de Israel” despertando no culpado o
arrependimento e o desejo de reparar e progredir.
É de notar-se que, ao
proferir aquelas palavras, Jesus se dirigia não somente aos onze apóstolos, que
se conservariam fiéis, mas, também, a Judas Iscariotes que, sabia-o Ele de
antemão, o trairia, falindo gravissimamente à sua missão, como, de fato, o
traiu. Prova isso que o divino Mestre também sabia que Judas, pelos meios
postos ao seu alcance, como ao de todos os Espíritos culpados, de purificação e
progresso moral, meios que são a expiação e a reencarnação, que constituem o
inferno e o purgatório da reparação, chegaria, com o auxílio do tempo, a
regenerar-se e a colocar-se em situação igual à dos demais.
Vê-se, assim, que,
antecipadamente, Jesus proclamava a falsidade do dogma humano, ímpio e
monstruoso, da eternidade das penas para o Espírito culpado; desse “inferno
eterno” que, segundo a Igreja Romana, houvera tragado para todo o sempre o de
Judas Iscariotes, que ela considera o maior dos réprobos, despercebida das
traições que também ela há séculos vem praticando contra o mesmo Jesus.
Por se dirigir diretamente
aos Hebreus, o divino Mestre aludiu apenas aos doze apóstolos, como sendo os
que ocupariam tronos, para julgar as tribos de Israel, símbolo da Humanidade,
dividida em povos de raças diversas. Suas palavras, porem, se estendem a todos
os Espíritos bem-aventurados, cujo número é para nós incalculável, os quais
todos têm suas missões e encargos, velando solícitos pelo nosso progresso e
facilitando o adiantamento dos que, chegados ao ponto de só estarem sujeitos a
encarnações não materiais, tenham que progredir nos mundos fluídicos.
Versículo 29 Também são
figuradas as palavras de Jesus constantes nestes versículos. Entendidas segundo
o espírito, o que se verificará é que Ele apontou, como exemplo, aqueles
sacrifícios, por serem os maiores que o homem possa fazer.
O amor, que traz em si a
humildade e a caridade, para ser verdadeiro, eficaz, frutuoso, reclama
atividade e perseverança na senda do progresso, objetivando, em cada criatura,
o seu próprio aperfeiçoamento e o de seus irmãos. Ora, muitos dos que se
houverem posto a caminho antes dos outros chegarão últimos ao fim, por não
terem avançado com perseverança naquela senda. Esses são os que contam consigo
mesmos e julgam caminhar com 335 mais segurança e passar adiante dos demais. A
consequência será verem seus passos obstados pelo orgulho e retardada,
portanto, a sua marcha. Assim é que, tendo sido dos primeiros a se porem a
caminho, serão os últimos a chegar.
Elucidações evangélicas. FEB
(e-book).
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