Evangelho segundo Mateus - cap. 16

Recusa do prodígio pedido pelos Fariseus e Saduceus

1. Os fariseus e saduceus se acercaram dele para o tentar e pediram lhes mostrasse um sinal no céu. 2. Ele lhes respondeu: Ao cair da tarde dizeis: Fará bom tempo, amanhã, porque o céu está avermelhado; 3, e ao amanhecer dizeis: O dia hoje será tempestuoso, pois o céu está de um vermelho sombrio. 4. Sabeis portanto reconhecer o que pressagia o aspecto do céu e não podeis reconhecer os sinais dos tempos? Esta geração má e adúltera pede um sinal; nenhum lhe será dado senão o do profeta Jonas. E, deixando-os, se foi embora.

Por “fariseus” e “saduceus” os Apóstolos designavam os incrédulos. Eram tais os que foram ter com Jesus, para o tentarem, isto é, a fim de o apanharem em falta, pois não reconheciam poder no Mestre para fazer o que lhe pediam. Atualmente, a mesma coisa se verifica. Não faltam os que exigem se lhes faculte observar prodígios, como condição para que creiam. Entretanto, se fossem atendidos, não se dariam por satisfeitos: tratariam de explicar os fatos de um modo que se lhes afiguraria racional, do ponto de vista em que se colocam, e reclamariam “outra coisa”. Orgulhosos, cegos, obstinados, rebeldes, fariam como presentemente fazem os médicos, que, diante de uma cura que consideraram impossível, mas que os Espíritos efetuaram, dizem que tal se verificou, porque a enfermidade não precisava de remédio para desaparecer.

Jesus, por isso, respondeu aos fariseus e saduceus que “nenhum outro sinal seria dado àquela geração má e adúltera, senão o do profeta Jonas”.

Fermento dos Fariseus e dos Saduceus

5. Seus discípulos, tendo passado para a outra margem do lago, se esqueceram de levar pães. 6, Jesus lhes disse: Vede bem, preservai-vOS do fermento dos fariseus e dos saduceus. 7. Ouvindo isso, os discípulos pensaram de si para si: Ë porque não trouxemos pães. 8. Conhecendo-lhes o pensamento, Jesus lhes disse: Homens de pouca fé, por que haveis de estar pensando que vos falei por não terdes trazido pães? 9. Ainda não compreendeis e não vos lembrais dos cinco pães para cinco mil homens e de quantos cestos enchestes com o que sobrou? 10. Nem dos sete pães para quatro mil homens e dos cestos que levastes? 11. Como pois não compreendeis que não vos falei de pão quando disse: Preservai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus? 12. Os discípulos então compreenderam que ele não lhes dissera que se preservassem do fermento dos pães e sim da doutrina dos fariseus e dos saduceus.

Nesses conselhos que dava a seus discípulos, Jesus falava para aquela época e para o futuro, no qual a sua presciência lhe facultava ver o que sucederia.

Na interpretação que lhes deram os discípulos, encontramos a explicação precisa dessas palavras do divino Mestre. Constituem o fermento dos fariseus, do qual devemos preservar-nos, como aconselhado era aos discípulos, além das inspirações do orgulho, toda submissão covarde ao poder, o que significa a toda doutrina que nos queiram impor, desde que seja contrária à que o Cristo pregou e exemplificou, como o é, atualmente, a dos ortodoxos, católicos e protestantes, a qual, na maioria dos casos, de modo algum se conforma com a doutrina cristã, estando mesmo, as mais das vezes, em flagrante antagonismo com esta.

Sim, devemos preservar-nos de todas as inspirações do orgulho e de toda submissão covarde ao poder, sempre que este tente exercer qualquer ação sobre as nossas consciências, ou sobre os nossos atos morais. Demos a César o que é de César, mas não esqueçamos que os césares estão submetidos a Deus e que só este tem direito sobre todas as criaturas.

Espíritas convictos, que, por efeito do estudo, da meditação e dos ditames da nossa razão livre, aceitamos a revelação nova, que vem concluir a obra do Cristianismo do Cristo, obra de regeneração da Humanidade, por meio da luz e da verdade, pela implantação da justiça, do amor, da caridade e da fraternidade universal, na Terra, devemos resistir, com respeito, mas também com firmeza, a qualquer oposição, venha de onde vier, visando impedir que executem a vontade de Deus os bons Espíritos que se comunicam com os homens, como portadores daquela revelação.

Temos um só Mestre, um único Senhor e somos todos irmãos. Convencidos e conscientes disto, propaguemos a verdade evangélica e, firmados nela, defendamos o nosso livre-arbítrio, a liberdade da nossa consciência.

Palavras de Jesus confirmativas da reencarnação. Alusão de relações mediúnicas que podem existir entre os homens e as potências espirituais. Missão de Pedro na igreja do Cristo. Verdadeira confissão

(Marcos, 8:27-30; Lucas, 9:18-21)

13. Chegando às cercanias de Cesaréia de Filipe Jesus perguntou a seus discípulos: Que é o que os homens dizem do filho do homem? 14. Eles responderam: Uns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros, que é Jeremias ou um dos profetas. 15. Jesus lhes perguntou: E vós quem dizeis que eu sou? 16. Simão Pedro respondeu: és o Cristo, filho do Deus vivo. 17. Jesus respondeu: Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue que Isso te revelaram, mas meu pai que está nos céus. 18. E eu te digo que és Pedro e que sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; e contra ela não prevalecerão as portas do inferno. 19. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na Terra será também ligado no céu e o que desligares na Terra será desligado nos céus. 20. Ordenou em seguida aos discípulos que a ninguém dissessem ser ele Jesus o Cristo.

Estas passagens têm um duplo fim, que muito importantes as tornam: lembrar aos homens o princípio da reencarnação e não deixar esquecessem as relações mediúnicas que podem existir entre eles e as entidades espirituais. Jesus firmava assim o que mais tarde viria a ser posto em evidência, explicado e desenvolvido, em espírito e verdade, pela Nova Revelação.

Com efeito, as perguntas formuladas pelo Divino Mestre sobre o que pensavam dele as gentes e as respostas que lhe foram dadas mostram não só que a opinião geral lhe atribuía uma origem espiritual anterior àquela sua vida terrena, vendo nesta uma existência nova num novo corpo, o que envolvia a ideia da preexistência da alma e da reencarnação, como também que os hebreus sabiam, embora confusamente, pelas tradições conservadas, que o homem pode voltar muitas vezes à Terra, para concluir uma obra começada e interrompida pela morte humana.

Ora, não contestando a opinião segundo a qual Ele podia ser a reencarnação de um Espírito, como o de Elias, João, ou outro, Jesus confirmou a hipótese do renascimento, perguntando: E vós quem dizeis que eu sou? hipótese que também confirmou no seu colóquio com Nicodemos.

“Se a crença de reviver na Terra, diz o autor da Divina Epopeia, sob o nome de ressurreição, a que hoje, pela revelação nova, chamamos reencarnação, fosse um erro, Jesus, o verbo de Deus, a luz verdadeira que alumia a todo que vem a este mundo, não teria deixado de combatê-la, como combateu tantas outras. Ao contrário, Ele a sancionou, proclamando-a como uma condição necessária e indispensável para o progresso e adiantamento da Humanidade”.

Não te admires de eu dizer: é necessário que torneis a nascer, observou o divino Mestre a Nicodemos (Evangelho de João, capítulo 3, versículo 7). Deste modo ratificou Ele, conforme acima dissemos, a lei natural do renascimento, da reencarnação, apresentando-a como uma realidade e realidade ante a qual se dissipam todas as dúvidas oriundas dos absurdos que, sob a capa do milagre, pretendem os ortodoxos que admitamos. A reencarnação, pois, o renascimento, a obrigação que tem o Espírito de reviver, como meio de chegar ao estado de pureza integral, ideia que já se continha na revelação hebraica, que constituiu princípio fundamental na revelação messiânica, mas que não foi apreendida por virtude das interpretações literais a que estiveram sujeitas essas revelações, constitui hoje, pela revelação nova, que as vem explicar em espírito, uma verdade axiomática, expressão fiel do pensamento do Mestre Divino.

E vós quem dizeis que eu sou? perguntou Jesus a Pedro, que lhe respondeu: És o Cristo, Filho do Deus vivo, isto é, o Enviado do Senhor. Retrucando, Jesus lhe fez ver que o conhecimento dessa verdade lhe fora dado por uma revelação vinda do Pai que está nos céus.

De fato, como podia Pedro saber, para o afirmar com tanta segurança e firmeza, que Jesus era o Enviado de Deus, se tal coisa lhe não houvera sido revelada? E de que modo pudera ter tido essa revelação, a não ser por uma inspiração mediúnica? Ë claro que, na ocasião, ele foi apenas o instrumento que serviu para a revelação de uma verdade, ou de um médium falante.

Logo, podemos e devemos concluir não só que Pedro era médium, como que já então se davam essas revelações a que a Doutrina Espírita chama mediúnicas.

Efetivamente, dotado de uma organização física bastante maleável para se prestar a todas as influências mediúnicas, Espírito intelectualmente mais adiantado do que os dos outros apóstolos, Pedro era, dentre estes, o que possuía em maior extensão e poder os dons da mediunidade. Era, pois, o que mais se prestava a servir de pedra fundamental para a construção da Igreja do Cristo: “E eu te digo que és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.

Quer isto dizer que sobre a mediunidade é que assenta essa Igreja, que assim repousa em alicerce inabalável, porquanto a faculdade que aquele apóstolo possuía havia de espalhar-se, como realmente aconteceu e está acontecendo, mais do que nunca, nos tempos atuais, sem que o menor dano lhe possam causar os ódios sectaristas, nem os interesses de qualquer natureza: “contra ela não prevalecerão as portas do inferno”.

Assim sendo, é claro que todos os verdadeiros espíritas e, sobretudo, os médiuns sinceros e humildes servirão para aquela construção, trazendo-lhe cada um a sua pedra.

E, de tal modo, eles poderão, como Pedro, espalhando de mais em mais, em torno de si, a luz que forem recebendo, ligar também e desligar na Terra, certos de que o Senhor ligará e desligará no céu.

Não quer isso dizer, está visto, que o homem, quem quer que ele seja, tenha o poder de absolver ou condenar, proferindo sentenças das quais não haja apelação, nem mesmo para Deus. Quer unicamente significar que, conservando a integridade da alma e a pureza do coração, obtendo, em consequência e cada vez mais, as luzes que trazem os bons Espíritos, se tornarão também cada vez mais aptos a julgar das coisas da Terra e das coisas do céu, a dirigir pelo bom caminho os outros homens, a distinguir com segurança os que se desviam e os que marcham fiéis e a poder fazer-lhes sentir isso, sem perigo de erro.

E não se argumente tampouco com as palavras de Jesus declarando Pedro a pedra fundamental da sua Igreja, para sustentar-se a infalibilidade do papa, chamado o sucessor daquele apóstolo e o vigário exclusivo do Cristo na Terra.

Aquelas palavras foram especialmente dirigidas a Pedro que, Espírito adiantado e devotado e, além disso, excelente instrumento mediúnico, conforme já dissemos, dispunha, por ser da vontade de Jesus e graças aos Espíritos superiores que o assistiam, de uma perspicácia, que não podemos avaliar com exatidão. Sua visão penetrante descia ao fundo das consciências, sondava os mais íntimos pensamentos e constante era a sua comunicação com os emissários divinos. Ora, achando-se em tais condições, ao seu alcance estava ligar e desligar na Terra (o que também se pode traduzir por admitir ou não na Igreja do Cristo que, em sua origem, era simples reunião de fiéis, os que se propunham a ingressar nela), visto que não fazia mais do que pronunciar, em voz humana, os decretos que espiriticamente lhe eram transmitidos.

Digam-nos, porém: quantos Pedros já se contaram entre os que se hão instituído seus sucessores?

Se os dons, as virtudes e os demais predicados por que Pedro se distinguia entre os discípulos não eram inerentes à sua individualidade, mas ao encargo que o Mestre lhe conferiu de pastorear o pequeno rebanho que formava a primitiva Igreja Cristã, nem só nenhuma razão haveria para que fosse ele o escolhido e não outro, nem com os que se disseram seus sucessores se teriam dado os fatos que a história dos Papas e dos Concílios registra, fatos que mais ou menos continuam a reproduzir-se e que explicam o desprestígio da Igreja de Roma, que tende a desaparecer.

Não veem os homens do Silabo, dos dogmas impostos pelo terror das fogueiras e dos martírios que, numa época como a atual, em que a razão se emancipa de todas as tutelas, já não é possível a imposição da fé cega?

Não, as coisas vão mudar. Passado o tempo das fogueiras e dos apavorantes anátemas, despojado o Chefe da Igreja do poder temporal, que mal e indevidamente exercia, porque o Mestre disse: Regnum meum non est in hoc mundo (1), o prestígio, o poder, o reinado daquele que queira ser ou haja de ser sucessor de Pedro somente poderão demonstrar-se pela caridade, pela humildade, pelo desinteresse, pela mansidão e abnegação, que foram as armas com que o Manso Cordeiro de Deus apeou potentados e derrocou tronos de déspotas, a todos se sobrepondo pela exemplificação daquelas virtudes sublimes. Mesmo, porém, que um homem aparecesse revestido de tais virtudes, ainda assim não poderia, só por isso, considerar-se sucessor de Pedro, que não mostrou apenas possuí-las, mas se distinguiu entre os demais discípulos, muito embora estes também fossem exemplificadores dos ensinamentos de Jesus.

Não, Pedro não teve, nem tem sucessor na Terra. Quem pudera ou pode haver sucedido a esse altíssimo Espírito, que preside ao progredir da fé, ao desenvolvimento da inteligência, ao cumprimento das promessas de Jesus? Ele continuou e continua no desempenho da sua missão espiritual, depois de haver desempenhado a sua missão humana. Desempenhando esta última, deu princípio, com o concurso dos outros apóstolos e dos discípulos que se lhe associaram, à edificação da Igreja do Cristo e, desempenhando a sua missão espiritual, prossegue na execução desta obra e a concluirá.

E as portas do inferno não prevalecerão contra ela, porque, sendo a Igreja do Cristo o conjunto dos filhos do Senhor, não será atingido pelo sofrimento e pela expiação aquele que, tendo sabido manter a integridade do coração e da alma, se esforçou por cumprir, segundo a lei divina, todas as suas obrigações, todos os seus deveres, para com Deus e para com os homens.

Pedro foi um discípulo enérgico, devotado, fiel até à morte. Quem quer que construa sobre tal base não terá que temer as portas do inferno.

Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, isto é: o conhecimento exato dos meios de chegar à perfeição moral. Essas chaves a Igreja de Roma desprezou e deixou se perdessem. De modo algum, portanto, pode o seu chefe considerar-se sucessor do grande apóstolo. Detenha-se ela no caminho errado por onde funestamente enveredou, volte ao verdadeiro caminho e continue a percorrê-lo do ponto até onde chegaram Pedro e os apóstolos, os discípulos e seus primeiros imitadores, que achará a Igreja do Cristo cuja edificação eles começaram e que o Espírito da Verdade vem, progressivamente, ampliar e concluir.

Compreenda ela o sentido verdadeiro das palavras que Jesus dirigiu a Pedro e aos Apóstolos, sentido que espiriticamente é hoje revelado pelos enviados do Mestre Divino, e, então, como os verdadeiros espíritas, também trabalhará, inspirada pelo Espírito da Verdade, na edificação da Igreja do Cristo. Só então poderá, realmente, ligar e desligar o que, bem entendido, não quer dizer absolver ou condenar seus irmãos mas tornar-se, pela integridade do coração e da alma, pela obtenção das luzes dos bons Espíritos, atraindo-os por aquela integridade, cada vez mais apta a julgar das coisas da Terra e das coisas do céu, a dirigir os homens pelo bom caminho, que é o dos mandamentos que Jesus declarou encerrarem toda a lei e os profetas, e a distinguir com exatidão os que se desviam e os que marcham fiéis pela senda que Ele traçou.

(1) Ao nosso ver, a privação do poder temporal, se foi, individualmente, um mal, ou uma perda sensível para o Sumo Pontífice, não o foi para a Igreja de que é ele o chefe, visto que redundou no desaparecimento do que melhor provava não ser essa Igreja a do Cristo. Não sendo deste mundo o reino do Filho de Deus, sua não podia ser a Igreja cujo reinado era todo deste mundo. O ter sido despojado daquele poder, valeu, pois. para a Igreja Romana por uma como galvanização. Graças a isso é que ainda pôde ostentar a aparência de prestígio de que gozou nestes últimos tempos. Obtendo, como recentemente obteve, em 1929, que lhe restituíssem o poder temporal é que ela decretou a sua própria e definitiva condenação, volvendo a oferecer ao mundo, quando no Espiritismo ressurge o verdadeiro Cristianismo, a demonstração iniludível de que nela não está o espírito da Doutrina Cristã, de que ela é a antítese da Igreja Universal do Cristo.

Predição. Palavras de Pedro. Resposta de Jesus

(Marcos, 8:31-33; Lucas, 9:22)

21. Em seguida começou Jesus a declarar aos discípulos ser preciso que Ele fosse a Jerusalém, que aí sofresse muito dos anciães, dos escribas e dos príncipes dos sacerdotes, que aí fosse morto e ressuscitasse ao terceiro dia. 22. Pedro, chamando-o de parte, se pôs a repreendê-lo, dizendo: Tal não aconteça, Senhor; nada disso te sucederá. 23. Jesus, voltando-se para Pedro, lhe disse: Afasta-te de mim, Satanás, tu me és motivo de escândalo, pois que não tens o gosto das coisas de Deus e sim o das coisas dos homens.

Tendo Jesus descido à Terra para dar aos homens a maior prova, o maior exemplo de amor e de abnegação que eles podiam receber, cumpria-lhe preparar seus discípulos para aquele ato importantíssimo da sua missão, a fim de que, aos olhos de todos, na época, como no futuro, ficasse demonstrado que sua “morte” e “crucificação” estavam previstas, não foram acontecimentos puramente humanos.

Servindo-se das expressões ser morto, ressuscitar —. o Cristo usava de uma linguagem que os homens pudessem compreender. Apresentando o seu corpo a aparência da corporeidade humana, importava-lhe passar pela metamorfose da morte. Depois, deixando no esquecimento o corpo de carne de que parecia revestido, cumpria-lhe mostrar-se aos homens, para que ficasse comprovada a sua identidade. Era, portanto, preciso que os homens fossem prevenidos do acontecimento que sobreviria, a fim de lhe apreenderem a razão, porquanto os próprios discípulos não teriam compreendido o fato do reaparecimento do Mestre, se o não houvessem considerado do ponto de vista da ressurreição, no sentido que davam a este termo.

Para os hebreus, a ressurreição consistia na volta da alma a um corpo de carne, a um corpo material, sem indagarem se se tratava sempre do mesmo corpo, sem inquirirem da origem, nem do fim de tal corpo. Mas, tanto os discípulos, como, em geral, os hebreus compreendiam a ressurreição que Jesus anunciara como tendo que ser a volta de sua alma ao mesmo corpo. Essa a razão por que Ele permitiu a Tomé que pusesse a mão na abertura que lhe haviam feito de um lado e os dedos nas chagas que os cravos lhe abriram nas mãos e nos pés, retomando, para esse efeito, o seu corpo que, como sabemos, era fluídico, de natureza perispirítica, com a tangibilidade, a consistência, a aparência de um corpo humano.

Conseguintemente, sendo tal a natureza do corpo de Jesus, não houve, com relação a Ele, nem morte, nem ressurreição, no sentido que então era dado a estas expressões. Houve apenas aparência de uma e outra coisa.

Foram todos morais os sofrimentos que o Mestre suportou na cruz. O que das chagas lhe saía era uma combinação puramente fluídica, com a aparência de sangue.

Sem dúvida, estas revelações são de molde a alarmar, como de fato têm alarmado, muitas criaturas aferradas às torturas físicas do grande modelo que nos foi enviado. Porém, forçoso é vejamos em Jesus somente um Espírito, Espírito superior a todos os outros que concorreram para a formação do nosso planeta e cujos sofrimentos, portanto, foram todos morais, decorrentes do amor que consagrava e consagra a seus protegidos, por vê-los tão endurecidos. Dizemos seus protegidos —porque Ele é o nosso protetor, o governador do nosso planeta. Nessa qualidade, experimentava o sofrimento que causa a uma mãe terna e carinhosa o ter que punir o filho bem-amado.

Nos últimos momentos do seu sacrifício na cruz, limitou-se a dizer em voz alta: Tudo está consumado, eis-me aqui, Senhor, para mostrar aos homens, por meio de um exemplo prático, a resignação, a obediência e a submissão com que se devem eles comportar, diante das vontades do soberano Senhor. O brado que soltou do cimo do madeiro não foi tampouco um brado de sofrimento. Deixando-o escapar no momento de “render a alma” (está claro que apenas no entender dos homens), fê-lo com o intuito de lhes chamar a atenção para aquele instante supremo e lhes fazer compreender, por uma expansão de alegria e não de angústia, a felicidade do Espírito que se desprende do seu grosseiro invólucro, para se elevar ao seu Criador.

Não faltarão os que digam: “Que mérito era o dele em se submeter a tais torturas, se não experimentava os sofrimentos físicos, uma vez que apenas aparente era o seu corpo.” Não compreendem os que assim falam, que os sofrimentos morais são de intensidade infinitamente maior do que os sofrimentos físicos; que o sofrimento, na essência espiritual, é mais forte e mais vivo do que o possam ser, para os nossos corpos, quaisquer sofrimentos humanos, ainda os mais agudos. Todos conhecemos desgostos, mágoas e torturas morais superiores a qualquer dor física, tanto que de bom grado os trocaríamos por dores desta natureza.

Jesus sofreu, sim, sofreu cruelmente, não na sua “carne”, mas em seu “espírito”. Cada pancada do martelo nos cravos que lhe traspassavam as mãos e os pés fluídicos, mas tangíveis, lhe ia ferir a sensibilidade delicadíssima e lhe fazia correr da alma o sangue mais precioso: o do amor e do devotamento que nos consagra. O divino modelo, que por nós subiu ao Calvário, que padeceu por nós, sofreu e sofreu muito, conforme mostraremos oportunamente, quando voltarmos a este ponto. (2)

Quanto ao haver desaparecido do sepulcro o corpo de Jesus, é um fato que se explica pela mesma natureza fluídica do invólucro corpóreo que Ele constituiu para o desempenho de sua missão e cujos elementos componentes fez que voltassem ao meio de onde os tirara, uma vez concluída aquela missão, retomando a partir daí, e continuando, como Espírito, Espírito puro e perfeito, a desempenhar a sua missão espiritual, na qualidade de protetor e governador do nosso planeta, missão que neste momento desempenha entre nós por meio do Espírito da Verdade e da Nova Revelação.

Versículo 22. As palavras que Pedro dirigiu a Jesus, ao acabar este de predizer os seus sofrimentos, “morte” e “ressurreição”, e também a resposta do Mestre àquele apóstolo, se explicam da maneira seguinte: Do mesmo modo que os médiuns atuais, Pedro nem sempre estava debaixo de uma influência estranha e, desde que isso se verificava, seu Espírito agia livremente. Foi, pois, como homem que ele se viu presa do temor de perder o seu Mestre querido. Não era possível que estivesse privado sempre do seu livre-arbítrio. Poder-se-á, porventura, admitir, ou supor, sequer, haja sido a inspiração dos bons Espíritos que o levou a negar o Mestre?

Quanto à severidade da resposta de Jesus, nada tem de estranhável, quando se sabe que todo Espírito encarnado é fraco e falível, pelo só fato de ser encarnado, e que o Mestre não podia deixar de querer se mantivesse Pedro constantemente em guarda contra as fraquezas humanas, que sempre tornam a criatura incapaz de sentir o gosto das coisas de Deus e só ter o das coisas do mundo.

A expressão satanás, de que usou com relação àquele apóstolo em sentido puramente figurado, significa a má influência, a má inspiração. Eram elas que faziam procurasse ele desviar o Mestre do cumprimento do seu dever.

Respondendo a Pedro por aquela forma, apropriada ao momento e ao futuro, deu-nos Jesus uma grande lição: a de que a vontade do Senhor tem que predominar sempre sobre qualquer vontade; que todos, encarnados e desencarnados, temos que nos curvar às suas leis, com submissão, respeito e amor, mantendo-nos em guarda contra as fraquezas humanas.

Humildes de coração, auxiliemo-nos mutuamente, em tudo e por tudo e, com alegria que exprime reconhecimento, recebamos as provas que ao Senhor praza enviar-nos, tendo os nossos lábios e as nossas almas prontos sempre a bem dizer de todas as suas decisões. Não choremos nunca, sobretudo nós, os espíritas, que recebemos a luz, pois que as de gratidão são as únicas lágrimas que a fé pode verter.

Possuindo a presciência do futuro, Jesus antevia as fases e condições dos progressos vindouros. Todas as suas palavras, portanto, eram ditas para aquele momento e alcançavam o futuro. Assim, quando disse a Pedro: “Afasta-te de mim, Satanás, etc.”, o divino Mestre abrangia na sua apóstrofe as fases de erro e de materialidade que atravessaria sua sublime doutrina de amor, perdão e bondade, por efeito dos dogmas e mandamentos humanos, que a deturpariam; por efeito do orgulho, da intolerância do fanatismo, do espírito de dominação, do despotismo religioso; por efeito da predominância do gosto pelas coisas dos homens, isto é, das honrarias, do fausto, das dignidades, do poder, dos favores e vantagens de ordem espiritual e temporal, que não são coisas de Deus. Com relação à época atual, aquelas palavras atingem a todos os que se mostrem hostis e rebeldes à Revelação Espírita, trazida ao mundo pelos Espíritos do Senhor, como hostis e rebeldes à Revelação Cristã se mostraram os escribas, os fariseus, os príncipes dos sacerdotes e seus adeptos.

(2) Aliás, com os progressos que a ciência espírita tem realizado e que são imensos em nossos dias; com os subsídios importantes que para esses progressos têm trazido as experiências, a que os cientistas deram o nome de “metapsíquicas”, sobre o que eles mesmos convencionaram chamar “ectoplasma”, experiências, em muitas das quais se há observado o reflexo dolorosíssimo que produz no médium qualquer abalo mais ou menos violento nas formações ectoplásmicas, já se pode reconhecer não só que dos sofrimentos ditos “físicos” não esteve isento o Divino Mestre, por ser de natureza perispirítica o seu corpo, como também que esses sofrimentos foram, para Ele, mais agudos e intensos do que os mais vivos que experimentemos, por intermédio dos nossos corpos grosseiros, de carne putrescível.

Meios e condições sem os quais não se pode ver na Terra o reino de Deus, em todo o seu poder

24. Disse então Jesus a seus discípulos: Se alguém quiser vir nas minhas pegadas, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me; 25, porquanto, aquele que quiser salvar a vida a perderá e aquele que perder a vida por minha causa a encontrará. 26. De que serve a um homem ganhar um mundo inteiro e perder a alma? Que preço dará o homem para recobrar sua alma? 27. Pois o filho do homem tem que vir na glória de seu pai, com seus anjos: e então dará a cada um de acordo com suas obras. 28. Em verdade vos digo: Alguns há, entre os que aqui se acham, que não morrerão sem ter visto o filho do homem vindo ao seu reino.

O devotamento absoluto, a submissão sem limites são as condições únicas de chegarmos à perfeição relativa que a Humanidade pode alcançar. Dedicando-nos aos nossos irmãos, pela prática sem reservas da caridade, submetendo-nos aos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, observando, em todos os nossos atos, os preceitos morais que Ele pregou e exemplificou, estaremos no caminho seguro da nossa salvação. Sujeito às necessidades materiais e aos instintos humanos, cumpre que o homem regule a sua existência, tendo sempre em vista que o seu corpo é um empréstimo que o Senhor lhe fez, como meio de efetuar a sua depuração e chegar até Ele. Não deve apegar-se a esse corpo, nem ao tesouro que acumulou, porquanto nenhum dos dois o salvará no outro mundo.

Aquele que se entrega aos gozos materiais entra para a categoria dos que perdem a alma pelos bens mundanos, dos que a “vendem ao demônio”, para usarmos de uma frase tantas vezes repetida e tão mal compreendida. Consagrarmos o nosso corpo, isto é, a nossa dedicação, o nosso trabalho, os nossos esforços ao bem da Humanidade, afrontando incômodos e contrariedades, empregando as riquezas que possuamos em auxiliar, com critério e prudência, os nossos irmãos, é caminharmos para a salvação. Fazer o contrário é gozar materialmente, negligenciando a verdadeira felicidade.

Que todos os nossos atos e pensamentos tenham a guiá-los a gratidão ao nosso Deus e o amor aos nossos irmãos; que nunca o egoísmo, ou o interesse pessoal manchem a pureza das nossas consciências.

As palavras de Jesus, com relação aos que dele se envergonham, abrangendo o passado, o presente e o futuro, dizem respeito aos que se riem, ridiculizam e fogem das coisas santas, de medo do ridículo. Com referência, especialmente, à era nova que se abre para a Humanidade com o advento do Espiritismo e que irá até que comece a separação do joio e do bom grão, elas entendem com os que, depois de terem conhecido a verdade, usarem de disfarces para, pelo respeito humano, não confessarem suas convicções. Desses, que são os que se envergonham de Jesus, também Ele se envergonhará. Esses, quando chegar o momento daquela separação, se se conservarem culpados, rebeldes, morrerão para o nosso planeta. Quer isto dizer que não mais lhes será permitida a reencarnação na Terra. Ao terem de encarnar, ver-se-ão constrangidos a fazê-lo em planetas inferiores a este, onde, como condição necessária a que melhorem moralmente e progridam, a expiação corresponderá à duração da falta.

Aludindo aos que não morrerão (ou não “gostarão a morte”, como se lê nalgumas traduções dos Evangelhos), sem terem visto chegar o reino de Deus em seu poder, Jesus se referia à categoria de Espíritos que, encarnados naquela época, tinham de chegar, de reencarnação em reencarnação, ao tempo em que o reino de Deus se estabelecerá realmente na Terra; em que o divino Mestre se mostrará em todo o seu esplendor aos homens, bastante puros, então, para poderem suportar o fulgor do seu Espírito. A maior parte daqueles a quem Ele se referia, falando dos que viveriam na Terra ao tempo da sua vinda, serão, nesse tempo, Espíritos purificados e se acharão reencarnados em missão.

Elucidações evangélicas. FEB (e-book).

 

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