Evangelho segundo Marcos - cap. 12

Parábola da vinha e dos vinhateiros

(Mateus, 21:33-41 Lucas, 20:9-16)

1. Começou depois Jesus a lhes falar por parábolas: Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou no interior um lagar, edificou uma torre, arrendou a vinha a uns vinhateiros e retirou-se para longe. 2. Chegado o tempo da colheita, mandou um de seus servos aos vinhateiros, para receber o que lhe deviam do fruto da vinha. 3. Os vinhateiros, porém, agarraram o servo, deram-lhe pancada e o enxotaram sem coisa alguma. 4. Mandou-lhes de novo outro servo e também a este feriram na cabeça e o afrontaram de toda a sorte. 5. Tornou a mandar outro servo; a este mataram; mandou-lhes muitos; mataram a uns e espancaram a outros. 6. Mas, como ainda lhe restava um filho a quem ele muito amava, mandou-o por último, dizendo: Meu filho eles respeitarão. 7. Porém, os vinhateiros disseram uns aos outros: Este é o herdeiro; vamos, matemo-lo e será nossa a herança. 8. E o agarraram, mataram e puseram fora da vinha. 9. Que fará o dono desta? Virá, exterminará os vinhateiros e a outros a entregará.

O povo de Israel constitui o emblema da parábola. Ele recebera do Pai celestial sucessivas revelações da verdade divina, por intermédio dos profetas e, afinal, por Moisés, no monte Sinai. Bem poucos têm sido, entretanto, com relação ao número total das criaturas que hão composto a Humanidade até aos nossos dias, os que as receberam como deviam e trilharam o caminho que elas lhes traçavam. Veio depois o Messias, o “herdeiro”, no dizer da parábola, ampliá-las e foi repelido e sacrificado, como os mensageiros que o precederam. Vem agora a revelação que todos deviam esperar, de acordo com a promessa do Filho de Deus, para completar e dar início à fase de renovação do nosso planeta e de transformação moral da Humanidade, e ainda as mesmas hostilidades encontra.

Israel é a vinha que o Senhor plantou; a sebe de que a cercou representa os cuidados que tomou para que conservada fosse a lembrança do seu nome. O lagar é o emblema da provação, da expiação, da reencarnação, em suma. A torre seria a habitação indestrutível dos vinhateiros, se houveram cuidado devidamente da vinha. Os servos do dono desta são os profetas que repetidamente têm vindo fazer sentir aos homens que não estavam trilhando o caminho que lhes fora indicado.

As palavras dos vinhateiros: “Este é o herdeiro (referência ao Cristo), vamos, matemo-lo e será nossa herança”, tiveram por fim mostrar a cegueira dos que, recusando dar a Deus o que é de Deus, repelindo todas as advertências que lhes foram feitas e ainda o são, pensavam nada terem que recear daquele a quem ofendiam e ainda ofendem com a ingratidão e o endurecimento que demonstram.

Os a quem se aplicavam essas palavras da parábola naturalmente estão, em parte ao menos, reencarnados na Terra. O que elas objetivavam mostrar se aplica a esses, como a nós outros. A geração daquele tempo não passou, conforme o disse Jesus, nestes termos: “Esta geração não passará sem que tenhais visto vir o filho do homem na sua glória”. (MATEUS, capítulo 24, versículo 34. LUCAS, capítulo 21, versículo 32.)

O povo judeu representa os vinhateiros, até à “morte” de Jesus. A partir de então, a vinha foi retirada do poder dos “maus” vinhateiros e dada a “outros”, Os cristãos substituíram os Judeus e foram até ao presente os novos vinhateiros. A vinha que o Senhor lhes arrendou é a Humanidade inteira e a sebe com que a cercou é a lei de amor, que o seu Filho bem-amado desceu a pregar pela palavra e pelo exemplo. O lagar, como sempre é a reencarnação, mediante a qual se extraem dos frutos da vinha, expremendo-se-lhes a parte material e perecível, o “espírito”, que se não altera e dura eternamente. Constituem-no, pois, as provas, as expiações, em suma todas as conjunturas difíceis por que passamos, para que os nossos Espíritos se depurem e desprendam da matéria, que é, para eles, o cadinho da purificação.

A torre, que é o nosso planeta, será a habitação indestrutível dos vinhateiros que houverem cuidado da vinha, o lugar seguro onde eles depositarão o suco da uva, quando lhe houverem dado, pelo trabalho, a propriedade e a pureza de que necessita para ficar guardado nela. Será, portanto, o nosso planeta, quando se houver tornado mundo superior.

Assim, com relação aos que receberam a vinha com todos os elementos para cultivá-la e fazê-la produzir e que continuam a ofender, imitando os que os antecederam, e a repelir os emissários do Senhor, que nos trazem precioso auxílio para o trabalho que nos incumbe, esta parábola mostra o prêmio e as penas que receberão, quando soar a hora de proceder-se à separação dos que mereçam permanecer no planeta depurado e os que hajam de ser dele expulsos como maus vinhateiros, estes serão os que se houverem obstinado em repelir a nova explosão do amor do Pai, expressa na Revelação Espírita, o Consolador prometido pelo seu Filho, bem-amado, até ao momento em que Este, conforme também o prometeu, vier, na majestade do seu poder, trazer aos bons e diligentes trabalhadores da vinha o prêmio da sua presença gloriosa, assinalando ser chegado o tempo de figurar a Terra entre os orbes regenerados.

Por haver Ele dito que aquela geração não passaria sem que houvesse visto o Filho do homem vir na sua glória, conclui-se que a mesma geração ainda revive na Terra, ao menos em parte, reencarnados muitos dos Espíritos que a compunham. Os novos vinhateiros, portanto, são ainda os mesmos e, assim, a parábola, dita com relação a eles, também a nós se aplica. Ora, as circunstâncias em que nos vemos são tais, que não podemos alimentar dúvidas quanto ao que nos espera, se não cuidarmos devotadamente da vinha do Senhor. Outro não virá a ser o nosso destino, senão o de nos vermos compelidos a encarnações em planetas inferiores à Terra na atualidade, depois de passarmos pelos tormentos e angústias de acerbos remorsos, na erraticidade, caso não tratemos de aceitar solícitos o auxílio que nos trazem os emissários do nosso Senhor e Mestre e de empregar os maiores esforços por libertar-nos de todos os vícios e paixões, que são os nossos únicos inimigos, para praticarmos, sobretudo pelo exemplo, a moral que Ele personifica.

Perseverando nesses esforços e multiplicando-os cada vez mais, é que devemos aguardar, e para ela concorrer, a transformação do nosso mundo, a sua elevação da condição em que ainda se encontra, de mundo material, para a de mundo fluídico, transformação que se operará, não de um momento para outro, porém pouco a pouco, gradativamente, através de fases assinaladas por esses fenômenos a que chamamos calamidades, flagelos. À medida que ela se for operando, os maus vinhateiros irão sendo expulsos e, completada que esteja, o Senhor, o dono da vinha implantará em todos os corações o seu reino. O Senhor é Deus, que reina nos corações puros.

Continuação da parábola da vinha e dos vinhateiros. Jesus pedra angular

(Mateus, 21:42-46; Lucas, 20:17-19)

10. Nunca lestes esta passagem da Escritura: “A pedra que os que edificavam rejeitaram se tornou a pedra principal do ângulo. 11. Foi o Senhor quem fez isso, que os nossos olhos contemplam maravilhados”? 12. Eles procuravam meio de prendê-lo, pois perceberam que a eles se referia Jesus nessa parábola, mas, como temessem o povo, lá o deixaram e se retiraram.

Jesus personifica a moral, a lei de amor que pregou aos homens, pela palavra e pelo exemplo; personifica a doutrina que ensinou e que, só? O véu da letra é a fórmula das verdades eternas, doutrina que, como Ele próprio o disse, não é sua, mas daquele que o enviou. Ele é a pedra angular. Os que rejeitam a pedra que se lhes oferece, para a construção do edifício que os há de abrigar na eternidade, também rejeitam a pedra angular, a que os sustentará. Contra ela se despedaçarão.

Os Judeus repeliram a Jesus, o enviado, o ungido do Senhor. Despedaçaram-se de encontro a essa pedra, que havia e há de resistir aos séculos dos séculos. Não a rejeitemos, por nossa vez, porque a mesma sorte nos aguardará.

O Espiritismo não é a personificação do Cristo; é, porém, a expressão do seu pensamento, a continuação e a conclusão da sua obra. Tendo soado a hora em que o reinado do espírito que vivifica substituirá o da letra que mata, Jesus, depois de ter vindo entre os homens, lhes envia o Espírito da Verdade, por intermédio dos Espíritos do Senhor, missionários errantes e encarnados. Ele nos envia e enviará sucessivamente os servos do Pai de família.

Não nos choquemos contra essa pedra fundamental do edifício da nossa felicidade eterna.

Novos vinhateiros, quem quer que sejamos: judeus, gentios, cristãos, espíritas, a vinha que nos foi arrendada é toda a Humanidade. Façamo-la produzir frutos que, em cada nova estação, entreguemos aos servos que o Senhor nos mandará, com o encargo de recebê-los.

O mandamento prescreve que nos amemos uns aos outros. Ensinemos pela palavra e pelo exemplo aos nossos irmãos que no progresso coletivo se encontra a condição do progresso pessoal de cada um. Trabalhemos pela união fraternal de todos os homens, por congregá-los em torno da bandeira cujo lema é amor e caridade”.

Agitemos, por sobre as nossas cabeças, o facho da luz espírita, a fim de que ela esclareça a Humanidade, acerca de suas origens, de seus fins, de seus destinos. Propaguemos, pela palavra e pelo exemplo, a lei de amor, os meios e os modos de praticá-la, material, moral e intelectualmente. Preparemos, dessa maneira, o advento do espírito e a vinda dos tempos preditos e prometidos em que, desprezando todos os mandamentos humanos, para somente obedecer aos mandamentos de Deus que, conforme o proclamou o seu Cristo, encerram toda a lei e os profetas, os homens serão adoradores do Pai em espírito e verdade; dos tempos em que, sendo todos um, pela comunhão dos pensamentos, dos corações e dos atos, todos se reunirão em nome de Jesus, que então estará entre todos, para praticar a adoração do Criador, pela prece e pela instrução em comum, sob a presidência do mais digno, do de maior mérito, em virtude do seu adiantamento moral e intelectual, o qual será designado por voto unânime, visto que então o Espírito Santo se achará com os que o escolherem, todos verdadeiros membros da Igreja do Cristo.

Deus e César

(Mateus, 22:15-22; Lucas, 20:20-26)

13. Querendo surpreendê-lo em falta por alguma de suas palavras, mandaram ter com ele alguns fariseus e herodianos, 14, que lhe disseram: Mestre, sabemos que és sincero e veraz e que não te dá de quem quer que seja, porquanto não te preocupas com a qualidade das pessoas, mas que ensinas o caminho de Deus pela verdade. É lícito paguemos o tributo a César, ou não lho devemos pagar? 15. Jesus, reconhecendo-lhes a hipocrisia, disse: Por que me tentais? Deixai-me ver um denário. 16. Deram-lhe a moeda e ele perguntou: De quem são esta Imagem e esta inscrição? Responderam eles: De César. 17. Disse então Jesus: Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Todos ficaram tomados de admiração.

Estas palavras de Jesus, mau grado a tudo que se tenha dito, provam que Ele não viera pregar a subversão social, mas apenas o progresso moral. O respeito às leis humanas é para o homem um dever e, muitas vezes, uma provação. Aplique-se ele, portanto, pelo seu proceder, a abrandar, modificar, suavizar as que tanto lhe pesam.

Se aquelas leis, ou algumas delas, parecem, ou são, de fato, injustas, iníquas, arbitrárias, só de nós mesmos nos devemos queixar, por isso que tais leis existem unicamente por não querermos caminhar todos pelo caminho reto que nos traça a lei divina do amor, por nos obstinarmos em não cumprir o preceito de não fazermos aos outros o que não queiramos que nos façam. Destarte, bem se vê que não serão as revoluções, nem o derribamento de tronos, nem os derramamentos de sangue, nem as crueldades ainda de tão corrente uso, que nos hão de outorgar a liberdade e de tornar menos áspero o viver terreno. A liberdade nasce do cumprimento do dever, da pureza do coração, do amor e da caridade, que implicam a justiça, o respeito a si mesmo e aos outros.

O abrandamento das leis depende, pois, exclusivamente, da conduta dos homens. Trabalhe cada um pela sua própria reforma e o pesado jugo que elas impõem se quebrará por si mesmo e as reformas sociais se operarão sem abalos, suavemente.

Se já compreendêssemos bem as coisas, a obra de redenção não seria deferida para amanhã, como ainda o é. Julgando-se muito esclarecidos, os homens permanecem cegos! Ë assim que ainda fazem correr sangue, para fertilizar a Terra; que desencadeiam a guerra, para obterem a paz; que ateiam o incêndio, para construir. Cegos, eles ainda não conseguiram divisar o verdadeiro caminho; surdos, ainda não lograram atender aos seus interesses reais. E tão orgulhosos são, no entanto, do seu saber!

As palavras: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, ditas principalmente para o futuro, ainda não foram compreendidas e, menos ainda, bem praticadas. Só o serão, quando todos, inclusive César, derem a Deus o que é de Deus, pela prática do duplo amor ao mesmo Deus e ao próximo, o que envolve a da fraternidade, da qual, exclusivamente, resultarão a igualdade e a liberdade, na paz, na ordem e na hierarquia, baseada esta tão só no grau de pureza moral adquirida.

Se compreendidas aquelas palavras houvessem sido, não existiria jamais o poder temporal do papa, não haveria “príncipes da Igreja”, nem a história registraria os conflitos, muitas vezes cruentos, em que tanto se empenharam esses príncipes com os da Terra. Tampouco, as discórdias, o ódio, a guerra teriam devastado os filhos do Senhor.

A Igreja, que devia pregar pelo exemplo a tolerância, a justiça, a caridade, o amor, a fraternidade, a humildade, o desinteresse, teria sabido viver sempre em harmonia com César e teria feito que a Vinha do Senhor desse os abundantes frutos que devia dar pelo cultivo daquelas virtudes, que ela, ao contrário, desprezou e conspurcou.

Saduceus. Ressurreição. Imortalidade da alma. Sua sobrevivência ao corpo. Sua individualidade após a morte

(Mateus, 22:23-33; Lucas, 20:27-40)

18. Vieram depois ter com ele alguns saduceus, que dizem não haver ressurreição, e lhe perguntaram: 19. Mestre, Moisés nos deixou escrito que, se morrer algum homem deixando a esposa sem filhos, o irmão do morto case com a viúva e dê sucessão àquele. 20. Ora, havia sete irmãos: o primeiro casou e morreu sem deixar filhos. 21. O segundo casou com a viúva do irmão e também morreu sem deixar filho, sucedendo o mesmo ao terceiro. 22. E assim, sucessivamente, os sete a tiveram por esposa e nenhum deixou descendência. Por último, também a mulher morreu. 23. Ao tempo da ressurreição, quando todos ressuscitarem, de qual deles será ela mulher, uma vez que os sete a tiveram por esposa? 24. Respondeu Jesus: Não vedes que errais, por não compreenderdes as Escrituras nem o poder de Deus? 25. Porque, ao ressuscitarem dentre os mortos, nem os homens terão mulheres, nem as mulheres maridos: umas e outros serão como os anjos nos céus. 26. Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes no livro de Moisés o que Deus lhe disse na sarça: “EU sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob?” 27. Ora, Deus não o é dos mortos, mas dos vivos. Estais, pois, em grande erro.

A ressurreição é a volta definitiva do Espírito à sua pátria eterna. Verifica-se, quando ele chega a tal grau de elevação, que não mais se vê obrigado a habitar mundos onde a reencarnação se opera segundo as leis de reprodução, como ainda se dá na Terra. Aquele, que haja transposto essa fase de encarnações materiais, não mais pode morrer.

Quando o Espírito, que chegou à condição de habitar os mundos superiores, se afasta daquele onde estiver habitando e retorna à vida espírita, o que então se verifica é apenas uma mudança de condição; já não se dá a morte no sentido humano em que Jesus falava e como ainda agora se entende na Terra. Se esse mesmo Espírito tem que fazer aparição num planeta inferior, qual o nosso, surge aí por incorporação fluídica, conforme se deu com o Mestre, que, portanto, não sofreu. “morte”, no significado que essa palavra tem entre nós.

As expressões os anjos nos céus se assemelharão, se igualarão os mortos, uma vez ressuscitados, e os homens, uma vez julgados dignos de participar da “ressurreição dos mortos”, uma vez que se tenham tornado “filhos da ressurreição”, “filhos de Deus”, indicam não só os bons Espíritos, que galgaram as condições elevadas de que acabamos de falar, como os puros Espíritos.

Por si mesmas se explicam estas palavras, que Jesus dirigiu aos Saduceus, com referência à ressurreição dos mortos: “Não lestes, no livro de Moisés, o que Deus lhe disse na sarça: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob? Ora, Deus não o é dos mortos, mas dos vivos. Fazendo que um Espírito superior dissesse a Moisés: “Eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob”, mostrou o Senhor onipotente que Abraão, Isaac e Jacob existiam, estavam vivos e não mortos. Assim, por aquelas palavras dirigidas a Moisés, Deus proclamara e Jesus, lembrando-as, proclamava de novo aos Saduceus, aos discípulos e a todos os homens a sobrevivência da alma, sua imortalidade e sua individualidade, após a morte do corpo; proclamava a vida permanente e imortal dos Espíritos, que todos vivem, quer no estado corporal, quer no estado espírita, sob as vistas do Pai.

O Mestre preparava desse modo as gerações futuras a compreenderem que a vida espírita é a vida primordial e normal do Espírito; que o que chamamos “morte” não é mais do que a cessação, para o Espírito, de um exílio temporário, cujo termo chega quando o mesmo Espírito se despoja do corpo material que, para ele, não passa de uma vestidura de provações, de expiação, de progresso, vestidura que apenas determina uma modificação temporária na sua vida normal. De um modo como de outro, o Espírito vive sempre sob as vistas de Deus, pois que a morte mais não é do que um passo mediante o qual ele volta da vida corpórea à vida espírita.

Os Saduceus eram os materialistas da época. Consideravam Deus como o arquiteto que construiu o edifício: o homem como a pedra que a ação do tempo reduz a pó.

Não observamos na atualidade análogas inconsequências? Homens que admitem a crença em Deus e negam a existência da alma e sua imortalidade?

Com relação às palavras que, segundo o Êxodo, capítulo 3, versículo 6), Deus disse a Moisés: “Eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob”, há a observar que Deus, conforme já temos ponderado, não se comunica diretamente com os homens. O que houve, no caso, foi uma manifestação espírita. Aliás, não se diz que Moisés viu a Deus, mas que o ouviu. O Espírito superior, incumbido da manifestação, tomou uma forma luminosa, não uma forma humana, e produziu uma luz deslumbrante.

Moisés era médium de efeitos físicos, audiente e vidente. Ainda quando, porém, não o fosse, as coisas necessariamente se teriam passado da mesma forma. O Espírito superior, que chegou à perfeição, que se tornou puro Espírito, é senhor da natureza e de todos os fluídos, deles dispondo à sua vontade, de acordo com as necessidades e as circunstâncias. Foi com o auxílio de fluídos, de fluídos sônicos e outros, que aquele Espírito superior realizou a manifestação. Reunindo-os e concentrando-os, assimilando seu perispírito às regiões terrenas, ele produziu o som da palavra humana, articulada e uma luminosidade ofuscante, com a aparência de fogueira, dando lugar aos fenômenos de que trata o Êxodo, capítulo 19, versículos de 16 a 19, e capítulo 20, versículo 19, fenômenos apropriados a causar forte impressão no povo hebreu, que ainda muito tempo teria que ser conduzido pelo terror, pois outra maneira não havia de fazê-lo observar a lei, o Decálogo, transmitido a Moisés no monte Sinai.

Essas manifestações, como todas as que vêm referidas no Antigo e no Novo Testamento, foram qualificadas de “milagres”, porque, não tendo e não podendo ter conhecimento das causas de que derivavam, nem das leis que as regiam, a inteligência humana daquela época não lograva explicá-las. Hoje, têm que ser reconhecidas e aceitas como simples fenômenos espíritas, de natureza física, como fatos naturais, conseguintemente, por todos os que estudam a ciência espírita e experimentam no campo da sua fenomenologia.

Segue-se daí, e disso precisa o sacerdócio romano convencer-Se definitivamente, que, se o povo hebreu só pelo terror podia ser levado a crer em Deus, atualmente assim não é. Para que o povo tenha a crença no verdadeiro Deus, no Deus de amor, de justiça e de misericórdia, que Nosso Senhor Jesus Cristo revelou à Humanidade, basta que sacerdotes inteligentes e moralizados lhe ensinem e façam compreender o Evangelho em espírito e verdade, imitando por suas obras e exemplos o manso Cordeiro de Deus.

Amor de Deus e do próximo

28. Então, um dos doutores da lei, que ouvira a discussão e vira quão bem Jesus respondera aos saduceus, se aproximou e lhe perguntou: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? 29. Respondeu Jesus: O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel: o Senhor teu Deus é o único Deus. 30. E amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração de toda a tua alma, de todo o teu entendimento, de todas as tuas forças. Este o primeiro mandamento. 31. O segundo, semelhante ao primeiro, é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes. 32. Disse-lhe então o doutor da lei: Na verdade, Mestre, disseste bem que Deus é um só, que nenhum outro há além dele; 33, e que o amá-lo de todo o coração, de todo o entendimento, de toda a alma e com todas as forças, e bem assim o amar o próximo como a si mesmo é coisa de maior valia do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios. 34. Vendo Jesus que o escriba replicara sabiamente, disse-lhe: Não estás longe do reino de Deus. E desde então ninguém mais se atreveu a lhe fazer perguntas.

Amemos o Senhor nosso Deus acima de todas as coisas: a Ele, origem e vida de tudo o que é, a Ele o pai bondoso e justo de tudo o que vive, o juiz reto de todas as nossas ações.

Amemos o Senhor nosso Deus acima de tudo, porquanto nesse amor hauriremos forças para cumprir todos os nossos deveres, para adquirir todas as virtudes. O amor de Deus é a força da alma, a quem Ele deu a esperança da vida eterna. É esse amor que nos aquece os corações, engendra a fé e produz a caridade.

Amemos o nosso próximo como a nós mesmos, porquanto, se não possuirmos o sentimento grandioso da fraternidade, não praticaremos os atos a que ele dá lugar, seremos ramos secos.

Do amor a Deus nascem a submissão, a resignação, a esperança. Praticá-lo consiste em obedecer às leis divinas. Do amor ao próximo, como a nós mesmos, nasce a caridade, sem a qual não faremos boas obras.

A caridade está no socorro que devemos prestar aos nossos irmãos pela nossa inteligência, pelo nosso coração, pela nossa mão direita, deixando esta à outra na ignorância do que fez.

Precisamos ser brandos e humildes, para sermos caridosos, pois que o orgulho afastará de nós o “pobre”, tornando-lhe penoso, qualquer que seja a Sua pobreza, o auxílio material, moral ou intelectual, que lhe dispensamos.

Sejamos brandos e humildes, para sermos caridosos, pois que a brandura e a humildade atraem os mais inacessíveis, animam os mais tímidos, consolam os mais aflitos, purificam os mais gangrenosos. Não sejam, porém, somente dos lábios a nossa brandura e a nossa humildade, porque então já não seremos caridosos.

Nesses dois mandamentos se contém toda a lei e os profetas, disse Jesus. Praticando-os, material, como intelectual e moralmente, somos levados ao cumprimento de todos os nossos deveres no seio da grande família humana, debaixo de todos os pontos de vista, social, familiar e individual.

Replicando, por estas palavras, à resposta do doutor da lei: “Não estás longe do reino de Deus”, o divino Mestre sancionou expressamente aquela resposta, em que se proclama coisa de muito maior valia do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios, do que todas as fórmulas e todos os cultos, a doutrina que se consubstancia no amor a Deus e ao próximo; que ensina a adoração do Pai em espírito e verdade, isto é, no altar do coração, pela prática daquele duplo amor; que demonstra ser essa a única religião verdadeira, a religião de Deus, a religião universal, que há de levar o gênero humano à unidade e, pois, à realização de seus destinos, pela solidariedade na fraternidade.

Citando estas palavras do Deuteronômio, capítulo 6, versículo 4: “Ouve, Israel: o Senhor teu Deus é o Único Deus” e dizendo ao doutor da lei: Respondeste sabiamente e: não estás longe do reino de Deus, Jesus sancionava o que o doutor acabara de dizer, isto é, que “na verdade, não há senão um só Deus, que outro não há além dele”.

Desse modo recusava, se eximia de toda divindade como Cristo, proclamando, para base do Cristianismo, que Deus é uno, indivisível, conforme já o proclamara Moisés para Israel.

Sim, Jesus nunca pretendeu divinizar-se. Por nenhuma de suas palavras jamais conferiu a si mesmo o titulo de Deus, ao passo que muitas vezes elas se referem a um Deus único, como, por exemplo, quando declarou que seu Pai era maior do que Ele; quando se dirigiu a Deus, por estas últimas e solenes palavras, proferidas pouco antes da hora do sacrifício: “A vida eterna, porém, consiste em que eles conheçam por único Deus verdadeiro a ti, meu Pai, e a Jesus Cristo, que tu enviaste”. (JOÃO, capítulo 17, versículo 3). Consultem-se também: Deuteronômio, capítulo 6, versículo 4. Isaías, capítulo 42, versículo 1. MARCOS, capítulo 12, versículo 29. 1ª Epístola aos Coríntios, capítulo 8, versículos 4 ao 6.

O Cristo, Senhor de Davi

(Mateus, 22:41-46; Lucas, 20:41-44)

35. Ensinando no templo, disse Jesus: Como dizem os escribas que o Cristo é filho de Davi? 36. Pois o próprio Davi não disse, inspirado pelo Espírito Santo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu reduza teus inimigos a escabelo de teus pés? 37. Ora, se Davi lhe chama seu Senhor, como é ele seu filho? Grande multidão se comprazia em ouvi-lo.

Fazendo essa observação, tinha Jesus por fim: 1) dar a ver que nenhum laço carnal o unia a Davi, nem, portanto, à sua descendência; que não pertencia à Humanidade; 2) mostrar a distância que havia entre o Espírito de Davi e o do Cristo de Deus.

Quaisquer que fossem a humildade, a doçura, o desprendimento de Jesus, não devemos esquecer a sua origem. Ele é o filho de Deus, não como sendo o próprio Deus, mas, como uma das suas criaturas, filho do Altíssimo, filho de Deus e irmão dos homens, como qualquer Espírito criado. É nosso irmão, porém, puro Espírito, Espírito de pureza perfeita e imaculada e, como tal, nosso Senhor, nosso Mestre.

A questão que Ele propôs aos fariseus e à qual nenhum pôde responder, só a nova revelação a resolveria plenamente, porque só ela daria a conhecer, em espírito e verdade, a natureza e a origem do Cristo, sua missão, sua autoridade, seus poderes com relação ao nosso planeta e à Humanidade terrestre, o modo e as condições em que se verificou o seu aparecimento na Terra, para dar cumprimento à sua missão terrena.

Estas palavras alegóricas: “Disse o Senhor a meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu reduza todos os teus inimigos a te servirem de escabelo para os pés", isto é, até que se haja completado a obra de regeneração, diziam respeito, veladamente, à missão de Jesus que, com relação ao nosso planeta, ocupa a direita do Pai, por ser, como é, o encarregado do progresso da Terra, o Espírito que a protege e governa no tocante à depuração e à transformação física, moral e intelectual da sua Humanidade.

Orgulho e hipocrisia dos escribas e dos fariseus. Ouvi-los, mas, não os imitar

(Mateus, 23:1-7; Lucas, 20:45-47)

38. E lhes dizia, segundo o seu modo de ensinar: Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com amplas vestes e de ser saudados nas praças públicas; 39, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes; 40, que devoram as casas das viúvas a pretexto de longas orações. Com mais rigor serão eles julgados.

Em todos os tempos, houve sempre doutores que pregam e ensinam, mas não praticam a moral que preconizam. Aí está o escolho.

A semente que dessa forma lançam pode cair em bom terreno e produzir. Mas, também, amiúde se perde, porquanto o exemplo constitui o melhor ensinamento.

Poderá o discípulo que preparamos queixar-se da severidade dos costumes que lhe impomos, se a observar nos nossos? Se nos vir indulgente para com os outros deixará de compreender a indulgência? Se lhe fizermos ver como se pratica a caridade, não será mais pronto em se mostrar caridoso? Não amará seus irmãos, se com ele praticarmos o amor?

Não imitemos, pois, os escribas e fariseus orgulhosos. Tornemos, ao contrário, leve o peso aos nossos irmãos, mostrando-lhes, por nós mesmos, como pode ser carregado sem fadiga.

Lembremo-nos de que Jesus disse: “Observai e fazei o que vos disserem; porém, não os imiteis nas suas obras, porquanto o que dizem não fazem”. Referia-se aos escribas e fariseus, que pregavam e ensinavam sentados na cadeira de Moisés.

Se o Cristianismo e, sobretudo, o Catolicismo, não têm produzido os frutos evangélicos, que deviam produzir, é porque essas palavras do Mestre se tornaram frequentemente aplicáveis aos escribas e fariseus dos modernos tempos que, assentados na cadeira que Ele ocupou, pregam e ensinam, como os de outrora, o que não praticam. É sempre mais fácil falar do que obrar.

O óbolo da viúva

(Lucas, 21:1-4)

41. Tendo-se sentado defronte do gazofilácio (1), observava Jesus como o povo deitava aí o dinheiro. Muitos dos que eram ricos deitavam grandes quantias. 42. Veio, porém, uma viúva pobre que deitou apenas duas pequenas moedas, equivalentes a um quadrante (2). 43. Chamando então seus discípulos, Jesus lhes falou assim: Em verdade vos digo que esta pobre viúva mais deitou no gazofilácio do que todos os outros; 44. Porquanto, todos os outros deram do que lhes sobrava, ao passo que ela, da sua mesma indigência, deu tudo o que possuía, tudo o que tinha para seu sustento.

Estes versículos dispensam comentários. Facilmente compreensível é a lição que, por aquelas palavras, deu Jesus aos homens. Toda caridade é meritória, quando feita com desinteresse, sem orgulho, nem ostentação. Maior, porém, do que e do rico que dá do que tem em abundância, sem de nada se privar, é a dádiva daquele que dá o que lhe é indispensável a outro a quem falta o necessário. Esse mais adiantado se acha na via da caridade do coração. Daí vem que o óbolo da viúva e do pobre pesam mais na balança de Deus do que o ouro do rico.

(1) Espécie de mealheiro, ou arca, onde, no templo, se deitavam as ofertas. (2) Moeda do valor de cerca de um centavo.

SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book). 

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