Arrependimento e morte de Judas. Lugar
do seu suicídio e da sua sepultura
1.
Pela manhã, todos os príncipes dos sacerdotes e anciães do povo se reuniram em
conselho contra Jesus para o entregarem à morte. 2. Depois de o manietarem,
levaram-no e o entregaram ao governador Pôncio Pilatos. 3. Então, Judas, que o
traíra, vendo que Jesus fora condenado, tocado de arrependimento, tornou a
levar as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciães, 4,
e lhes disse: Pequei, entregando o sangue inocente. Mas eles responderam: Que
nos importa? Isso é lá contigo. 5. E Judas, depois de arremessar no templo as
moedas, se retirou e foi enforcar-se. 6. Os príncipes dos sacerdotes, tendo
apanhado as moedas, disseram: Não nos é licito deitá-las no cofre do templo,
porque são preço de sangue. 7. Depois de o deliberarem em conselho, compraram
com elas o campo de um oleiro, para servir de cemitério, a forasteiros. 8. Por
isso aquele campo se ficou chamando, até o dia de hoje, Hacéldama, Isto é:
campo de sangue. 9. Cumpriu-se assim o que fora dito pelo profeta Jeremias:
“Tomaram as trinta moedas de prata, preço daquele que com eles os filhos de
Israel apreçaram, 10, e as deram pelo campo de um oleiro, como me ordenou o
Senhor”.
Com relação aos fatos
narrados nestes versículos, necessários se tornam alguns esclarecimentos, para
que, confrontados os termos do versículo 18, do capítulo 1, dos Atos dos
Apóstolos com os do versículo 7, do capítulo 27 de MATEUS, conhecidos fiquem os
pormenores exatos do que houve com referência à propriedade do campo, que se
chamou Hacéldama, onde Judas se suicidou e teve sepultura.
Judas foi restituir as
trinta moedas que recebera aos príncipes dos sacerdotes e dos anciães, que,
entretanto, não as quiseram aceitar. Ele, então, as atirou no templo e foi
enforcar-se num campo, onde lhe acharam o cadáver em estado de putrefação
bastante adiantada. Ao terem conhecimento desse fato, os príncipes dos
sacerdotes e os anciães, que haviam apanhado as moedas, conceberam a ideia de
com elas comprarem aquele campo, para cemitério dos forasteiros e para nele ser
enterrado o cadáver de Judas, uma vez que entre os Israelitas não se concediam
as honras da sepultura religiosa aos suicidas. Compraram, pois, o campo, que se
ficou chamando Hacéldama.
Nos Atos dos Apóstolos, onde se diz que o campo foi adquirido por Judas com o preço do seu pecado, e que ele, depois de o haver comprado, lá se enforcou, houve um erro de narração, devido aos comentários feitos a propósito dos fatos que Mateus relatara, mas ainda não escrevera, e a propósito do lugar do suicídio de Judas e do sepultamento, aí, do seu cadáver.
Pedro foi dos que pensaram
que Judas comprara o campo e que ali se enforcara. Essa opinião, da qual Lucas,
como narrador, se fez eco, nasceu do fato de se haver Judas enforcado naquele
campo e de ter sido nele enterrado. Destas circunstâncias concluíram, primeiro,
que o campo lhe pertencia, visto ser costume entre os Hebreus preparar cada um,
de antemão, a sua última morada; segundo, que ele o adquirira com o que ganhara
da sua traição.
Jesus diante de Pilatos. Jesus é
entregue para ser crucificado
(Marcos,
15:1-15; Lucas 23:1-25)
11.
Jesus foi levado à presença do governador e este o interrogou assim: És o rei
dos Judeus? Respondeu-lhe Jesus: Tu o dizes. 12. As acusações, porém, que lhe
faziam os príncipes dos sacerdotes e os anciães nada respondeu. 13. Pilatos
então lhe perguntou: Não ouves de quantas coisas estes te acusam? 14. Jesus nem
uma só palavra disse em resposta, do que grandemente se admirou Pilatos. 15.
Ora, o governador costumava, no dia da festa da Páscoa, dar liberdade a um
preso que o povo indicasse. 16. E naquela ocasião tinha ele em seu poder um de
grande fama, chamado Barrabás. 17. Perguntou, pois, Pilatos à multidão ali
reunida: Qual dos dois quereis que eu vos solte, Barrabás, ou Jesus, apelidado
o Cristo? 18. É que sabia que só por inveja lhe tinha sido este último
entregue. 19. Nesse ínterim, quando ele se achava sentado no tribunal, sua
esposa lhe mandou dizer: Não te envolvas no caso desse justo, pois que hoje, em
sonho, estranhamente atormentada fui por sua causa. 20. Mas os príncipes dos
sacerdotes e os anciães persuadiram o povo a pedir fosse solto Barrabás e Jesus
condenado à morte. 21. Assim, perguntando-lhes o governador: Qual dos dois
quereis que vos solte? Responderam: Barrabás. 22. Objetou-lhes Pilatos: Que hei
de, então, fazer de Jesus, a quem chamam o Cristo? Responderam todos: Seja
crucificado! 23. O governador insistiu: Que mal, porém, fez ele? Com mais força
clamaram, em resposta: Seja crucificado! 24. Vendo Pilatos que nada conseguia,
que, ao contrário, o tumulto se tornava cada vez maior, mandou vir água, lavou
as mãos diante do povo e disse: Sou inocente do sangue deste justo; isso é lá
convosco. 25. Todo povo lhe respondeu. Caia sobre nós e sobre nossos filhos o
seu sangue. 26. Pilatos logo pôs Barrabás em liberdade e, depois de haver
mandado acoitar a Jesus, o entregou à multidão para ser crucificado.
A diversidade que se nota
entre o texto de Lucas e os dos outros Evangelistas não nos deve surpreender,
nem embaraçar, pois sabemos que cada um deles tinha que entrar em
particularidades especiais. Assim, o que um, refere sumariamente, outro relata
descendo a minúcias. Desse modo, as narrações sempre se explicam e completam
reciprocamente.
Diante de Pilatos, a uma só
das suas perguntas consente Jesus em responder: à que respeitava à soberania
por Ele exercida sobre os Judeus, soberania moral e espiritual, que Pilatos,
apesar de não admitir a missão do Mestre, bem compreendeu que nada tinha de
política. É assim que, impelido por um sentimento secreto, e, ainda mais,
advertido pela mulher, que tivera com Jesus um sonho muito característico,
tenta salvá-lo, mandando, ao mesmo tempo, para salvar a sua própria
responsabilidade, que apresentassem o acusado ao sucessor de Herodes.
Também a nenhuma das
perguntas que lhe este fez respondeu Jesus. Considerando aquele silêncio um
desrespeito à sua alta dignidade, o sucessor de Herodes, indignado, se vingou,
tratando-o com desprezo e ridiculizando-o, infligindo-lhe um castigo infamante,
qual o de mandar lhe vestissem uma túnica branca, porque dessa cor era a dos
príncipes que aspiravam ao trono. Isso fazendo, apresentava-o como um louco,
como um em quem a ambição produzira a loucura.
Eximiu-se, porém, de julgá-lo,
entendendo que o julgamento cabia a Pilatos, a quem o reenviou. Essa troca de
atenções reconciliou os dois déspotas, que desde então se tornaram amigos.
À pergunta de Pilatos: És o rei dos Judeus? respondeu Jesus: Tu o dizes, falando, porém, unicamente
do ponto de vista espiritual. Para bem compreendermos o sentido, o alcance e o
objetivo dessa resposta, devemos aproximá-la destas outras palavras, já por Ele
antes proferidas: Em verdade vos digo que doravante não mais me vereis, até ao
dia em que digais: “Bendito o rei que vem em nome do Senhor!” (LUCAS, capítulo
13, versículo 35 e capítulo 19, versículo 38.).
Depois que lhe respondeu: Tu o dizes, duas vezes Pilatos deu a
Jesus o título de rei dos Judeus, mas, por mofa. Na sua opinião, o Mestre era
um espírito fraco, mais presa de loucura que de ambição.
Flagelação. Coroa de espinhos. Ultrajes.
Insultos
(Marcos,
15:16-19)
27.
Depois, os soldados do governador Conduziram Jesus ao pretório e em torno dele
se reuniu toda a coorte. 28. Despiram-no de suas roupas e o cobriram com um
manto escarlate. 29. Em seguida teceram uma coroa de espinhos entrelaçados e
lha puseram na cabeça, colocando-lhe na mão direita uma cana. E, ajoelhando-se
diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, rei dos Judeus! 30. Cuspiam-lhe no
rosto e, tirando-lhe da mão a cana, com ela lhe batiam na cabeça.
Os exemplos de paciência e
resignação que neste passo deu Jesus, devemos tê-los presentes sempre ao nosso
espírito. Não sejamos nunca dos que acusam e insultam, por mais que pareça legítimo
o direito que nos assista de assim proceder, porque, cegos que somos, podemos
estar a acusar e insultar a um inocente.
A paciência e a doçura é o
que nos cumpre opor aos que de nós zombem ou escarneçam. Fora inútil tentarmos
demonstrar a cegos os princípios e as propriedades da luz. Perderíamos o nosso
tempo. Firmemo-nos na pureza das nossas intenções, na pureza da nossa
consciência e dos nossos atos e estejamos certos de ter sempre no Senhor um
juiz imparcial e equânime.
Jesus conduzido ao lugar do suplicio.
Simão de Cireneu o ajuda a carregar a cruz
(Marcos,
15:20,21; Lucas, 23:26-32)
31.
Depois de o terem escarnecido, tiraram-lhe o manto escarlate, vestiram-lhe de
novo suas roupas e o levaram para ser crucificado. 32. Ao saírem da cidade,
encontraram um homem de Cireneu, chamado Simão, e o obrigaram a carregar a cruz
com Jesus.
Jesus, depois de haver sido
objeto do escárnio, do ludíbrio e das jogralidades de todos, foi manietado,
para ser conduzido ao suplício. Pilatos o entregou aos Judeus que ansiavam por
lhe dar a morte. Mas, os soldados do Tetrarca eram os guardas do preso e os
executores da sentença. Como tais, vigiavam-no, a fim de que não fugisse, nem
lhes fosse arrebatado.
Penosíssima foi a caminhada
até ao lugar do sacrifício. Assim, porém, tinha que ser, a fim de que Ele
mostrasse aos homens até onde podem chegar a resignação e a paciência. Nem uma
só queixa, nenhum protesto lhe saíram dos lábios. Nem ninguém diga: Era-lhe
fácil; a carne nada sentia.
Jesus sofria, sofria muito
no seu coração, pelo endurecimento dos homens. Sofria, por ver que séculos e
séculos teriam que passar, antes que o batismo do espírito nos purificasse. Ele
experimentava as angústias que dilaceram o coração da mãe extremosa, que vê
transviados, criminosos, seus filhos amados; que vê prestes a caírem sobre eles
os rigores da lei, as aflições e torturas que os esperam. Ela não sofre, é
certo, na sua carne, a devotada mãe; seus ossos não são despedaçados; mas,
todas as fibras do seu coração estalam dolorosamente; torturam-na a ansiedade,
a aflição pelo futuro dos seus bem-amados.
Sim, Jesus sofria e sofre
ainda, no seu amor sem limites, quando nos vê endurecidos. Suavizemos esse
sofrimento, com o nosso amor e a nossa submissão.
Crucificação de Jesus e dos dois ladrões.
Palavras por Ele ditas como ensinamento e exemplo
(Marcos,
15:22-28; Lucas, 23:32-34; João, 19:14-24)
33.
Chegaram assim ao lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar do Calvário (ou
da caveira), 34, e lhe deram a beber vinho misturado com fel. Ele, porém,
tendo-o provado, não o quis beber. 35. Depois de o terem crucificado,
repartiram entre si as suas vestes, tirando sortes; a fim de que se cumprisse o
que fora dito pelo profeta: Repartiram entre si as minhas vestes e sobre a
minha túnica deitaram sortes. 36. E, sentados, ali o ficaram guardando. 37. Por
cima da sua cabeça puseram escrito o motivo da sua condenação, nestes termos:
Este é Jesus, o rei dos Judeus. 38. Com ele também foram crucificados, um à sua
direita, outro à sua esquerda, dois ladrões.
Vimos como foi Jesus
conduzido ao suplício. Chegado ao Gólgota, que quer dizer lugar do Calvário,
ficou submetido às leis que então regulavam as execuções pela crucificação. Sua
boca não se abre para proferir o mais ligeiro murmúrio. Nele imperam a calma e
a dignidade. É que lhe cumpria dar aos homens, até ao derradeiro instante,
exemplos de moderação, de submissão às leis, por mais iníquas que pareçam, de
respeito aos seus executores, por mais ínfimos que sejam os agentes destes. A
verdade, porém, tinha que se fazer ouvida e brilhar no alto da cruz, onde fora
pregado o Rei dos Judeus, o rei da
Terra, pois que procede dos céus. Ele é o rei dos habitantes da Terra, porquanto
o seu reino não é deste mundo e não pode, de forma alguma, fazer sombra aos
reis de tão impuro orbe.
Foram os Judeus que, por
vontade própria, o crucificaram; mas, o ato material foram os Romanos que o
executaram. Os soldados romanos, que tinham o encargo de executar a sentença
proferida, foram apenas instrumentos passivos da sua execução. É o que
claramente se deduz dos versículos 18 ao 32 do capítulo 19 do Evangelho de
João.
Blasfêmias. Zombarias. Insultos
(Marcos,
15:29-32; Lucas, 23:35-37)
39.
E os que por ali passavam, abanando a cabeça, blasfemavam dele, 40, dizendo:
Tu, que destróis o templo de Deus e o reedificas em três dias, por que não te
salvas a ti mesmo? Se és o filho de Deus, desce da cruz. 41. Do mesmo modo os
príncipes dos sacerdotes, com os escribas e os anciães, o escarneciam, dizendo:
42, Ele salvou os outros e não pode salvar-se a si mesmo; se é o rei de Israel,
que desça agora da cruz e nós o acreditaremos. 43. Ele põe toda a sua confiança
em Deus; livre-o Deus agora, se o ama, pois que ele disse: Sou o filho de Deus.
Estes versículos nos mostram
ainda a ingratidão e a loucura dos homens, sempre prontos a insultar aqueles a
quem mais deviam respeitar. Encerram também um aviso aos insultadores e
incrédulos de hoje, que rejeitam a revelação espírita e, portanto, a missão
espiritual do Cristo, como rejeitaram no passado a sua missão terrena.
Os sumos sacerdotes, os
escribas, os fariseus, os anciães, espíritos orgulhosos, atrasados e culpados,
o povo, que em torno deles se agrupava, e os transeuntes, um e outros,
dominados por eles, eram incapazes de compreender a necessidade, o motivo e o
fim daquela missão que, preparada desde longos séculos, se cumpria, segundo a
presciência e a sabedoria infinitas de Deus.
A despeito, porém, de todos
os obstáculos que lhe foram e continuam a ser opostos, o progresso moral,
intelectual e físico da Humanidade se há de realizar integralmente, porque ele
faz objeto de uma lei absoluta e imutável, emanada da Divindade. E, à medida
que o homem progride, os milagres se vão explicando pelo conhecimento das
causas que os produziram e, desse modo, os ensinamentos do Mestre vão
constituindo uma constelação, cada vez mais perceptível, de fúlgidas estrelas a
rebrilharem no nosso firmamento espiritual e cujas cintilações levam ao íntimo
das almas uma luz benéfica, que clareia, aquece, conforta e mitiga as dores,
luz que é vida e eterna bem-aventurança para o Espírito.
Palavras que Jesus dirigiu a um dos dois
ladrões, ao que é chamado o bom ladrão
(Marcos,
15:32; Lucas, 23:39-43)
44.
Os mesmos impropérios lhe dirigiam os dois ladrões que com ele haviam sido
crucificados.
Os dois ladrões, a
princípio, faziam coro com os que ultrajavam a Jesus. Um deles, porém, vendo,
afinal, que o mesmo Jesus respondia aos insultos que lhe atiravam orando pelos
que assim procediam, compreendeu haver no Mestre alguma coisa que o colocava
acima da Humanidade. Quer dizer que esse malfeitor entreviu a verdade, ainda
que confusamente, e não hesitou em pedir misericórdia àquele em quem
reconhecera de súbito maior poder para as coisas do céu, do que para as da
Terra. Jesus então lhe fez esta animadora promessa: Em verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no Paraíso.
Para que se apreendam o
sentido e o significado destas palavras, importa se saiba o que é o Paraíso,
para o Espírito que se tornou pecador. Não é um lugar de beatífico êxtase, sem
objetivo, sem a perspectiva de coisa melhor. É, ao contrário, a entrada do ser
espiritual na senda luminosa que proporciona ao culpado entrever o prêmio
reservado aos esforços do trabalhador diligente: a sua redenção. É a compreensão,
que ele adquire, do futuro, junta ao desejo ardente de o alcançar.
Essa senda, essa condição
espiritual, em que o sofrimento causado pelo remorso das faltas cometidas
constitui uma como fonte de alegria para o Espírito que se apercebe do
progresso cuja realização está ao seu alcance, é que é o Paraíso que Jesus
prometeu àquele que ficou apelidado de “bom ladrão”. Ele entraria nesse
Paraíso, desde que, do alto de sua glória, o mesmo Jesus, por intermédio dos
bons Espíritos, lhe mostrasse o caminho a percorrer e a felicidade que ao seu
termo o esperava.
Sobre aquelas palavras do
divino Mestre, erigiu a Igreja Católica o seu sistema da condenação e da graça,
da indulgência concedida à fé, independente das obras, colocando, em consequência,
o malfeitor de quem tratamos no rol dos bem-aventurados, pelo simples fato de
se haver arrependido sinceramente, de haver demonstrado o que ela chama: a
contrição perfeita.
Semelhante sistema, porém, é
fruto de falsa interpretação das palavras do Mestre, as quais, entendidas
segundo o Espírito e não interpretadas ao pé da letra, conforme ela o fez,
significam: “No momento em que eu torne a ocupar o lugar que me compete,
voltando à natureza espiritual que me é própria, tu entrarás na vida espiritual
e verás distintamente, assim o caminho que te cumpre seguir, como a meta que
terás de alcançar”.
O arrependimento é, com
efeito, o primeiro passo que o Espírito tem de dar para entrar nesse caminho,
um meio, portanto, de dirigir-se para a finalidade a ser atingida, de chegar à
expiação produtiva, à atividade nas provações, à perseverança no objetivo. É
uma venda que se rasga e que, permitindo àquele que a traz ver a luz brilhante
que tem diante de si, o enche do desejo de possuí-la. Mas, isso não o exime de
perlustrar o caminho, que é o que se desdobra através de sucessivas existências
planetárias, isto é, de múltiplas descidas ao campo onde semeou o erro,
praticando o mal, a fim de arrancá-lo pela raiz (expiação) e de fazer a
semeadura do bem (reparação). Assim é que se cumpre a sentença, que não
comporta exceções: A cada um segundo as
suas obras.
Graças àquela luz, passa ele
a ver melhor os obstáculos; consegue transpô-los mais rapidamente e com maior
destreza, de sorte que atinge mais prontamente o fim colimado. Nunca, porém, aquela
sentença deve ser esquecida. Sem obras, não há progresso, e as más obras,
geradoras do sofrimento, só pelas boas podem ser apagadas. Segue-se daí que,
sem expiação e sem reparação, o Espírito que se tornou culpado não avança para
o alvo a que lhe importa chegar, porque representa a realização do destino para
que o criou Deus. O arrependimento, pois, não exclui a expiação e a reparação,
se bem constitua o primeiro impulso indispensável, que ele recebe da própria
consciência, para se dispor a expiar e resgatar, a fim de galgar os altos cimos
da espiritualidade, onde lhe é dado gozar em toda a plenitude das delícias do
“paraíso”, cuja entrada se lhe abriu desde o momento em que foi tangido por
aquela impulsão inicial.
Morte de Jesus, no entender dos homens
(Marcos,
15:33-37; Lucas, 23:44-46; João, 19:28-30)
45.
Desde a hora sexta [meio-dia] até à hora nona [três horas da tarde] toda a
terra se cobriu de trevas. 46. Por volta da hora nona, exclamou Jesus em alto
brado: Eli, Eli, lama sabactâni! isto é: Meu Deus, meu Deus, por que me
desamparaste? 47. Alguns dos que por ali estavam, ouvindo isso, disseram: Ele
chama por Elias. 48. E logo um deles correu, tomou de uma esponja, ensopou-a em
vinagre e, colocando-a no extremo de uma cana, lha apresentou para que bebesse.
49. Outros, porém, diziam: Deixa, vejamos se Elias o vem libertar. 50. De novo
soltou Jesus um grande brado e rendeu o Espírito.
As palavras de Jesus foram
erroneamente interpretadas. Como podia Ele, depois de haver cumprido fielmente
a sua missão, ser abandonado pelo Senhor? Se não são admissíveis, como mostra
de desfalecimento, ainda que passageiro, as que pronunciou no Horto das
Oliveiras, palavras cujo sentido e objetivo já tivemos ocasião de assinalar,
menos ainda se pode admitir haja, no momento em que punha glorioso fecho à sua
missão, proferido essas outras, que denunciariam desfalecimento ainda maior,
uma extrema fraqueza, que nenhum experimentou, dos que sofreram martírios
atrozes, por se lhe conservarem fiéis. Teria Ele sido, assim, mais fraco do que
estes e, portanto, menos elevado espiritualmente? Hipótese blasfema fora esta,
em se tratando de quem tinha consciência plena de se achar integrado no Pai; de
quem repetidamente disse que nada fazia de si mesmo, que apenas obedecia aos
mandamentos que do Pai recebera; de quem, orando pelos seus apóstolos, pedia ao
Pai que estes fossem um com Ele, como Ele era um com o mesmo Pai.
Não, as palavras que o
divino Modelo proferiu, no momento em que, deixando na cruz o invólucro
perispirítico que trazia, com a aparência de corpo humano, tornou à plena
espiritualidade, de onde preside à evolução da Humanidade terrena, foram estas:
Senhor, tudo está cumprido; eis-me aqui!
De ordem do Mestre, essas palavras os Evangelistas, assistidos pelos Apóstolos,
as transmitiram do plano invisível, ou revelaram, textualmente, ao nosso irmão.
Há, entre as narrações de
MATEUS e de MARCOS, de um lado, e as de LUCAS e JOÃO (capítulo 19, versículos
28 e 30) de outro, quanto ao que Jesus disse do alto da cruz, discordâncias que
os mesmos Evangelistas, naquela obra, elucidaram, restabelecendo a verdade do
que ocorreu.
Assim as palavras Eli, Eli,
lama sabactâni, que se traduzem: Senhor,
Senhor, por que me abandonastes? foram proferidas pelo “bom ladrão”, no
momento em que Jesus exclamava: Senhor,
tudo está cumprido, eis-me aqui. Confiante na promessa que lhe fizera o
divino Mestre, ao verificar que este se fora do mundo, por ter “morrido”,
deixando-o ainda vivo no madeiro, julgou aquele condenado que o que lhe estava
prometido não se cumpriria, que ficara abandonado, e soltou aquela exclamação
angustiada. Soltou-a quando, em seguida ao prometimento que lhe fizera, Jesus,
como dizem os Evangelistas, a fim de atrair a atenção do povo para os seus
“últimos momentos”, atraindo-a, simultaneamente, para os fenômenos que se iam
produzir, deu um grande brado. Ouvindo-o, os dois ladrões se puseram a gemer,
os discípulos elevaram suas vozes em lamentações de imensa dor e a multidão
entrou a comentar com grande rumor o que se passava. Foi nesse instante, quando
chegara ao máximo a agitação tumultuosa de toda aquela turba sacudida pelos
mais diversos sentimentos, que o «bom ladrão» deixou escapar-se-lhe do peito a
referida exclamação de desalento. Dada a extrema confusão então reinante e a
circunstância de terem sido ditas, quase ao mesmo tempo, as palavras que Jesus
proferiu e as que pronunciou aquele dos dois outros crucificados, muitos
atribuíram as deste ao Mestre. Mais tarde, surgiram os comentários,
originando-se deles as versões que se introduziram nas narrativas evangélicas.
A diversidade dessas versões
prova que nenhuma combinação houve jamais entre os Evangelistas e confirmam a
naturalidade do que hoje vemos dar-se com os médiuns mais adiantados:
deixarem-se dominar às vezes pela opinião que lhes é própria.
A versão que mais se acercou
da realidade é a de João, que, sendo dos apóstolos o que mais perto da cruz se
achava, pôde ouvir melhor, por entre os clamores que de toda a parte se
elevavam, o que com efeito disse Nosso Senhor Jesus Cristo. Segundo o discípulo
amado, o Mestre dissera: “Tudo está consumado”. Entretanto, pois que tudo, como
sabemos, tem a sua razão de ser, a versão falsa que Mateus e Marcos
reproduziram, isentos de influência mediúnica, de acordo com a opinião daqueles
para quem Jesus era um homem como os demais, foi um meio de contrabalançar a
crença na sua divindade, destinada a tornar-se objeto de muitas controvérsias
futuras.
As locuções rendeu o espírito, espirou têm o mesmo
sentido, o mesmo alcance: o da volta do Espírito à vida espírita, readquirindo
a liberdade no espaço, que é a sua verdadeira pátria.
Não há, todavia, comparação
possível entre o regresso de Jesus e o dos nossos Espíritos. Para nós, a
encarnação material humana representa um exílio, que sofremos a título de
expiação, de provação. Quando a vida nos é arrebatada, tirada, não podemos
retomá-la, senão pela reencarnação. O mesmo não podia suceder a Jesus que, pela
natureza extra-humana do invólucro corpóreo, tinha, só Ele, a faculdade de
deixar e retomar a sua (João, capítulo 10, versículos 17 e 18.)
Assim, no Gólgota, ninguém
lhe arrancou ou tirou a vida. Foi Ele quem, por si mesmo, a deixou, para mais
tarde a retomar e reaparecer entre os homens, operando o que se chamou a sua
ressurreição.
Ele, o Justo, voltava à
pátria como Juiz e não como acusado.
Quanto às trevas que, da
hora sexta à hora nona, cobriram a Terra naquele dia, foram um extraordinário
efeito físico, produzido por poderosa ação espírita.
Rasga-se o véu do templo. Tremor de terra.
Aparição dos mortos. Palavras do centurião
(Mateus,
27:51-56; Lucas 23:45,47-49)
51.
E eis que o véu do templo se rasgou em dois de alto a baixo; a terra tremeu e
as pedras se tenderam. 52. Os sepulcros se abriram e muitos corpos de santos,
que neles dormiam o sono da morte, ressuscitaram. 53. E, saindo dos túmulos
depois da sua ressurreição, vieram à cidade santa e apareceram a muitas
pessoas. 54. O centurião e os que com ele estavam de guarda a Jesus, observando
o terremoto e tudo O que se passava, se encheram de grande medo e disseram:
Este era verdadeiramente filho de Deus. 55. Lá se achavam, observando as coisas
de longe, muitas mulheres, que desde a Galiléia acompanhavam a Jesus,
assistindo-o com o necessário. 56. Entre elas estavam Maria Madalena, Maria mãe
de Tiago e de José e a mãe dos filhos de Zebedeu.
Em vão tentaremos abrir os
olhos aos que se obstinam em conservá-los fechados. Não há como conseguir
admitam os fatos espíritas os que negam toda influência ultramundana.
Recusam-se a estudar a ciência espírita, a observar os fenômenos e negam o que
teimam em “ao ver e emitem juízo sobre o que não conhecem. Em tais condições,
como os havemos de qualificar? Julgam-se sábios, que nada mais têm que
aprender. Deixemo-los, impando nessa presunção com que os cega o orgulho, que
ainda muito os fará sofrer.
Todos os fenômenos que se
produziram por ocasião da morte aparente de Jesus foram devidos à ação dos
Espíritos que em número incalculável o rodeavam; foram, pois, simples fenômenos
espíritas, quais tantos outros, que se produzem nos tempos presentes, embora
com menor intensidade. Todos a ciência espírita os explica, como decorrentes de
leis naturais.
O centurião e os que com ele
estavam, guardando a Jesus, testemunhas que foram do terremoto e dos outros
fenômenos que às suas vistas ali se deram, ficaram tomados de extremo pavor.
Elevando então o pensamento a Deus, cuja “cólera”, segundo a maneira de ver
deles, se manifestava contra a iniquidade de tal suplício, exclamaram: “Na
verdade este homem era justo; era verdadeiramente filho de Deus”.
Cumpre advertir que a
expressão “filho de Deus” - não foi aí empregada do ponto de vista da
descendência que mais tarde deu origem ao dogma humano da divindade do Cristo,
por efeito das interpretações dos homens.
José de Arimatéia desce da cruz o corpo
e o deposita no sepulcro
(Marcos,
15:42-47; Lucas, 23:50-56; João, 19:38-42)
57.
A tarde, um homem rico da cidade de Arimatéia, de nome José, que também era
discípulo de Jesus, 58, foi ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Pilatos
mandou que lho entregassem. 59. José tomou do corpo, envolveu-o num lençol
branco, 60, e o depositou num sepulcro novo, que para si mandara abrir na rocha
e, tendo arrastado uma grande pedra, com ela tapou a entrada do túmulo e se
retirou. 61. Sentadas junto do sepulcro estavam Maria Madalena e a outra Maria.
José de Arimatéia e
Nicodemos tiraram da cruz o corpo do Mestre, embalsamaram-no com uma preparação
de áloes e mirra e o depositaram num sepulcro que ainda a ninguém servira,
aberto na rocha, num horto pertencente ao primeiro.
“Destruí este templo e eu o
reconstruirei em três dias”, dissera Jesus, respondendo aos Judeus, que lhe
pediam um milagre, um sinal, com que provasse o seu poder (JOÃO, capítulo 2,
versículo 19.) Falando nesses termos do seu corpo, que era o templo a que se
referia, aludia o divino Mestre ao que viria a chamar-se a sua “ressurreição”.
Confrontem-se com essas
palavras suas os fatos que ocorreram no cimo do Calvário, de modo tão frisante,
para que impressionassem os homens daquela e de todas as épocas e não deixassem
dúvida sobre a sua realidade; confrontem-se as mesmas palavras com estas outras
por Ele proferidas, em referência não só ao sacrifício do Gólgota, mas também
ao desaparecimento do seu corpo de dentro do sepulcro, estando selada a pedra
que o fechava, ao seu reaparecimento depois desse sacrifício, às suas
desaparições durante o desempenho da sua missão pública, sempre que se ocultava
aos olhares humanos: “Deixo a vida para a retomar; ninguém ma tira; sou eu que
a deixo por mim mesmo; tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar;
é este um mandamento que recebi de meu Pai” (JOÃO, capítulo 10, versículos 17 e
18); confrontem-se as citadas com estas outras: “Vós sois aqui de baixo, eu,
porém, sou do Alto; vós sois deste mundo, mas eu não sou deste mundo (JOÃO,
capítulo 8, versículo 23); desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas
para fazer a vontade daquele que me enviou (JOÃO, capítulo 6, versículo 38);
ninguém nunca subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, o Filho do homem que
está no céu (JOÃO, capítulo 3, versículo 13)”; confrontem-se todas essas
proposições e ver-se-á que elas assinalam de modo evidente e tornam
inquestionável a origem extra-humana de Jesus; fazem certo, indiscutível que,
sendo sempre Espírito, debaixo daquele envoltório fluídico, tangível, Ele lia
por si mesmo o pensamento dos homens e lhes penetrava as intenções.
Ora, sendo Ele sempre
Espírito livre das constrições da matéria corporal humana, é claro que sua
morte, que os homens consideraram real, foi meramente aparente e que o que se
chamou a sua ressurreição não foi mais do que um reaparecimento que Ele levou a
efeito, retomando o corpo de que estivera antes revestido, de natureza
perispirítica, com a aparência do corpo humano.
Os príncipes dos sacerdotes e os
fariseus chumbam a pedra que fechava a entrada do sepulcro. Guardas são aí
postados
62.
No dia seguinte ao da parasceve (da preparação) (2), os príncipes dos
sacerdotes e os fariseus se reuniram, foram ter com Pilatos, 63, e lhe
disseram: Senhor, lembramo-nos de que aquele impostor, quando vivo, afirmou:
Depois de três dias da minha morte, ressuscitarei. 64. Manda, portanto, que o
sepulcro seja guardado até ao terceiro dia, para não suceder que venham seus discípulos,
lhe furtem o corpo e depois digam ao povo: Ressuscitou dentre os mortos, pois
que este ultimo embuste seria pior do que o primeiro. 65. Pilatos lhes
respondeu: Aí tendes guardas, ide e guardai-o como entenderdes. 66. Eles se
foram e, para garantirem o sepulcro, selaram-lhe a pedra e lhe puseram guardas.
Os Judeus haviam percebido a
importância das palavras de Jesus e a voz íntima de suas consciências lhes
fazia temer fossem verdadeiras tais palavras. Daí o cuidado que tiveram de
vigiar o sepulcro.
A guarda deste, porém, foi
confiada a soldados da milícia romana, pois que os Judeus não dispunham de
exército, nem comando militar.
Os príncipes dos sacerdotes
e os fariseus, que sabiam haver Jesus dito que “ressuscitaria” três dias depois
de sua “morte”, tinham o maior interesse em lhe conservar o corpo, como peça de
convicção, como elemento de prova, a fim de poderem confundir o Mestre e seus
discípulos, mostrando o cadáver do primeiro ao povo, caso estes últimos
tentassem espalhar o boato da ressurreição. Tomaram, pois, todas as precauções
para uma vigilância eficaz, esperando passasse a festa do sábado, para obterem
que a autoridade assumisse o encargo de vigiar a gruta.
Assim, quando foram falar a
Pilatos, sabiam muito bem que o corpo estava no sepulcro e, só depois de
verificarem que lá estava, foi que selaram a pedra e postaram os guardas a
vigiá-lo. Exatamente porque tinham verificado que o corpo continuava no
sepulcro, foi que, quando alguns dos guardas lhes relataram o que ocorrera,
eles, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, se reuniram aos anciães e
combinaram dar grande soma de dinheiro aos soldados, para que espalhassem que,
durante a noite, enquanto dormiam, o corpo de Jesus fora subtraído pelos seus
discípulos.
Portanto, não pode ser posta
em dúvida a permanência do corpo no sepulcro, ao lhe serem colocados os
guardas, nem o emprego de todas as cautelas, por parte dos encarniçados
inimigos do Senhor e por parte de quantos se denunciavam interessados em
apontá-lo como embusteiro, para que não se desse a subtração do mesmo corpo.
(2) Sexta-feira, era o dia
em que os Judeus se preparavam para celebrar o sábado, ou qualquer dia festivo,
principalmente a Páscoa.
Elucidações evangélicas. FEB
(e-book).
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