Evangelho segundo Lucas - cap. 4

Jejum e tentação de Jesus

(Mateus, 4:1-11; Marcos, 1:12,13)

1. Cheio de Espírito Santo, Jesus se afastou do Jordão e foi, pelo Espírito impelido para o deserto. 2. Aí permaneceu quarenta dias e foi tentado pelo diabo; nada comeu durante esses dias e, passados eles, teve fome. 3. Disse-lhe então o diabo: Se és filho de Deus, manda que estas pedras se tornem pão. 4. Jesus lhe respondeu: Está escrito: O homem não vive somente de pão, mas de toda palavra de Deus. 5. O diabo o transportou para um alto monte e lhe mostrou, num instante, todos os reinos da Terra, 6, dizendo-lhe: Dar-te-ei todo esse poder e a glória destes reinos, porquanto eles me foram dados e eu os dou a quem quero. 7. Se, pois, anuíres em me adorar, todas essas coisas te pertencerão. 8. Jesus lhe respondeu: Está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás. 9. O diabo ainda o transportou a Jerusalém e, colocando-o no pináculo do templo, disse: Se és filho de Deus, lança-te daqui a baixo; 10, pois está escrito haver ele ordenado a seus anjos que tenham cuidado contigo, que te guardem. 11. e te amparem com suas mãos, para que não firas o pé nalguma pedra. 12. Jesus lhe respondeu: Está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus. 13. Acabada a tentação, o diabo se afastou dele por algum tempo.

Disse o divino Mestre e Paulo repetia: a letra mata e o espírito vivifica, de modo a ficar bem entendido que, para a compreensão das sagradas letras, não nos devemos prender às palavras. Temos, pois, prescientemente uma regra de interpretação, a que antes podemos chamar autêntica, que de doutrinal ou lógica, porque nos conduz à indagação do pensamento e do sentido da lei ou do ensino, à pesquisa das causas, da derivação histórica e das circunstâncias de tempo em que foi dado este, ou promulgada aquela, assim com suas fontes de origem, sua razão de ser e seus fins. É uma regra, em suma, que nos faculta a hermenêutica ou arte de afiançarmos o verdadeiro sentido dos textos sagrados.

Aplicada à interpretação das narrativas evangélicas referentes ao jejum de Jesus, ver-se-á que, se as condições da época fizeram necessária a interpretação literal dessas narrativas, interpretação que serviu para que, no ano 130, Telésforo, Bispo de Roma, apoiando-se numa tradição apostólica, instituis-se o preceito do jejum, ela já não pode hoje satisfazer, por falsa, absurda, inadmissível, a menos se negue o progresso da ciência das verdades eternas.

Estudemos o que foi dado a Moisés e consta no “Deuteronômio” (capítulo 8, versículo 3): “Afligiu-te com a fome e deu-te por sustento o maná que desconhecias e teus pais desconheceram, para te mostrar que o homem não vive só de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”; de “Êxodo” (capítulo 16, versículo 5): Este é o pão que o Senhor vos deu para comer”; de “Números” (capítulo 11, versículo 9): “E ao tempo que de noite caia o orvalho, no campo também caia o maná.

Que é esse maná, senão uma figura emblemática da graça que, em todo o seu esplendor, devemos procurar no plano do Evangelho?

Que é esse maná caído do céu, senão o Salvador prometido à raça humana, personificada em Adão?

Passemos ao Novo Testamento. Lemos (em JOÃO, capítulo 6, versículo 48 e seguintes): Eu sou o pão vivo que desci do céu; quem o comer viverá eternamente.

Vê-se que o pão, a que Jesus alude, referindo-Se ao tempo em que o supuseram sob o poder do diabo; o pão que era o seu sustento e que Ele trazia para matar a fome aos filhos de Israel, como maná que caiu do céu; o pão de que Ele fez emblema o seu corpo e o seu sangue; enfim, o pão da vida, outra coisa não é senão o alimento que toda alma encontra na sua doutrina, nos seus ensinamentos, contidos nos Evangelhos, entendidos em espírito e verdade, como no-los faz entender a Revelação Nova. Nem de outro modo se pode compreender, quando é certo que, revestido de um corpo celeste, não se Sustentava com os alimentos cuja privação constitui o jejum.

Era costume dos profetas prepararem-se, para o desempenho de suas missões, pela prece e pelo jejum no deserto. Jesus que, enquanto durou a que veio desempenhar na Terra, quis, para que ela produzisse os frutos imediatos que devia produzir, que o tivessem como um profeta, desapareceu, a fim de causar impressão aos homens e os induzir a considerá-lo tal, durante 40 dias, número que se tornou tradicional para ausência dos profetas. Pareceu então aos homens que, como profeta, Ele se submetera ao uso.

A alimentação material é necessária ao homem, isto é, ao Espírito encarnado em corpo material. Quando, porém, tem de penetrar num mundo superior, onde os corpos dos respectivos habitantes não são carnais como os nossos e sim de natureza perispirítica, o Espírito se incorpora fluidicamente. A sua nutrição aí, para a vida do corpo de que se acha revestido, opera-se pela absorção dos fluídos ambientes, apropriados àquele efeito - A planta não necessita comer, nem beber: absorve da Terra e do ar os fluídos que lhe são necessários à nutrição. Semelhantemente, o Espírito, revestido de um corpo de natureza perispirítica, absorve, para sustentar os princípios constitutivos desse corpo, ou desse perispírito, os fluídos ambientes, nos quais se acham contidos esses mesmos princípios.

Nem se diga, citando Êxodo, 34, 28, para sustentar que Jesus haja podido, como homem, passar tanto tempo sem se alimentar, que o mesmo fez Moisés, enquanto esteve no cume do Sinai a receber o Decálogo. Ali não se refere que o chefe do povo hebreu passou todo aquele tempo sem comer coisa alguma, como diz (versículo 2), falando de Jesus, O que se lê naquela passagem do Êxodo é que Moisés não comeu pão, nem bebeu água, durante os 40 dias e 40 noites do seu retiro no Sinai. Tendo podido alimentar-se de ervas e insetos, o seu exemplo não colhe para o caso de Jesus.

Quanto à tentação, foi também uma figura emblemática que, de acordo com as necessidades da época e destinada a preparar o futuro, surgiu dos comentários a que deram lugar as palavras de Jesus, acerca das tentações a que está sujeita a Humanidade. E de outra forma não a podemos compreender hoje, quando sabemos, pela Revelação Espírita, que o “diabo”, o “demônio”, “satanás” não existem como individualidade votada eternamente ao mal, à perdição das criaturas de Deus; que aqueles nomes apenas designam o conjunto das maldades, das imperfeições, das paixões e dos vícios, existentes no homem e que lhe atraem influências perniciosas, “diabólicas”, capazes de desviá-lo do caminho do bem, do mesmo modo que os bons pensamentos e as boas obras lhe granjeiam influências boas, que o ajudam a avançar pela senda do progresso espiritual.

A tentação de Jesus, portanto, não foi uma realidade. A ideia de que o tenha sido nasceu, como dissemos acima, dos comentários que os apóstolos e discípulos teceram em torno de uma prédica sua, sobre o modo por que deve o homem resistir às tentações e emboscadas a que se acha exposto, isto é, opondo-lhes a fé e a perseverança. O Mestre desapareceu das vistas de todos por 40 dias e, ao reaparecer, falou, figurando as diversas maneiras por que pode o homem ser tentado. Concluíram daí, os que o ouviram, que o fato com Ele ocorrera e a imaginação emoldurou a suposta ocorrência, criando as circunstâncias em que esta deverá ter-se dado.

A desaparição e a reaparição de Jesus, dada a sua natureza, não constituíram um “milagre”, isto é, uma derrogação das leis naturais. Deram-se, antes, no cumprimento de uma dessas leis, se bem que desconhecida dos homens. Milagre seria, por exemplo, uma mulher dar à luz um leão, ou tombarem do céu as estrelas, porque tais fatos teriam sido contrários àquelas leis, como milagre seria também o haver Jesus sofrido uma encarnação humana, porquanto, realmente, só por milagre fora possível que um Espírito tão sutil, tão etéreo, qual o seu, suportasse o contacto de matéria tão grosseira, como a do corpo humano, visto que tal fato estaria fora das leis naturais, que são imutáveis, importando, pois, numa subversão da ordem estabelecida desde toda a eternidade. (1)

Ora, bem sabemos que não há milagres, o que há, no caso de fenômenos assim chamados, é desconhecimento das causas que lhes dão origem, ignorância das leis que lhes presidem à produção.

Os desaparecimentos de Jesus, quando o supunham em retiro no deserto, ou a orar no cume de uma montanha, se davam, desmaterializando ele, pela ação da sua vontade, o corpo etéreo de que se achava revestido, o que só é possível aos Espíritos superiores, quando em encarnação ou incorporação fluídica.

Estando materialmente encarnado, o Espírito não tem meio de desmaterializar o invólucro que o reveste. Pode, é certo, apartar-se temporariamente dele, mas conservando-se-lhe sempre ligado por um cordão fluídico, invisível a olhos humanos. Consegue assim, pelo desprendimento durante o sono e, algumas vezes, raras, nos casos de estado mais ou menos extático, libertar-se do seu corpo de carne e, pelo fenômeno da bicorporeidade e da bilocação, com o auxílio do seu perispírito, tornar-se visível e tangível em mais de um lugar, sob as aparências do corpo humano. Temos disso um exemplo no que se deu com Santo Antônio de Pádua.

Esses fatos são perfeitamente compreensíveis e podem ser realizáveis para quem tenha conhecimento bastante dos fluídos e do poder magnético de atraí-los e combinar, pela ação da sua vontade.

Cumpre, porém, se estude profundamente e pratique o Magnetismo, para se adquirir o conhecimento da sua ação sobre toda a Natureza. Aquele que assim fizer e colher a experiência a que as sessões espíritas oferecem campo, prontamente se convencerá da ação prodigiosa do Magnetismo espiritual e, na posse de convicções nascidas do estado e do esforço da razão, bem como do testemunho dos próprios olhos, estará em condições de se não deixar embair pelas opiniões dos escribas e fariseus da época, nem pelas dos pseudossábios, que tudo negam do alto do pedestal do seu orgulho e das suas ideias preconcebidas.

(1) A boa compreensão do que seja, em verdade, a encarnação, do que significa, da sua razão de ser, do seu objetivo, é bastante para que também claramente se compreenda que não pode ter encarnado um Espírito, qual o de Jesus, cuja suprema excelsitude, não só suas palavras, seus ensinamentos, seus atos e suas obras atestam, como ainda os ensinos constitutivos da Terceira Revelação e, talvez mais que tudo, esse sentimento íntimo e profundo que nos leva a considerá-lo colocado logo abaixo de Deus quando, em busca do amparo celestial para fortalecimento da nossa alma, lançamos, na amplidão do infinito, o nosso pensamento em prece; um Espírito que pôde, na plenitude da sua gloriosa humildade, formular esta interpelação e este conselho: “Quem me convencerá de pecado? Sede santos, como eu sou santo”; um Espírito, cuja culminância na perfeição Inspirou ao Padre Marchal esta exclamação, que se lê em O Espírito Consolador: “Que homem houvera podido tirar do seu coração a parábola do Filho Pródigo e o colóquio com a Samaritana?” e estes períodos de sublimada eloquência, saídos da sua alma transportada: “Não, a Humanidade terrena, ainda que condensasse todas as suas energias de concepção, não poderia inventar Jesus Cristo. Antes dele, a Terra vira passar grandes luzeiros, não vira passar “o grande amor”. Os luminares da antiguidade hauriram suas mais belas ideias nessa fonte que se chama a tradição: a fonte onde Jesus hauria era a sua alma e essa alma, derramando-se pelo mundo, basta para o aquecer. Só ele fundou a religião universal, trazendo à Terra o grande mandamento que a ligaria ao céu: “Amai a Deus de todo o coração; amai-vos como eu vos amo.”

Útil, pois, é conheçamos tudo o que possa concorrer para a melhor inteligência, de nossa parte, da lei de justiça e misericórdia, que prescreve ao Espírito a encarnação e a reencarnação. Para esse efeito, um dos ensinos mais proveitosos é o que deram a Alexandre Belemare os Espíritos que o assistiam na elaboração da sua excelente obra Espírita e Cristão, cujos originais foram lidos pelo Mestre Allan Kardec.

Esse ensino se resume no seguinte: O Espírito que haja falido fica na contingência, para chegar ao mesmo grau de aperfeiçoamento em que se acha outro que, partido do mesmo ponto, progrediu sem jamais falir, de fazer mais do que este. Como conseguirá fazer esse mais, para resgatar sua dívida? Sendo submetido a uma dificuldade especial que lhe cumpre vencer. Essa dificuldade é a encarnação, durante a qual terá ele que lutar contra paixões que representam, pela sua natureza e pela sua intensidade, a natureza e a Importância da falta a ser apagada.

Em todos os casos, mesmo que o Espírito encarne em missão, a encarnação representa sempre, para ele, uma dificuldade que lhe cabe vencer, pois que para vencê-la é que o Espírito encarna, e que no vencê-la é que consiste o seu progresso.

Ora, tendo Jesus podido dizer que ninguém havia capaz de convencê-lo de pecado, ou seja: capaz de lhe imputar com fundamento a mais ligeira transgressão da lei divina, e dizer igualmente que todos se tornassem santos, como ele era santo, isto é, puro, a que gênero de progresso lhe poderia um mundo inferioríssimo, qual a Terra, oferecer ensanchas, para justificar ou legitimar uma sua encarnação nele?

Retirada de Jesus para a Galileia. Pregações. Estada em Cafarnaum

(Mateus, 4:12-17; Marcos, 1:14,15)

14. Então Jesus, pela virtude do espírito, voltou para a Galileia e a sua fama se espalhou por toda aquela região. 15. Ensinava nas sinagogas e era glorificado por todos.

Jesus levava, nas suas palavras, que tinham de ser por todos ouvidas, a luz onde mais necessária era. Para esse efeito, retirou-se de Nazaré e se dirigiu a Cafarnaum, nos confins da Galileia. Ali, o povo, que se achava imerso nas trevas, recebeu a grande luz. Mal, porém, lhe percebeu a claridade; ao passo que a viram refulgente os que se achavam livres da morte.

Jesus, Ele próprio, era a luz, pois que ensinava e pregava a verdade, apontando o caminho que conduz ao reino dos céus. Nem todos, porém, os que as ouviam lhe compreendiam as palavras: eram os que estavam nas trevas. Muitos, entretanto, as apreendiam: os que estavam na região da sombra da morte, os que já se encontravam no plano espiritual, preparados, pelas reencarnações, para entendê-las.

Assim, os primeiros, que apenas viam a Jesus sob a sua aparência humana, divisavam velada a grande luz e, por isso, não percebiam o sentido das palavras que lhe ouviam. Os outros, os que lhe compreendiam as palavras, esses viam em forte esplendor a luz brilhante que o seu Espírito irradiava.

Fazei penitência, pois o reino do céu se aproxima, o que significa: chegou o tempo de ouvirdes o Enviado de Deus, o qual vos vem trazer a luz da verdade que, tirando-vos das trevas em que vos lançaram os vossos pecados, vos patenteará a estrada que leva ao céu ou seja: à perfeição na pureza. Fazei penitência: arrependei-vos dos vossos erros, faltas e crimes, para poderdes ver a luz, para serdes por ela alumiados e, deixando as trevas em que jazeis, tomardes a senda do progresso espiritual e subirdes ao seio de Deus.

Hoje, pela boca dos Espíritos, seus mensageiros, o mesmo Jesus clama: chegou o tempo de estudardes o Consolador, que vos vem ensinar os Evangelhos em espírito e verdade.

Então, pela virtude do espírito, voltou Jesus para a Galileia. Quer isto dizer: sendo ele sempre Espírito, sob as aparências humanas que tomara, transportou-se para os confins da Galileia, com a rapidez do relâmpago, como fazia sempre que viajava só, pelo poder ou faculdade que tem o Espírito de ir de um ponto a outro, tão célere quanto o pensamento.

Vinda de Jesus a Nazaré. Leitura da profecia de Isaías

16. Vindo a Nazaré, onde fora criado, entrou na sinagoga, como era seu costume, num dia de sábado, e se levantou para ler. 17. Apresentaram-lhe o livro do profeta Isaías e ele, desenrolando-o, chegou ao ponto em que se achavam escritas estas palavras: 18. “O Espírito do Senhor está sobre mim; pelo que a sua unção me consagrou. Ele me enviou a pregar o Evangelho aos pobres, a curar os de coração despedaçado, 19, a anunciar aos cativos a sua redenção e aos cegos o recobramento da vista, a libertar os oprimidos, a apregoar o ano das graças do Senhor e o dia da retribuição.” 20. Enrolando de novo o livro, Ele o entregou ao ministro e sentou-se. Toda a gente, na sinagoga, tinha os olhos fitos nele. 21. Disse então: “Cumpriu-se hoje esta palavra das escrituras que acabais de ouvir”.

Desenrolando Jesus o livro (porque os livros naquela época eram feitos em rolos de papiro), não foi por acaso (não existe acaso) que aqueles versículos de Isaías lhe vieram cair sob as vistas. As suas próprias palavras de comentários ao trecho lido mostram que Ele o buscou intencionalmente para lê-lo naquela ocasião. Por quê e para quê? Para afirmar, com o testemunho das sagradas Escrituras, no lugar mesmo onde principalmente passara a sua aparente vida humana, que Ele era o ungido do Senhor, seu enviado, o Messias prometido, que vinha à Terra para cumprir uma missão de amor, de devotamento, de redenção, preparatória, pela pregação e prática do Evangelho, da regeneração humana, cujas bases fundamentais lançava.

Jesus designado por filho de José. Jesus prega em Nazaré. É rejeitado pelos seus. Levado ao cume do monte para ser dali atirado, Ele desaparece dentre as mãos dos homens

(Mateus 13:54-58; Marcos, 6:1-4)

22. Todos lhe davam testemunho e, tomados de admiração ante as palavras cheias de graça que lhe saíam da boca, diziam: Não é este o filho de José? 23. Jesus então lhes disse: Sem dúvida me aplicareis este provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo; faze no teu país as grandes coisas que, segundo ouvimos, fizeste em Cafarnaum. 24. Mas, em verdade vos digo que nenhum profeta é bem aceito no seu país. 25. Em verdade vos digo que muitas viúvas havia em Israel, ao tempo de Elias. Quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e uma grande fome assolou toda a Terra; 26, entretanto, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas a uma que era viúva em Sarepta de Sidônia. 27. Havia também muitos leprosos em Israel ao tempo do profeta Eliseu e no entanto nenhum foi curado, só o sendo Naamã, que era da Síria. 28. Todos os que se achavam na sinagoga, ouvindo-o falar desse modo, se encheram de Ira, 29, e, levantando-se, o expulsaram da cidade e levaram ao cume do monte sobre o qual estava a cidade edificada, para o atirarem de lá em baixo. 30. Jesus, porém, passando por entre eles, foi-se.

Para os hebreus, como, em geral, para todos, naquela época, Jesus era filho de Maria e de José. Cumprida a sua missão, conhecida a revelação feita pelo anjo a Maria e a José, revelação que até ao termo daquela missão se conservou secreta, como era necessário, passou Ele a ser considerado filho somente de Maria Virgem, em virtude de uma concepção e um nascimento miraculosos, divinos, por obra do Espírito Santo.

Essa circunstância e a de haverem tomado ao pé da letra estas palavras meu pai de que Ele usava, referindo-se a Deus, fizeram que no espírito dos discípulos germinassem a ideia e a crença da sua divindade, que só ela lhes dava explicação dos fatos tidos por milagrosos, que Ele operava.

Quando disse: Nenhum profeta é bem aceito em sua terra, deu Jesus uma lição aos incrédulos de todos os tempos.

Dizendo o que consta nos versículos 25 e 27, quis, para profligar o orgulho dos que julgam ter o privilégio da misericórdia divina, mostrar que o Senhor, na distribuição de suas graças, só atende aos merecimentos de cada um, independente de todo sectarismo, de quaisquer cultos exteriores.

Os versículos 29 e 30 confirmam que só na aparência era humano o seu corpo, fato que, por estar, como já vimos, de harmonia com as leis naturais, constitui uma verdade, que só escandaliza os orgulhosos e os sábios, dos quais elas ainda são desconhecidas, tanto quanto o eram dos homens daquela época.

Com efeito, como fora possível que, homem, houvesse Jesus podido, sem que lhe percebessem a fuga, desaparecer, passando por entre os que o cercavam, das mãos da turba que o agarrara enraivecida e o conduzira ao cume de um monte, a fim de o eliminar dentre os vivos, precipitando-o dali em baixo? Desprezada a explicação clara, racional e irrecusável para quem não se ache dominado por ideias preconcebidas, só outra restará para o fato de que tratamos o milagre. Esta, porém, não é, porque, como sabem os que conhecem a Doutrina Espírita, o milagre não existe.

Predição de Jesus. Sua fama. Curas físicas e morais chamadas milagres

(Mateus, 4:23-25; Marcos, 1:21-28)

31. Ele desceu a Cafarnaum, cidade da Galileia, e ai os instruía nos dias de Sábado. 32. E todos se espantavam da sua doutrina, porque falava com autoridade. 33. Ora, estava na sinagoga um homem dominado por um demônio impuro, que exclamou em alta voz: 34. Deixa-nos; que tens tu conosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos perder? Sei quem és, és o santo de Deus. 35. E Jesus, ameaçando-o, disse-lhe: “Cala-te e sai desse homem”. E o demônio, atirando o homem ao chão no meio da sinagoga, saiu dele sem lhe ter feito mal algum. 36. O terror se apossou de todos e uns aos outros diziam: Que é isto? Ele ordena com autoridade e poder aos Espíritos impuros e estes saem logo? 37. E sua fama se espalhou por todos os cantos do país.

Nos Evangelhos, portanto, encontramos a prova de que Jesus curava tanto as moléstias do corpo quanto as da alma, isto é, tanto restituía a saúde aos que sofriam de doenças corporais, como libertava os que se achavam presas de Espíritos obsessores, ou, conforme então se dizia, possessos do demônio. Segue-se daí que a crença dos espíritas, com respeito à influência dos Espíritos desencarnados sobre os encarnados, se funda na doutrina que Jesus pregava e exemplificava, bem como nos fatos que a sua ação caridosa tornou manifestos.

Mas, que podem valer esse argumento, ou essa autoridade, para quem sustenta que a alma é o conjunto das faculdades intelectuais, uma simples função do organismo físico, destinada a desaparecer com este, para sempre, pela morte? Que o pensamento é uma secreção do cérebro? Que as leis da Natureza são simples manifestações de forças incontrastáveis, carentes assim de moral, como de benevolência?

Tal o evangelho dos materialistas, que infelizmente ainda dominam. E são eles que lançam aos espíritas os epítetos de idiotas, de exploradores dos néscios de boa-fé! Nisso, entretanto, nada há de espantar. A fúria que revelam é idêntica e tem a mesma origem que a daqueles que inventaram as fornalhas ardentes, as cavernas dos animais ferozes. É ainda a mesma que o sacerdócio tem desencadeado, em nome de Jesus. Ë o fogo das baterias que, desde todos os tempos, margeiam a vereda que conduz a Sião; são as mesmas setas envenenadas que as hostes dos inimigos da verdade, ocultas ao longo dessa vereda, hão sempre desfechado contra os que a percorrem.

Mas, que importa, se, justificados pela fé, temos a paz com Deus, por intermédio de Nosso Senhor Jesus Cristo, como disse Paulo? (Epístola aos Romanos, Versículo 1). Que importa, se temos por nós o que fora dito a Abraão (Gênese, capítulo 15, versículo 1) e aquele de quem falam os Salmos (capítulo 90, versículos 2 ao 5 e capítulo 104, versículo 10)? Marchemos, pois, para frente, revestidos da couraça da fé, sob o escudo de Jesus Cristo.

Para imaginarmos o poder dos fluídos magnéticos de que dispunha Jesus, o mais puro de todos os Espíritos, e bem assim o poder que a sua vontade exercia sobre esses fluídos, regeneradores e fortificantes, cuja natureza, bem como combinações, efeitos e propriedades Ele conhecia de modo absoluto, basta atentemos nos efeitos que produz o magnetismo humano e nos que conseguem os médiuns curadores, mesmo os médiuns receitistas, com os quais inúmeras pessoas se têm tratado de variadíssimas enfermidades, com os mais satisfatórios resultados.

Operando as curas de que, sob o nome de milagres, falam os Evangelhos, Jesus fazia da doutrina de amor que trouxera ao mundo a mais eloquente propaganda. Por isso mesmo, é esse o meio mais eficiente de que se servem os Espíritos, para, presentemente, fazer a da Doutrina Espírita. É que, a fatos, não há argumento, nem autoridade real que se contraponham. Menos ainda poderão Contrapor-se-lhes as opiniões de simples médicos, que nada sabem de Espiritismo, tanto mais quando muitos deles hão recorrido e recorrem às consultas mediúnicas, em casos desesperados, encontrando sempre a satisfação de seus anseios, com os Bittencourt Sampaio, os Figueiras, os Nascimentos e muitos outros médiuns que a esses sucederam, todos alheios à ciência médica, mas cheios de dedicação e de solicitude para acudirem desinteressadamente o próximo em suas aflições, servindo de instrumentos a Espíritos elevados, fiéis servos de N. Senhor Jesus Cristo, dos quais recebem a ação fluídico-magnética, que transmitem aos enfermos.

Quanto às curas da alma, isto é, quanto à libertação dos possessos, só mediante estudo sério das obras do mestre Allan Kardec, especialmente de O Livro dos Médiuns, obras cuja meditação acurada recomendamos a todos os adeptos do Espiritismo, se pode obter uma explicação racional e completa.

Os possessos, de que falam os Evangelhos, eram os subjugados por Espíritos impuros, dentre os quais, nem mesmo os mais endurecidos e obstinados no mal resistiam às intensamente luminosas irradiações da pureza e da perfeição de Jesus, cujo nome é hoje bastante para, se invocado com fé viva, produzir efeitos análogos aos que Ele pessoalmente conseguia.

Quer isto dizer que, nós outros, só os podemos obter por meio das preces fervorosas, da humildade e da fé na misericórdia ilimitada do nosso Salvador, porquanto nos faltam as mais poderosas armas que existem para a libertação de um subjugado a força moral decorrente do jejum espiritual a que Ele tantas vezes aludiu, e a pureza de sentimentos, que atrai os Espíritos bons, cuja presença é suficiente para dominar e subjugar, a seu turno, os mais obstinados e ferozes subjugadores. Todavia, a bondade de Jesus é tal e tanta que, mal grado às precárias condições morais em que nos encontramos, a não poucas curas temos assistido de irmãos que recobram o uso da razão e do livre-arbítrio, depois de terem sido dados como loucos incuráveis, pela ainda mais precária ciência dos homens.

O Espiritismo que, repetimos, é revelação e ciência, veio, restaurando na sua pureza aquela doutrina que de tanta surpresa enchia os que presenciavam as curas que o divino Mestre operava, ensinar-nos a distinguir a obsessão e a subjugação da alienação mental, ou loucura propriamente dita, que decorre do desmantelo do aparelho cerebral. Essa distinção quem no-la faculta é a mediunidade, que também nos fornece os meios adequados a repararmos os estragos que apresenta o organismo material, depois de removida a causa da aparente loucura, como se dá com um prédio incendiado, após a extinção do incêndio.

Esses fatos, de que nos oferecem testemunho às sagradas letras, já têm sido comprovados por homens notáveis, cujas observações a respeito se acham registradas em livros e jornais. Esses homens, porém, acreditavam ou acreditam na existência e na imortalidade da alma, qual esta é realmente, e não consideram o pensamento uma espécie de bílis, ou qualquer outra dessas secreções que o organismo expele ou absorve, ou, ainda, fixa nas suas cavidades interiores. Os ortodoxos, a seu turno, não contestam as curas operadas por Jesus, antes as proclamam, mas como milagres. Em consequência, declaram e sustentam que tudo o que os homens façam de semelhante ou idêntico é diabólico, sem perceberem que desse modo colocam no mesmo nível a divindade, pois que para eles Jesus é uma fração de Deus, e a suprema potência do mau Satanás cuja existência afirmam. Assim, os doutores não admitem senão o que lhes vem por intermédio da Ciência, em cujo nome falam, e repelem a ciência espírita como produto da imaginação de fanáticos ignorantes ou velhacos, considerando mesmo o seu cultivo um crime severamente punível.

De outro lado, os ortodoxos guardam a mesma atitude, não por amor da verdade, que pouco lhes interessa, mas por muito ciosos do prestígio do “demônio”, que tanto há contribuído para lhes fortalecer o poderio.

Tal a situação que, embora já algum tanto modificada para melhor, pelos rápidos progressos da Doutrina dos Espíritos, ainda se apresenta aos profitentes desta, patenteando-lhes as dificuldades de ordem exterior que lhes cumpre superar, para, convencidos e confiantes, esperarem se cumpram integralmente as promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Eles, no entanto, se manterão firmes em seus postos, porque veem que cada vez mais essas promessas se irão cumprindo, quando veem que já lhes é dado fazerem, sob a égide de Jesus, obras semelhantes às que Ele fazia, o que implica o cumprimento do prometido nestas palavras suas: Aquele que em mim crer também fará as obras que eu faço e fará outras ainda maiores (JOÃO, capítulo 14, versículo 12).

E, como o dessas, verificam que igualmente se está dando o destas outras, visto que inegavelmente chegariam os tempos nelas preditos e se realizou o advento por elas anunciado:

E o Consolador, que é o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos lembrará tudo o que vos tenho dito. (JOÃO, capítulo 14, versículo 26).

Cura da sogra de Pedro. Enfermidades curadas

(Mateus, 8:14-17; Marcos, 1:29-34)

38. Saindo da sinagoga, entrou Jesus na casa de Simão, cuja sogra estava com muita febre e lhe pediram que se compadecesse dela. 39. Inclinando-se sobre ela, Jesus ordenou à febre que a deixasse e a febre a deixou, ela se levantou imediatamente e começou a servi-los. 40. Ao pôr do Sol, todos os que tinham doentes atacados de moléstias diversas os traziam e ele, pondo sobre cada um as mãos, os curava. 41. De muitos os demônios saíam gritando e dizendo. És o filho de Deus. Mas Jesus os ameaçava e não lhes permitia que falassem, por isso que sabiam ser ele o Cristo.

As curas físicas, que Jesus operava, eram sempre efeito da ação magnética que Ele exercia sobre os doentes, pelo poder da sua vontade que, em cada caso, reunia e combinava instantaneamente os fluídos apropriados a curar a enfermidade de que se tratava. Do mesmo modo, pela ação da sua vontade poderosa e incontrastável, é que realizava a cura dos padecentes de obsessão ou subjugação espiritual. Não podendo resistir àquela ação, os Espíritos inferiores se afastavam de suas vítimas, deixando-as livres do jugo que as oprimia, e, as mais das vezes, por intermédio destas, que então se tornavam médiuns falantes, davam testemunho da grandeza espiritual do Cristo, da sua autoridade suprema de enviado divino, da superioridade extrema que lhe advinha da sua qualidade de Espírito de pureza perfeita e imaculada, clamando: És o Filho de Deus!

“Se obedeceres à voz do Senhor teu Deus e obrares o que é reto diante de seus olhos e obedeceres aos seus mandamentos e guardares todos os seus preceitos, eu não enviarei sobre ti qualquer das enfermidades que mandei contra o Egito; porque eu sou o Senhor que te sara.” (“Êxodo”, capítulo 15, versículo 26.)

Ao defrontar com os leprosos que se amontoavam nas vizinhanças de Betsaida (LUCAS, capítulo 17, versículo 12), Jesus confirma essas palavras, demonstrando ter o poder de curá-los, revelando, pois, ser de fato o preposto imediato do Senhor que sara. Ele é bem portanto, o médico das almas, como o disse, capaz de curá-las todas do pecado que as enferma, causando-lhe males atrozes. Portador ao mundo e distribuidor do divino perdão, base da sua medicina, Ele muda a enfermidade em saúde, transformando a morte em vida, que é a salvação.

Anelando por esta, entoemos com o salmista o nosso cântico, dizendo, em testemunho da nossa fé: “Ele perdoa todas as minhas maldades e sara todas as minhas enfermidades”. Redime da morte a minha vida. Bendize, ó minha alma, o Senhor.

Retirada para o deserto. Prece. Pregação

(Marcos, 1:35-39)

42. Ao nascer do dia, saiu e foi para um lugar deserto; a multidão que o procurava veio ter com Ele e não o largava com receio de que se fosse embora. 43. Ele, porém, lhes disse: É preciso que também nas outras cidades eu anuncie o reino de Deus; pois para isso é que fui enviado. 44. E pregava nas sinagogas da Galileia.

A linguagem e a narração dos evangelistas são, embora eles se achassem debaixo da influência e da inspiração mediúnicas, conformes, como não podia deixar de acontecer, às crenças dos apóstolos e das multidões que acompanhavam a Jesus. Daí o dizerem que este se retirava para lugares desertos, a fim de orar.

Não era isso, porém, o que se dava. Como não estava sujeito, senão aparentemente, às contingências da encarnação, entre elas à do repouso pelo sono, porquanto o seu corpo, como já foi explicado, era celeste, o que quer dizer de natureza fluídica, o que se verificava, todas as vezes que o supunham ter-se retirado para o deserto, é que volvia às regiões superiores onde constantemente paira, exercendo o governo do mundo que lhe está confiado. Era o que fazia durante a noite, reaparecendo, ao amanhecer, com o seu corpo de aparência humana, no sítio onde devia ser encontrado.

Entretanto, esses seus desaparecimentos, dando ensejo àquela suposição, encerravam também um ensinamento, qual o de que todos devemos estar sempre vigilantes, a fim de nos acharmos prontos sempre a comparecer diante do Senhor.

Com o deixar supusessem que se levantava muito cedo, para ir entregar-se à oração, ensinava aos homens que não devem proporcionar a si mesmo um repouso desnecessário, nem consagrar demasiado tempo aos cuidados pessoais.

 SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book).

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