As guerras e a reforma íntima

Todos assistimos, assombrados, à carnificina provocada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, que parece tão irascível, em pleno século 21. A pergunta que não quer calar é: por que, após dois mil anos de Cristianismo, ainda vemos Espíritos encarnados optarem pela guerra para ampliar seus domínios territoriais, subjugar povos livres e comprometer sua própria economia, já que o povo russo também sofre suas consequências?

Se avaliarmos os conflitos anteriores, como as duas grandes guerras mundiais, identificaremos sempre em seus líderes o que os motivou a buscar o confronto armado como resposta a seus embates interiores. Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o desenho geopolítico colocou lado a lado os Aliados (União Soviética, Estados Unidos, Reino Unido e França, dentre outros) contra os países do Eixo (Itália, Alemanha e Japão, dentre outros). O estopim foi o assassinato do herdeiro do trono Austro-Húngaro, Franz Ferdinand, por um nacionalista bósnio, levando a Áustria-Hungria a declarar guerra contra a Bósnia e levar, consigo, tropas dos respectivos países aliados.

A humilhante rendição da Alemanha nessa guerra, fez com que seu povo se sentisse injustiçado. Após vinte anos, os alemães encontraram nas palavras beligerantes de um jovem militar a possibilidade de reerguer-se e tornar-se uma grande nação. Na esteira dessa vaidade coletiva surgia o desejo megalomaníaco desse líder, que em nome do povo alemão deflagrou a Segunda Guerra Mundial (1938-1945), ao invadir a Polônia. Esse homem era Adolf Hitler, que usou o discurso da supremacia ariana como justificativa para perseguir, prender e matar os “não puros”, como ciganos, homossexuais e judeus. Essa carnificina foi conhecida como o Holocausto.

Voltamos ao ponto: os grandes conflitos nascem de homens afastados de Deus – na acepção pura do conceito, pois os grandes ditadores, ao longo dos séculos, ocultaram-se sob os mais variados mantos religiosos para praticar suas atrocidades e até matar em nome de Deus. Referimo-nos, portanto, àqueles sem qualquer compaixão pelo próximo ou pela Humanidade. Basta conferir o que nos ensina Allan Kardec, nas questões 742 a 745 de O Livro dos Espíritos, sobre o que leva o homem ao confronto bélico: “No estado de barbárie, os povos só conhecem o direito do mais forte, e é por isso que a guerra, para eles, é um estado normal” (questão 742). Ou seja, aquele que ainda não se desprendeu desse conceito não se volta para o diálogo e não acredita em mediação de paz.

O Codificador pergunta o que pensar daquele que suscita os embates, e a resposta está na questão 745: “Esse é o verdadeiro culpado e necessitará de muitas existências para expiar todos os assassínios de que foi causa, porque responderá por cada homem cuja morte tenha causado para satisfazer a sua ambição” (1).

Observa-se, portanto, que a guerra só desaparecerá da Terra quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus, reconhecendo-se irmãos. Sentimentos de amor e fraternidade entre os povos trarão a felicidade plena e eliminarão o desejo de luta do mais forte. Essa compreensão não é um ato coletivo ou mecânico. Depende do esforço de cada um para que isso ocorra.

Ensina-nos Cairbar Schutel, em Fundamentos da Reforma Íntima, que muito antes do desejo “coletivo”, é preciso que cada indivíduo faça a sua parte e inicie sua reforma interior. Para isso, é preciso “realizar atos isolados, no dia a dia levando-nos a melhorar as nossas atitudes, alterando para melhor a nossa conduta, aproximando-a tanto quanto possível do ideal cristão”. A paz, portanto, deve vir de nossos corações, já que ela foi o grande legado de Jesus: “A paz vos deixo, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá” (João, 14: 27). Emmanuel deixa claro que a paz citada por Jesus é a paz interior e que, portanto, o homem dela dotado não incitaria guerras.

Feitas tais considerações, a analogia entre os corações empedernidos do homem e os embates cruéis torna-se mais cristalina. O homem, em guerra consigo mesmo, não é capaz de amar o próximo; prega a discórdia em todos os seus núcleos existenciais (amigos, família, trabalho) e não é capaz de perdoar o inimigo. Esses elementos deflagram seus combates interiores e, por conseguinte, os de ordem global.

Aí temos a resposta à pergunta inicial: aquele que ainda não se converteu ao amor pregado pelo Cristo será incapaz de praticá-lo em sua trajetória na Terra, fomentando guerras e destruindo vidas. Na Reforma Íntima reside o segredo para a libertação das imperfeições que nos distanciam do caminho da luz e do amor; só ela é capaz de transformar de fato o homem, e dessa forma toda a Humanidade. Criticar a guerra (seja ela qual for) e não reconhecer a nossa belicosidade interior é como tapar o sol com a peneira. Que possamos nos conscientizar da nossa parte, mudando pensamentos e atitudes e vibrando com a mais profunda fé, para que possamos todos reescrever o futuro do nosso planeta rumo à regeneração.

(1) A fonte de onde emanam as ideias de guerras é a predominância da natureza animal sobre a espiritual. É a ignorância do ser humano, que ainda desconhece as leis do Criador.

Os povos belicosos são os mais atrasados espiritualmente; eles desconhecem a fraternidade, que faz ligar todos os povos uns amparando os outros, pelos fios do amor, em nome da caridade.

As guerras, porém, são como que operações de socorro em tumor maligno das sociedades. Somente por elas alguns povos acordam para a vida melhor. O mundo espiritual inferior junta-se aos homens para instigar essas ideias de ódio e de violência. Entretanto, Deus sempre acode aos que sofrem e dá assistência aos ignorantes. Por trás de todos os movimentos belicosos, os benfeitores espirituais estão agindo, mudando ideias e fazendo com que as nações em litígio aproveitem as lições pelo aguilhão da dor. É a lei do semelhante curando o semelhante.

Observemos que as guerras são filhas do primitivismo; os homens primitivos viviam em guerra constante com os outros. Com o perpassar do tempo, as guerras vão se espaçando cada vez mais, para depois desaparecem do planeta, onde a vida será somente de paz.

Os homens são tão acostumados às guerras que criaram os "Ministérios da Guerra" ao invés de "Ministério da Paz". Condicionaram-se em tais pensamentos inferiores e o descondicionamento lhes custará muito caro.

O homem, infelizmente, só conhece um direito, que sempre prevalece: o do mais forte em armas e dinheiro. Ele deixa de pensar na fortaleza da moral e no amor, e os mais fortes tomam as primeiras cadeiras nas decisões, quando as ações se reúnem para tal empreendimento.

Os povos que dirigem os destinos do mundo, como eles alegam, gostam dos primeiros lugares, bem como de se exaltarem ante aos pequeninos. Entrementes, é bom que .escutemos o Evangelho neste sentido, anotado por Mateus no capítulo vinte e três, versículo doze:

Quem a si mesmo se exaltar, será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar, será exaltado.

Quantas nações no passado se exaltaram e hoje se encontram de cabeças baixas, humilhadas? E outras tantas que foram humilhadas e se encontram em posição de destaque? A vida é uma roda; o sol banha a Terra em todos os lugares e cada região recebe seu hálito benfeitor em determinado momento. Todos têm a sua vez; assim será, igualmente, com os homens, pois a reencarnação é o processo de mudanças, dando oportunidades a todas as almas.

Sabes onde residem as causas das guerras? É nos sentimentos; com os pensamentos reformados, desaparecerão os efeitos. A melhor guerra, à qual deveremos nos alistar para o melhor combate, é a guerra interna, contra os piores inimigos que existem, que são os defeitos morais. Assim as guerras fratricidas deixam de existir por força da lei de amor.

À medida que os homens progridem espiritualmente, as guerras e tudo que provém delas como sofrimento, vão desaparecendo como por encanto. E as bênçãos de Deus, pelos canais de Jesus, ficarão mais visíveis para a nossa paz.

Fonte:

Centro Espírita Caminho da Paz, escrito por Vanda Mendonça.

Filosofia espírita, psicografada por João Nunes Maia/Miramez. Editora Espírita Fonte Viva. BH, volume 15 e 16, pág. 82.


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