Chico, diálogos e recordações – A coroa da vida

Gentilmente convidada, a União Espírita Mineira se fez presente na segunda “Semana Espírita Chico Xavier”, organizada pela Aliança Municipal Espírita de Pedro Leopoldo. Esse encontro o objetivou oferecer um preito de amor e gratidão ao lídimo representante da Doutrina Espírita, ao “Mineiro do Século” e ilustre filho da cidade, Francisco Cândido Xavier.

Dentre os integrantes da comitiva, que representou a União Espírita Mineira no encontro, destaca-se a presença de sua Diretoria e a figura singular de seu membro e conselheiro Arnaldo Rocha, o amigo íntimo de Chico Xavier que, com sua presença, tornou a visita à saudosa Pedro Leopoldo algo inesquecível.

– Arnaldo, como é a emoção de retornar a Pedro Leopoldo, berço da simplicidade da família de Chico Xavier? – perguntei, iniciando nossa conversa.

– Meu filho, a emoção é muito grande – respondeu saudoso. A primeira vez que vim a Pedro Leopoldo foi a convite do próprio Chico. Recordo-me, como se fosse hoje, que era um fim de tarde de outono quando descemos na estação de trem. O pôr do sol estava belíssimo: céu azul, muito claro e com as nuvens pintadas de rosa pelos raios dourados do sol poente. Envolvido por aquele espetáculo da natureza, voltei-me para nossa Alma Querida e lhe disse que as nuvens, para mim, pareciam estar formando uma coroa. Em seguida, olhei para o Chico que, enquanto observava aquele cenário majestoso, completou o meu pensamento com uma pequena frase que só mais tarde pude compreender: “É a coroa da vida”.

Mais tarde, quando chegamos à casa de Luíza, irmã de Chico, fiquei impressionado com a recepção carinhosa e fraterna de seus familiares, especialmente naquele dia. Suas irmãs Dora, Cidália e Lucília estavam eufóricas. Tomamos leite queimado na panela, onde fora feito, anteriormente, o famoso angu da família. Comemos ainda bolo de fubá e pão de queijo, comidas típicas de Minas Gerais. À noite, quando fomos passear pelas ruas da cidade, Chico confidenciou-me uma passagem que me surpreendeu: “Naldinho, não repare não. Essa alegria contagiante é fruto de um passado distante. Pelo menos em duas ocasiões, você foi pai de minhas atuais irmãs. Os Benfeitores Espirituais se reportam aos séculos XVI e XIX, em um país peninsular. E a Coroa da Vida, meu filho, que nos reúne sempre sob o império do amor”.

– Arnaldo, no momento em que você chegou ao Luiz Gonzaga, pude perceber algumas lágrimas furtivas a lhe escorrerem pela face, com certeza fruto das suas lembranças dos tempos vividos aqui. Você poderia contar-nos mais alguma dessas histórias?

– As construções e as pessoas daqui despertam reminiscências de muito valor para o meu pequeno coração. Olhar o Centro Espírita Luiz Gonzaga me fez recordar, a princípio, dois diletos amigos: Rômulo Joviano, antigo diretor da Fazenda Modelo, portanto chefe de Francisco Cândido Xavier, e de Lindolfo Ferreira, cunhado de Chico. Num determinado dia, quando estávamos construindo a nova sede, o Chico e eu presenciamos uma acalorada discussão entre esses dois confrades. Quando eles perceberam a presença de Chico, ficaram envergonhados e cessaram o embate. Naquele instante, Chico lhes disse fraternalmente: “A discussão não é para destruir. Pelo contrário, deverá ser para construir o templo da fé”. Posteriormente, Chico me confidenciou: “Eles estão revivendo os tristes momentos da invasão de Tito em Jerusalém, quando os soldados romanos destruíram o grande templo dos judeus. O Rômulo, nesse episódio, era o senador Pompílio Crasso, amigo de Públio Lentulus; já o Lindolfo envergava a personalidade do judeu André de Gioras. Essa história – completou Chico – foi narrada por nosso querido Emmanuel no livro Há dois Mil Anos”.


Na época da construção dessa casa abençoada, vivíamos instantes marcantes no Grupo Meimei. Época das inesquecíveis reuniões de materializações luminosas, com o médium Peixotinho, nas quais conversamos com os espíritos Scheilla e Joseph Gleber. Vislumbramos, também, o Espírito José Grosso sair da parede e responder a uma pergunta inesquecível: “José Grosso, como foi isso?”. “Sei lá – respondeu ele –. Emmanuel mandou e eu fiz” (risos de todos os presentes).

Já nas reuniões de materialização, realizadas na casa de André, irmão de Chico, este nosso amigo era o médium doador.


Centro Espírita Luiz Gonzaga. Pedro Leopoldo, MG. Foto do livro "O Espiritismo no Brasil (Ecos de uma viagem)" 2° volume, de Isidoro Duarte Santos, datadas de 3 de junho de 1955.

Não posso deixar de mencionar as materializações de Nina Ameira, de Meimei, de minha mãe, e a fantástica materialização de Emmanuel, de cujo episódio, aliás, gosto de citar um aspecto científico da manifestação espiritual: como todo mundo sabe, o Chico era um homem baixo, mas, no momento do transe, uma luz começou a projetar um vulto luminoso de um homem de mais ou menos uns um metro e oitenta centímetros de altura, de compleição atlética, bonito, com voz enérgica e doce ao mesmo tempo, a portar uma tocha incandescente na mão. Era Emmanuel. Porém, foi nesse mesmo dia que o Senador proibiu essa categoria de fenômeno, pois, segundo ele nos informou, o compromisso do médium (Chico) era materializar o livro. Você não imagina como Chico ficava desgastado depois dessas sessões! Sua roupa ficava ensopada e sua fisionomia apresentava uma palidez cadavérica. Cheguei a ombrear os passos de Chico até sua casa, tamanho o seu cansaço.

Centro Espírita Luiz Gonzaga. Pedro Leopoldo, MG. Foto atualizada.

Aproveitando os aspectos nostálgicos da conversa, continuamos com as perguntas:

– Arnaldo Rocha, qual era a postura do médium depois de tais acontecimentos, realizados através de sua mediunidade evangelizada?

– O que mais impressionava em Chico não era propriamente o fenômeno, rico em qualidade e autenticidade científica, mas a sua simplicidade e naturalidade no trato com o mundo espiritual.

Citarei uma situação muito especial, vivida pela família de Chico e da qual eu fui testemunha: o desencarne de sua irmã Neuza. Um mês antes dela partir, Chico reuniu os irmãos e narrou seu encontro, no plano espiritual, com Maria João de Deus, sua mãe, e Dona Cidália, sua madrasta. Elas afirmaram que alguém da família iria desencarnar. Foi um espanto geral, pois ninguém estava doente. Após alguns dias, quando a família já havia se esquecido daquela conversa, Chico pediu às irmãs que convidassem Neuza para um passeio a Pedro Leopoldo. Naquela época, ela morava na cidade de Sete Lagoas, mas, mesmo assim, atendeu ao convite recebido. Qual não foi a surpresa dos irmãos quando, uma semana depois de sua chegada, Neuza adoece. Muitas foram as dificuldades nas semanas posteriores, que perduraram até à noite que antecedeu o desencarne. Chico reuniu-nos – Lucília e seu marido Pacheco, e eu – em torno da cama de Neuza para lhe aplicarmos o passe magnético. Apagamos a luz e iniciamos a prece. Logo em seguida, comecei a sentir alguma coisa suave e úmida caindo sobre meus braços. Achei estranho, mas continuei em prece e no passe. Quando terminamos, acendemos a luz e o susto foi enorme, pois todo o quarto estava repleto de pétalas de rosas de variadas cores. O mais interessante é que todas as pétalas estavam envolvidas pelo orvalho da noite. Lembro-me, ainda, de Neuza dizendo, com lágrimas nos olhos: “Eu vi as flores caindo da luz centrada no teto”. Todos nós procuramos Chico em busca de explicações e ele, como sempre fazia, esquivou-se, dizendo: “Agradeçamos o amor de Deus, pois não merecemos tantos presentes”. Na manhã seguinte, nossa companheira partiu para o reino “das rosas” nos céus. Não me esquecerei jamais de partilhar das lágrimas do Chico, narrando para mim como foi o despreendimento da sua irmã e da presença das inesquecíveis mães espirituais.

Sabe, o que eu posso salientar, depois de tantos anos de reflexão, é que a alma cândida de Chico sempre esteve acima do médium Francisco Cândido Xavier, fiel instrumento dos Espíritos. Ele foi uma mãe para suas irmãs, na falta de Cidália Batista. Era confidente, orientador e colo nos momentos de aflição. Foi o filho da ternura de seu pai. Mas esteve presente, também, na alegria em família. Amigo dos homens e irmão dos que sofrem. Este foi, e sempre será, o amigo que modificou o meu errante coração.

Depois da conversa em frente ao Centro Espírita Luiz Gonzaga, adentramos a residência de Lucília, irmã de Chico – filha do segundo casamento do senhor João Cândido Xavier e de Dona Cidália Batista. E confessamos ao leitor, naquele momento, sentimo-nos comovidos quase às lágrimas, mesmo sem saber precisar o porquê e, também, por nos sentirmos indignos do cometimento. Contudo, era uma oportunidade ímpar de sentir a intimidade da família do Chico e, controlando as emoções, prosseguimos.

Após os cumprimentos, Arnaldo foi adentrando a singela casa de Lucília, pondo-se a apontar objetos e dependências da casa como se estivéssemos entrando em sua própria residência.

– Meu filho, foi aqui que encontrei minha felicidade. Era ateu e materialista, no entanto, ao conviver com esse povo, aprendi os caminhos da simplicidade e da alegria, bem como o valor da oração!

A solícita e agradável dona da casa alfinetou Arnaldo:

– Arnaldo, como nós fomos felizes, não é? Você nos fazia sorrir com suas brincadeiras fraternas e, com seu olhar de rapaz da cidade, encantava qualquer uma por aqui.

Gostosas gargalhadas nos acompanharam até o instante em que Lucília nos acomodou em sua cozinha, para o preparo do conhecido café da tarde. Lá divisamos uma placa pregada na parede, amarelada pelo tempo, e com os seguintes dizeres: “Aqui é proibido falar mal do próximo na minha frente”.

A alegre irmã de Chico, então, relatou-nos a enorme quantidade de pessoas que já tomaram café com ela naquela cozinha. A maioria buscava o mesmo que estávamos recebendo naquele instante: a alegria de conhecer a simplicidade de Chico. Lucília nos contou um episódio muito pitoresco sobre a mediunidade de seu irmão. Disse ela que, em certa ocasião, comentava com Dália, sua irmã, sobre as lutas da vida e a falta de tempo para cuidar dos afazeres domésticos, uma vez que elas trabalhavam na fábrica de tecelagem de Pedro Leopoldo. Sendo assim, propuseram-se a conversar com Chico sobre a possibilidade de contratarem uma empregada para cuidar da casa. Mais tarde, quando Chico chegou do trabalho da Fazenda Modelo e depois de repassarem os casos do dia, o irmão voltou-se para elas e, carinhosamente, afirmou: “Nós, que somos empregados, não devemos ter serviçais. Cada um, em sua casa, deve cuidar dos seus afazeres de forma a manter a limpeza, o cuidado com as nossas coisas, o carinho com as nossas plantas e o amor entre nós”. Naquele momento elas deram razão para o Chico, mas, foi só ele se retirar para os seus aposentos, para que Dália soltasse uma frase, típica das brincadeiras pessoais entre as duas, e da qual ela jamais se esqueceria: “Tá certo, eu concordo com Chico, mas tem outra coisa: esses espíritos que andam com ele são todos uns fofoqueiros! Eles também deveriam cuidar dos seus afazeres domésticos, em vez de ficarem bisbilhotando a conversa dos outros”.

Todos rimos gostosamente.

(...)

– Arnaldo, falou Lucília, Chico foi como uma mãe para nós. Conversávamos com ele sobre tudo: desde o trabalho na fábrica até sobre nossos namoros. Era ele quem nos orientava sobre questões do período menstrual, aplicando-nos passes nos dias de eólicas, além de ser muito firme no processo educacional.

Arnaldo, empolgado pelas reminiscências, falou dos saraus, dos passeios na praça, das sessões de cinema e das reuniões no Luiz Gonzaga.

– Lucília, você se lembra do Chico tocando violão e cantando serenatas?

– Como poderia esquecer? – respondeu sorridente – Nossa casa era uma festa.

Arnaldo explicou que, em sua última existência, o Chico foi exímio violonista. E que, apesar de não ter podido exercitar tais faculdades na atual encarnação, ele teve todas as suas habilidades afloradas, incluindo a percepção musical, em decorrência de seu psiquismo ser mais dilatado devido ao trabalho mediúnico.

Da direita para esquerda: as irmãs de Chico: Lucília, Cidália; Arnaldo e Maryrose, filha de Cidália.


(...)

Chico tinha um jeito todo especial de solicitar para nós compreensão para seus diálogos íntimos com todos aqueles que necessitavam de sua palavra orientadora e amiga. Assim, os dois se retiraram para um quarto no interior da casa e por lá permaneceram por longo tempo.

Logo que a porta foi fechada, recordei-me de outra pessoa muito querida, Dona Eny Fassanello, mãe de Aida, guardada em minha memória principalmente por ter sido a médium que me acolheu no momento mais difícil de minha vida, conforme narrado anteriormente.

Como se despertasse de uma doce lembrança, Arnaldo retomou o relato sobre Aida Fassanelo, do ponto em que havia parado:

– A visitante saiu do quarto com os olhos marejados de lágrimas. Após uma rápida despedida, Chico olhou vagamente para o material em estudo (as mensagens psicografadas) e, com a discrição habitual, disse: “Ela é uma companheira muito antiga”.

(...)

Em uma de nossas reuniões, percebi que Chico passava por alguma dificuldade muito grande. Ao encerramento, com uma prece proferida por ele, notei no seu semblante marcas de tristeza e, então, enderecei-lhe, com certo tom de descontração, uma pergunta. E jamais me esquecerei da resposta ofertada... Lembro-me exatamente da frase com que ele finalizou a prece: “...muito obrigado por tudo, Maria, Mãe Santíssima!”

Envolvidos ainda pela emoção, perguntei a Chico: – Por que terminastes a oração agradecendo a nossa Senhora? – “Arnaldo, porque só uma mãe para compreender um coração de mulher!”

(...)

Certa feita, enquanto aguardávamos o horário de uma consulta com o

oftalmologista, Chico e eu caminhávamos pelas ruas do centro de Belo Horizonte. Em dado momento, paramos em frente a uma antiga loja de artigos femininos, da época, de nome “Slopper”. Chico, então, resolveu entrar. Depois de passar um período observando os artigos da loja, uma vendedora se aproximou de nós, logo reconhecendo nossa Alma Querida. Após os cumprimentos, e devido ao interesse de Chico, ela abriu a vitrine, retirou uma tiara da prateleira e, em seguida, entregou-a para Chico. Observei, então, uma cena que jamais pensei em contar a alguém. Chico, segurando a tiara, começou a chorar. Discretamente, ele devolve a tiara para a comerciante e despede-se. Saímos da loja. Eu tinha por hábito respeitar esses momentos do Chico com o meu silêncio. Mais tarde, depois da consulta, caminhávamos lado a lado, observando o pôr do sol, já estando, na inesquecível Pedro Leopoldo. Chico continuava comovido e, sem compreender o que estava acontecendo, perguntei ao amigo: “Chico, meu filho, o que aconteceu a você na loja? Por que a emoção ao segurar a tiara?” Ao que ele me respondeu: “Naldinho, segurando aquele objeto, relembrei a tiara que usei em meu casamento, nos idos tempos da Espanha, no século XIX”. Fiquei estupefado. Não sabia o que dizer. Então, o Chico, a olhar o belo horizonte, que se desenhava ao longe, arrematou: “Meu filho, é a coroa da Vida”.

Fonte:
COSTA, Carlos Alberto Braga. Chico, diálogos e recordações. BH. União Espírita Mineira, 2006.

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