“O homem, que procura nos
excessos de todo gênero o requinte do gozo, coloca-se abaixo do bruto, pois que
este sabe deter-se, quando satisfeita a sua necessidade. [...] As doenças, as
enfermidades e, ainda, a morte, que resultam do abuso, são, ao mesmo tempo, o
castigo à transgressão da lei de Deus.” (Allan Kardec – Nota à questão 714 de O Livro dos Espíritos.)
Há um certo exagero em se
dizer que tudo tem de acontecer, que tudo está escrito ou que tudo obedece às
leis inexoráveis do destino e, portanto, nada se deve fazer para impedir o
curso fatal dos acontecimentos.
Isso tudo é relativo.
É bem verdade que existem
determinadas ocorrências na vida da Humanidade e particularmente na vida do
homem que, analisadas à luz da lei de causa e efeito, levam-nos a admitir que
realmente “estava escrito”, como vulgarmente se diz. Ou seja: não havia meios
de se evitar, porque o acontecimento foi o efeito ou a reação de uma causa ou
de uma ação recente ou remota. Em outras palavras, foi ou é o cumprimento das
leis divinas. Nesses casos, não há como impedir, porque foge a toda e qualquer
prudência ou previdência humana.
Porém, daí a se dizer de
forma radical que tudo está escrito nas tábuas do destino, como apregoam os
seguidores da doutrina filosófica do Determinismo, a distância é
incomensurável.
Ora, se assim fosse, onde situar o livre-arbítrio da criatura humana? Sem o uso dessa faculdade de livre escolha, não seria o homem um robô à mercê da fatalidade do destino, que a Natureza lhe traçou?
Com essa ilógica teoria, o
homem nada pode fazer para mudar o curso dos acontecimentos? Pode, sim, porque
Deus o dotou de inteligência, vontade, determinação e previdência. Ademais, o
instinto de conservação não é tão-somente privilégio do homem, mas também dos
animais.
O natural instinto de
conservação, como nos ensina o Espiritismo, é o guia seguro que habilita o
homem a evitar muitos acontecimentos desastrosos, entre os quais as intempéries
da Natureza, prejudiciais a ele e à sua comunidade.
A boa lógica nos diz que, se
algo ameaça a comunidade, bem como o seu bem-estar e até mesmo a vida do homem
aqui na Terra, nada o impede de procurar recursos para reagir e superar os
problemas. Claro que ninguém, no uso do bom senso, vai ficar de braços cruzados
ao ver sua propriedade invadida por répteis venenosos, ou a sua residência, por
ratos e morcegos.
Quem vai ficar indiferente
ou acomodado ao ser informado sobre a possível aproximação de um furacão
devastador, como vem ocorrendo na zona costeira dos Estados Unidos, notadamente
na cidade de Nova Orleans, sem procurar se defender e sem tomar as necessárias
providências para se proteger de futuros furacões?...
Mas aí vem aquela velha
crença de que “se tiver de morrer, morrerá”, ou aquela outra: “o Deus que nos
protege aqui é o mesmo que protege lá”. Todo mundo sabe disso! Todavia, muitas
coisas ruins podem ser evitadas se tivermos as devidas precauções. O
livre-arbítrio é fundamental no aspecto cautelar!
Qual a criatura, de juízo,
que se vê ameaçada pelas lavas de um vulcão ou por tremores de terra e não toma
a iniciativa de sair imediatamente da localidade?...
É verdade que as pessoas,
que são Espíritos reencarnados, resgatam os seus débitos de existências
passadas, de maneiras diversas. Os resgates, como bem ensina a Filosofia
Espírita, são individuais ou coletivos. Assim, aqueles que são vítimas das
investidas da Natureza, sem dúvida estão prestando contas à lei de causa e
efeito.
Entretanto, a lei de Deus
também faculta às vítimas o direito de se defenderem e se prevenirem de outras
catástrofes que possam vir. Esse raciocínio também é válido para todas as ocorrências
da vida, até mesmo porque não sabemos, com certeza, de que forma vamos
desencarnar.
Quanto aos acontecimentos
ligados à vida do homem, que dependem da sua livre vontade, em relação mais
direta com os vícios, a saúde, o prolongamento da vida, a uma existência mais
tranquila ou mais atribulada, são coisas que vão depender muito da sua
inclinação para apenas usá-las ou delas abusar.
Como falamos em
prolongamento da vida aqui na Terra, há quem diga, em se reportando a alguém
que desencarnou aos setenta anos e que soube bem gozar a vida: é porque chegou
o seu dia. Será que chegou mesmo? Temos nossas dúvidas!...
Como foi esse gozar? Não
teria sido mais sensato dizer: “Abusou da vida?” Se não tivesse abusado, não
teria vivido mais uns quinze ou vinte anos?
Ainda bem que os fatos estão
aí para convencer, ou pelo menos a nos conduzir a uma reflexão mais
profunda!... Temos visto, com frequência, pela televisão, cidadãos, homens
públicos, com mais de oitenta anos, em plena atividade intelectual, como escritores,
políticos, pesquisadores, pintores, maestros, desfrutando de invejável saúde e
portadores de incrível lucidez. E por que isso? Porque não abusam da saúde.
Eles sabem explorar o lado belo da vida. Fazem bom uso das suas faculdades. E
desfrutam da vida material com equilíbrio. São sóbrios no uso das coisas.
Mas, contrariando, há quem
diga que aqueles que desencarnam com setenta anos, ou menos, por exemplo, é
porque devem morrer com tais idades. Ou melhor: está escrito que devem
desencarnar de tais doenças e com essas idades. Isto é muito relativo, como
dissemos. A boa lógica afirma que é possível prolongar os dias de vida física,
caso não se abuse da saúde.
Eis aí, pois, a função
benéfica do livre-arbítrio!
Precisamos compreender que a
tentação para fazer o mal pode ser uma prova. Porém, a consumação da ação
maléfica depende, literalmente, do nosso querer ou não querer. A decisão para
sim ou para não é do livre-arbítrio.
É com o bom ou mau uso dessa
faculdade, inerente a toda criatura humana, em pleno gozo da consciência, que
todos nós construímos os nossos destinos, felizes ou infelizes. Assim, quando o
homem é infeliz, não pode culpar a fatalidade do destino, tampouco a Deus, que
nos criou para sermos felizes. A culpa é exclusivamente sua. “A cada um,
segundo as suas obras”, como ensina Jesus no Evangelho.
Diante de tudo isso, não
poderíamos finalizar este trabalho sem consultar a obra basilar da Doutrina
Espírita – O Livro dos Espíritos – na
questão 713, em que Kardec inquire: “Traçou a Natureza limites aos gozos?” Ao
que respondem os Espíritos Reveladores: “Traçou, para vos indicar o limite do
necessário. Mas, pelos vossos excessos, chegais à saciedade e vos punis a vós
mesmos”. Na questão seguinte (714), o Codificador, desejando mais esclarecimentos,
pergunta: “Que se deve pensar do homem que procura nos excessos de todo gênero
o requinte dos gozos?” Eis a resposta: “Pobre criatura! mais digna é de lástima
que de inveja, pois bem perto está da morte!” E agora, Kardec é mais enfático:
“Perto da morte física, ou da morte moral?” – “De ambas”, respondem os
Espíritos.
Finalizando, recordamos as
palavras do sábio Leonardo Da Vinci: “Uma vida bem vivida é uma longa vida.”
Fonte: Reformador, ano 124,
nº 2.128, julho 2006, por Severino Barbosa.
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