Temor da morte

Uma prezada irmã, residente em Brasília, minha correspondente, escreveu-me carta melancólica, queixando-se de males físicos, talvez sérios, e declarando que, sendo mãe de dez filhos, teme a morte em vista da orfandade em que os deixará, e ainda porque ignora o que a espera no Além, as decepções, os erros que ali poderá deparar. Pede-me consolo e esclarecimentos, uma vez que me supõe espírita trabalhador.

Minha irmã, o que, em primeiro lugar, devo lhe aconselhar, o de que será urgente tratar, antes de tudo, é da recuperação da sua saúde. E isso a irmã poderá conseguir, certamente, perseverando com o tratamento médico, esforçando-se por combater esse incômodo do temor da morte, que altera o seu sistema nervoso, produzindo um desequilíbrio que, em absoluto, não auxiliará o seu tratamento! É preciso que a irmã se capacite de que a morte é um fato tão natural em nossa vida como o é o nascimento do Sol no Oriente, todos os dias, e o seu ocaso, todas as tardes, no Ocidente.

Em verdade a morte não existe em parte alguma. Se o Sol desaparece no Ocidente e sobrevém a noite, doze horas depois ele ressurge no Oriente tão vivo, brilhante e belo como nos dias anteriores. Se a semente, lançada à terra, aparentemente apodrece e morre, dias depois germina, floresce e frutifica no esplendor dos jardins e das searas, fornecendo vida e alegria para todos os seres viventes. O mesmo sucede, pela morte, a todos nós, homens e mulheres.

A Terra, planeta chamado de “provas e expiações”, onde habitamos temporariamente, não é a nossa habitação verdadeira ou definitiva. Nela apenas reencarnamos a fim de que o nosso Espírito possa progredir, evoluindo penosamente para libertar-se de suas imperfeições, seus instintos inferiores através dos testemunhos da dor, do trabalho e, acima de tudo, do amor e do respeito a Deus e suas leis, bem como da fraternidade para com o próximo, nossos irmãos de Humanidade. Necessariamente, se apenas habitamos a Terra por determinado tempo, se não é ela a verdadeira pátria do Espírito, nosso ser real, e sim o além-túmulo, esse Infinito sideral, havemos de, um dia, abandonar o nosso corpo material à Terra, de onde ele se origina, porque esse corpo não tem entrada no Além, para vivermos a vida verdadeira e imortal, que é a vida espiritual, a nossa vida normal. A morte, portanto, é apenas isto: uma fase nova do nosso ser real, que é o nosso Espírito, a nossa alma.

Nada há na morte que nos possa atemorizar, causar horror. O temor da morte foi criado pela teologia das diversas religiões, que nos falam de fogos eternos supliciando as almas sem remissão, de demônios e castigos que nos torturam pelas menores falhas, cometidas às vezes pela ignorância secular em que vivem os homens a respeito dos assuntos de Deus. Por sua vez, os artistas de todos os tempos, desejando engrandecer as religiões, envolveram a morte em longos sudários negros, com aspecto sinistro de esqueleto com uma foice nas mãos, símbolo inferior daquilo que, em verdade, não conhecem ou não conheciam. As cerimônias fúnebres, em homenagem aos que deixaram este mundo, não são menos assustadoras. Apesar do progresso que vem abolindo tais cerimônias, ou das dificuldades financeiras da atualidade, porque tais cerimônias custam muito dinheiro, víamos no passado e ainda contemplamos nas sociedades mais conservadoras, rodeando o corpo inerte, de onde a alma evolou-se, longos crepes negros enfeitados de amarelo, as cores chamadas dos mortos, meias luzes impressionantes, cânticos lamentosos que, efetivamente, só podem impressionar negativamente as almas tímidas, ignorantes do verdadeiro ensinamento sobre o grande, majestoso problema da vida e da morte. Mas a morte nada disso é. A morte é sim a libertação de um Espírito aprisionado na carne, sofrendo, muitas vezes, a fim de expurgar faltas cometidas nesta existência mesma ou em etapas diversas de encarnações passadas. Ela é a liberdade, o consolo e a esperança após as trevas do cativeiro, do amargor das humilhações sofridas, da injustiça após as lutas pelo direito; é o alívio e a alegria pelo reencontro, na Pátria Espiritual, com aqueles a quem amamos e que partiram antes de nós. A morte só não será benigna para suicidas, que abreviaram a existência terrestre, com deplorável desrespeito a Deus e suas Leis; para os traidores, os criminosos de qualquer espécie, os homicidas, os que viveram do mal e para o mal, os que abusaram do próprio livre-arbítrio tornando-se flagelos do próximo, provocadores de desordens sociais, de guerras etc., etc. Mas o indivíduo que dirigiu sua existência normalmente, o bom, o honesto, o simples, que cumpriu o próprio dever, o que procurou servir ao bem, o justo, o caridoso etc., etc. esses nada terão que temer, porque a própria consciência não os acusará ao penetrarem nas esferas da vida real, isto é, no plano invisível ou espiritual, onde tudo é realidade e não existem fantasias, nem suposições, nem sofismas.

A Doutrina dos Espíritos, exposta por Allan Kardec, é a única fonte de verdadeiros esclarecimentos que possuímos sobre o que nos espera além da morte e como decorrem os nossos últimos momentos neste mundo. Ilustres sábios, filósofos, pesquisadores dos nobres assuntos da alma humana e seus destinos obtiveram informações seguras sobre o magno problema das próprias almas dos defuntos, as quais, em circunstâncias especiais, o revelaram aos homens em todas as partes do mundo e, não só expuseram a elevada doutrina da Espiritualidade como informaram aos homens justamente sobre os fatos que a prezada irmã deseja saber a fim de conhecer os segredos da morte. Além de Allan Kardec, citado em sua carta, o qual foi o missionário convocado pelo Alto para reunir em códigos as exposições dos grandes Espíritos que revelaram a Doutrina, sob os auspícios do Mestre por excelência – Jesus Nazareno, outros eminentes vultos, dedicados nos mesmos trabalhos de pesquisas, obtiveram dos Espíritos revelações, informações, testemunhos precisos de como se realiza a nossa passagem deste para o outro plano da vida. Dentre tantos, um especializou-se no exame dos acontecimentos verificados nos últimos momentos daqueles que deixaram a vida material: Ernesto Bozzano, sábio analista italiano, autor de importantes livros sobre o assunto, como A Crise da Morte e Fenômenos Psíquicos no Momento da Morte em que analisa apenas o passamento de pessoas de vida normal. Em O Céu e o Inferno de Allan Kardec, obra igualmente analítica, serão encontrados copiosos testemunhos de Espíritos de todas as condições morais, inclusive suicidas, criminosos etc. Aqui transcrevemos um dos casos mais simples, citados por Ernesto Bozzano no segundo livro mencionado: III – Caso – O Sr. Hudson Tuttle assim fala de outro caso vindo ao seu conhecimento:

Episódio muito comovedor produziu-se, há alguns anos, na cidade de Hastford. Aquele que mo comunicou estava de tal forma convencido da natureza supranormal do que tinha visto, que o fato lhe ficara bem gravado na memória.

Ele vive ainda num Estado do Oeste; é um homem prático, positivo – a última pessoa capaz de se deixar arrastar por fantasias.

No caso de que se trata, velava ele à cabeceira de um moribundo, tipógrafo de profissão.

O agonizante se extinguia aos poucos, havia já meia hora. A respiração, cada vez mais opressa, tinha-se tornado muito lenta e difícil. Enfim, chegou o momento em que o velador o julgou morto. De repente, porém, suas pálpebras se reabriram, animadas com expressão de grande surpresa, como se ele tivesse reconhecido alguém; iluminou-lhe o rosto a embriaguez de grande alegria e exclamou:

“Tu, tu, minha mãe!”. E caiu morto em seu travesseiro.

“Ninguém poderá nunca persuadir-me – diz o narrador deste episódio – que este homem não tenha realmente percebido sua mãe diante de si.” Hudson Tuttle – The Arcana of Spiritualism, pág. 167.

Durante o estado pré-agônico, ou após o passamento, comumente o moribundo revê, em retrospectiva, os acontecimentos que viveu durante a vida que deixou, como se a vivesse novamente. Embora tal desfile seja rápido, nada lhe escapa do berço ao túmulo. O Sr. Bozzano dá a esse fenômeno o nome de “Visão Panorâmica”.

Não resta dúvida que se trata de um momento solene, mesmo crítico. No entanto, para o indivíduo de caráter e vida normais, para o honesto, o bom, essa visão panorâmica não é alarmante, pois sua consciência não o acusa de faltas graves. Necessariamente, para o criminoso, o ímpio, esse será, certamente, um momento terrível, vendo-se diante de si mesmo, tendo a consciência a mostrar-lhe tal qual é, como dirigiu a própria vida. Muitas vezes sobrevém-lhe o horror, e sofre. Há também, após o desenlace, o sono reparador, que pode ser breve e realmente tranquilizador, depois do qual o Espírito desperta lúcido e revigorado para a vida espiritual; ou longo, repleto de pesadelos. Enquanto o Espírito não passa por esse sono, breve ou longo, não recupera a lucidez. Por essa razão é que devemos orar pelos recém-desencarnados.

O magnetismo da prece que por eles fazemos ajuda-os a despertarem mais facilmente, orientando- -os para o que deverão tentar a fim de melhorarem a própria situação.

Seria útil à nossa correspondente e até à sua saúde física, bem como à saúde moral, a dedicação à boa leitura doutrinária-espírita, única que informa e prova com os fatos e a análise alguns acontecimentos para além do túmulo. O estudo do Evangelho, que nos encaminha para o amor a Deus e ao próximo, tornando-nos dóceis, educados moralmente, humildes de coração, seguidores do Grande Mestre Jesus Nazareno, conhecedores de suas lições salvadoras, será tônico que fortalecerá a prezada irmã para o progresso que necessita fazer no conhecimento das coisas de Deus, ao passo que a constante leitura das boas obras espíritas a instruirá sobre esse fato inevitável para todos nós, isto é, a passagem do Espírito para a vida espiritual.

Obs.: Artigo inédito, gentilmente cedido por familiares da médium, assinado com o pseudônimo Frederico Francisco, agora publicado por ocasião da passagem do 28o aniversário de sua desencarnação, ocorrida em 9 de março de 1984.


Fonte: Reformador, ano 130, nº 2.196, março 2012, por Yvonne do Amaral Pereira (e-book).

 

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