Evangelho segundo Mateus - cap. 5

Sermão do monte

(Lucas, 6:20-26)

1. Vendo a multidão, Jesus subiu a um monte. sentou-se e os discípulos o rodearam. 2. Pôs-se então a lhes pregar, dizendo: 3. “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. 4. Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a Terra. 5. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. 6. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8. Bem-aventurados os de coração puro, porque verão a Deus. 9. Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus. 10. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos céus. 11. Bem-aventurados sereis quando vos cobrirem de maldições, vos perseguirem e, mentindo, disserem de vós todo o mal por minha causa. 12. Rejubilai então e exultai, porque grande recompensa vos está reservada nos céus; visto que assim também perseguiram os profetas, que existiram antes de vós.”

Ia o Senhor percorrendo toda a Galiléia, a ensinar nas Sinagogas, a pregar o Evangelho e a curar os enfermos, com a virtude que dele saía, isto é, com os fluídos que, por ato da sua vontade e do seu poder magnético, dirigia sobre os doentes e sobre os que se lhe aproximavam. De todos os lugares grande multidão acorria: da Galiléia, de Decápolis, de Jerusalém, de toda a costa do mar, da Iduméia, de Tiro, de Sídon e da parte de além Jordão. Toda essa gente seguia os passos do Redentor, para ouvi-lo, para vê-lo expelir os Espíritos impuros e curar as enfermidades.

Um dia, em que o ajuntamento era enorme, Jesus atravessou a turba, e, afastando-se dela, subiu a um monte, onde passou a noite em oração. Ao amanhecer, como viesse descendo, encontrou à sua espera grande parte do povo que o acompanhara ali. Parou então à meia encosta do monte e, dirigindo-se a seus discípulos, fez a prédica das bem-aventuranças, em a qual sintetizou a maneira de alcançarmos o “reino dos céus”, ou a suprema perfeição moral, isto é, pela prática do trabalho, do amor e da caridade, assim no que seja de ordem física e material, como no que pertença à ordem moral e intelectual. Algumas de suas palavras, porém, nessa prédica, não têm sido bem compreendidas.

Disse o Mestre: Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Quais são os “pobres de espírito ?“ São os que os homens assim chamam, porque, despidos de orgulho e de vaidade, reconhecendo que tudo devem ao seu Criador, que nada possuem, de si e por si mesmos, nenhum apego têm aos bens do mundo, cuja privação nenhum sofrimento lhes causa. Caminham livre e despreocupadamente, por não temerem os assaltos dos ladrões de qualquer espécie, sempre confiantes na bondade e na proteção do Pai celestial. São, em suma, os simples e humildes.

Disse também: sereis felizes, quando vos injuriarem e perseguirem. Exultai, que copioso será o vosso galardão no céu, pois que assim perseguiram os profetas.

Os espíritas podem considerar-se imunes contra todos os insultos que lhes forem lançados. Estes recairão sobre os que os lançarem, desde que eles exemplifiquem, pelo seu procedimento público e privado, a crença que professam, sobretudo mostrando-se bons e caridosos para com todos os seus irmãos. Muitos até lucrarão, se se virem excluídos do convívio e do contacto dos que formam as culminâncias sociais, os quais somente pelo orgulho se distinguem.

Entretanto, precisam compreender bem os graves deveres que correm a todo aquele que se diz espírita, a fim de não caírem nos abusos, que muitos praticam sob a capa do Espiritismo e que, em parte, legitimam as alegações e imputações dos inimigos de tão santa doutrina.

A apóstrofe que o justo e meigo Pastor proferiu se aplica aos que, tudo sacrificando à posse dos bens terrenais, vivem no luxo e na ostentação, indiferentes aos sofrimentos dos desgraçados e olham com desprezo as verdades santas. Esses infelizes, regra geral, são os que ocupam os lugares mais salientes, nos centros ditos de maior e mais apurada civilização. Infelizes, de fato, porque ignoram e não querem saber que muitos dos que hoje arrastam os andrajos da miséria, em outras encarnações insultaram a Humanidade, com a mesma ostentação e o mesmo orgulho.

Quão difícil, entretanto, há de ser, por muito tempo ainda, a divulgação destes ensinamentos salvadores, únicos capazes de restituir à religião o grande papel que lhe cumpre desempenhar na realização dos destinos do gênero humano, desde que o Catolicismo proíbe aos seus fiéis o conhecimento deles, ao mesmo tempo que se nega a ensinar a verdade, se furta às discussões e cada vez maiores mostras dá de intolerância e de simonia, ao ponto de deixar sem contestação alguma a afirmativa, feita em publicações bastante espalhadas, de que papas houve que estabeleceram tarifas de absolvições para os mais hediondos crimes! Todos são testemunhas de como procede o sacerdócio romano na prática do Evangelho, de cuja propagação ele se diz exclusivamente incumbido pelo divino Mestre.

Fora inútil repetir o que todos sabem, até por observação ocular, relativamente ao proceder desses falsos profetas, que o são, realmente, porquanto, conhecendo a verdade, a ocultam, para terem a seus pés, submisso, o povo; porque, compreendendo a verdade, fogem, por orgulho, de a ela se submeterem e exalçam o erro.

Ai deles, disse o justo e meigo Pastor, referindo-se aos daquela época e o diz hoje, novamente, quando não menor é o número dos falsos profetas.

Sal e luz da terra. Lâmpada

13. Sois o sal da Terra. Se o sal perder a sua força, com que se salgará? Para nada mais servirá senão para ser posto fora e pisado pelos homens. 14. Sois a luz do mundo. Uma cidade situada sobre um monte não pode ficar escondida. 15. E ninguém acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire; coloca-a num candeeiro a fim de que ilumine a todos os que estão na casa. 16. Que assim também a vossa luz brilhe diante dos homens; que eles vejam as vossas obras e glorifiquem a vosso pai que está nos céus.

Para que se apreenda o pensamento do divino Mestre neste passo, preciso é se compreendam bem as figuras em que Ele o envolveu, ou, antes, a comparação de que se serviu para exprimi-lo. O sal, substância incorruptível e preservadora de toda corrupção, representa aqui o conhecimento que, da verdade, já o homem possua, por efeito dos ensinamentos que tenha recebido e que lhe cabe espalhar. Se o sal, porém, perde o sabor, se fica insípido, de nenhuma utilidade se torna, para nada mais presta, senão para ser posto fora. Assim, o homem, ou, de modo mais geral, ‘o Espírito. Sua moralidade, seu amor a Deus, sua submissão às leis divinas, sua fiel observância de todos os mandamentos que vêm de Deus e do seu Cristo, decorrendo tudo isso do aproveitamento daqueles ensinos, são o que lhe constitui o saber. Se não há esse aproveitamento, se, deixando-se dominar por maus pendores, o homem perde de vista a meta que lhe cumpre atingir, perde ele igualmente o seu sabor, passa a ser sal insípido. Desde então, tem que ser posto fora, o que significa: tem que ser afastado do convívio dos que conservaram o sabor e submetido, para novamente o adquirir, a sofrimentos e torturas morais, na erraticidade, adequados àquele efeito e, depois, à reencarnação na Terra, ou em planetas inferiores a este, onde, por meio das provas, correspondentes aos seus delitos, se purifique e eleve.

Uma época tem que vir, a da regeneração humana, em que somente Espíritos bons deverão habitar o nosso mundo. Nessa época, os que, tendo até então aí encarnado, se conservarem culpados e rebeldes, estacionários na senda do progresso, serão afastados dele, “lançados fora”. Irão reencarnar em mundos apropriados às suas condições morais, onde terão que permanecer, até que se lhes ache vencida a obstinação no mal e a cegueira voluntária.

De modo particular, as figuras do sal da Terra, da luz do mundo, da lâmpada que se não deve esconder, para que possa alumiar e esclarecer, se aplicam aos que se constituem propagadores de uma parcela da verdade divina, apóstolos de uma revelação vinda do Alto. Como divulgá-la, como lhes cumpre, pela palavra e pelo exemplo, eles se constituem o sal que preserva da corrupção as almas, a luz que ilumina as consciências, a lâmpada cujo foco atrai os que anseiam por sair das trevas em que caíram. Assim, os espíritas são, no presente, ou devem ser, o sal da Terra, a luz do mundo, relativamente à revelação nova, como os apóstolos e os discípulos do Cristo o foram relativamente à que ele trouxe à Humanidade.

Dizendo que nada ficaria oculto, ou desconhecido, Jesus se referia às gerações futuras que, não se satisfazendo com a letra, haveriam de procurar o espírito e de compreender, encontrando-o, que Ele, o enviado de Deus, não viera opor barreira à inteligência humana, ou lhe traçar limites aos esforços; que, ao contrário, viera alargar-lhe os horizontes e patentear a estrada do verdadeiro progresso aos Espíritos progressistas.

Se falava por parábolas, símbolos e figuras, era porque as inteligências de então ainda não estavam bastante aptas a suportar, se fossem apresentadas sem véus, o peso das revelações que Ele trazia e que, por isso, velava daquele modo. Chegados, porém, que são os tempos, tudo tem que ser esclarecido e explicado, se bem que com as devidas cautelas, porquanto, como bem dizia Moisés, quando recomendava ao povo de Israel que se não aproximasse muito da sarça ardente, o fogo que nos aquece também nos queima.

Esse fogo, que abrasava a sarça e que impedia ao povo hebreu o acesso ao monte onde ele supunha estar Moisés em comunicação direta com Deus, quando, como grande médium que era, recebia pela audição as leis constitutivas do Decálogo, esse fogo, que ardia, mas não consumia a sarça, como se lê em Êxodo (capítulo 3, versículo 2)... e Moisés via que a sarça ardia sem se consumir , simboliza a purificação dos culpados por meio da expiação. É o mesmo fogo a que também se refere o Deuteronômio (capítulo 33, versículo 2), quando diz: “Na sua direita (do Senhor), vinha a lei do fogo”. Não se nos estranhe fazermos frequentes citações da Bíblia, porquanto o Velho Testamento é sem dúvida subsidiário do Novo. São enxertos, sim, mas da mesma planta, na mesma haste, para continuação da mesma vida, O Monte Sinai só é visto distintamente, quando iluminado pelo sol do Evangelho, que, a seu turno, só pode ser bem compreendido, como desdobramento da lei que irradiou daquelas alturas o Decálogo. Nesse código está a base de toda a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos deu a conhecer, sob o seu verdadeiro aspecto, o Santo, Santo, Santo, o Senhor Deus Onipotente de que fala o Apocalipse (capítulo 4, versículo 8).

Essa lei esteve sempre manifestada ao Espírito, enquanto este se conservou inocente, como saíra das mãos do Criador, sabendo que a obediência é a vida, que a desobediência é a morte. Ele desobedeceu, faliu, morreu. Teve que ser, encarnado, sepultado na terra da expiação e do resgate.

A lei, pois, proclamada no Sinai, em forma de estatuto, é aquela mesma lei, sempre una e imutável. Como, porém, o Sinai não tenha bastado para vencer a rebeldia do homem, preciso se tornou o Calvário. Na pessoa de Moisés, reviveu o Elias que se refugiara no monte Horeb, para fugir às perseguições de Josabel e que voltou ao mundo para ouvir os mandamentos do Senhor, no mesmo lugar onde foi promulgada a lei que vigora até hoje e irá, como o Senhor, “além da eternidade”, na frase do Êxodo (capítulo 15, versículo 18); ou “até à eternidade e além dela”, como diz Miquéias (capítulo 4, versículo 5), expressões que bem mostram devermos distinguir duas eternidades: uma, absoluta; relativa, a outra.

Nada, portanto, terá de ficar oculto. Chegamos ao tempo em que tudo tem que ser esclarecido, não, certamente, de modo completo, mas tanto quanto o exija e comporte o nosso adiantamento. Não esqueçamos, porém, que, principalmente, da pureza da nossa consciência é que depende a intensidade da luz que tudo nos clareará, por isso que dessa pureza é que depende o sermos bons Espíritos e, conseguintemente, assistidos, inspirados, protegidos e guiados no conhecimento da verdade, como o são os Espíritos bons.

Não desconheçamos que a Ciência é fonte de luz para o desenvolvimento da nossa inteligência, fator importante de progresso intelectual. Mas, aproximemo-nos cautelosos dessa fonte, porquanto, com o ministrar o saber e o poder, a Ciência raras vezes deixa de inocular no espírito o veneno do orgulho, que é a perdição do homem.

Conjuguemos devidamente os dois elementos: moral e ciência, e teremos toda a luz de que necessitarmos e seremos luz do mundo e sal da Terra.

Jesus não veio destruir a lei, mas cumpri-la

17. Não penseis que eu tenha vindo destruir a lei ou os profetas; não os vim destruir, mas cumprir. 18. Porque em Verdade vos digo que, enquanto o Céu e a Terra não passarem, nem um só jota, nem um só ápice da lei passarão, sem que tudo esteja cumprido. 19. Assim, aquele que violar qualquer destes menores mandamentos e ensinar os homens a violá-los será chamado o menor no reino dos céus; ao passo que aquele que os guardar e ensinar será chamado grande no reino dos Céus.

Note-se que Jesus se referia à lei e não as adições feitas à lei, adições que consistem em preceitos e mandamentos humanos, em dogmas decretados pelos homens, como fruto de interpretações que alteraram e deturparam o sentido e a aplicação da lei.

Declarando que não viera destruir, mas cumprir, a lei e os profetas, Jesus ipso facto declarava que a sua doutrina era apenas a confirmação do Decálogo e das profecias formuladas para os séculos que se lhe seguiriam. Hoje, igualmente, o Consolador prometido mais não faz do que sustentar, confirmar e explicar aquela mesma lei, aquelas mesmas profecias. Assim, as revelações mosaica, messiânica e espírita são, fundamentalmente, uma só revelação. É sempre a mesma revelação ajustada sucessivamente às condições humanas, oferecendo gradualmente ao homem os meios de reparar suas faltas, ampliando-lhe o conhecimento da verdade, encaminhando-o para a unidade de crenças, para a fraternidade, para a caridade, como expressões de solidariedade, pela identidade da origem. Ë sempre, portanto, o amor universal a envolver cada vez mais intensamente as criaturas e a atraí-las para junto do trono altíssimo do Pai celestial.

O Espiritismo, conseguintemente (não o negue quem não o tenha examinado de perto), é a confirmação e a ampliação do Cristianismo, instituído por Jesus com sua palavra evangélica, que precisa ser bem compreendida e praticada em espírito e verdade. E o será, porque a lei tem que ser cumprida em todas as suas partes, necessária e fatalmente, Os que não a cumprirem retardarão seu próprio progresso e se condenarão ao sofrimento na erraticidade e em encarnações sucessivas, de acordo com o grau de culpabilidade em que hajam incorrido, Os que, ao contrário, a cumprirem, rápido progredirão e chegarão celeremente ao reino do céu, que é a perfeição.

Justiça abundante. Palavra injuriosa. Reconciliação

20. Porque, eu vos digo que, se a vossa justiça não for mais abundante do que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos céus. 21. Aprendestes o que fora dito aos antigos: “Não matarás e quem quer que mate será condenado no juízo.” 22. E eu vos digo que quem quer que se encha de cólera contra seu irmão será condenado no juízo; que aquele que disser a seu Irmão: Raca, será condenado no conselho; e quem disser: és um insensato, será condenado ao fogo da geena. 23. Se, pois, quando apresentares no altar a tua oferenda, te lembrares de que teu Irmão tem qualquer coisa contra ti, 24, deixa-a diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com ele; depois então vem fazer a tua oblata. 25. Põe-te o mais depressa possível de acordo com o teu adversário. enquanto estás em caminho com ele, para não suceder que te entregue ao juiz, este ao ministro e que sejas metido na prisão. 26. Em verdade te digo que dai não sairás enquanto não houveres pago até o último ceitil.

Em tudo e sempre, deve o homem esforçar-se por proceder com justiça, sem orgulho e sem hipocrisia, não por medo do castigo, mas por testemunhar amor, submissão e reconhecimento àquele que paternalmente lhe ensinou o caminho por onde a Ele se chega.

As expressões raca, juízo, conselho, fogo do inferno, tomadas à linguagem da época, acorde essa linguagem com os costumes e crenças próprias dos lugares por onde andava o divino Mestre pregando a sua doutrina, Ele as empregou simbolicamente, em sentido figurado. Deus julga a criatura pelos seus atos. Se não usarmos de brandura, de indulgência para com o nosso próximo, se o insultarmos, incorreremos na sanção punitiva das leis daquele que quer que todos os homens, pois que são seus filhos, se tratem como irmãos.

O conselho e a geena são emblemas do julgamento pelo tribunal da consciência e também do castigo a que esse tribunal condena o culpado.

A reconciliação com o irmão a quem tenhamos ofendido e a reparação do dano que lhe houvermos causado são, aos olhos do Senhor, ações mais meritórias do que toda e qualquer oferenda levada ao altar, ou, o que vem a ser o mesmo, do que todo e qualquer ato de culto exterior, ainda que não puramente material.

Devemos cuidar de harmonizar-nos com os nossos adversários, enquanto estamos neste mundo, pois que, quando menos esperarmos, poderemos ser arrebatados pela morte e iremos sofrer as consequências das faltas que houvermos cometido contra os nossos irmãos, no inferno do remorso e do pesar de não termos sabido escutar e praticar os ensinos do Evangelho, que só à felicidade eterna nos encaminham.

O homem precisa compreender que, se repelir o seu irmão, será repelido da bem-aventurança que a todos está destinada, até que se haja submetido ao mandamento supremo do duplo amor conjugado, a Deus e ao próximo. Tal o efeito inevitável da lei de justiça e de amor na obra da eterna e perfeita harmonia.

Adultério no coração. Extirpação de todos os maus pensamentos

27. Aprendeste que aos antigos fora dito: Não cometerás adultério. 28. E eu te digo que quem quer que olhe para uma mulher, cobiçando-a, já cometeu adultério no seu coração. 29. Se o teu olho direito te for motivo de escândalo arranca-o e atira-o longe de ti, porquanto melhor te é que pereça um dos membros do teu corpo do que ser todo este lançado na geena. 30. Se a tua mão direita te for motivo de escândalo corta-a e atira-a longe de ti, porquanto melhor te é que pereça um dos membros do teu corpo do que ir todo este para a geena.

São simbólicas as palavras de Jesus, constantes nestes versículos. Devemos, pois, procurar-lhes o verdadeiro sentido. Elas têm, primeiramente, uma acepção de ordem geral, porquanto visam fazer compreensível que os homens devem abster-se de toda má palavra, de toda ação má e de todos os maus pensamentos.

Quanto ao dizer que devem ser arrancado o olho e cortada a mão que se tornem causa de escândalo, bem se vê que também nesse ponto usou Ele de uma linguagem figurada, composta de imagens materiais, como convinha aos Espíritos daquela época. Falando a criaturas materiais, só por meio de tais imagens podia impressioná-las fortemente.

O ensino moral, que delas decorre, é que não basta nos abstenhamos do mal; que precisamos praticar o bem e que, para isso, mister se faz destruamos em nós tudo o que possa ser causa de obrarmos mal, seja por atos, seja por palavras, seja por pensamentos, sem atendermos ao sacrifício que porventura nos custe a purificação dos nossos sentimentos.

Não se estranhe o dizermos que podemos obrar mal pelo pensamento. Embora ela não exista perante os homens, porque estes não percebem o que se passa no íntimo do Espírito, incorre em falta, aos do Senhor, tanto quanto se praticasse uma ação má, aquele que formula um mau pensamento, porque. o Senhor, que lê o íntimo dos seres, vê a mácula que na alma produz um pensamento mau e toda mácula significa que a criatura se afastou do seu Criador.

Daí vem o ser a concupiscência, no dizer de Jesus, equiparada ao adultério. Para Deus, o Espírito, em quem ela se manifestou, cometeu falta Idêntica à em que teria caído, se houvera consumado o adultério, mesmo porque, as mais das vezes, só uma dificuldade material qualquer impede que o pensamento concupiscente se transforme em ato.

Casamento. Juramento

31. Também fora dito: Quem abandonar sua mulher dê-lhe carta de repúdio. 32. Eu, porém, vos digo que quem repudiar sua mulher, a não ser por causa de adultério, a torna adúltera; e aquele que tomar a mulher repudiada por outro comete adultério. 33. Ouvistes ainda que aos antigos fora dito: Não jurarás falso; mas cumprirás para com o Senhor os teus juramentos. 34. Eu vos digo que não jureis de forma alguma: nem pelo céu, porque é o trono de Deus; 35, nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande rei. 36. Não jureis tampouco pela vossa cabeça, porque não podeis tornar branco ou preto um só de seus cabelos. 37. Limitai-vos a dizer: sim, sim; não, não; pois o que passar disto procede do mal

Relativamente ao divórcio, o objetivo imediato do ensino de Jesus foi impedir se multiplicasse o número de mulheres repudiadas sob os mais fúteis pretextos, como era de costume entre os judeus, mediante a carta de divórcio que Moisés permitira.

Nem foi com objetivo diverso que, doutra feita, apoiando-se na letra da Gênese, se referiu figuradamente, à criação inicial de um homem e de uma mulher, para origem da Humanidade, a fim de concluir recomendando não se separasse o que Deus unira.

De fato, o homem não deve equiparar-se ao bruto, tendo a mulher apenas como meio de satisfazer ele aos seus apetites materiais, ao instinto da procriação. Cumpre-lhe, ao contrário, considerá-la o que ela realmente é —um Espírito criado como o dele, a este em tudo semelhante e posto na Terra, pela encarnação, para também expiar e resgatar faltas, depurar-se, progredir, suportando, do mesmo modo que ele, os trabalhos e, como ele, gozando das alegrias que lhe proporcione a vida humana.

As causas ou motivos das separações conjugais, que ainda hoje se dão, como outrora, são frutos da nossa defeituosíssima civilização, que faz da união matrimonial do homem e da mulher um comércio, um objeto de negócio, união que, entretanto, deverá ser a de Espíritos afins, simpáticos e que, por efeito dessa simpatia e dessa afinidade, se buscassem para juntos passarem as provas da existência corpórea, tirando dessa circunstância um grande motivo de felicidade, que bastante atenuaria aquelas mesmas provas.

Quando as criaturas humanas houverem dominado seus maus instintos, quando a Humanidade se compuser de Espíritos que já tenham atingido um certo grau de purificação, o homem, compreendendo o verdadeiro objetivo da vida terrena, saberá santificar de fato a união conjugal e, então, não pensará mais em divórcio, mesmo porque para este já nenhum cabimento haverá.

Como o assunto de que estamos tratando terá que ser versado novamente, quando estudarmos os versículos de 1 à 9 do capitulo 9 do Evangelho de MATEUS e os versículos de 1 à 12 do capítulo 10 do de MARCOS, por agora não nos estenderemos sobre ele.

Quanto ao juramento, o que Jesus teve em mira com o que disse a respeito foi coibir o abuso que das juras faziam os judeus. Aquele que traz puro o coração nenhuma necessidade tem de jurar, porquanto, jamais faltando à verdade, nunca a sua palavra poderá ser posta em dúvida. E, se alguém houver que dela duvide, nenhum juramento será capaz de fazer que esse deixe de duvidar, porque para a iniquidade nenhuma prova há de retidão.

O juramento já existia, - como se vê das próprias palavras do Salvador, e continuou a existir, como um freio que a legislação humana pôs à insinceridade dos homens, à sua propensão para a mentira, por efeito da inferioridade espiritual que, em geral, os caracteriza. Qual seja, porém, o valor desse freio todos hoje o sabem. Dentre nós, já foi oficialmente banido e, quando imperar na Terra o Espiritismo, ele desaparecerá completamente. Todos se limitarão a dizer sim, ou não, conforme há perto de dois mil anos Nosso Senhor Jesus Cristo recomendava aos que estavam aptos a lhe guardar as palavras e decididos a caminhar pelas sendas do Senhor.

Paciência. Abnegação, caridade moral e material

38. Sabeis que fora dito: olho por olho e dente por dente. 39. Eu, porém, vos digo que não oponhais resistência ao que vos queira fazer mal; que, ao contrário, se alguém vos bater na face direita, lhe apresenteis a outra; 40, e, àquele que quiser demandar convosco em juízo para vos tomar a túnica, entregai também a vossa capa. 41. E se algum vos forçar a caminhar mil passos, caminhai com ele mais dois mil. 42. Dai a quem vos pedir e não volteis as costas a quem vos queira solicitar um empréstimo.

Claro se torna o sentido destas palavras de Jesus, desde que procuremos compreendê-las, como devem ser compreendidas, segundo o Espírito, que não segundo a letra. Considerem-se, antes de tudo, a época em que Ele desceu à Terra e as condições morais dos homens a quem falava. Considere-se igualmente o fim superior que tinha a sua missão, toda de abnegação, devotamento, caridade e amor, fim que era lançar, como lançou, pelos seus ensinos e exemplos, sementes da verdade, destinadas a germinar desde logo e a frutificar cada vez mais pelos séculos em fora.

Os preceitos da lei antiga eram de molde a infundir terror, como convinha a homens de naturezas violentas, que só pelo terror podiam ser dominados, que ainda se achavam incapacitados para obedecer a uma lei toda mansidão e doçura. Para que os direitos fossem reciprocamente respeitados, mister se fazia que cada um estivesse convencido de que sofreria, como castigo, mal idêntico, senão maior do que o que houvesse feito ao seu irmão.

A lei trazida ao mundo pelo Cristo, ao contrário, sobrepõe a tudo, em todos os casos, o amor, a abnegação, a renúncia de si mesmo, sentimentos esses que devem animar o homem, não só para com os que lhe são caros e amigos, como para com os seus inimigos. Nisto se resume tudo.

“Sabeis que fora dito: olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não oponhais resistência. ao que vos queira fazer mal.” Querem estas últimas palavras dizer: Ponde de lado o orgulho e humilhai-vos; não façais justiça pelas vossas mãos; deixai que as leis divinas sigam o seu curso; limitai-vos a usar da caridade, do amor, da benevolência, a fim de que, pelo vosso exemplo, seja reconduzido o vosso irmão ao bom caminho, do qual se transviou. Fazei não somente a esmola da bolsa, mas também a do coração e da inteligência.

Compreende-se que, para os homens endurecidos daquela época, Jesus se visse na necessidade de formular esses exemplos de amor, por assim dizer, excessivo, de extremada abnegação. Era para, por pouco que deles obtivesse, predispô-los a enveredar pelo caminho do bem, ao longo do qual iriam gradualmente adquirindo os sentimentos capazes de lhes expungir os corações do ódio, da cobiça e da inveja que os dominavam.

Quanto a nós, se não nos achamos em condições de observar escrupulosamente esses preceitos evangélicos, como sucedeu mesmo a Moisés e aos profetas de Israel, nos remotos tempos em que viveram, nem por isso devemos deixar de estar atentos- ao advento da era predita para começo de uma nova fase de evolução moral, a iniciar-se com a Nova Revelação, cujos efeitos veremos e. acompanharemos, para eles concorrendo, encarnados ou desencarnados, a fim de que se cumpram as palavras de Jesus.

Depois de passarem os Espíritos pelo cadinho depurador das reencarnações, esclarecidos pela revelação espírita, apartados os obstinados no mal, tornado o planeta terreno morada exclusiva dos bons, em consequência da evolução moral, lenta, mas progressiva sempre, que acarretará a transformação física, também lenta, mas sempre progressiva, os homens chegarão a uma época em que, para julgamento de seus atos, em face dos preceitos evangélicos, um só tribunal haverá o da própria consciência, guarda das leis de Deus, o nosso Criador, o nosso Juiz supremo e nosso Pai de misericórdia infinita.

Bem longe ainda nos achamos desses tempos ditosos em que, iluminados pela ‘verdade e praticando o amor, caminharemos sempre sob as vistas do Pai celestial. Entretanto, já podemos atestar a realidade daquela transformação, pois que, embora lenta, a transição que a precederá já se vai fazendo patente na mudança dos costumes, na melhoria das índoles e até mesmo na modificação dos animais ferozes, que mais facilmente se vão sujeitando ao jugo do homem.

Quanto à lei de talião, a ciência espírita nos mostra que o olho por olho, dente por dente, do Velho Testamento, é uma realidade para todos os tempos, desde que, de sob o simbolismo dessa linguagem, extraiamos o sentido verdadeiro da sentença que ela exprime. Mediante as reencarnações sucessivas e os sofrimentos inerentes a cada uma delas, os Espíritos falidos vão sofrendo, para sua purificação e progresso, tudo o que fizeram sofrer aos outros, ainda que não tenham, durante a vida corpórea, lembrança dos seus delitos.

Amar os inimigos. Amor e caridade para com todos. Via da perfeição

(Lucas, 6: 27,28,32)

43. Tendes ouvido que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos; fazei bem aos que vos odeiam; orai pelos que vos perseguem e caluniam, 45, a fim de serdes filhos de vosso Pai que está nos céus que faz nascer o Sol sobre os maus e faz chover sobre os justos e sobre os injustos. 46. Por que, se só amardes os que vos amam que recompensa tereis? Não fazem o mesmo os publicanos? 47. Se somente saudardes os vossos irmãos, que é o que com isso fazeis mais do que os outros? Não fazem o mesmo os gentios? 48. Sede, pois, perfeitos, como é perfeito vosso Pai celestial.

Obedeçamos à lei do amor, em tudo e para com todos, conhecidos e desconhecidos, amigos e inimigos: tal o ensino de Jesus, constante nesses trechos evangélicos, que assim se conjugam com aqueles outros que referem haver o mesmo Jesus dito Sede perfeitos, como o vosso Pai celestial é perfeito, isto é, cultivai e praticai com sinceridade todas as virtudes que vos são ensinadas e exemplificadas, a fim de que vos aproximeis daquele que é a perfeição absoluta.

Para o conseguirmos, temos hoje o Espiritismo, a revelação nova, a revelação da revelação, novo transbordamento da bondade de Deus para com os homens, como luz brilhante que nos guiará os passos, rumo ao seio infinito do Pai, dando-nos a compreensão nítida das palavras evangélicas e facultando-nos, em consequência, atingir a meta que nos é proposta. A jornada é longa e áspero e semeado de perigos e dificuldades o caminho, mas o porto de chegada é prodigioso de venturas e esplendores. Avante, pois!

Elucidações evangélicas. FEB (e-book).

 

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