Aparição do anjo a Zacarias. Predição do
nascimento de João. Mudez de Zacarias.
1.
Muitas pessoas tendo empreendido pôr em ordem a narração das coisas que entre
nós se realizaram 2, de acordo com o que transmitiram aqueles que, desde o
começo, as viram com seus próprios olhos e foram os ministros da palavra; 3,
pareceu-me, excelentíssimo Teófilo, conveniente, depois de me haver Informado
exatamente de como todas essas coisas se passaram desde o princípio,
escrever-te a narrativa de toda a série delas;.4, a fim de que conheças a
verdade acerca do que aquelas pessoas hão dito, o que tudo sabes 5. Havia, ao
tempo de Herodes, rei da Judeia, um sacerdote por nome Zacarias, da turma de
Abias; e sua mulher era da raça de Abraão e se chamava Isabel. 6. Ambos eram
justos aos olhos de Deus e obedeciam a todos os mandamentos e ordens do Senhor.
7. Não tinham filhos, por ser estéril Isabel e estarem os dois avançados em
anos. 8. Ora, desempenhando Zacarias suas funções de sacerdote perante Deus, na
vez da sua turma, 9, sucedeu que, tirada a sorte, conforme ao que se observava
entre os sacerdotes, lhe tocou entrar no templo do Senhor, para oferecer os
perfumes. 10. Enquanto a multidão, do lado de fora, orava, ao tempo que se
ofereciam os perfumes, 11, um anjo do Senhor apareceu a Zacarias,
conservando-se de pé & direita do altar dos perfumes. 12. Vendo-o, Zacarias
ficou todo perturbado e grande temor o assaltou. 13. Mas o anjo lhe disse: “Não
temas, Zacarias, porquanto a tua súplica foi ouvida e Isabel, tua mulher, terá
um filho, ao qual porás o nome de João. 14. Exultarás com isso de alegria e
muitos rejubilarão com o seu nascimento 15, pois que ele será grande aos olhos
do Senhor; não beberá vinho, nem bebida alguma que possa embriagar; será cheio
de um Espírito santo desde o seio materno. 16. Converterá muitos dos filhos de
Israel ao Senhor seu Deus; 17, e irá à sua frente, com o Espírito e a virtude
de Elias, para atrair os corações dos pais aos filhos e os incrédulos à
sabedoria dos justos, a fim de preparar para o Senhor um povo perfeito.” 18.
Zacarias disse ao anjo: “Como me certificarei disso, sendo já velho e estando
minha mulher em idade avançada?” 19. Respondendo, disse-lhe o anjo: “Sou
Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado para te falar e te dar esta
boa nova. 20. Desde agora vais ficar mudo e não poderás mais falar; até ao dia
em que estas coisas acontecerem, por não haveres crido nas minhas palavras, que
a seu tempo se cumprirão.” 21. O povo, à espera de Zacarias, se admirava de que
estivesse demorando tanto no templo. 22. Mas, quando ele saiu sem poder falar,
todos compreenderam que tivera alguma visão no templo, pois que lhes dava a
entender isso por sinais, e ficou mudo. 23. Passados os dias do seu ministério
sacerdotal, voltou Zacarias para sua casa. 24. Tempos depois, Isabel, sua
mulher, concebeu e se ocultou durante cinco meses, dizendo: 25. Esta a grava
que o Senhor me fez quando se dignou de tirar-me do opróbrio diante dos homens.
Os evangelistas eram, inconscientemente, médiuns, quer dizer; eram, por natureza, suscetíveis de receber impressões magnéticas, para a manifestação dos Espíritos.
Com efeito, voltando à vida
espiritual, entra a alma na posse integral de si mesma e seu perispírito
recobra, em toda a plenitude, a capacidade das percepções. Pode então,
manejando os fluídos, impressionar os entes humanos, influenciar-lhes os
órgãos, transmitir-lhes pensamentos. Dentre esses seres, mais aptos a receber
essa influenciação e a se constituírem instrumento da manifestação dos
Espíritos, são os médiuns.
Apenas daremos uma ideia
desse fenômeno, devendo recorrer às obras do Mestre os que desejem estudar e
compreender o que é a mediunidade e convencer-se de que só a Ciência espírita
nos dá o conhecimento completo de nossa alma, de todo o seu desenvolvimento e
recursos, quando fora da vida material; de que o Espiritismo é uma filosofia
racional, que nos mostra os modos por que se operam a nossa transformação e
regeneração; de que somente essa ciência, moral e positiva, pode, numa época,
qual a que atravessamos, de perturbações e transições, facultar-nos a luz
necessária, para compreendermos os ensinos e preceitos consagrados há vinte
séculos pelo sacrifício, no Gólgota, do maior dos heróis que a Humanidade já
conheceu.
Quanto ao nascimento de
João, como era preciso que este impressionasse o espírito público desde o seu
aparecimento na Terra, deu-se em circunstâncias particularíssimas, quais a de
já serem velhos os seus genitores e a da mudez temporária de seu pai. Importa,
porém, se atenda a que, se bem já Isabel estivesse avançada em anos, sua idade
não era tal que a impossibilitasse de conceber, de conformidade com as leis
naturais, o que, aliás, se depreende claramente das palavras que o anjo dirigiu
a Maria, falando de Isabel (versículo 6): ela, que é chamada estéril. Na sua
concepção, portanto, nenhum milagre houve, pois não se verificou a derrogação
de nenhuma lei natural.
Zacarias e Isabel, casados
desde longo tempo, muito se afligiam com o não terem filhos, por ser o fato
atribuído à esterilidade dela e constituir um opróbrio, aos olhos dos homens,
naqueles tempos, a condição de estéril na mulher. Ambos, por isso, rogavam com
fervor a Deus que lhes concedesse um filho. Como prêmio da submissão perfeita
com que os dois guardavam os mandamentos, edificando a todos pela sua exemplar
conduta moral, o Senhor, tendo soado a hora do aparecimento do Precursor,
permitiu que para Isabel findasse a prova de esterilidade e que ela concebesse,
a fim de que se desse o nascimento de João.
A mudez de Zacarias não se
pode nem se deve atribuir ao haver duvidado do acontecimento que se lhe
anunciava, visto que a inteligência foi outorgada ao homem para que ele
investigue, a fim de compreender o que lhe caia ao alcance do conhecimento.
Aquela mudez foi um fenômeno que se produziu como meio de maior atenção chamar
para a predição feita e de corroborá-la.
João fora Elias, o grande
profeta de que fala o livro Reis (capítulo 3, versículo 17) (1), e como tal era
tido pelos judeus. Precisamente porque o povo via em João a reaparição de
Elias, é que àquele, durante a sua missão, tantas interpelações a esse respeito
foram dirigidas. Veja-se acima o versículo 17: e irá à sua frente com o
Espírito e a virtude de Elias. Que é o que isto significa, senão que Elias
reencarnaria no corpo da criança que ia nascer de Isabel?
Não
beberá vinho, etc., (versículo 15). Os que se consagravam
ao serviço de Deus impunham-se uma vida especial de abstenções e privações e os
hebreus costumavam dedicar seus primogênitos ao Senhor. João ia ser um desses:
daí o que reza o versículo 15.
Desde
o seio materno, será cheio de um Espírito santo
(versículo 15). Depois de haver expiado suas faltas no espaço, na erraticidade,
por meio de sofrimentos e torturas morais proporcionados às mesmas faltas,
entra o Espírito na fase da reparação. Então, após haver verificado quais as
provas necessárias ao seu adiantamento, convencido de que só por meio delas
conseguirá avançar, cumprindo a lei absoluta e fatal do progresso, pede uma
encarnação em que passe por aquelas provas e essa encarnação lhe é concedida.
Ao aproximar-se, porém, o
momento de realizá-la, tais provas se lhe afiguram terríveis. É que tão fraco
ele se sente, em consequência do seu passado culposo, que duvida de suas forças
para suportá-las. Começam aí a sua perturbação e ansiedade, que cada vez mais
intensas se tornam, à medida que, com o desenvolvimento, no seio materno, do
invólucro que o há de revestir, o Espírito vai perdendo a lucidez.
Liga-se àquele invólucro,
desde o começo da concepção, por uma espécie de cordão fluídico que,
contraindo-se, o atrai gradativamente para a prisão em que se vai encerrar.
Verificado o nascimento, o
Espírito se acha completamente ligado ao corpo, do qual não mais pode
desembaraçar-se, a não ser pelo fenômeno a que se dá o nome de “morte”. Entra
então numa fase de sofrimentos, que se chamam provas.
Das angústias que
experimenta no início da encarnação, passa a um estado de torpor ocasionado
pelas constrições da matéria e que se prolonga até que, por efeito do
desenvolvimento desta, ele adquire relativa liberdade.
E isso se dá, tanto com o
Espírito ainda atrasado, como com o que já alcançou grau mais ou menos elevado
de depuração. Este, porém, como já pode apreciar a importância da obra que lhe
cumpre executar, significativa da confiança que lhe tem o Senhor, se enche de
alegria tão grande que o impede, por assim dizer, de sentir o jugo da matéria,
tornando-o como que liberto, independente dela.
Foi o que se deu com João
que, Espírito muito elevado, bem apreciava a grandeza da missão que o Senhor
lhe confiara e, possuído do ardente desejo de desempenhá-la fiel e dignamente,
atraía a si, para assisti-lo, os que lhe eram iguais em elevação e superiores e,
no convívio deles e por eles sustentados, não sofria o constrangimento da
matéria de que ia revestir-se. A grandiosidade da sua missão dá a medida da sua
grandeza espiritual. Daí o dizer o anjo a Zacarias que o menino que se geraria
em Isabel seria cheio de “um Espírito santo” (2), ou, como vulgarmente se lê
nas traduções do Evangelho, “cheio do Espírito Santo”, caso em que esta
expressão deve ser entendida como significando o conjunto ou um conjunto de
Espíritos puros, de Espíritos superiores, de Espíritos bons. Assim,
admitindo-se que o anjo tenha dito “cheio do Espírito Santo” o que quis
exprimir é que João seria assistido pela coorte ou por uma coorte de Espíritos
daquelas gradações, para inspirá-lo e guiá-lo, como o são todos os que,
encarnados, se fazem, pela sua altitude moral, dignos dessa assistência.
A aparição do anjo a
Zacarias, que era médium vidente e audiente, foi a manifestação de um Espírito
elevado ou superior, que tomou angélica figura, vestida de alvas roupagens,
banhada por uma luz cujo foco o esposo de Isabel não via, e dotada de asas,
como geralmente os hebreus representavam os anjos. Foi esse Espírito quem,
exercendo sobre Zacarias uma ação magneto espiritual, lhe produziu o
entorpecimento dos órgãos vocais de efeito análogo ao da paralisia desse órgão.
Nada há aí que surpreenda,
quando se sabe que o magnetizador humano, unicamente pela ação da sua vontade,
obtém efeitos idênticos e muitos outros mais. Assim sendo, ninguém, que estude,
observe e pratique o magnetismo, poderá ver na mudez de Zacarias um milagre, isto
é, um fato que se não possa atribuir a causas naturais que o expliquem. O de
que tratamos, tanto se explica desse modo, que o homem o pode reproduzir.
Justifica-se desta forma o que ensina o nosso querido Mestre quando diz que a
Ciência e a Religião são as duas alavancas do Espírito humano. Com uma, adquire
ele o conhecimento das leis que regem o mundo material, com a outra o das que
governam o mundo moral. Provindo ambas de um princípio único Deus —, elas não
podem contradizer-se. De sorte que a incompatibilidade que parece existir entre
as duas é apenas o resultado da falta de observação criteriosa e ponderada das
coisas e do exclusivismo extremo em que uma e outra se encastelaram,
exclusivismo que produz o conflito donde nascem a incredulidade e a intolerância.
Somos dos que não esquecem
que o Catolicismo foi a crença de nossos pais e que, inquestionavelmente,
frutos benéficos produziu. Mas, sendo a do progresso uma lei absoluta, com o
progredir do nosso Espírito, mediante o desenvolvimento de todas as suas
faculdades, não mais nos podemos conformar com as imposições da Igreja
Católica, com a decretação de seus dogmas, pelo processo do medo, do terror,
para ostentar predomínio e poderio, em completo antagonismo com a Ciência, que
a desmente todos os dias, quando a religião deverá apoiar-se na Ciência,
sobretudo numa época em que os ensinos do Cristo recebem o seu complemento, em
que começa a levantar-se o véu propositadamente lançado sobre eles, por atenção
às necessidades dos tempos em que foram ministrados. Assim, pois, como se há de
admitir que o Catolicismo vote ódio ao progresso e à civilização, conforme se
verifica pela leitura do último artigo do Syllabus, que reza: Anátema a quem
disser: o Pontífice Romano pode e deve reconciliar-se e harmonizar-se com o
progresso, o liberalismo e a civilização moderna?
Abramos a história dos
tempos antigos e veremos que outra não foi a atitude do sacerdócio hebreu para
com o Messias que, cumprindo a lei e os profetas, prescrevia a substituição do
ódio pelo amor e condenava todas as formalidades e inovações que desnaturaram
os mandamentos simples e santos do Decálogo.
Apreciemos o procedimento
dos escribas e fariseus e não nos admiraremos do que ocorre hoje é certo que já
se não aplicam os martírios e suplícios; injuria-se, porém, e procura-se lançar
o ridículo sobre os que se não conformam com os absurdos e os dogmas dos que
entenderam de monopolizar o entendimento da verdade.
O resultado de tudo isso é
que as multidões, em geral, caíram na indiferença. A fé religiosa se
enfraqueceu, por efeito do amontoado de erros e superstições que ocuparam o
lugar dos ensinamentos do Salvador; por efeito do espírito de dominação e
intolerância de onde nasceu a imposição de uma religião carente de bases
racionais. Daí o surto do materialismo que, com o seu Universo destituído de
razão, de justiça, de amor, de pensamento, de consciência, de alma, engendrou
uma ciência sem ideal. E é nessa conjuntura que os endurecidos e obstinados
ousam negar-se a toda e qualquer discussão, insistindo em fazer proselitismo
por meio de anátemas ao progresso, ao liberalismo e à civilização!
Iludem-se, porém, visto que
a lei do progresso, como já dissemos, é absoluta e fatal e se cumpre
indefectivelmente, tanto no plano moral, como no plano físico e no intelectual.
Chegaram os tempos de serem
completados os ensinos do Cristo; os tempos em que a Ciência deixará de ser
materialista, por se ver forçada a levar em conta o elemento espiritual; em que
a religião não mais poderá conservar-se estranha ao conhecimento das leis
naturais e imutáveis a que a matéria se acha submetida. Assim tem que ser, por
haver soado a hora em que Religião e Ciência, de antagonistas que ainda se
mostram, passarão a caminhar harmonicamente, prestando-se mútuo apoio. Daí
resultará adquirir a Religião o seu prestígio máximo e incontrastável, porque,
não mais recebendo desmentidos da Ciência, posta de acordo com a razão, já não
estará exposta aos golpes da irresistível lógica dos fatos.
Reconhecidas a legitimidade
e a autenticidade do Velho e do Novo Testamento, temos por base da nossa crença
os ensinos de Nosso Senhor Jesus Cristo, que baixou do Céu para prestigiar a
lei dada a Moisés. Trazendo ao mundo a graça e a verdade.
Ora, desde que podemos ter e
praticar esses ensinos, esclarecidos pela luz da razão, não há porque
prefiramos recebê-los deturpados por inovações humanas e impostos com a feição
que no-los queiram apresentar os que se proclamam inimigos do progresso e da
civilização, quando sabemos e sentimos que os vinte últimos séculos decorridos
nos prepararam para compreender a vida espiritual e para discernir da matéria,
que é a letra, a inteligência, que é o espírito.
(1) As edições da Bíblia
mais conhecidas no Brasil são as da Sociedade Bíblica Britânica, nas quais há
as seguintes diferenças em confronto com a católica aqui citada por Sayão:
1- Os livros católicos, 1 Reis
e 2 Reis, aparecem com os títulos de 1 Samuel e 2 Samuel, portanto os livros 3
Reis e 4 Reis católicos, equivalem a 1 Reis e 2 Reis protestantes.
2 - Os dois livros de
Crônicas da Bíblia protestante, chamam-se na católica Paralepômenos.
3 - Não aparecem nas edições
protestantes os seguintes livros canônicos católicos: Tobias, Judite,
Sabedoria, O Eclesiástico, Baruch, Macabeus 1e Macabeus 2.
(2) Em apoio desta forma na
linguagem do anjo, militam, entre outras, as seguintes razões que tomamos à
obra admirável de A. BELLEMARE Espírita e Cristão, na parte em que faz a
demonstração de que os termos dos livros sagrados não autorizam a concepção da
Trindade, conforme a instituiu a Igreja romana, dando o nome de Espírito Santo
a uma das pessoas da mesma Trindade.
Os primeiros cristãos, que
usavam com muita facilidade do qualificativo santo, como fazem certo as
Epístolas de Paulo, davam, de modo geral, o nome de Espírito Santo a todo
Espírito bom. Mais tarde, com o especializar-se o sentido geral em que era
usada, a expressão Espírito Santo passou a ser aplicada, em particular, ao
Espírito guardião ou Paracleto.
Mortos os apóstolos,
travadas as discussões filosóficas e teológicas que invadiram a Judeia como
todo o Oriente, perdida a tradição primitiva, a noção de que o Espírito Santo
era o Espírito guardião degenerou na do Espírito Santo como sendo a terceira
pessoa de Deus e o próprio Deus. Uma circunstância favoreceu esse erro: sabiam
os primeiros cristãos que os Espíritos eram os produtores dos fenômenos; mas,
ignorando em absoluto a existência do que a ciência moderna chamou “fluídos”, a
explicação dos fenômenos lhes escapava às inteligências, donde o atribuírem-nos
a uma causa sobrenatural. Da admissão da causa sobrenatural à divinização dessa
causa não havia mais que um passo.
Note-se ainda o seguinte:
das vinte vezes que os Evangelhos, nos textos originais, falam de Espírito
Santo, em seis apenas essas palavras vêm precedidas do artigo, isto é, em seis
apenas eles dizem o Espírito Santo. Em todos os outros casos, empregam-nas sem
o artigo. Ora, excluído o artigo, as palavras gregas que correspondem Aquelas
já não significam o Espírito Santo, mas sim Espírito Santo, ou um Espírito
Santo, porquanto, não intervindo o artigo para determinar o Espírito, em
sentido indeterminado é que se devem entender aquelas ‘duas palavras.
Assim, no versículo 15 do
capitulo 1 do Evangelho de LUCAS, o que está é: E ele (João Batista) será
grande diante do Senhor; não beberá vinho, nem bebida fermentada e será cheio
de um “Espírito Santo” desde o seio de sua mãe...
Desde muito antes, pois, do
aparecimento de Jesus na Terra, o que prova não poder tratar-se do Espírito
Santo, tal como o define o dogma, que somente exprimiria a realidade se se
apoiasse em palavras de Jesus Cristo, o único que poderia anunciá-lo, porém que
o não anunciara então, pela simples razão de que ainda não fizera sua aparição
entre os homens.
Mesmo, porém, nos casos em
que os Evangelhos usam a expressão Espírito Santo precedida do determinativo o,
fácil é de ver-se, pelas circunstâncias de lugar e tempo, que não se trata da
terceira pessoa da Santíssima Trindade, que ainda não fora dogmaticamente
instituída, mas, sempre, do Paracleto, do Espírito Guardião; ou, enfim, de um
Espírito bom, no sentido espírita.
Anunciação. Visita de Maria a Isabel.
Cântico de Maria. Cântico de Zacarias
26.
Estando Isabel no seu sexto mês de grávida, o anjo Gabriel foi enviado por Deus
a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, 27, a uma virgem, noiva de um varão
chamado José, da casa de Davi, e essa virgem se chamava Maria. 28. O anjo,
aproximando-se dela, lhe disse: “Eu te saúdo, Ó cheia de graça; o Senhor está
contigo; és bendita entre as mulheres.” 29. Ela, porém, ouvindo-o, se turbou do
seu falar e consigo mesma pensava no que significaria aquela saudação. 30. O
anjo lhe disse: “Nada temas, Maria; porquanto caíste em graça perante Deus. 31.
É assim que conceberás em teu seio e que de ti nascerá um filho ao qual darás o
nome de Jesus. 32. Ele será grande e será chamado o filho do Altíssimo; o
Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai, e ele reinará eternamente sobre
a casa de Jacó. 33. E seu reino não terá fim.” 34. Então disse Maria ao anjo:
“Como sucederá isso, se não conheço homem?” 35. O anjo lhe respondeu: “Um
Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua
sombra, e por isso o santo que nascerá de ti será chamado Filho de Deus. 36. E
eis que tua parenta Isabel concebeu na velhice um filho e está no sexto mês de
gravidez, ela que é chamada estéril. 37. É que nada será impossível a Deus.’ 38.
Então Maria disse: “Aqui está a serva do Senhor, faça-se em mim conforme as
tuas palavras.” E o anjo se afastou dela. 39. Ora, por aqueles dias, Maria,
levantando-se, tomou apressadamente a direção das montanhas, indo a uma cidade
de Judá. 40. E entrando na casa de Zacarias, saudou Isabel. 41. Sucedeu que, ao
ouvir Isabel a saudação de Maria, o menino lhe saltou no ventre e ela ficou
cheia dum Espírito Santo. 42. Exclamou então em altas vozes: “És bendita entre
todas as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre”. 43. E donde me vem a dita
de ser visitada pela mãe do meu Senhor? 44. Sim, que mal me chegaram aos
ouvidos as palavras com que me saudaste, meu filho saltou de alegria dentro de
mim. 45. Bem-aventurada tu que acreditaste, porquanto o que te foi dito da
parte do Senhor se cumprirá.” 46. Disse então Maria: “Minha alma glorifica o
Senhor; 47, e meu espírito se arrebata de alegria em Deus, meu salvador. 48.
Pois que Ele deu atenção à baixeza da sua escrava, eis que daqui por diante
todas as gerações me chamarão bem-aventurada; 49, porquanto, grandes coisas me
fez o Todo-Poderoso, cujo nome é santo; 50, e cuja misericórdia se espalha, de
idade em idade, por sobre os que o temem. 51. Manifestou a força do seu braço;
dispersou os que se elevaram cheios de orgulho nos seus pensamentos íntimos; 52,
derribou de seus tronos os poderosos e elevou os humildes; 53, cumulou de bens
os que estavam famintos e despediu os ricos com as mãos vazias; 54, recebeu a
Israel como seu servo, lembrando-se da sua misericórdia; 55, conforme o disse a
nossos pais, a Abraão e à sua posteridade na sucessão dos séculos.” 56. Maria
ficou em companhia de Isabel cerca de três meses; depois regressou à casa. 57.
Entrementes, chegou a época em que Isabel havia de parir e ela deu à luz um
filho. 58. Seus vizinhos e parentes, tendo sabido que o Senhor usara para com
ela de misericórdia, a felicitavam. 59. No oitavo dia, como trouxessem o menino
para a circuncisão, todos lhe chamavam Zacarias, dando-lhe o nome do pai. 60. A
mãe, porém, disse: “Não, ele se chamará João.” 61. Responderam-lhe: Não há na
vossa família quem tenha esse nome.” 62. E ao mesmo tempo perguntavam ao pai do
menino como queria que este se chamasse. 63. Zacarias pediu uma tabuinha e
escreveu: “João é o seu nome”; o que encheu de espanto a toda a gente. 64. No
mesmo instante se lhe abriu a boca, soltou-se-lhe a língua e ele entrou a falar
bendizendo de Deus. 65. Todos os que habitavam nas vizinhanças se encheram de
temor; e a notícia dessas maravilhas se espalhou por toda a região e montanhas
da Judeia; 66, e todos os que as ouviram narrar guardaram delas lembrança e
diziam entre si: “Quem pensais venha a ser um dia este menino?”pois que sobre
ele estava a mão do Senhor. 67. E Zacarias, seu pai, cheio dum Espírito Santo,
profetizou, dizendo: 68. “Bendito seja o Senhor Deus de Israel, por ter
visitado e resgatado o seu povo: 69, por nos ter suscitado um poderoso salvador
na casa do seu servo Davi. 70, conforme prometera pela boca de seus santos
profetas que existiram em todos os séculos passados: 71, para nos livrar dos
nossos inimigos e das mãos de todos os que nos odeiam; 72, para usar de
misericórdia com os nossos pais, lembrando-se da sua santa aliança, 73,
conforme jurara a Abraão nosso pai quando nos prometeu a graça. 74, de que,
livres dos nossos inimigos, o serviríamos sem temor, 75, na santidade e na
justiça em sua presença por todos os dias da nossa vida. 76. E tu, menino,
serás chamado profeta do Altíssimo; porquanto irás adiante do Senhor para lhe
preparar os caminhos, 77, para dar a seu povo o conhecimento da salvação pela
remissão dos seus pecados; 78, e pelas entranhas de misericórdia do nosso Deus,
graças às quais este Sol que vem do alto nos visitou, 79, para iluminar todos
aqueles que estão assentados nas trevas e nas sombras da morte e dirigir nossos
passos pelo caminho da paz.” 80. E o menino crescia e se fortificava no
espírito, permanecendo nos desertos até ao dia em que havia de aparecer diante
do povo de Israel.
Nada obstante, insistindo em
algumas observações já feitas quando tratamos da genealogia de Jesus, diremos
que, embora os materialistas se obstinem em revesti-lo de um invólucro de
carne, idêntico aos nossos, sem que cheguem jamais a imitá-lo, para nós
espíritas, aproximados dos deístas que lhe negam a divindade, Deus é uno, é o
único princípio imortal, a única potência criadora. Assim sendo, Jesus é, como
nós, seu filho, modelo divino que o Pai nos ofereceu, divino por ser, pela sua
pureza absoluta, a maior essência espiritual, relativamente à Terra, depois de
Deus, com quem se acha e sempre esteve em relação direta.
Ora, dada a sua condição de
Espírito de pureza perfeita e imaculada, não podia ele nascer e não nasceu de
homem, não entrando de forma alguma a matéria perecível no conjunto de suas
perfeições.
E note-se que, tomando a
aparente forma humana com que se apresentou entre os homens e de que se revestiu,
porque assim o exigia o desempenho da sua missão naquela época, nenhuma das
leis da Natureza foi derrogada, como não o foi em nenhum dos fatos por Ele
produzidos, que geralmente se denominam milagres, na suposição de que, assim
chamados, melhormente elevam o espírito dos crentes e lhes atraem os corações
para as maravilhas do seu poder e para os auxílios da sua bondade.
A ciência espírita explica
de modo satisfatório e racional o aparecimento de Jesus na Terra, sem ser pôr
meio de um nascimento humano. As leis de Deus são absolutas, imutáveis e
eternas. Jesus, portanto, não as podia preterir, nem lhes abrir exceções, para
deixar e tomar a vida, como fazia, aparecendo e desaparecendo, conforme o
declarou. (Evangelho de João, capítulo 10, versículo 18). Mas, se nesse caso,
Ele nenhuma lei natural preteria ou derrogava, como supor a necessidade da
preterição ou derrogação de alguma, para que pudesse aparecer na Terra, sem
nascer?
Considere-se, ao demais,
que, depois de crucificado, morto e sepultado, Jesus reapareceu com o mesmo
corpo que tinha antes, tanto assim que Tomé o apalpou. Ora, se Ele pôde
“reaparecer”, após a crucificação, sem haver nascido, por que não poderia
“aparecer” do mesmo modo, sem nascimento? Será porque o sacerdócio romano
proíbe se entenda o que dizem os Evangelhos e manda se creia de olhos fechados?
Só assim se compreende que, sendo esse “um mandamento do Pai”, não deva ser
entendido.
É inconcebível que a
inteligência, a razão, a lógica, o raciocínio, meios que Deus nos outorgou para
a compreensão de tudo, só não devam ser utilizados para a dos ensinamentos do
Divino Mestre, não obstante haver Ele dito que nada há que não deva ser
conhecido.
A verdade, entretanto, é que
a presença de Jesus entre os homens, de todas as vezes que se lhes manifestou
sob as aparências da corporeidade humana, foi uma aparição espírita tangível,
tão perfeita que dava a impressão de ser Ele um homem como os demais, conforme
o exigia a natureza da sua missão.
Considere-se ainda que, a
não admitirmos que Jesus não fosse um homem carnal, que o seu aparecimento na
Terra não se deu por nascimento humano, por encarnação material, teremos que
desprezar, negando-lhe qualquer vestígio de autenticidade, uma das mais belas e
grandiosas páginas do Evangelho, uma de suas passagens mais sublimes e
comovedoras: a da revelação, feita a Maria, cuja figura de rutilante beleza
espiritual então se apagaria logo, da missão altíssima para que o seu Espírito fosse
escolhido, a de que nela e por ela se ia cumprir o que pelos profetas vinha
sendo, desde longo tempo, predito aos homens, como anúncio da mais portentosa
manifestação do amor de Deus para com seus filhos.
E, posto de lado esse laço
fundamental da narrativa da epopeia messiânica, a todos está aberta a porta e
facultado o direito de desprezarem estas e aquelas passagens, estes e aqueles
pontos dos Evangelhos, para só aceitarem, comodamente, os que lhes agradem, ou
convenham.
Mas, depois, que valor lhes
restará? E, por que havemos de transformá-lo num corpo desarticulado, cujas
partes componentes não mais se poderão ajustar, quando, pela revelação de que o
Cristo desceu à Terra em Espírito, apenas revestido de um corpo de natureza
perispirítica, de um corpo celeste, segundo a expressão de Paulo, único
compatível com a condição celestial que lhe era própria, desaparecem todas as
obscuridades das letras evangélicas e o Evangelho se nos patenteia qual
maravilhoso e cristalino monólito, a refletir, em todos os seus infinitos e
deslumbrantes matizes, a luz do mundo Jesus?
A razão não pode hesitar na
escolha, a menos que esteja obliterada pelas ideias preconcebidas, pelas
sugestões dos invisíveis inimigos da Verdade, ou pelas paixões sectaristas.
SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas.
FEB (e-book).
Nenhum comentário:
Postar um comentário