Perfume derramado sobre a cabeça de
Jesus
(Mateus,
26:1-13)
1.
Dois dias depois vinha a Páscoa com os pães ázimos e os príncipes dos
sacerdotes e os escribas procuravam meio de se apoderarem de Jesus à traição e
de o matarem. 2. Mas, diziam: No dia da festa, não, para que não se levante
algum tumulto entre o povo. 3. Estando Jesus em Betânia sentado à mesa na casa
de Simão, o leproso, ai veio uma mulher com um vaso de alabastro cheio de
precioso perfume de nardo e, quebrando o vaso, lhe derramou o perfume sobre a
cabeça. 4. Alguns dos presentes, indignados com isso, diziam entre si: Para que
desperdiçar assim este perfume? 5. Bem podia ele ser vendido por mais de
trezentos denários, os quais seriam dados aos pobres. E murmuravam contra a
mulher. 6. Jesus então lhes disse: Deixai-a; por que a molestais? Com o que ela
fez praticou uma boa obra, 7. Porquanto pobres tê-los-eis sempre convosco e,
quando quiserdes, podereis fazer-lhes bem, mas a mim nem sempre me tereis. 8.
Ela fez o que lhe era possível: embalsamou-me antecipadamente o corpo para a
sepultura. 9. Em verdade vos digo que, onde quer que no mundo todo se pregue
este Evangelho, narrado também será, em sua memória, o que ela fez.
De novo, neste passo, a seus
discípulos anunciou Jesus “sua morte”, segundo a maneira de ver dos homens, e
também a sua crucificação. Aquela mulher foi, por influência espírita, induzida
a fazer o que fez, porque o seu ato se prestava a pôr em relevo a presciência
do Mestre, quanto a essa “morte” e a essa crucificação, pois que, ao
verificar-se o acontecimento predito, todos se lembrariam daquele ato e das
palavras que Ele proferira com relação ao futuro.
Quebrando o vaso de alabastro, cheio de precioso perfume, e derramando-o sobre a cabeça de Jesus, rendia ela uma homenagem ao Senhor. Ainda cegos pela matéria os discípulos só compreendiam os fatos materiais. O Mestre procurava sempre fazer que os compreendessem sob o aspecto espiritual. A escolha de um perfume para essa lição obedeceu à razão de que, pela natureza essencial dos perfumes, eles dão a ver que os sacrifícios que se hajam de praticar, tendo-se em vista o Espírito, não devem ser buscados unicamente nas coisas de ordem material, mas também nas de ordem espiritual.
Fora um ato de amor e
desinteresse, o daquela mulher, e, portanto, um sinal de ascendência do
Espírito sobre a matéria.
Pobres
tê-los-eis sempre convosco e, quando quiserdes, podereis fazer-lhes bem, mas a
mim nem sempre me tereis, disse Jesus, aludindo, pelo que lhe
tocava, ao seu aparecimento na Terra, aos tempos e à duração desse
aparecimento, para o desempenho da sua missão terrena. Aludia também à duração
da sua vida humana ao ver dos homens.
Falando dos pobres da Terra,
referia-se preferentemente aos que se encontram num estado de inferioridade
qualquer, aos que, sobretudo, o são moral e intelectualmente. Nos planetas
inferiores, como o nosso, sendo a pobreza, tanto material, como moral, uma
efetivação de provas, sempre haverá pobres de uma e outra categoria; enquanto
não se ache concluída a separação dos bons e dos maus. Cumpre, porém, notar que
da elevação de um planeta não decorre o nivelamento das faculdades.
Não devemos esperar que
deixe de existir na Terra a pobreza material, enquanto não desaparecerem,
dentre nós, todas as enfermidades morais, de que temos de curar-nos, renascendo
multiplicadas vezes. Despojemo-nos, portanto, dos nossos vícios, quer advenham
da carne, quer do Espírito, que deve dominar a matéria, pois, do contrário,
talvez os ricos de hoje venham a ser os pobres de amanhã.
O desaparecimento, a
cessação completa da pobreza material, de maneira que cada um viva folgadamente
do seu labor, será um sonho, enquanto a nossa depuração moral não nos houver
suavizado as futuras expiações. Por aí se vê quão ilusórias são as pretensões,
que muitos alimentam, de tornar partilhadas igualmente por todas as riquezas,
mediante revoluções, transformações políticas, ou mediante ainda a decretação
de legislações especiais, cujos efeitos serão contraproducentes, desde que,
longe de contribuírem para estabelecer a fraternidade humana, somente concorrem
para acirrar entre os homens os ódios, que os separam e inimizam.
As associações e
instituições de beneficência, já existentes em todos os países, são boas,
porque provam em muitos o desejo de fazer o bem, de socorrer os seus irmãos.
Mas, sem desprezarmos os socorros materiais, esforcemo-nos por socorrer o moral
dos homens, porque, expulsa do nosso planeta a miséria moral, terá nele cessado
a miséria material. Quando isso ocorrer, as criaturas humanas, prestando-se
mútuo e esclarecido auxílio, trabalharão todas em comum, na obra também comum.
Quão longe, porém, ainda está essa bendita era, em que havemos de entrar um
dia!
Preparemo-nos, nada obstante,
para ela, empregando com esse objetivo todos os nossos esforços, organizando,
sob o influxo de sentimentos de humildade e desinteresse, de justiça, de amor e
caridade, sociedades para o trabalho de ordem material, de ordem moral e de
ordem intelectual. Deem os ricos abundantemente aos pobres, levando cada um a
tais associações o tributo das faculdades de que possam dispor, a fim de que se
espalhem e desenvolvam a educação e a instrução moral e intelectual, que
expliquem aos homens e lhes façam compreender: o amor a Deus acima de tudo e ao
próximo como a si mesmos, os modos e meios de praticar-se esse duplo amor, de
praticar-se, com observância da liberdade na ordem e da ordem na liberdade, o
máximo de mutualidade, de solidariedade, de fraternidade, fonte e regra de
todos os direitos e deveres, máximo que deverá consistir em um por todos e
todos por um, em todas as associações, de qualquer natureza que sejam, em todas
as esferas da atividade humana: individual, comum ou social. (1)
(1) As narrativas, feitas
pelos quatro Evangelistas (MATEUS, 26, 6. MARCOS, 14, 3. LUCAS, 7, 36, JOÃO,
12, 3) do episódio em que figura uma mulher derramando perfume sobre a cabeça
de Jesus, apresentam diferenças que hão induzido a maioria dos intérpretes das
Sagradas Letras a admitir que o aludido episódio ocorreu em duas ocasiões
distintas e não uma única vez. Entre os intérpretes que assim pensam, está
Bittencourt Sampaio, como se pode ver das Notas que após ao Canto 12 da obra
Divina Epopeia, de sua lavra.
A esta observação aduzida em
nota às Elucidações Evangélicas pelo seu autor, cumpre acrescentemos, como seu
revisor, que também partilhamos da opinião dos que têm por dois, ocorridos em
circunstâncias diversas, o episódio de que se trata, conforme tivemos ensejo de
assinalar, em páginas anteriores deste volume, em nota aos comentários sobre os
versículos 36 a 50 do capítulo 7 do Evangelho de LUCAS, trecho que se encontra
subordinado à epígrafe Pecadora que banha de lágrimas os pés de Jesus e os
enxuga com seus cabelos.
Pacto de traição feito por Judas
Iscariotes com os príncipes dos sacerdotes. Lugar escolhido para a Páscoa
(Mateus,
26:14-19); Lucas, 22:1-13)
10.
Então, Judas Iscariotes, um dos doze, foi ter com os príncipes dos sacerdotes
para lhes entregar Jesus. 11. Ouvindo-o, eles se alegraram, prometeram dar-lhe
dinheiro e Judas se pôs à espreita de uma oportunidade para o entregar. 12. No
primeiro dia dos pães ázimos, que era quando se imolava o cordeiro pascal,
disseram a Jesus os discípulos: Onde queres que vamos preparar o que é
necessário para comer-se a Páscoa? 13. Chamou ele então dois dos discípulos e
lhes disse: Ide à cidade; lá encontrareis um homem carregando um cântaro
d’água: segui-o. 14. Dizei ao dono da casa onde ele entrar que o Mestre lhe
manda perguntar: Onde o aposento em que hei de comer a Páscoa com meus
discípulos? 15. Ele vos mostrará um amplo cenáculo mobilado. Preparai aí o que
for necessário. 16. Os discípulos partiram, foram à cidade e acharam tudo como
ele lhes havia dito e prepararam a Páscoa.
Aproximava-se o momento de
se cumprirem os fatos preditos, e Jesus, falando daquele modo aos discípulos,
confirmava as predições já feitas. Enviados por Ele, Pedro e João encontram o
homem que lhes fora indicado e tudo se passa como Ele anunciara. Esses fatos,
que se verificavam em Jesus, de presciência, de visão à distância, bem como a
influência oculta que concorria para que eles se produzissem, já ficaram
explicados, quando estudamos outros pontos já considerados.
Quanto à traição de Judas,
não resultou de uma predestinação. Aceitá-la como tal importaria em negar a
justiça de Deus.
Judas, que era um Espírito
desejoso de adiantar-se, mas orgulhoso e por demais confiante nas suas forças;
pedira, antes de encarnar, lhe fosse concedido participar da obra do Cristo,
esperando tirar dessa participação abundantes e preciosos frutos. Em vão seus
guias lhe fizeram ver os escolhos contra os quais iria chocar-se. A nada quis
atender.
Jesus conhecia a Judas e lhe
aceitara o concurso. A lição terrível que o esperava fá-lo-ia sair afinal
purificado de todos os vícios que ainda o dominavam. Foi tendo em vista esse
futuro, patente a seus olhos, que o Mestre consentiu naquele ato de Judas, que,
além de orgulhoso, era invejoso e amante do luxo. Quantos e quantos Judas não existem
ainda neste mundo e quão tremenda é a expiação que os espera!
Os bons Espíritos nos dizem:
Queridos irmãos, desconfiai todos, todos
sem exceção, de vós mesmos, pois que estais sempre prontos a dar entrada a
“Satanás”, ao “demônio” do orgulho e da inveja, e muito prontamente sucumbis às
suas sugestões. Guarde-vos o Senhor, porquanto a queda é fácil, mas o
reerguimento é terrível!
Os discípulos, dizem os
Evangelhos, fizeram o que o Mestre lhes determinara, tudo se passou como lhes
fora dito e prepararam tudo para que Ele celebrasse a Páscoa com os doze,
portanto com Judas Iscariotes, também, o qual sabia-o Ele, o havia de trair. E,
com efeito, celebrou com seus discípulos aquela festa, não numa sinagoga ou num
templo construído pelos homens, mas num amplo cenáculo todo mobilhado. Como cumpria acontecesse, tal festa, a
ceia pascal, serviu, sob o império e o véu da letra, de base a um culto
exterior. Em espírito e verdade,
porém, foi um ato puramente espiritual, emblemático, cujo sentido, alcance e
aplicações em seguida veremos.
A vida de Judas demonstra
até que extremo funesto pode o orgulho obstinado levar a criatura que se
exalta, julgando-se capaz de tudo, pelo seu saber e pelo seu poder. Faz,
entretanto, manifesta, ao mesmo tempo, a justiça e a misericórdia de um Deus,
cuja mão paternal está sempre pronta a estender-se para o filho indócil, a fim
de levantá-lo da queda, que lhe deve servir de lição.
Com efeito, Judas, tendo
falido no desempenho da missão que pedira, por ser esta superior às suas forças,
achou, pela infinita bondade de Deus, meio de se erguer e regenerar no crisol
do arrependimento, do remorso, da expiação, da reparação, do tempo, do
progresso, de forma a reaver o seu lugar entre os servidores fiéis e devotados
de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Quando recebia os
ensinamentos que acabamos de resumir, o médium, que servia de instrumento à
transmissão deste conjunto de revelações que nos iluminam o carreiro por onde
chegaremos aos pés do Nosso Senhor e Mestre, escreveu inopinadamente as duas
comunicações que se seguem e que constituem grandiosas lições, fontes de
esperança e de coragem para todos, a todos ensinando que, por maior que seja o
crime, ou a falta da criatura, jamais é tão grande quanto à bondade de Deus.
São estas as comunicações:
“Oh! como é grande esse Deus que permite que o filho culpado encontre, na sua
própria indignidade, o ponto de apoio que o ajudará a subir para a perfeição"!
Oh! Quanto é bom aquele que está sempre pronto a perdoar ao que sinceramente se
arrepende, que pensa com suas mãos benfazejas as chagas dos nossos corações
culpados, que nelas derrama o bálsamo da esperança e as cicatriza com o auxílio
da expiação!
Bendito
sejas tu, meu Deus! Judas Iscariotes.
O
amor do Senhor se estende por sobre todas as suas criaturas. Vinde, pois, a
Ele, cheios de confiança. Não são os inocentes os que precisam de perdão. Não
são os fortes os que precisam de amparo. Vinde, filhos que chorais as vossas
faltas, o Senhor vos enxugará as lágrimas. Vinde, filhos fracos e enfermos, o Senhor
vos dará parte maior e mais ativa do seu amor. Vinde confiantes. Como vós,
também nós falimos. Como vós, também fomos culpados, amargamos as nossas faltas
e expiamos os crimes que cometêramos e as fraquezas que nos fizeram sucumbir,
por meio de longo e penoso labor numa série extensa de existências humanas, que
prepararam e realizaram a nossa purificação, graças à qual o Senhor nos admitiu
a gozar da sua alegria.
Imitai-nos,
portanto, irmãos bem-amados. Todos tendes, mais ou menos, o que expiar, tendes
que pedir perdão. Vinde com confiança aos pés do vosso pai, confessai vossas
faltas perante o seu tribunal. O juiz é reto, o juiz é justo, mas também é pai.
Sua indulgência há de sempre prevalecer sobre a sua justiça; suas sentenças Ele
as profere sempre dentro dos limites das vossas forças. É Credor paciente e
brando; esperará que possais pagar a vossa dívida.
Oh! Vinde!
Possa a mão que vos estendemos sustentar-vos, fazendo-vos compreender que em
nós achareis grandes tesouros de amor.
Judas
é hoje um espírito regenerado no crisol do arrependimento, do remorso, da
expiação, da reencarnação e do progresso. Tornou-se um dos auxiliares humildes,
ativos e devotados do Cristo. Este exemplo vos mostra que não deveis nunca
repelir qualquer de vossos irmãos e ainda menos excluí-lo da paz do Senhor.
José
de Arimatéia. Simão de Cirene.
Assistidos
pelos Apóstolos Mateus, Marcos, Lucas, João.
Ceia pascal. Jesus prediz a traição de
Judas
(Mateus,
26:20-30; Lucas, 22:14-23)
17.
Chegada à tarde, foi Jesus para lá com os doze. 18. Estando todos à mesa,
comendo, disse ele: Em verdade vos digo que um de vós que comigo come me
entregará. 19. Começaram eles então a entristecer-se e a perguntar, cada um por
sua vez; Serei eu? 20. Respondeu-lhes Jesus: É um dos doze que mete comigo a
mão no prato. 21. Na verdade o Filho do homem vai, conforme a seu respeito está
escrito; mas, ai daquele por quem o Filho do homem será entregue; melhor lhe
fora não haver nascido. 22. Enquanto comiam, Jesus pegou do pão, o abençoou,
partiu e lhes deu, dizendo: Tomai, isto é o meu corpo. 23. Pegando do cálice,
rendeu graças e deu-lhes e todos beberam dele. 24. Disse ele então: Isto é o
meu sangue, o sangue da nova aliança, que será por muitos derramado. 25. Em
verdade vos digo que não mais beberei deste fruto da vide, até ao dia em que o
hei de beber novo no reino de Deus. 26. E, entoando o cântico de ação de
graças, saíram para o monte das Oliveiras.
Jesus baixou ao convívio de
seus discípulos, para lhes dar ensinamentos verbais, capazes de impressioná-los,
tendo sempre o cuidado de ligar esses ensinos aos fatos e às tradições do
Antigo Testamento. Não voltará a nós, senão quando a semente que plantou e que
vem germinando há longos séculos se tenha tornado árvore carregada de frutos.
Quer isto dizer que não voltará visível aos homens, senão quando houvermos
atingido tal grau de desenvolvimento, que lhe seja possível manifestar-se na
plenitude da sua natureza espiritual.
A Páscoa é um símbolo; nada
mais que um símbolo. É o selo aposto pelo Mestre aos ensinamentos que
ministrava pela palavra. É a confirmação da lei de amor e da união que deve
reinar entre os homens. Ë o derradeiro e solene apelo por Ele feito à prática
dessa lei e dessa união, portanto, à fraternidade universal. Ë a comunhão a que
convidou e convida os homens, servindo-se dos emblemas do pão e do vinho, aos
quais comparou o seu corpo e o seu sangue.
Assentados todos à mesa do
festim, todos temos que nos servir igualmente do mesmo alimento e que beber
pelo mesmo cálice, O pão tem que ser o mesmo para todos, pois que o sacrifício
do Salvador se verificou para servir de exemplo a todos; o vinho a todos os
sequiosos tem que dessedentar, visto que seu “sangue” o Salvador o derramou por
todos.
Devemos fazer com os nossos
irmãos transviados o que Jesus fez com o duodécimo discípulo, a ovelha
desgarrada, que mais tarde o bom-pastor carregaria aos ombros e reconduziria ao
aprisco. Embora soubesse que ele o havia de trair, que era um discípulo
prevaricador, o Mestre permite que Judas se sente à mesa com os onze discípulos
fiéis, que partilhe com estes do mesmo alimento e beba pelo mesmo cálice, para
que escute, receba aquele último apelo. E, ao aproximar-se o momento de deixar
a Terra, não teve para o infiel, como para os que o insultavam e flagelavam,
senão uma palavra de perdão: Perdoa-lhes,
meu Pai; eles não sabem o que fazem.
O pão e o vinho nada mais
são que símbolos. Nunca Jesus pensou em dar-lhes uma aplicação material. Porém,
o que ocorreu tinha que ocorrer, pois que, para a matéria, só a matéria. Daí,
entretanto, não se segue permaneça o erro, que até agora foi mantido pela
rotina, pela cegueira, pela obstinação. Bom é consagrem os homens um dia a
recordar a ceia do Mestre com seus discípulos, à rememoração do devotamento
daquele modelo excelso que baixou até nós, para fazer que até Ele nos elevemos.
Os primeiros discípulos,
cumprindo a recomendação expressa nas suas derradeiras palavras, se reuniam
para, em comum, fazerem um repasto comemorativo do último em que com Ele haviam
tomado parte. Mais tarde, nas reuniões dos que lhes sucederam, cenas
escandalosas se deram. Em vez da fraternidade que devia reinar entre todos,
passou a imperar o orgulho. Os cristãos tiveram que pôr termo a tais abusos e
instituíram a “comunhão”, tendo por símbolos o pão e o vinho. Posteriormente,
as dificuldades e perigos, que havia, de se reunirem em grande número, os
levaram a instituir a comunhão dada pelo sacerdote aos discípulos que se
apresentavam para recebê-la. Essas transformações se foram operando sucessivamente
no curso das perseguições de que os cristãos eram vítimas em Roma. Tiveram,
como se vê, a sua razão de ser.
Se, depois, as palavras do
Mestre "fazei isto em minha memória" tomadas à letra, deram lugar ao
dogma da “presença real”, da “transubstanciação”, causa de intermináveis
controvérsias, foi porque o homem se apega sempre à crosta superficial, sem
cogitar da seiva que a vivifica.
Devemos, sem dúvida,
comemorar a Ceia Pascal, em memória do Mestre, mas pela prece do coração,
apoiada em atos de uma vida íntegra, pura, humilde, ativa e consagrada ao bem
de todos os membros da grande família humana. Aquele que se julgue no dever de
aproximar-se do Senhor pelo ato ritualístico da comunhão, faça-o, porém, só
emprestando valor ao ato espiritual. Que se prostre, para isso, curvada a
fronte, aos pés do sacerdote, mas sem atentar no homem, nem se preocupar com a
matéria e sim elevando sua alma a Deus, lembrando-se das virtudes praticadas
pelo seu Enviado e escutando aquelas palavras suas Fazei isto em minha memória.
Cristãos, quem quer que
sejais romanos, gregos ou protestantes praticai o ato material comemorativo, se
as exigências do vosso coração, ou mesmo os hábitos da vossa infância a isso
vos impelem. Nunca, porém, o pratiqueis preocupados com a opinião dos homens.
Suportai, se for preciso, a censura injusta; mas, sejam puras as vossas ações,
ditem-nas a verdade e o amor.
Comemoremos a Ceia Pascal,
vendo, naquele que a ela presidiu, o Manso Cordeiro a ser imolado para salvação
da Humanidade inteira.
Comemoremo-la, com o mesmo
sentimento com que celebramos as nossas festas intimas; para expandir as
satisfações da nossa alma, para estreitar os laços do amor, da amizade que nos
ligam aos que nos são caros. Reunamo-nos com os nossos irmãos em torno de uma mesa,
simbolizando essa reunião a unidade em que devemos estar com Jesus, idêntica à
em que Ele se acha com o Pai que está nos céus, o seu Deus e nosso Deus (JOÃO,
capítulo 17, versículos 21 e seguintes); simbolizando a fraternidade que nos
deve prender uns aos outros, como filhos que somos do mesmo Pai.
Façamo-lo em perfeita
comunhão de crença e com o propósito de pautarmos os nossos pensamentos,
palavras e obras pela doutrina ensinada e exemplificada pelo Mestre divino,
doutrina que Ele simbolizou no pão que distribuiu a seus apóstolos; com o de
tonificarmos os nossos corações com o licor que Ele os fez beber, semelhante ao
sangue que verteu no Calvário, símbolo do seu amor sem limites, o qual, seiva
vivificante daquela doutrina, não se deteve ante o supremo sacrifício de
imolar-se para nos mostrar o caminho da redenção.
Se fizermos assim, em
espírito e verdade, a nossa comemoração, demonstraremos haver bem compreendido
as sagradas letras.
Predições de Jesus. Predição da negação
de Pedro
(Mateus,
26:31-35; Lucas, 22:31-38)
27.
Disse-lhes então Jesus: Ser-vos-ei a todos esta noite uma ocasião de escândalo,
pois está escrito: Ferirei o pastor e a. ovelha se dispersarão. 28. Mas, depois
de haver ressuscitado, irei adiante de vós à Galileia. 29. Pedro lhe observou:
Ainda quando sejas para todos um motivo de escândalo, não o serás para mim. 30.
Jesus lhe replicou: Em verdade te digo que, hoje mesmo à noite, antes que o
galo tenha cantado duas vezes, tu me terás negado três. 31. Pedro, com mais
veemência, insistiu: Ainda que me seja preciso morrer contigo, não te negarei.
O mesmo disseram os outros.
Jesus dá a ver, de antemão,
a seus discípulos quão frágil é a vontade humana e quão pouco deve o homem
contar com as suas próprias forças. Dizendo a Pedro: Roguei por ti, mostra que
só na prece pode o homem encontrar amparo. Naquela ocasião, nenhum assim o
compreendeu, tanto que nenhum recorreu a esse cordial da alma, pelo que todos
faliram no momento do perigo. Foi uma lição que muito devemos aproveitar.
Nisto que também disse a
Pedro: Simão, Simão, satanás vos reclamou
a todos para vos joeirar, como se faz ao trigo (Lucas, 22:31), aludia à
influência que, sobre aquele apóstolo, exerceria o temor dos acontecimentos que
poderiam dar-se, aos maus pensamentos que lhe germinavam no coração e que, por
vezes, o faziam deplorar ter enveredado por tão perigoso caminho, pensamentos
esses que, embora fugazes, não escapavam à percepção do Mestre. Pedro
compreendia que um grande perigo os ameaçava, a eles e a Jesus, e a fraqueza humana
lhe fazia nascer no íntimo, de quando em quando, um vago sentimento de pesar,
por se haver exposto de tal modo.
Jesus no horto de Getsêmani. Palavras e
ensinamentos dirigidos aos discípulos. Ele ensina os homens a morrer, depois de
lhes haver ensinado a viver, objetivando o progresso do Espírito
(Mateus,
26:36-46; Lucas, 22:39-46)
32.
Foram em seguida para um horto chamado Getsêmani, onde ele disse a seus
discípulos: Sentai-vos aqui, enquanto vou orar. 33. E tomando consigo a Pedro,
Tiago e João começou a ser presa de pavor e angústia. 34. Disse-lhes então:
Minha alma está triste até à morte. Ficai aqui e vigiai. 35. E, afastando-se um
pouco, se prostrou em terra, rogando que, se fosse possível, passasse dele àquela
hora. 36. Dizia: Aba, pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice;
todavia, faça-se não o que eu quero, mas o que tu queiras. 37. Foi ter com os
discípulos e, achando-os a dormir, disse a Pedro: Dormes, Simão? Pois quê! Não
pudeste velar uma hora! 38. Vigiai e orai, a fim de que não entreis em
tentação. O Espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca. 39.
Afastou-se de novo e orou, repetindo as mesmas palavras. 40. Voltando,
encontrou-os novamente a dormir, pois pesados de sono tinham os Olhos, e sem
saberem o que lhe respondessem. 41. Voltou terceira vez e lhes disse: Dormi
agora e descansai. Basta! É chegada a hora: eis que o Filho do homem vai ser
entregue às mãos dos pecadores. 42. Levantai-vos, vamos; vem perto aquele que
me há de entregar.
Jesus desceu até nós, para
nos ensinar a viver e a morrer, pelo que necessário lhe foi tomar um corpo de
aparência humana, a fim de que os homens o tivessem por um homem igual aos
outros. Tudo, pois, tinha que ser e foi, nos fatos, como nas palavras,
apropriado a essa crença.
A Getsêmani, lugar situado
numa das vertentes do monte das Oliveiras, levou Ele consigo os mesmos três
discípulos que o acompanharam ao Tabor, para assistirem à sua transfiguração e
à aparição de Elias e Moisés. Esses discípulos foram Pedro, Tiago e João, que
eram mais apropriados à manifestação espírita que se ia produzir, com
especialidade à aparição do anjo. (Vejam-se as elucidações do capítulo 17,
versículos 1 ao 9, de MATEUS.)
Dizendo-se possuído de
mortal tristeza, quis o Mestre significar aos discípulos e aos homens que,
pressentindo o que ia suceder, seu coração se enchia de amargura extrema pelas
tribulações a que se votavam aqueles a quem viera salvar. Recomendou-lhes que
ficassem ali, para testemunharem o que se ia passar, e que velassem com Ele,
para poderem narrar às gerações futuras o que presenciassem.
Prostrando-se e orando,
fê-lo para ensinar a submissão, a fé, a resignação e a vigilância sobre si
mesmo, com que o homem deve receber as tribulações e as provas, a fim de não
falir nestas, e mostrava o socorro que advém da prece, poderoso cordial da
alma.
Indo ter com eles três vezes
e três vezes repetindo-lhes a mesma coisa, quis gravar-lhes fortemente nos
corações e na memória aquelas palavras, que tinham de ser por eles citadas e
registradas pelos Evangelistas, a fim de atravessarem os séculos e chegarem a
todas as gerações humanas.
Se fosse Deus e quisesse que
os homens assim o considerassem, precisaria Jesus de pedir amparo? Não traria
em si mesmo toda a força de que pudesse necessitar?
Se as manifestações
espíritas são uma mentira e se Jesus era um homem igual aos outros, com uma
veste carnal igual a dos demais, como se há de admitir que um anjo se lhe haja
mostrado e aos três apóstolos? Nem se diga ter sido Ele quem da manifestação
deu notícia aos discípulos. Em tal caso, teria sido um impostor. Como, porém,
nada prova que o Mestre lhes haja falado de semelhante coisa, a manifestação
não houvera passado de uma invencionice dos discípulos. Mas, com que fim a
teriam eles forjado, uma vez que procuravam estabelecer uma divindade em que
não podiam deixar de crer, como o reconhecerá quem se coloque no ponto de vista
dos contraditores a quem nos referimos? A se lhes admitirem as objeções,
forçoso será se reconheça que tudo aquilo foi uma farsa e que todo o Evangelho
é uma fábula.
Vejam, porém, diante desse
dilema, não os que exploram a cegueira humana, nem os que monopolizam a
Ciência, ou vivem a compor facécias para divertir com futilidades os homens,
mas os que se interessam seriamente pelas coisas santas, os que creem e aspiram
à verdadeira bem-aventurança, vejam, dizíamos, a importância da ciência
espírita, a grandeza e sublimidade dessa revelação nova, que vem cumprir e não
destruir, que vem explicar e não rejeitar, que, pondo o Espírito no lugar da letra,
vem mostrar aos homens a origem e a natureza de Jesus, de que modo e em que
condições se deu o seu aparecimento na Terra.
Sendo puro Espírito, apenas
revestido de um corpo perispirítico, para ser visível aos terrícolas, Jesus
estava acima de todos os desfalecimentos e terrores humanos. Assim, com o que
disse e fez no Horto de Getsêmani, apenas deu aos homens um exemplo da
submissão, da perseverança e da fé que lhes cumpre demonstrar nas maiores
angústias. E que o exemplo foi grandemente eficaz e proveitoso, podemos
verificá-lo no espetáculo dos mártires, avançando para o suplício, sem
experimentarem, sequer, aquela agonia mortal de que falam os discípulos, com
referência ao Mestre, dando, com o que disseram, uma demonstração de quão
fortemente os abalou e impressionou a lição que receberam.
Basta!
É chegada a hora. A lição estava dada aos apóstolos e aos que
se dispusessem a lhes seguir os passos. O ensinamento e o exemplo estavam dados
a todos os homens. Só restava que estes tirassem deles proveito.
É preciso que os
acontecimentos de ordem material se cumpram.
Também para nós chegou a
hora. Despertemos do sono que há muito nos ganhou; levantemo-nos e vamos,
seguindo as pegadas do Mestre Divino, que é esse o caminho único da nossa
redenção.
Beijo de Judas. Um dos que acompanhavam
a Jesus corta a orelha a um dos do séquito do sumo sacerdote e Jesus a cura.
Fuga dos discípulos
(Mateus,
26:47-56; Lucas, 22:47-53; João, 18:1-12)
43.
Ele ainda falava quando chegou Judas, um dos doze, acompanhado de grande tropa
de gente armada de espadas e varapaus, mandada pelos sumos sacerdotes, pelos
escribas e pelos anciães. 44. Ora, o traidor lhes havia dado um sinal, dizendo:
Aquele em quem eu der um ósculo, esse é que é; prendei-o e levai-o com
segurança. 45. Tanto, pois, que chegou, dirigiu-se a Jesus e disse: Mestre, eu
te saúdo; e lhe deu um beijo. 46. Logo deitaram as mãos a Jesus e o prenderam. 47.
Um dos presentes desembainhou a espada e, golpeando um servo do sumo sacerdote,
lhe cortou uma orelha. 48. Jesus então lhes disse: Viestes armados de espadas e
varapaus para me prender, como se eu fosse um ladrão. 49. Todos os dias estava
convosco no templo ensinando e não me prendestes. É que é preciso que as
escrituras se cumpram. 50. Então, abandonando-o, seus discípulos fugiram todos.
51. Seguia-o um mancebo, coberto unicamente com um lençol, e os soldados o
prenderam. 52. Ele, porém, largando o lençol, lhes fugiu nu das mãos.
Estes trechos apenas referem
fatos históricos que não reclamam comentários.
Juntamos aqui, as dos três
outros Evangelhos, com os quais unicamente nos temos ocupado, a parte
correspondente do de João, para darmos a narrativa integral dos fatos de que
tratamos, visto que as narrações evangélicas se completam e explicam umas pelas
outras.
Tudo o que se deu com
relação à prisão de Jesus, que de tudo quanto aconteceu sabia de antemão, assim
como com relação ao ato de Pedro contra Malco e à cura deste, constituiu um
exemplo de caridade, de paciência e de poder.
Pelo que concerne à queda
dos primeiros que avançaram para se apoderarem do Mestre, resultou de uma ação
fluídica exercida pelos Espíritos que o cercavam. Foi um fato semelhante aos
que hoje se podem observar nas sessões espíritas. A cura da orelha de Malco,
Jesus a operou, tocando-a. Cumpre notar que ela fora cortada, porem, não
decepada.
O mancebo que seguiu a
Jesus, conforme dizem os Evangelistas, envolto num lençol, simbolizava a lei
antiga, que trazia consigo o emblema da morte. Detida no seu curso, ela se
despoja de suas insígnias e se mostra tal qual o Senhor a fez. Também nós nos
devemos despojar das insígnias da morte.
Estamos envoltos em fraudes,
maldades e vícios. Esse o lençol que nos cobre. Abandonemos esse invólucro
fúnebre, como o fez o mancebo de que falam os Evangelistas, nas mãos dos que
tentem embaraçar-nos os passos na senda do progresso moral e apresentemo-nos ao
Senhor nus, isto é, com um coração puro, tal como Ele no-lo deu. Acompanhemos o
Cristo no seu trajeto para o Pretório, deixando pelo caminho os nossos vícios e
paixões, causa da sua ida até lá. Sigamo-lo, trilhando as sendas que Ele traçou
e assim abrandaremos os sofrimentos que lhe causamos à sua passagem pela Terra.
Jesus levado à presença do sumo
sacerdote. Jesus ultrajado e tido por merecedor de condenação à morte
(Mateus,
26:57-68; Lucas, 22:54,55; 63-67)
53. E levaram Jesus a casa
do sumo sacerdote, onde se reuniram todos os príncipes dos sacerdotes, escribas
e anciães. 54. Pedro o acompanhou de longe até ao átrio da casa do sumo
sacerdote, onde, com os que ali estavam, se sentou perto do fogo a aquecer-se. 55.
E os príncipes dos sacerdotes e todo o conselho procuravam testemunhos contra
Jesus, para lhe darem a morte; e não achavam. 56. Muitos depunham falsamente
contra ele, mas seus depoimentos não eram suficientes. 57. Alguns se levantaram
e deram contra ele um falso testemunho nestes termos: 58. Ouvimo-lo dizer:
Destruirei este templo edificado pela mão dos homens e reconstruirei, em três
dias, um outro, que não será feito pela mão dos homens. 59. Mas, mesmo esse
testemunho ainda não era suficiente. 60. Então, levantando-se em meio do
Sinédrio, o sumo sacerdote interrogou a Jesus assim: Nada respondes ao que
estes depõem contra ti? 61. Mas ele se conservou calado; nada respondeu. Tornou
o sumo sacerdote a lhe perguntar: És o Cristo, filho do Deus bendito? 62. Jesus
lhe respondeu: Eu o sou; e vereis um dia o Filho do homem sentado à direita da
majestade de Deus e vindo sobre as nuvens do céu. 63. Logo o sumo sacerdote,
rasgando as vestes, disse: Que mais necessidade temos de testemunhos? 64.
Ouvistes a blasfêmia que ele proferiu; que vos parece? Todos o condenaram como
réu de morte. 65. Alguns então começaram a cuspir nele, e a lhe tapar o rosto,
a lhe dar murros, dizendo: Profetiza e dize quem te bateu! E os criados lhe
davam bofetadas.
Do ponto de vista histórico,
nenhuma explicação se faz necessária. Os fatos são patentes. Do ponto de vista
espírita, já sabemos, pelas explicações que nos foram dadas sobre outros
textos, que sentido cumpre atribuamos às palavras Filho de Deus, quando
pronunciadas ou aceitas por Jesus.
Eu o
sou,
respondeu Ele ao sumo sacerdote, e vereis
um dia o Filho do homem sentado à direita da majestade de Deus e vindo sobre as
nuvens do céu. Essas palavras encerravam mais uma alusão velada à reencarnação,
pois se referiam àqueles, dentre os que as escutavam, cujos Espíritos,
regenerados pela reencarnação, viverão de novo na Terra, quando esta se achar
depurada. Esses os que o verão, quando Ele, em todo o seu fulgor espírita, como
soberano visível, descer ao seio da Humanidade purificada.
Desde
agora, o Filho do homem estará sentado à direita do poder de Deus,
que quer dizer: desde agora conhecidos serão os atos do Filho do homem, seu
poder, sua posição. Na realidade, esse conhecimento se espalhou, por efeito das
interpretações humanas e do progresso gradual das inteligências, e a nova
revelação, fazendo-nos conhecer quem é o filho, iluminando, com a sua luz suave
e pura, a cândida e grandiosa figura de Jesus, justifica plenamente estas
palavras proféticas, que cada vez mais justificadas serão: Mas, desde agora, o
Filho do homem estará assentado à direita da majestade de Deus.
Negação de Pedro
(Mateus,
26:69-75; Lucas, 22:56-62)
66.
Estando Pedro em baixo, no átrio, uma das criadas do sumo sacerdote ali foi, 67.
E, vendo-o a se aquecer, o encarou e disse: Tu também estavas com Jesus de
Nazaré. 68. Ele o negou, dizendo: Não o conheço, nem sei O que dizes. E saindo
para entrar no vestíbulo, cantou o galo. 69. A criada, vendo-o de novo, disse
aos que por ali estavam: Este é um daqueles. 70. Ele o negou pela segunda vez.
Pouco depois, os que ali se achavam diziam a Pedro: Com certeza tu és um
daqueles, pois que também és Galileu. 71. Ele então começou a praguejar e a
jurar: Não conheço esse homem de quem falais. 72. Logo cantou o galo pela
segunda vez e Pedro se lembrou do que lhe dissera Jesus: Antes que o galo cante
duas vezes, tu me terás negado três. E se pôs a chorar.
Pedro confiara demais nas
suas próprias forças e não procurara o único ponto de apoio que o pudera
sustentar: a prece. Deixara-se levar pela confiança em si mesmo e, mau grado ao
aviso de Jesus, não se pusera em guarda.
Grande foi o seu remorso,
pois que nele houve apenas fraqueza e não culpa. Houve apenas falta de
previdência, de desconfiança de si mesmo, e não traição premeditada, fruto da
covardia e do egoísmo.
Ao deixar a casa do sumo
sacerdote, ele reconheceu o seu erro e se dispôs a repará-lo. Essa a distinção
que se deve fazer entre a fraqueza e a culpabilidade.
Dificilmente pode o culpado
reparar, no curso de uma existência, a falta durante ela cometida; ao passo que
o fraco pode adquirir a força de que careça. Eis por que são quase sempre
temerários os nossos juízos. Eis como é por que às vezes condenamos o que o
Senhor desculpa e desculpamos o que Ele reprova.
Quando o galo cantou, Jesus
não estava perto de Pedro. Mas, naquele instante, o apóstolo experimentou uma
impressão fluídica que, por um efeito de mediunidade, lhe recordou as palavras
do Mestre, fazendo-o ao mesmo tempo ver o semblante doce e calmo deste, que se
limitava a dirigir-lhe um olhar triste, quando com a ingratidão era pago da
afeição que lhe testemunhara.
Houve, da parte de Jesus,
ação magnética à distância e, da de Pedro, vidência.
SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book).
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