Entre os dois mundos

Uma das características do Espiritismo é o seu caráter progressivo, conforme preconiza o Codificador, que, a certa altura, em A Gênese registra:

“Além disso, convém notar que em parte alguma o ensino espírita foi dado integralmente; ele diz respeito a tão grande número de observações, a assuntos tão diferentes, exigindo conhecimentos e aptidões mediúnicas especiais, que impossível era acharem-se reunidas num mesmo ponto todas as condições necessárias. Tendo o ensino que ser coletivo e não individual, os Espíritos dividiram o trabalho, disseminando os assuntos de estudo e observação como, em algumas fábricas, a confecção de cada parte de um mesmo objeto é repartida por diversos operários”. (Cap. I, item 52, Ed. FEB.)

Notável sobre todos os aspectos essa judiciosa explicação de Allan Kardec, evidenciando a perfeita programação presidida por Jesus, para que a Terceira Revelação se consolide no plano terreno, visto ser o ensino espírita tão amplo e diversificado, abrangendo todos os ramos do conhecimento humano, que é imprescindível a distribuição de tarefas, visando, inclusive, sua mais rápida propagação. Essa a razão dos constantes e necessários desdobramentos dos pontos básicos registrados em toda a Codificação Kardequiana, das avaliações e confrontos com as novas descobertas da Ciência, do estudo pormenorizado dos fundamentos da Doutrina Espírita a fim de que ela se mantenha atualizada em relação às novas conquistas, sempre objetivando, essencialmente, em primeira instância, o progresso espiritual da Humanidade.

Assim tem sido desde os primeiros tempos do Espiritismo.

Em nosso país, sobretudo, importantes revelações têm sido feitas pelos Benfeitores espirituais, de maneira mais profunda e concreta a partir de André Luiz, Emmanuel, Bezerra de Menezes e muitos outros, seguidas, a seu tempo, por Joanna de Ângelis, Manoel Philomeno de Miranda, Vianna de Carvalho, para só citarmos alguns, evidenciando desdobramentos e complementações de aspectos doutrinários que, como é óbvio, não poderiam ter sido transmitidos nos primeiros tempos.

Podemos comparar esse gigantesco trabalho com a corrida da tocha olímpica, na qual cada corredor passa a outras mãos a tocha acesa, para que esta não se apague até chegar ao seu destino. Assim é o labor espiritual: a tocha da Verdade está acesa, importa não deixar que a sua luz se extinga, é preciso levá-la adiante sempre.

O mais recente livro de Manoel Philomeno de Miranda, Entre os dois mundos, psicografado por Divaldo Franco, perfeitamente ajustado nesse contexto acima citado, trata de forma magistral a condição dual do ser humano encarnado que, consciente ou inconscientemente, vive entre os dois planos, o espiritual e o físico. Mesmo aqueles que somente admitem e reconhecem como única a vida terrena, pela força das evidências – cada vez mais presentes na vivência humana – acabam por perceber em si mesmos e ao seu redor sinais indicativos de interferências espirituais, inexplicáveis no momento, porém sempre instigantes, como um convite ao despertamento para essa realidade insofismável.

Miranda, com o brilho que lhe é peculiar, uma vez mais ao lado de Petitinga, proporciona aos leitores ensinamentos e informações extremamente enriquecedores e oportunos para o momento que atravessamos. Iremos enfocar apenas um trecho que nos adverte quanto à ação das trevas organizadas em nosso planeta.

Em suas palavras iniciais, o autor refere-se ao constante ir-e-vir entre os dois mundos:

“Diariamente mergulham na névoa carnal milhares de Espíritos abençoados pela sublime dádiva do recomeço. Simultaneamente, milhares de outros abandonam o casulo físico, carregando as experiências que vivenciaram durante o trânsito orgânico”.

Segundo a sabedoria oriental, esta é a roda da vida e da morte, no seu giro incessante de nascimento e morte, submetida à lei de causa e efeito, até conseguirmos nos libertar deste circuito interminável.

O livro enfoca algumas experiências de socorro a pessoas encarnadas “com tarefas definitivas em favor da cristianização das criaturas, sob as luzes vigorosas dos postulados espíritas”. As atividades estiveram sob a égide espiritual de Policarpo, mártir cristão, que ofereceu a vida a Jesus, sendo atirado às feras na arena romana, juntamente com sua mulher e dois filhos.

Foram formadas cem equipes para atender ao maior número possível de encarnados que se encontravam em situação difícil, todos comprometidos com a mensagem espírita. Miranda e Petitinga integraram uma equipe com mais dois obreiros e um responsável que iria atuar no Brasil.

Obedecendo a um planejamento cuidadosamente elaborado, esse grupo ouviu do coordenador, Dr. Arquimedes Almeida, várias instruções acerca das atividades que iriam empreender. Nesse ponto as advertências do Instrutor espiritual são de grande interesse para nós, a fim de avaliarmos a extensão das forças contrárias à Luz.

Foram por ele advertidos quanto às dificuldades que encontrariam, referindo-se ao adversário comum, que se oculta na denominação coletiva Trevas ou Forças do Mal. Esses irmãos, ainda em profundo desequilíbrio, pretendem instalar o seu reino de perturbação entre os seres humanos, contando, sobretudo, com aqueles que lhes são receptivos, que são em grande número, possibilitando assim fácil sintonia. Acreditam que “a sua será uma vitória incontestável contra o Bem, representado por Jesus Cristo, nosso Mestre, em nome do Pai Criador...”

Esclarece o Dr. Arquimedes, mostrando a gravidade da situação, que esses Espíritos se apresentam com altíssima carga de ódio e incompreensível desejo de vingança, e imaginam ser invencíveis, a ponto de desafiarem a ordem e o equilíbrio que imperam em toda parte. Arrebanham suas vítimas com facilidade pois as encontram despreparadas e invigilantes.

A atuação desses Espíritos em desvario é de tal ordem, que interferem no destino das nações, influenciando chefes de Estado, do mesmo nível evolutivo, que estão, portanto, em sintonia com eles, e que se tornam verdadeiros flagelos para a Humanidade. Passam a comandar psiquicamente estas criaturas, inclusive no caso de líderes religiosos, sobre os quais exercem grave processo de fascinação, levando-os a supor que são Emissários de Deus e inspirando-lhes ódios terríveis contra os que não professam a mesma crença, aos quais passam a perseguir sob a alegação de que precisam livrá-los e à sociedade da tirania do demônio.

Estas interferências têm suas ramificações e se apresentam de diferentes formas e em vários níveis no seio das sociedades, das famílias e também em nosso meio – que não estamos livres disso, conforme sabemos. Até porque a mensagem libertadora do Espiritismo, iluminando consciências e corações, é considerada por esses nossos irmãos como um grande obstáculo aos seus propósitos. Diante dessa realidade, nunca será demais toda vigilância possível.

Cada um de nós, espíritas, nos devemos questionar quanto à forma como conduzimos as tarefas doutrinárias que nos são afetas; qual a nossa participação e contribuição ao Movimento Espírita, levando em consideração que não estamos imunizados ainda quanto ao assédio perturbador, que pode ser tão sutil e imperceptível que aquele ou aquela que o sofre dele não se dê conta.

A finalidade é enfraquecer o Movimento Espírita. Para alcançar tal intuito atuam aqui e ali, disseminando ideias e teorias que dividem as opiniões, que inspiram desconfiança, como também exercem processos sutis de fascinação com todas as características exaradas pelo Codificador, em O Livro dos Médiuns, cap. XXIII.

Oportuno recordarmos a advertência de Allan Kardec, em Viagem Espírita em 1862:

“[...] Eu disse que os adversários têm uma outra tática para alcançar seus fins: semear a desunião entre os adeptos, atiçando o fogo das pequenas paixões, dos ciúmes e dos rancores; fazendo nascer cismas; suscitando causas de antagonismos e de rivalidade entre os grupos, a fim de fragmentá-los. E não creiais que sejam os inimigos confessos que agirão assim; estes se resguardarão! São os pretensos amigos da Doutrina e, muitas vezes, os aparentemente mais calorosos [...]. Lembrai-vos de que a luta não acabou e que o inimigo está ainda à vossa porta; permanecei alerta, a fim de que ele não vos pegue em falta. Em caso de incerteza, tendes um farol que não vos pode enganar: a caridade, que nunca é equívoca. Considerai, pois, como sendo de origem suspeita todo conselho, toda insinuação que tendesse a semear entre vós os germes da discórdia, e a vos desviar do reto caminho que vos ensina a caridade em tudo e por todos”.

Sabemos que todos nós, que abraçamos a Doutrina Espírita com amor, procuramos viver as suas diretrizes e, como é natural, cada um dentro de suas possibilidades e nível de compreensão, tanto quanto desejamos divulgá-la para maior número de pessoas, porém, não podemos esquecer que é, especialmente, através de nossa vivência e exemplo que o nosso próximo faz a primeira leitura do Espiritismo. Entretanto, quanto é difícil manter essa fidelidade, quanto somos vulneráveis aos assédios de ordem inferior.

Essa conscientização é de grande importância; admitir que temos áreas de erros, que não somos infalíveis é o primeiro passo, e procurar, a todo custo, simultaneamente, o nosso aprimoramento. Para isso a mensagem de Jesus nos propicia os recursos imprescindíveis para alcançarmos esse desiderato.

O momento é grave, as dificuldades são inúmeras, os convites para o desequilíbrio se apresentam de forma sedutora. Estejamos alertas!

“Vigiai e orai” – ensina o Mestre.

Avulta, nesta hora decisiva, a luminosa conclamação do Espírito de Verdade:

“Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo”.

Fonte: Reformador, ano 124, nº 2.133, dezembro de 2006, por Suely Caldas Schubert.

  

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