– Há óbices à prática
mediúnica no lar?
1. A
resposta e os argumentos referentes a essa pergunta podem parecer simples, mas
não são, como também aqui não se trata de enunciar que sejam complicados.
Exigem, isto sim, racionalidade, oportunidade, bom senso.
A questão, já de início,
necessariamente, nos remete às primeiras reuniões mediúnicas “neologicamente
espíritas”, isto é, com a presença de Allan Kardec, criador dos termos espírita
e espiritismo:1
– em Paris, nos idos de 1855
(maio), Kardec foi convidado por um amigo, o Sr. Pâtier,2 para
assistir a uma reunião na casa da Sra. Plainemaison, onde, pela primeira vez,
presenciou fenômenos das mesas que giravam, saltavam e corriam; depreendeu, sem
dúvida, haver ali ação de Espíritos (desencarnados);
– durante o ano de 1855
assistiu a várias outras reuniões do gênero, no mesmo endereço;
– ainda em 1855 passou a
frequentar reuniões similares, mas em outra residência: no lar do Sr. Baudin.
Até aqui, nas numerosas reuniões, “eram geralmente frívolos os assuntos
tratados”, ou “nenhum fim determinado tinham tido”;
– em 1856 frequentou, simultaneamente, reuniões na casa do Sr. Baudin e na casa do Sr. Roustan e Srta. Japhet; todas essas reuniões “eram sérias e com ordem”; nelas, Kardec levou perguntas sérias e obteve respostas precisas, com profundeza e lógica;
– a partir de então, Kardec contou com o
concurso de mais de dez médiuns, recebendo do Plano Espiritual solução às mais
espinhosas questões;
– em 18 de abril de 1857,
com o vasto material que cuidadosamente modelara e remodelara, no silêncio da
meditação, Kardec apresentou ao mundo a primeira edição de O Livro dos Espíritos;
– há cerca de seis meses,
Kardec realizava reuniões em sua residência, com a presença de 15 a 30 pessoas,
nas quais “não raro compareciam príncipes estrangeiros e outras personagens de
alta distinção”.
– em 1º de janeiro de 1858,
lançou o primeiro número da Revista Espírita. – em 1º de abril de 1858, fundou
a Sociedade Espírita de Paris (Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas),
tendo em vista que a sala onde se reuniam não era nada cômoda e se tornou muito
acanhada.
2. É
da natureza humana o gregarismo (graças à sublime Engenharia Divina, ao
engendrar a formação da família!):
– a partir da família consanguínea
formaram-se e seguem formando-se, na Humanidade, outras incontáveis famílias,
por simbioses sociais, políticas, financeiras, esportivas, linguísticas,
patrióticas, filosóficas, religiosas, etc.;
– a Lei Divina do Progresso
vem ditando, desde sempre, a idealização e o aperfeiçoamento da vida
comunitária, e em particular dos locais onde as multifacetárias famílias se
reúnem, a partir dos lares, depois as escolas, as fábricas, os clubes, os
hospitais, os quartéis, os templos, etc.;
– vem de longe no homem a
busca do aconchego e intimidade que o lar lhe proporciona, estendendo-se tal
busca às diversas sedes para as suas múltiplas atividades, tudo, afinal,
expressando-se por espaço e privacidade àqueles grupos que comungam parentesco,
ideais, gostos, práticas – sintonia, enfim;
– foi assim que das cavernas
às confortáveis residências, dos toscos refúgios aos modernos quartéis, das
humildes capelas às suntuosas igrejas, das modestas oficinas domésticas às
grandes fábricas, dos canteiros de hortaliças às lavouras, a civilização
direcionou e direciona suas ações, compartimentalizando o necessário espaço
físico onde elas são ou serão exercidas;
– outra não foi a vertente
proporcionada no advento do Espiritismo na Terra: como vimos, a Codificação
“nasceu” em residências, mas ao “crescer”, logo se transferiu para “sede
própria”.
3.
Para não nos alongarmos ficamos com o que a nossa memória e nossas pesquisas
nos arrimam, dizendo-nos que as reuniões mediúnicas, no Brasil, até mais ou
menos a metade do século XX, aconteciam majoritariamente em lares. Os
participantes dessas reuniões familiares quase sempre contaram com a presença
de amigos, convidados. Logo, também na maioria dos casos, tais reuniões deram
azo, cada uma, à fundação de um Centro Espírita (C. E.), com a prioridade
inicial de se reunirem em uma sede, própria ou alugada.
É assim que hoje existem
cerca de dez mil Centros Espíritas no Brasil!
Seríamos injustos se
formulássemos oposição a reuniões mediúnicas no lar, desde que não houvesse alternativa
de acontecerem em outro local, especificamente destinado a tal atividade: no
Centro Espírita.
Contudo, a bem da verdade e
com base nas nossas reflexões, fruto de exaustivas pesquisas na bibliografia
espírita e experiência pessoal, não somos daqueles que apoiam qualquer
atividade mediúnica nos lares, nem mesmo durante o abençoado “Culto do
Evangelho no Lar”.
4.
Justificando: – segundo várias citações na série “A Vida no Mundo Espiritual”
(13 livros de autoria do Espírito André Luiz, com psicografia de Francisco
Cândido Xavier e Waldo Vieira, todos editados pela FEB), vários são os
aparelhos trazidos pelos Benfeitores espirituais ao Centro Espírita, destinados
a auxiliar as atividades mediúnicas, lá sendo instalados e por vezes
permanecendo, o que nem sempre será possível num lar; para citarmos apenas
alguns desses aparelhos:3 “Psicoscópio”,“Condensador Ectoplasmático”
e “Emissor de Raios Curativos”; – no C. E., sob supervisão e proteção dos bons
Espíritos, prossegue o tratamento dispensado aos Espíritos visitantes
necessitados, os quais, nesses casos, amiúde são ali alojados (antes, durante e
mesmo após a reunião mediúnica);
– no C. E. há clima propício
e, geralmente, equipamento adequado ao estudo evangélico (meios para
comunicação audiovisual), em cursos de vários horários e para diversas turmas,
além de plantão de passistas e palestras públicas, tudo em benefício dos frequentadores
encarnados e desencarnados (estes, eventuais obsessores daqueles, ou
vice-versa), os quais, sob alerta, são convidados ao perdão, à autorreforma;
– no C. E. há adequação
administrativa e dependências para as atividades de “atendimento fraterno”,
possibilitando que famílias carentes ali compareçam e permaneçam por algum
tempo, recebendo auxílio material e principalmente espiritual (não há negar que
eventuais acompanhantes desencarnados igualmente encontrarão atendimento e
reconforto espiritual);
– no C. E. há maior
possibilidade de ser instalada biblioteca de livros doutrinários e mesmo de
banca para venda dessas obras (com isso, os médiuns têm obras próprias à mão,
para o indispensável e contínuo estudo);
– no C. E. a frequência à
reunião mediúnica pode e deve ser controlada, de forma a se evitar a presença
não só de pessoas despreparadas, tanto quanto de crianças – cuidados esses que
serão sempre relativos no lar...
– no C. E., caso a reunião
mediúnica seja diurna, muito menor será a ocorrência de interrupções,
espontâneas ou não, tais como campainha da rua, telefone, correio, medidores de
água ou luz, etc.
– no C. E. não acontecem (ou
não devem acontecer...) nem discussões, tão rotineiras entre casais, e nem
projeções televisivas de programas inconvenientes, tais como filmes violentos
ou noticiário em geral de infelicidades, fatores esses impeditivos da higienização
espiritual do ambiente.
1 O Livro dos Espíritos. FEB, 2005, “Introdução”, item I.
2 Notas sobre reuniões mediúnicas: vide Obras Póstumas. FEB, 2005, Segunda Parte.
3 XAVIER, Francisco Cândido. Nos Domínios da Mediunidade, pelo Espírito André Luiz. 31. FEB, 2004, caps. 2, 7 e 28.
Fonte: Reformador, ano 124,
nº 2.124, março 2006, por Eurípedes Kühl.
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