“E havia certo oficial, cujo
filho estava enfermo em Cafarnaum. Ele, ao ouvir que Jesus viera da Judeia para
a Galileia, foi até ele e rogava-lhe que descesse e curasse seu filho, pois
estava prestes a morrer. [...] O oficial diz para ele: Senhor, desce antes que
meu filho morra. Jesus lhe diz: Vai, o teu filho vive. O homem acreditou na
palavra que Jesus lhe havia dito e partiu. Ele já estava descendo, quando os
servos o encontraram, dizendo que o filho dele vive.” (João, 4:46-47 e 49-51.) 1
A belíssima passagem da cura
do filho de um oficial em Cafarnaum, narrada por João, destaca importante
mensagem a ser refletida por nós, não apenas pela capacidade de Jesus em transmitir
energias curadoras – efeito de seu extraordinário poder de agir sobre os
fluidos apropriados, capazes de sarar, de forma instantânea, dores e males
diversos –, mas pela singularidade da situação vivida por aquele pai que foi ao
encontro do Mestre, esperançoso de salvar o filho. Apesar de sua situação de
militar régio, que o destacava na sociedade judaica daquela época, não teve
dúvidas em procurar Jesus para pedir-lhe ajuda. O ato qualifica-o como pai
amoroso e bom, preocupado com a grave situação familiar, e como homem submisso
e cheio de fé na missão providencial do Cristo, certificando-se da grandeza do
patrimônio divino, ao testemunhar a redenção do seu amado filho, e da magnitude
da graça que havia recebido.
Esse episódio evangélico
serve-nos como referência para a análise da lamentável situação espiritual de
determinados homens, em desacordo com o expressivo preceito cristão, destacado
anteriormente, que abandonam suas responsabilidades junto aos filhos gerados,
na maioria das vezes negando a paternidade, afastando-se da parceira e
provocando, “[...] naturalmente, em numerosas circunstâncias, o colapso das
forças mais íntimas naquela que se viu relegada a escárnio ou esquecimento”.2
Espíritos encarnados que falham como pais, fugindo de suas obrigações no
círculo doméstico e renunciando ao compromisso de viver ao lado dos filhos,
alguns recém- -nascidos, do que sobrevêm inúmeras crises futuras para aqueles
que se sentem largados e desprezados por seus genitores, qualquer seja o meio
social e econômico em que reencarnem.
A decisão de se querer comprovar a progenitura, por meio de exames da Medicina hodierna que contribuem para o reconhecimento biológico de filiação da criança em desamparo, concede ao filho determinadas vantagens pecuniárias ao ser confirmada a sua descendência, no entanto, tais recursos não invalidam a fraqueza, a negligência e a ignorância moral que são tendências perniciosas cultivadas pelo pai em prejuízo do pequenino ente desprezado. Essas providências médicas e jurídicas, entretanto, nem sempre são utilizadas por certas mães que se constrangem, envergonhadas, e preferem se desvincular de qualquer relacionamento com o agressor, tentando, individualmente, refazer a estabilidade de sua vida social e econômica em benefício do rebento a ser amparado. Mesmo considerando que a companheira prejudicada tenha a liberdade de se empenhar na luta em prol do seu reequilíbrio, é necessário que ela faça “revisão criteriosa do próprio comportamento para verificar até que ponto haverá provocado a agressão moral sofrida”,3 ao ter os elos afetivos rompidos de forma traumática.
Esse delicado assunto nem
sempre é avaliado com a preocupação de se buscar soluções éticas e morais que
contribuam para o equilíbrio espiritual das partes lesadas. A dor sentida pelos
seres relegados ao abandono pode se transformar em procedimentos destoantes de
uma vida mental e condição emotiva estáveis. Se alguma coisa se modifica na
organização afetiva de um ser humano, ela repercute em todo o indivíduo,
influenciando na sua capacidade intelectiva, nas suas atitudes e no seu
comportamento. Algumas mães se ressentem tanto do abandono do parceiro que se
tornam pessoas depressivas, amargas, sem esperanças; tornam-se irritadas, pouco
afetivas e retraídas, e sentem-se desamparadas diante das necessidades filiais.
Outras mulheres apegam-se em demasia aos filhos, expressando excesso de afeição
e sentimento exagerado de conduta maternal. Além daquelas que, magoadas,
negligenciam completamente os cuidados a se ter para com a criança! “[...]
Apenas o amor que sabiamente se divide, em bênçãos de paz e alegria para com os
outros, é capaz de multiplicar a verdadeira felicidade.”4
De que forma esses temas são
tratados pelos autores espirituais? Alertam-nos os Espíritos superiores sobre
os cuidados que a mãe e o pai devem ter para com seus filhos:
É, sem contestação possível,
uma verdadeira missão. É ao mesmo tempo grandíssimo dever e que envolve, mais
do que o pensa o homem, a sua responsabilidade quanto ao futuro. Deus colocou o
filho sob a tutela dos pais, a fim de que estes o dirijam pela senda do bem, e
lhes facilitou a tarefa dando àquele uma organização débil e delicada, que o
torna propício a todas as impressões. [...] Se este vier a sucumbir por culpa
deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos
sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao
alcance para que ele avançasse na estrada do bem.5
Muitos jovens, infelizmente,
sucumbem, considerando os efeitos desastrosos que surgem da negligência dos
pais no encaminhamento de suas vidas terrenas, entre eles o uso pernicioso de
bebidas alcoólicas e de drogas ilícitas. Preponderâncias nocivas que são
causadoras de graves problemas existentes no mundo, aplicáveis a uma parte da
juventude atual, que parece priorizar certos defeitos, tais como: um ceticismo
amargo e zombeteiro, transformando-os em homens e mulheres egoístas e
indiferentes ao sofrimento alheio, em meio a conflitos de interesses pelas
causas materiais, que parecem dominar suas expectativas para o futuro. Sobre o
problema, Allan Kardec destaca os resultados da falta da boa educação moral,
que consiste para ele na “arte de formar os caracteres”, porquanto “a educação
é o conjunto dos hábitos adquiridos”:
[...]
Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na
torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios
instintos, serão de espantar as consequências desastrosas que daí decorrem?
Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo
hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de
respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar
menos penosamente os maus dias inevitáveis. [...] Esse o ponto de partida, o
elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos.6
Outro gravíssimo problema,
entre as várias abordagens que essas questões suscitam, refere-se,
especialmente, à irresponsabilidade dos jovens que, desejando viver em
desregramento sexual, tornam-se pais imaturos, sem aceitarem a filiação,
entregando seus filhos aos avós para que eles os criem e assumam a incumbência
de assisti-los em suas necessidades básicas, permitindo- -lhes buscar novas e
desvairadas experiências juvenis. A mentora Joanna de Ângelis, nobilíssima
educadora espiritual, traz à tona essa situação, alertando-nos:
Habitem
ou não os avós no mesmo núcleo, a sua deve ser uma conduta afável, sem
interferências diretas no comportamento dos educadores. A sua experiência
é-lhes válida, no que diz respeito aos seus compromissos em relação aos demais
membros do clã, havendo cessado, ao concluir a educação dos filhos e
deixando-os agora assumir os próprios deveres.7
Muitas vezes, pelos
descomedimentos de mimos concedidos aos netos, os avós respondem “pelas
extravagâncias desses órfãos de pais vivos”.8 Os jovens deveriam
arcar com as obrigações ao escolherem os seus parceiros, aceitando, por amor,
as lutas árduas e difíceis que travarão para a construção de uma vida a dois,
tendo como primeiro dever os cuidados a oferecer ao ser em formação e ter o
apoio de seus pais, cuja contribuição não deve ultrapassar os limites da sua
condição de familiares e amigos, que compreendem a situação com tolerância e
carinho.
Enquanto ignorarmos o
alcance dos atos que cometemos, sobretudo os prejudiciais às demais pessoas, e
suas consequências em nossos destinos, não conquistaremos melhoria espiritual.
O problema é acima de tudo moral, e seremos infelizes enquanto praticarmos o
mal. É preciso fazer a parte que nos cabe para a renovação da sociedade!
Indicamos, como providência de máxima relevância para este programa
regenerador, o aprofundamento de estudos nas instituições espíritas,
contribuindo para que os pais possam ampliar os seus conhecimentos sobre assuntos
pertinentes à família e à educação num enfoque essencialmente espírita, à luz
do Evangelho de Jesus.
Referências:
1)
DIAS, Haroldo D. (Trad.) O novo testamento.
Brasília: Edicei, 2010.
2)
XAVIER, Francisco C. Vida e sexo. Pelo
Espírito Emmanuel. 26. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 10, p.
51-52.
3)
______. ______. p. 53.
4)
______. ______. Cap. 11, p. 58.
5)
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad.
Guillon Ribeiro. 91. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 582.
6)
______. ______. Comentário de Kardec à q.
685.
7)
FRANCO, Divaldo P. Constelação familiar. Pelo
Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 2008. Cap. 6, p. 50.
8)
______. ______. p. 51-52.
Fonte: Reformador, ano 130,
nº 2.198, maio 2012, por Clara Lila Gonzales de Araújo (e-book).
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