Por que a morte, sendo tão
natural quanto o nascimento, fenômeno corriqueiro ao qual todos estamos
sujeitos, sem exceção, ainda é considerada algo sinistro e tão misterioso? Por
que ela é tão incompreendida e causa tanto sofrimento, sobretudo quando
surpreende prematuramente nossos entes queridos?
O Espiritismo veio, em boa
hora, desmistificar a morte, mostrando a sua verdadeira face, e, o que é mais
importante, veio realçar a importância da vida, demonstrando que ela transcende
a questão da sobrevivência. Entretanto, mesmo para os que estudam a realidade
além-túmulo, a morte dos entes queridos é algo difícil de aceitar e
administrar. Isso mostra quanto ainda somos imaturos, espiritualmente, e quanto
temos ainda de desmaterializar nossos pensamentos e sentimentos.
Todas as religiões pregam a
imortalidade da alma, mas a Doutrina Espírita foi além: comprovou,
cientificamente, a imortalidade e resgatou o espírito da matéria, “matando a
morte”. Não se trata mais de convicção religiosa. Trata-se de estar bem ou mal
informado, pois, sem prejuízo dos princípios revelados pelo Consolador, o
Espírito já foi pesado, medido e fotografado por uma legião de sábios,
pesquisadores e cientistas de renome, conforme registrado nos anais da
História.
Muito da incompreensão e do
temor da morte repousa no desconhecimento da natureza espiritual do homem e no
desconhecimento do perispírito, este, o invólucro inseparável da alma ou
Espírito, elemento semimaterial, fluídico, indestrutível, que serve de intermediário
entre o Espírito e o corpo físico. O estudo das propriedades e das funções do
perispírito dilata novos horizontes à Ciência e constitui a chave de uma grande
quantidade de fenômenos, preconceituosamente negados pelo materialismo e
qualificados por outras crenças como milagres ou sortilégios, entre eles a
materialização de Espíritos, confundida com a “ressuscitação” ou “ressurreição”
dos mortos.
Denomina-se “morte” o esgotamento ou a cessação da atividade vital nos organismos. Nós, os espíritas, chamamo-la “desencarnação”, palavra que designa, com maior precisão, o evento, pois o que se dá, na realidade, é o desprendimento do Espírito ou do princípio inteligente do corpo físico, que a esse se havia ligado por meio do fenômeno encarnatório.
Deus criou os Espíritos
simples e ignorantes, impondo a eles encarnações sucessivas, com o objetivo de
fazê-los chegar à perfeição, gradualmente, pelo próprio mérito. Logo, a
evolução se processa por fases, pois não é possível escalar o cume glorioso da
plena vitória espiritual sobre si mesmo num só voo. Assim, podemos comparar o
mundo físico a uma escola, a um campo de provas para o Espírito. André Luiz
afirma:
[...]
O Espírito, eterno nos fundamentos, vale-se da matéria, transitória nas
associações, como material didático, sempre mais elevado, no curso incessante
da experiência para a integração com a Divindade Suprema. [...]1
O estágio na carne é o buril
que esculpe o aperfeiçoamento do ser. Não é uma excursão de lazer a que somos
convidados a gozar, à saciedade, na taça da vida, pois os excessos contribuem
para a destruição prematura do corpo físico, equiparando-se a um suicídio
inconsciente.
Com a desencarnação, o corpo
grosseiro é descartado, à semelhança de uma roupa imprestável, que se desprende
do perispírito e do Espírito, molécula a molécula. Decompostos os elementos
químicos, esses são restituídos à Natureza para serem reutilizados na
construção de outros corpos. Sem a veste carnal, o Espírito, em vibração
diferenciada, desaparece dos olhos físicos dos encarnados, como se mudasse de
residência, mantendo-se intacto e conservando, em outra dimensão apropriada ao
progresso realizado, todo o patrimônio de experiências adquiridas.
O corpo é o instrumento do
progresso espiritual. A decomposição dele é uma sábia lei da Natureza, sem a
qual não haveria renovação e transformação. A encarnação e a morte constituem
ciclos na trajetória das criaturas, que permitem o desenvolvimento delas por
etapas, o que proporciona, nos intervalos entre uma e outra existência física,
a avaliação e a reavaliação das experiências, o planejamento das futuras
encarnações, para o recomeço proveitoso de novas provas.
Se a morte fosse a
destruição completa do homem (Espírito encarnado), muito ganhariam com ela os
maus, pois se veriam livres, ao mesmo tempo, do corpo, do Espírito e dos
vícios. É uma ideia materialista que repugna o bom-senso e a lógica. A crença
de que após a morte física vem o nada, além de anticientífica, é incompatível
com a perfeição, a justiça e a bondade do Criador. A vida na carne é uma
constante preparação para a morte.
Todos sabemos que esta é
inexorável e pode acontecer a qualquer instante. Apesar disso, raramente
valorizamos a existência e quase sempre desprezamos as oportunidades de
crescimento:
A
educação para a morte não é nenhuma forma de preparação religiosa para a
conquista do Céu. É um processo educacional que tende a ajustar os educandos à
realidade da Vida, que não consiste apenas no viver, mas também no existir e no
transcender.2
Aqueles que, durante a vida
terrena, se esforçarem sinceramente por se melhorar, mesmo errando durante o
curso de sua existência, podem aguardar, serenos, a hora de seu retorno para o
mundo espiritual, pois verão recompensados seus suores, dores e lágrimas. O
Espírito Irmão X (Humberto de Campos) relaciona conselhos muito úteis para os
que pretendem morrer bem. Eis o resumo de alguns deles, em forma de decálogo:
1. Diminua gradativamente a
volúpia de comer a carne dos animais.
2. Evite os abusos do álcool
e do fumo.
3. Não se renda à tentação
dos narcóticos.
4. Quanto ao sexo, guarde
muito cuidado na preservação do seu equilíbrio emotivo.
5. Se tiver dinheiro, não
adie doações aos que realmente precisem e observe cautela com testamentos, pois
a morte pode chegar de surpresa, deixando-o aflito com pendências judiciais
perante os familiares.
6. Não se apegue demasiado
aos laços consanguíneos, pois os entes queridos não nos pertencem.
7. Se você já possui o
tesouro de uma fé religiosa, viva de acordo com os preceitos que abraça. É muito
grande a responsabilidade moral de quem já conhece o caminho, sem equilibrar-se
dentro dele.
8. Faça o bem que puder, sem
a preocupação de satisfazer a todos.
9. Trabalhe sempre. O
serviço é o melhor dissolvente de nossas mágoas.
10. Ajude-se, através do
leal cumprimento de seus deveres.3
Em nossa quadra evolutiva, é
normal que sintamos tristeza pela partida, inesperada ou não, dos entes
queridos. A lembrança e a saudade geralmente evidenciam o amor que nutrimos por
eles, contudo, não devemos nos entregar ao desespero e à tristeza mórbida, sob
pena de prejudicarmos o restabelecimento dos recém-desencarnados, pois nossos
pensamentos e sentimentos os atingem em cheio.
Ademais, tal comportamento
demonstra o nosso egoísmo pelo apego excessivo aos laços familiares, ou ainda a
falta de confiança em Deus, de fé no futuro e na imortalidade dos entes
queridos, dos quais, a rigor, nunca nos apartamos, havendo, até mesmo, a
possibilidade de nos comunicarmos com eles.
É realmente consolador
haurir a certeza da imortalidade da alma. Assimilar esses conhecimentos,
adquirir essa convicção eleva a nossa condição de Espíritos, o que nos faz
sentir herdeiros do Criador e nos dá mais forças para vencer as dificuldades do
dia a dia, permitindo que valorizemos ainda mais a vida.
A maior prova que damos de
que realmente internalizamos as noções imortalistas do ser e da reencarnação é
recebermos com resignação e coragem a notícia do passamento de nossos entes
queridos.
Lamentar exageradamente a
partida daqueles a quem amamos é falta de caridade, pois seria exigir a
permanência deles na prisão do corpo, fustigados por todo o cortejo de provas
da existência física, muitas vezes pelo egoísmo de tê-los junto de nós.
Saibamos impor silêncio às
nossas dores, entregando-nos ao trabalho do bem, que nos dará forças para
prosseguirmos no cumprimento dos deveres. Morrer todos os dias para a
existência inferior é uma forma de viver a vida eterna, construindo o futuro
glorioso que nos aguarda.
1 XAVIER, Francisco C.
Obreiros da vida eterna. Pelo Espírito André Luiz. 33. ed. 4. reimp. Rio de
Janeiro: FEB, 2011. Cap. 19
2 PIRES, J. Herculano.
Educação para a morte. 9. ed. São Paulo: Paideia, 2004. p. 23.
3 XAVIER, Francisco C.
Cartas e crônicas. Pelo Espírito Irmão X. 13. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro:
FEB, 2010. Cap. 4. p. 21-24.
Fonte: Reformador, ano 130,
nº 2.196, março 2012, por Christiano Torchi (e-book).
Nenhum comentário:
Postar um comentário