Quando Jesus, consagrando as
alegrias familiares e o culto sublime da união doméstica, transformou a água em
vinho, nas bodas de Canaã, cercaram-no os imensos tentáculos da falsa opinião,
pela primeira vez, na fase ativa de seus apostolados. Por que semelhante
transformação? Seria possível converter a água pura em vinho, destinado à
embriaguez?
Procurando companheiros para
a missão de luz e sendo escarnecido pelos sacerdotes, juízes e doutores de seu
tempo, buscou o Mestre a companhia simples e humilde dos pescadores. A
maledicência, contudo, não lhe perdoou o gesto. Que motivo induzia aquele
missionário a socorrer-se de homens iletrados e rudes, que costumavam
espreguiçar-se nas barcas velhas?
Instituiu a alegria e o bom
ânimo, a confiança mútua e o otimismo entre os discípulos; entretanto, o
farisaísmo recriminava-lhe a conduta. Que instrutor era aquele, que não jejuava
nem mantinha preceitos rigoristas?
Atendia a multidão de sofredores, dos quais se compadecia sinceramente, ministrando-lhes consolações e ensinamentos; todavia, o fanatismo criticava-lhe as atitudes. Não seria ele revolucionário perigoso?
Desrespeitava a lei, curando
cegos e paralíticos, nas horas destinadas ao repouso.
Socorria os obsidiados de
todos os matizes, conferindo-lhes tranquilidade aos corações; no entanto, a
ignorância não o desculpava. Que razões o detinham no esclarecimento aos
espíritos das trevas? Não teria combinações secretas com Satanás?
Interessou-se pela renovação
espiritual de Madalena. Os próprios amigos estranharam-lhe o conduta. Por que
tamanha atenção para com uma pecador comum?
Aceitou o oferecimento
gentil dos publicanos, comendo à mesa de pessoas afastadas da lei; todavia, a
perversidade não lhe compreendeu a disposição fraterna. Não seria ele simples
comilão e beberrão?
Dedicou longa palestra à
samaritana pobre e desviada. A malícia, porém, não lhe entendeu a lição divina.
Por que se demorava em conversação com semelhante mulher, que já possuíra cinco
maridos?
Ensinava as verdades
eternas, por amor às criaturas, mas, não raro, ao terminar as pregações
sublimes, a desordem estabelecia tumultos. Não era ele anônimo operário de
Nazaré? A que títulos poderia aspirar, além da carpintaria da sua infância?
Confiando nos companheiros,
falou-lhes do seu testemunho, diante das verdades do Pai, prevendo lutas,
desgostos, sacrifícios e humilhações; todavia, a inconformação apossou-se do
próprio Pedro e choveram protestos. Por que o anúncio descabido de tantas
flagelações e tantas dores? Não era o sofrimento incompatível com a realização
de um Messias que vinha de tão alto? Não teria Jesus enlouquecido?
Diante da revolta de Simão,
em frente dos varapaus, pediu-lhe o Mestre serenidade e sensatez, para que não
fosse perdido o ensejo da suprema fidelidade a Deus, mas a incompreensão se
manifestou de pronto. Por que socorrer inimigos e verdugos? Como entregar-se
sem defesa à perseguição dos sacerdotes? Como interpretar semelhante covardia,
no momento mais vivo da missão nova? Não seria melhor desertar, entregando o
Mestre à sua sorte?
Até o derradeiro instante na
cruz, ouviu o Senhor as mais estranhas opiniões, os mais contraditórios
pareceres do mundo, mas a todos respondeu com o bendito silêncio de seu amor,
porque bem sabia que, acima de tudo, lhe cumpria atender à Vontade do Pai e que
os homens só poderiam compreender-lhe o trabalho augusto, à medida que desenvolvessem
os ouvidos de ouvir e os olhos de ver, a capacidade de sentir e a resolução de
se realizarem espiritualmente, à luz do Evangelho no longo caminho de sucessivas
reencarnações.
Emmanuel.
Do livro “Coletâneas do
Além”. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Espíritos Diversos.
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