Prédica de João Batista. Batismo.
Espírito Santo. Anjos da guarda. Batismo de Jesus
(Mateus,
3:1-17; Lucas, 3:1-18;21,22; João, 1:32-34)
1.
Começo do Evangelho de Jesus Cristo filho de Deus, 2. Como está escrito no
profeta Isaías: Eis que eu envio o meu anjo ante a tua face. 3. Como está no do
que clama no deserto: “Preparai o caminho do Senhor; tornai retas suas sendas.”
4. João esteve no deserto batizando e pregando o batismo de penitência para a
remissão dos pecados. 5. Toda a Judeia e todos os habitantes de Jerusalém
vinham ter com ele e, confessando seus pecados, eram por ele batizados no rio
Jordão. 6. João vestia pele de camelo, usava uma tira de couro à volta da
cintura e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre. Pregava dizendo: 7. Um
mais poderoso do que eu virá depois de mim, que não sou digno de lhe desatar as
correias das alpercatas prosternando-me a seus pés. 8. Eu vos batizo com água;
ele, porém, vos batizará com Espírito Santo. 9. Eis o que sucedeu naqueles
dias: Jesus veio de Nazaré, que fica na Galileia, e foi batizado por João no Jordão.
10. Logo que saiu da água, Jesus viu abrirem-se os céus e um Espírito Santo
descer em forma de uma pomba e pairar sobre ele. 11. E uma voz do céu se fez
ouvir dizendo: És meu filho bem-amado; em ti me tenho comprazido.
João, filho de Zacarias e de
Isabel, o Precursor de Jesus, nasceu seis meses antes do aparecimento deste e
desencarnou com 31 anos de idade. Cheio de um Espírito Santo desde o ventre
materno, como diz o Evangelista, ele foi, conforme o declarou o divino Mestre,
o maior dentre os nascidos de mulher.
Jovem ainda retirou-se para o deserto, a fim de se entregar a uma vida de rigorosa austeridade, donde só regressou para dar início ao desempenho da sua missão, no ano 15 do império romano, aos 29 de sua idade, sob o reinado de Herodes Antipas. Entrou a pregar e a administrar o batismo de penitência, todos os profetas, recebeu no deserto a inspiração de que soara a hora de ter começo a missão, que trouxera, de Precursor do Cristo e que consistia em preparar os caminhos que este teria de percorrer, em abrir brechas nas consciências, por onde penetrasse a luz de que Jesus era portador. Foi o que fez, pregando, ensinando, aconselhando aos homens que lavassem de toda impureza suas almas, que se arrependessem de suas culpas e praticassem a penitência, para se tornarem dignos de receber aquela luz, consubstanciação da moral divina. Quer isto dizer que João aparelhava o terreno para a obra que o Cristo descera a realizar.
O batismo, que ele
administrava, era precedido da confissão, feita de público e em altas vozes
pelo batizando, de suas faltas e pecados, para lhe despertar no íntimo o
sentimento da humildade e para constrangê-lo a evitá-las pela vergonha de tê-las
que confessar publicamente. A prática dessa confissão durou longo tempo.
Depois, os que se arvoraram em representantes do Cristo dela se apossaram e a
fizeram cair no desprestígio e na desmoralização que conhecemos, imposta como
mandamento pelos que pregam o que não praticam.
João, cuja elevação
espiritual as citadas palavras de Jesus patentearam, era, no entanto, menor do
que o menor no reino dos céus, do que, por exemplo, Melquisedeque, rei de
justiça e rei de paz, que foi sem pai, sem mãe e sem genealogia, que não teve
princípio, nem fim de vida, que fez o seu aparecimento na Terra à semelhança do
Filho de Deus, Jesus Cristo, cuja natureza puramente espiritual, sob as vestes
de um corpo celeste e não terrestre, aquelas palavras comprovam, comprovando,
portanto, que ele não nasceu, nem “morreu”, que a sua vida humana foi apenas
aparente. (1)
Não obstante tratar-se de um
Espírito superior em missão, como Maria e José, João, por estar encarnado, se
achava olvidado da sua existência anterior, dela perdera a consciência. Assim é
que não se lembrava de que fora Elias.
Para abater o orgulho dos
hebreus, que só consideravam. filhos do Senhor os que suportavam o jugo de
Moisés, tal qual a Igreja Romana, que assim só considera os que cegamente lhe
aceitam os dogmas, João, missionário celeste, disse que poderoso é Deus para
fazer das pedras filhos de Abraão, que estes, portanto, não são somente os que
dizem: Senhor! Senhor! e vivem preocupados com fórmulas exteriores, ritos,
cerimônias, etc., mas os que trazem puros os corações; que a árvore que não dá
bons frutos será arrancada e lançada ao fogo, isto é, que o Espírito encarnado,
que não progride, mediante as expiações, as provas e as reparações a que o
sujeitam seus erros e transviamentos, que não apresenta frutos de regeneração,
será, depois da desencarnação, a que comumente chama “morte”, lançado no fogo
dos remorsos das torturas morais, correspondentes ao grau da sua culpabilidade.
O batismo, que João
ministrava e a que Jesus se submeteu para exemplo, consistia na ablução, ou
lavagem do corpo, fato material destinado a simbolizar a purificação da alma,
pela humildade, pelo arrependimento, de que era prova a confissão pública das
faltas e crimes cometidos. Era um meio material de impressionar homens
materiais, mas ao mesmo tempo um ato emblemático, como um selo posto ao
compromisso assumido de regeneração moral, a efetuar-se pelo batismo em fogo e
em Espírito Santo, que tem sua expressão nos sofrimentos purificadores e na
assistência dos Espíritos purificados, assistência que faculta ao culpado os
meios e as forças de levar a cabo a sua purificação integral.
O batismo em Espírito Santo,
ou seja, a assistência dos Espíritos do Senhor compreendidos nessa denominação,
as criaturas humanas o recebem mediunicamente, pela intuição e pela inspiração,
quando não de maneira ostensiva, pelas comunicações do além. Concede-a o
Cristo, enviado de Deus e seu preposto ao governo do mundo terreno, aos homens
de boa-vontade, a fim de que sejam sustentados em suas provas, guiados nas suas
missões e ajudados na obra de purificação de seus Espíritos e na de seu progresso
pela senda do aperfeiçoamento moral e intelectual.
Esse batismo Ele o
administrou, clara e exemplificativamente, fazendo que descessem até seus
discípulos aqueles Espíritos, que os iam amparar e auxiliar no desempenho da
missão de que se achavam incumbidos, e que se manifestassem sob a aparência de
línguas de fogo, formadas pela luminosidade dos seus perispíritos. Essa também
uma das razões por que ao batismo em Espírito Santo é dado o nome de “batismo
de fogo”. É que por ele desce sobre a criatura o fogo da inspiração divina, a
abrasá-la dos sentimentos puros e elevados, que geram os heroísmos da fé.
Hoje, como sempre, esse
batismo, ou influência, podemos obtê-lo todos, pelo trabalho, pelo amor, pela
humildade e, sobretudo, pela caridade, e a temos, constante, animadora e
eficaz, fazendo-se mister unicamente, para que aproveitemos de todos os seus
inestimáveis benefícios, que dela tenhamos consciência, que a prezemos e
guardemos como preciosíssimo tesouro, de que nos podemos valer em todas as
circunstâncias da vida. Temo-la, com efeito, continuamente, porque temos de
contínuo, a velarem por nós, os nossos Anjos da Guarda, Espíritos elevados,
caridosos, santos, que tomaram a si o encargo de nos proteger e conduzir pela
estrada do progresso, com o que também eles avançam nessa mesma estrada.
Era, pois, o batismo um ato
material e simbólico, mas a que só se submetiam criaturas conscientes de seus
atos, possuídas do arrependimento de seus erros e faltas, desejosos de fazer
penitência e de alistar-se sob o estandarte de uma fé conducente à regeneração,
para a conquista do “reino dos céus”. Isto perfeitamente se compreende. Que
fez, porém, a Igreja Romana? Fez do batismo material, da água derramada, não
mais sobre a cabeça de homens em condições de reconhecerem e confessarem suas
culpas, mas sobre a cabeça das crianças recém-nascidas, um meio de apagar nelas
a mancha do pecado original, de remissão desse pecado de que se deve considerar
onerado todo aquele que nasce na Terra, apesar de nenhum pecado ainda haver cometido,
erro que provêm de ensinar a Igreja, por não admitir a lei das reencarnações,
que quem nasce no mundo traz uma alma expressamente criada para o corpo com que
se apresenta.
Vê-se assim que, como
outras, a instituição do batismo da água foi completamente desvirtuada em sua
natureza, em seu objetivo, em as condições precisas para ser administrado e nos
fins a que visava, tudo por efeito de inovações e mandamentos humanos.
Ora, como é possível que,
nunca tendo nascido antes, o Espírito do que nasce precise lavar-se de
impurezas quaisquer? Será que já tenha saído impuro das mãos do seu Criador.
Em segundo lugar, se o
prêmio, ou o castigo, decorrem das obras de cada um, como tantas vezes se
encontra repetido nas Escrituras santas “a cada um segundo suas obras” não se
compreende que a Humanidade seja responsável pela falta ou faltas que haja
cometido o chamado primeiro homem, que não passa, como já mostramos, de um
símbolo. E não se compreende, quer se deem aos batizandos as lições que lhes
dava João, quer sejam eles dispensados dessas lições, bem como do exercício da
vontade e do uso do livre-arbítrio, da manifestação do arrependimento e do
desejo da penitência, condições então necessárias à administração do batismo.
É evidente que a Igreja
Romana não entendeu, ou revogou a palavra do Senhor, transmitida por Moisés aos
homens. Veja-se: Deuteronômio, capítulo 24, versículo 16: Não se farão morrer os pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais; mas
cada um morrerá pelo seu pecado.
Ela não entendeu, ou não
aceitou as palavras do apóstolo Paulo, na sua “Epístola aos Romanos”, capítulo
14, versículo 12: “E, assim, cada um de
nós dará contas a Deus de si mesmo.”
Manifesto é, portanto, o
absurdo do ensino da Igreja, ante os termos expressos da lei, ante os ensinamentos
dos profetas e dos apóstolos. Essa a razão por que o clero romano foge a toda
discussão, não admitindo que os leigos falem nos Evangelhos, e a razão também
por que a Humanidade não dá às Escrituras sagradas a importância que lhes devia
dar. Entretanto, assim não continuará a ser. Acreditamos e esperamos que o
remédio não tardará, para extirpar o mal pela raiz, mal que lavra há muitos
séculos, desde que os fariseus, ensinando que da aliança do Sinai viera a lei
oral e não a lei escrita, reduziram o Código Sagrado a mero acervo de tradições
e monopolizaram, por vaidade e interesse de seita, a inteligência e a
interpretação dos livros santos, fazendo que a corrupção chegasse ao ponto de
levar Jesus a declarar que os judeus haviam aniquilado a palavra do Senhor.
Sob o aspecto material, o
batismo correspondia a uma necessidade daqueles tempos; destinava-se, como já
dissemos, a fazer impressão em homens materiais. Se ainda hoje precisa ser
mantido com esse aspecto, batizemos os nossos filhos; mas, desde que se tornem
conscientes, mostremos-lhes que, ante a razão, somente a parte simbólica é de
utilidade e proveito.
Jesus não tinha necessidade
de ser batizado por João. A prova encontramo-la na circunstância de que recebeu
um batismo, que era de penitência, que, por isso, exigia prévia confissão
pública de pecados, sem ter confessado culpa alguma, sem de nenhum pecado se
haver penitenciado. Quer isso dizer, evidentemente, que Ele era puro e
perfeito, porquanto só os que alcançam a perfeição na pureza se acham livres de
ter a mais leve culpa, a mais ligeira falta de que se acusar em consciência. E
essa circunstância, por si só, indica e demonstra que Ele não podia estar
encarnado, ser um homem como os demais, porquanto, conforme se lê em O Livro dos Espíritos, aqueles, dentre
estes, que compõem a primeira classe, classe única, da primeira ordem, na
escala espírita, já percorreram todos os graus do aperfeiçoamento e se
despojaram de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado a soma de
perfeição de que é suscetível a criatura, não têm mais que sofrer provas, nem
expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis,
realizam a vida eterna, no seio de Deus.
Trazia ele, portanto, um
corpo celeste, que não precisava ser lavado, como os nossos corpos de lodo, por
motivo algum e ainda menos como expressão material da necessidade de
purificação espiritual.
Jesus, conseguintemente, e
só Jesus, segundo proclamou João que Ele o faria, estava capacitado para
administrar o batismo em Espírito Santo e em fogo e para, investir a outros de
o ministrarem, como investiu os apóstolos que, depois de terem recebido esse
batismo, foram incumbidos de pregar e exemplificar a moral que Ele trouxera ao
mundo e de o conferirem a quantos, escutando-lhes as palavras, praticassem a
lei do amor e, a seu turno, a propagassem pela palavra e pelo exemplo.
Segue-se, então, que apenas
para dar um exemplo, para confirmar a missão de que o Precursor se achava
encarregado, e ainda para receber pública e ostensivamente a confirmação da
sua, foi que Jesus se fez batizar por João. Essa confirmação Ele a teve, de
fato, mediante aquelas palavras que se ouviram, vindas do alto, e que
continham, em seu sentido profundo, a afirmação de que à Terra descera o
Espírito excelso, cujo advento os profetas anunciaram, e mediante o
aparecimento de uma pomba a lhe pairar sobre a cabeça.
Foi esta uma manifestação
espírita, que se produziu pela faculdade que tem o Espírito de dar ao próprio
perispírito as formas e aparências que queira. Um dos que secundavam a Jesus no
desempenho de sua missão, tomou, obedecendo aos desígnios de Deus, a forma de
uma pomba que, considerada pelos antigos como emblema da pureza, veio atestar,
naquele momento, a do Messias prometido.
Segundo a narração
evangélica, aconteceu que, batizado Jesus, quando estava em oração (LUCAS,
capítulo 3, versículo 22), o céu se abriu e uma voz ressoou no espaço, dizendo:
Este é o meu filho bem-amado, em quem hei
posto toda a minha complacência. Disse essas palavras um dos Espíritos
Superiores, órgãos das inspirações divinas e executores das vontades de Deus. E
as disse quando Jesus orava, para demonstrar aos homens que a prece do coração
atrai as bênçãos do Senhor e os testemunhos do seu amor infinito; que
determina, por intermédio dos Espíritos protetores, a influência divina; e
também como sanção expressa da legítima autoridade de Jesus, da sua identidade
na condição de enviado direto de Deus.
(1) Com esta palavra muito
jogo costumam fazer os que combatem a revelação da corporeidade fluídica do
Cristo, pretendendo que, se houveram sido aparentes, essa corporeidade e a vida
humana de Jesus nenhuma realidade teriam tido. Convêm, pois, precisar o
significado verdadeiro de tal palavra, ou, pelo menos, o sentido em que é
empregada, quando se trata daquela vida. Para esse efeito, de nenhuma
autoridade maior, nem melhor, nos podemos socorrer, do que do Mestre Allan
Kardec. Citemos, conseguintemente, o passo em que ele nos dê esse significado.
Encontramo-lo no capítulo 8
da segunda parte de O Livro dos Médiuns,
capitulo que se intitula “Do laboratório do mundo invisível”, numa nota por ele
aditada a uma das respostas do Espírito que o instruía, em o nº 128 do volume.
Vamos reproduzir, para boa Inteligência da explicação, as perguntas e respostas
que deram lugar a essa nota.
2. Aquela caixa de rapé
(tratava-se da aparição de um Espírito encarnado, que trazia na mão esse
objeto) tinha a forma da de que ele se servia habitualmente e que estava em sua
casa. Que era então a que foi vista com a aparição?
“Uma aparência. Era para que
a circunstância fosse notada, como o foi, e para que não tomassem a aparição
como uma alucinação produzida pelo estado de saúde da vidente, O Espírito
querendo que aquela senhora acreditasse na realidade da sua presença, tomou
todas as aparências da realidade.”
3. Dizes que foi uma
aparência; mas uma aparência nada tem de real, é uma como ilusão de ótica.
Desejáramos saber se a caixa de rapé era apenas uma imagem sem realidade, ou se
havia nela alguma coisa de material?
“Certamente; é com o auxílio
desse princípio material que o perispírito toma a aparência de vestes
semelhantes às que o Espírito trazia quando vivo.”
NOTA. É verdade que se deve
entender aqui a palavra “aparência” no sentido de aspecto, imitação. A caixa de
rapé, real, não estava lá: a que o Espírito trazia era apenas a representação
da outra: era, pois, uma aparência, comparada ao original, se bem que formada
de um princípio material.
A experiência nos ensina que
nem sempre devemos tomar ao pé da letra certas expressões empregadas pelos
Espíritos. Interpretando-as segundo as nossas ideias, expomo-nos a grandes
equívocos. Cumpre, por isso, aprofundar o sentido de suas palavras, todas as
vezes que apresente a menor ambiguidade. É uma recomendação que os próprios
Espíritos repetidamente nos fazem. Sem a explicação que provocamos, a palavra
aparência, constantemente reproduzida em casos análogos, podia dar azo a uma
falsa interpretação.
Jejum e tentação de Jesus
(Mateus,
4:1-11; Lucas, 4:1-13)
12.
E logo o Espírito o impeliu para o deserto; 13, onde passou quarenta dias e
quarenta noites, sendo tentado por satanás. Habitava com as feras e os anjos o
serviam.
Disse o divino Mestre e
Paulo repetia: a letra mata e o espírito vivifica, de modo a ficar bem entendido
que, para a compreensão das sagradas letras, não nos devemos prender às
palavras. Temos, pois, prescientemente uma regra de interpretação, a que antes
podemos chamar autêntica, que de doutrinal ou lógica, porque nos conduz à
indagação do pensamento e do sentido da lei ou do ensino, à pesquisa das
causas, da derivação histórica e das circunstâncias de tempo em que foi dado
este, ou promulgada aquela, assim com suas fontes de origem, sua razão de ser e
seus fins. É uma regra, em suma, que nos faculta a hermenêutica ou arte de
afiançarmos o verdadeiro sentido dos textos sagrados.
Aplicada à interpretação das
narrativas evangélicas referentes ao jejum de Jesus, ver-se-á que, se as
condições da época fizeram necessária a interpretação literal dessas narrativas,
interpretação que serviu para que, no ano 130, Telésforo, Bispo de Roma,
apoiando-se numa tradição apostólica, instituis-se o preceito do jejum, ela já
não pode hoje satisfazer, por falsa, absurda, inadmissível, a menos se negue o
progresso da ciência das verdades eternas.
Estudemos o que foi dado a
Moisés e consta no Deuteronômio (capítulo 8, versículo 3): “Afligiu-te com a
fome e deu-te por sustento o maná que desconhecias e teus pais desconheceram,
para te mostrar que o homem não vive só de pão, mas de toda palavra que sai da
boca de Deus”; de Êxodo (capítulo 16, versículo 5): “Este é o pão que o Senhor
vos deu para comer”; de Números (capítulo 11, versículo 9): “E ao tempo que de
noite caia o orvalho, no campo também caia o maná”.
Que é esse maná, senão uma
figura emblemática da graça que, em todo o seu esplendor, devemos procurar no
plano do Evangelho?
Que é esse maná caído do
céu, senão o Salvador prometido à raça humana, personificada em Adão?
Passemos ao Novo Testamento.
Lemos (em JOÃO, capítulo 6, versículo 48 e seguintes): Eu sou o pão vivo que desci do céu; quem o comer viverá eternamente.
Vê-se que o pão, a que Jesus
alude, referindo-se ao tempo em que o supuseram sob o poder do diabo; o pão que
era o seu sustento e que Ele trazia para matar a fome aos filhos de Israel,
como maná que caiu do céu; o pão de que Ele fez emblema o seu corpo e o seu
sangue; enfim, o pão da vida, outra coisa não é senão o alimento que toda alma
encontra na sua doutrina, nos seus ensinamentos, contidos nos Evangelhos,
entendidos em espírito e verdade, como no-los faz entender a Revelação Nova.
Nem de outro modo se pode compreender, quando é certo que, revestido de um
corpo celeste, não se sustentava com os alimentos cuja privação constitui o
jejum.
Era costume dos profetas
prepararem-se, para o desempenho de suas missões, pela prece e pelo jejum no
deserto. Jesus que, enquanto durou a que veio desempenhar na Terra, quis, para
que ela produzisse os frutos imediatos que devia produzir, que o tivessem como
um profeta, desapareceu, a fim de causar impressão aos homens e os induzir a
considerá-lo tal, durante 40 dias, número que se tornou tradicional para
ausência dos profetas. Pareceu então aos homens que, como profeta, Ele se
submetera ao uso.
A alimentação material é necessária
ao homem, isto é, ao Espírito encarnado em corpo material. Quando, porém, tem
de penetrar num mundo superior, onde os corpos dos respectivos habitantes não
são carnais como os nossos e sim de natureza perispirítica, o Espírito se
incorpora fluidicamente. A sua nutrição aí, para a vida do corpo de que se acha
revestido, opera-se pela absorção dos fluídos ambientes, apropriados àquele
efeito - A planta não necessita comer, nem beber: absorve da Terra e do ar os
fluídos que lhe são necessários à nutrição. Semelhantemente, o Espírito,
revestido de um corpo de natureza perispirítica, absorve, para sustentar os
princípios constitutivos desse corpo, ou desse perispírito, os fluídos
ambientes, nos quais se acham contidos esses mesmos princípios.
Nem se diga, citando Êxodo,
34,28, para sustentar que Jesus haja podido, como homem, passar tanto tempo sem
se alimentar, que o mesmo fez Moisés, enquanto esteve no cume do Sinai a
receber o Decálogo. Ali não se refere que o chefe do povo hebreu passou todo
aquele tempo sem comer coisa alguma, como diz (LUCAS, capítulo 4, versículo 2),
falando de Jesus, O que se lê naquela passagem do Êxodo é que Moisés não comeu
pão, nem bebeu água, durante os 40 dias e 40 noites do seu retiro no Sinai.
Tendo podido alimentar-se de ervas e insetos, o seu exemplo não colhe para o
caso de Jesus.
Quanto à tentação, foi
também uma figura emblemática que, de acordo com as necessidades da época e
destinada a preparar o futuro, surgiu dos comentários a que deram lugar as
palavras de Jesus, acerca das tentações a que está sujeita a Humanidade. E de
outra forma não a podemos compreender hoje, quando sabemos, pela Revelação
Espírita, que o “diabo”, o “demônio”, “satanás” não existem como
individualidade votada eternamente ao mal, à perdição das criaturas de Deus;
que aqueles nomes apenas designam o conjunto das maldades, das imperfeições,
das paixões e dos vícios, existentes no homem e que lhe atraem influências
perniciosas, “diabólicas”, capazes de desviá-lo do caminho do bem, do mesmo
modo que os bons pensamentos e as boas obras lhe granjeiam influências boas,
que o ajudam a avançar pela senda do progresso espiritual.
A tentação de Jesus,
portanto, não foi uma realidade. A ideia de que o tenha sido nasceu, como
dissemos acima, dos comentários que os apóstolos e discípulos teceram em torno
de uma prédica sua, sobre o modo por que deve o homem resistir às tentações e
emboscadas a que se acha exposto, isto é, opondo-lhes a fé e a perseverança. O
Mestre desapareceu das vistas de todos por 40 dias e, ao reaparecer, falou,
figurando as diversas maneiras por que pode o homem ser tentado. Concluíram
daí, os que o ouviram, que o fato com Ele ocorrera e a imaginação emoldurou a
suposta ocorrência, criando as circunstâncias em que esta deverá ter-se dado.
A desaparição e a reaparição
de Jesus, dada a sua natureza, não constituíram um “milagre”, isto é, uma
derrogação das leis naturais. Deram-se, antes, no cumprimento de uma dessas
leis, se bem que desconhecida dos homens. Milagre seria, por exemplo, uma mulher
dar à luz um leão, ou tombarem do céu as estrelas, porque tais fatos teriam
sido contrários àquelas leis, como milagre seria também o haver Jesus sofrido
uma encarnação humana, porquanto, realmente, só por milagre fora possível que
um Espírito tão sutil, tão etéreo, qual o seu, suportasse o contacto de matéria
tão grosseira, como a do corpo humano, visto que tal fato estaria fora das leis
naturais, que são imutáveis, importando, pois, numa subversão da ordem
estabelecida desde toda a eternidade. (1)
Ora, bem sabemos que não há
milagres, o que há, no caso de fenômenos assim chamados, é desconhecimento das
causas que lhes dão origem, ignorância das leis que lhes presidem à produção.
Os desaparecimentos de
Jesus, quando o supunham em retiro no deserto, ou a orar no cume de uma
montanha, se davam, desmaterializando ele, pela ação da sua vontade, o corpo
etéreo de que se achava revestido, o que só é possível aos Espíritos
superiores, quando em encarnação ou incorporação fluídica.
Estando materialmente
encarnado, o Espírito não tem meio de desmaterializar o invólucro que o
reveste. Pode, é certo, apartar-se temporariamente dele, mas conservando-se-lhe
sempre ligado por um cordão fluídico, invisível a olhos humanos. Consegue
assim, pelo desprendimento durante o sono e, algumas vezes, raras, nos casos de
estado mais ou menos extático, libertar-se do seu corpo de carne e, pelo
fenômeno da bicorporeidade e da bilocação, com o auxílio do seu perispírito,
tornar-se visível e tangível em mais de um lugar, sob as aparências do corpo
humano. Temos disso um exemplo no que se deu com Santo Antônio de Pádua.
Esses fatos são
perfeitamente compreensíveis e podem ser realizáveis para quem tenha
conhecimento bastante dos fluídos e do poder magnético de atraí-los e combinar,
pela ação da sua vontade.
Cumpre, porém, se estude
profundamente e pratique o Magnetismo, para se adquirir o conhecimento da sua
ação sobre toda a Natureza. Aquele que assim fizer e colher a experiência a que
as sessões espíritas oferecem campo, prontamente se convencerá da ação
prodigiosa do Magnetismo espiritual e, na posse de convicções nascidas do
estado e do esforço da razão, bem como do testemunho dos próprios olhos, estará
em condições de se não deixar embair pelas opiniões dos escribas e fariseus da
época, nem pelas dos pseudossábios, que tudo negam do alto do pedestal do seu
orgulho e das suas ideias preconcebidas.
(1) A boa compreensão do que
seja, em verdade, a encarnação, do que significa, da sua razão de ser, do seu
objetivo, é bastante para que também claramente se compreenda que não pode ter
encarnado um Espírito, qual o de Jesus, cuja suprema excelsitude, não só suas
palavras, seus ensinamentos, seus atos e suas obras atestam, como ainda os
ensinos constitutivos da Terceira Revelação e, talvez mais que tudo, esse
sentimento íntimo e profundo que nos leva a considerá-lo colocado logo abaixo
de Deus quando, em busca do amparo celestial para fortalecimento da nossa alma,
lançamos, na amplidão do infinito, o nosso pensamento em prece; um Espírito que
pôde, na plenitude da sua gloriosa humildade, formular esta interpelação e este
conselho: “Quem me convencerá de pecado? Sede santos, como eu sou santo”; um
Espírito, cuja culminância na perfeição inspirou ao Padre Marchal esta
exclamação, que se lê em O Espírito
Consolador: “Que homem houvera podido tirar do seu coração a parábola do
Filho Pródigo e o colóquio com a Samaritana?” e estes períodos de sublimada
eloquência, saídos da sua alma transportada: “Não, a Humanidade terrena, ainda
que condensasse todas as suas energias de concepção, não poderia inventar Jesus
Cristo. Antes dele, a Terra vira passar grandes luzeiros, não vira passar o
grande amor”. Os luminares da antiguidade hauriram suas mais belas ideias nessa
fonte que se chama a tradição: a fonte onde Jesus hauria era a sua alma e essa
alma, derramando-se pelo mundo, basta para o aquecer. Só ele fundou a religião
universal, trazendo à Terra o grande mandamento que a ligaria ao céu: “Amai a
Deus de todo o coração; amai-vos como eu vos amo.”
Útil, pois, é conheçamos
tudo o que possa concorrer para a melhor inteligência, de nossa parte, da lei
de justiça e misericórdia, que prescreve ao Espírito a encarnação e a
reencarnação. Para esse efeito, um dos ensinos mais proveitosos é o que deram a
Alexandre Belemare os Espíritos que o assistiam na elaboração da sua excelente
obra Espírita e Cristão, cujos originais foram lidos pelo Mestre Allan Kardec.
Esse ensino se resume no
seguinte: O Espírito que haja falido fica na contingência, para chegar ao mesmo
grau de aperfeiçoamento em que se acha outro que, partido do mesmo ponto,
progrediu sem jamais falir, de fazer mais do que este. Como conseguirá fazer
esse mais, para resgatar sua dívida? Sendo submetido a uma dificuldade especial
que lhe cumpre vencer. Essa dificuldade é a encarnação, durante a qual terá ele
que lutar contra paixões que representam, pela sua natureza e pela sua
intensidade, a natureza e a Importância da falta a ser apagada.
Em todos os casos, mesmo que
o Espírito encarne em missão, a encarnação representa sempre, para ele, uma
dificuldade que lhe cabe vencer, pois que para vencê-la é que o Espírito
encarna, e que no vencê-la é que consiste o seu progresso.
Ora, tendo Jesus podido
dizer que ninguém havia capaz de convencê-lo de pecado, ou seja: capaz de lhe
imputar com fundamento a mais ligeira transgressão da lei divina, e dizer
igualmente que todos se tornassem santos, como ele era santo, isto é, puro, a
que gênero de progresso lhe poderia um mundo inferioríssimo, qual a Terra,
oferecer ensanchas, para justificar ou legitimar uma sua encarnação nele?
Notícia
do encarceramento de João. Retirada de Jesus para a Galileia
(Mateus,
4:12-17; Lucas, 4:14,15)
14.
Logo que João foi encarcerado, Jesus veio para a Galileia, pregando o evangelho
do reino de Deus; 15, e dizendo: Pois que o tempo se cumpriu e o reino de Deus
está próximo, fazei penitencia e crede no evangelho.
Jesus levava, nas suas
palavras, que tinham de ser por todos ouvidas, a luz onde mais necessária era.
Para esse efeito, retirou-se de Nazaré e se dirigiu a Cafarnaum, nos confins da
Galileia. Ali, o povo, que se achava imerso nas trevas, recebeu a grande luz.
Mal, porém, lhe percebeu a claridade; ao passo que a viram refulgente os que se
achavam livres da morte.
Jesus, Ele próprio, era a luz,
pois que ensinava e pregava a verdade, apontando o caminho que conduz ao reino
dos céus. Nem todos, porém, os que as ouviam lhe compreendiam as palavras: eram
os que estavam nas trevas. Muitos, entretanto, as apreendiam: os que estavam na
região da sombra da morte, os que já se encontravam no plano espiritual,
preparados, pelas reencarnações, para entendê-las.
Assim, os primeiros, que
apenas viam a Jesus sob a sua aparência humana, divisavam velada a grande luz
e, por isso, não percebiam o sentido das palavras que lhe ouviam. Os outros, os
que lhe compreendiam as palavras, esses viam em forte esplendor a luz brilhante
que o seu Espírito irradiava.
Fazei penitência, pois o
reino do céu se aproxima, o que significa: chegou o tempo de ouvirdes o Enviado
de Deus, o qual vos vem trazer a luz da verdade que, tirando-vos das trevas em
que vos lançaram os vossos pecados, vos patenteará a estrada que leva ao céu ou
seja: à perfeição na pureza. Fazei penitência: arrependei-vos dos vossos erros,
faltas e crimes, para poderdes ver a luz, para serdes por ela alumiados e,
deixando as trevas em que jazeis, tomardes a senda do progresso espiritual e
subirdes ao seio de Deus.
Hoje, pela boca dos
Espíritos, seus mensageiros, o mesmo Jesus clama: chegou o tempo de estudardes
o Consolador, que vos vem ensinar os Evangelhos em espírito e verdade.
Então, pela virtude do
espírito, voltou Jesus para a Galileia. Quer isto dizer: sendo ele sempre
Espírito, sob as aparências humanas que tomara, transportou-se para os confins
da Galileia, com a rapidez do relâmpago, como fazia sempre que viajava só, pelo
poder ou faculdade que tem o Espírito de ir de um ponto a outro, tão célere
quanto o pensamento.
Vocação de Pedro, André, Tiago e João
16.
Passando pela praia do mar da Galileia, Jesus viu a Simão e seu irmão André que
lançavam as redes ao mar, pois que eram pescadores; 17, e lhes disse: Segui-me
e farei de vós pescadores de homens. 18. Logo os dois abandonaram as redes e o
seguiram. 19. Tendo caminhado um pouco mais, viu a Tiago e seu irmão João,
filhos de Zebedeu, que também numa barca consertavam suas redes. 20. Logo os
chamou e ambos, deixando na barca Zebedeu com os jornaleiros, o seguiram.
Desta parte da narrativa
evangélica ressalta a submissão dos primeiros discípulos de Jesus. Sob a
inspiração de seus anjos da guarda, eles ouviram a voz interior que os
concitava à obediência e fizeram o que ela lhes prescrevia, cedendo a essa
espécie de atração que liga fortemente uns aos outros os Espíritos
reciprocamente simpáticos.
Predições de Jesus. Sua fama. Curas
físicas e morais chamadas milagres
(Mateus,
4:23-25; Lucas, 4:31-37)
21.
Vieram em seguida a Cafarnaum onde, entrando na sinagoga aos sábados, Jesus os
instruía. 22. Todos se admiravam da sua doutrina, por isso que Ele os Instruía
como tendo autoridade para fazê-lo e não como os escribas. 23. Ora, sucedeu
achar-se na sinagoga um homem possuído de um espírito impuro, que exclamou: 24.
Que tens tu conosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos perder? Sei quem és: és o
santo de Deus. 25. Jesus, em tom de ameaça, disse-lhe: Cala-te e sai desse
homem. 26. Logo o Espírito impuro, agitando-o em convulsões violentas e
soltando um grito estridente, saiu do homem. 27. Tão grande assombro se
apoderou de todos, que uns aos outros perguntavam: Que é isto, que nova
doutrina é esta? Ele manda com império mesmo nos Espíritos Impuros e estes lhe
obedecem. 28. Sua fama se espalhou assim, rapidamente, por toda a Galileia.
Capítulo
3, versículo 7. Jesus se retirou com seus discípulos para os lados do mar,
acompanhado por grande multidão de gente da Galileia e da Judeia, 8. E, de
Jerusalém, da Iduméia e de além Jordão tendo vindo juntar-se-lhe, proveniente
de Tiro e SIdônia, outra grande multidão que ouvira falar das coisas que Ele
fazia. 9. Disse Ele então aos discípulos que lhe arranjassem uma barca onde
pudesse meter-se para não ser oprimido pela turba. 10. É que, como curava a
muitos, todos os que sofriam de um mal qualquer se precipitavam sobre Ele para
tocá-lo. 11. E os Espíritos impuros, quando o viam, se prosternavam gritando: 12.
És filho de Deus. Ele, porém, com grandes ameaças, lhes proibia que o
descobrissem.
Como se evidencia desses
versículos, Jesus passava a sua aparente vida humana a praticar incessantemente
a caridade, assim com os humildes e desgraçados, como com os grandes e
poderosos, pregando por toda parte o arrependimento, multiplicando ao seu
derredor as curas do corpo e da alma. E os que o ouviam, pasmados autoridade
com que Ele falava, inquiriam: Mas, que doutrina é esta, que faz que os
Espíritos imundos lhe obedeçam?
Nos Evangelhos, portanto,
encontramos a prova de que Jesus curava tanto as moléstias do corpo quanto as
da alma, isto é, tanto restituía a saúde aos que sofriam de doenças corporais,
como libertava os que se achavam presas de Espíritos obsessores, ou, conforme
então se dizia, possessos do demônio. Segue-se daí que a crença dos espíritas,
com respeito à influência dos Espíritos desencarnados sobre os encarnados, se
funda na doutrina que Jesus pregava e exemplificava, bem como nos fatos que a
sua ação caridosa tornou manifestos.
Mas, que podem valer esse
argumento, ou essa autoridade, para quem sustenta que a alma é o conjunto das
faculdades intelectuais, uma simples função do organismo físico, destinada a
desaparecer com este, para sempre, pela morte? que o pensamento é uma secreção
do cérebro? que as leis da Natureza são simples manifestações de forças
incontrastáveis, carentes assim de moral, como de benevolência?
Tal o evangelho dos
materialistas, que infelizmente ainda dominam. E são eles que lançam aos
espíritas os epítetos de idiotas, de exploradores dos néscios de boa-fé! Nisso,
entretanto, nada há de espantar. A fúria que revelam é idêntica e tem a mesma
origem que a daqueles que inventaram as fornalhas ardentes, as cavernas dos
animais ferozes. É ainda a mesma que o sacerdócio tem desencadeado, em nome de
Jesus. Ë o fogo das baterias que, desde todos os tempos, margeiam a vereda que
conduz a Sião; são as mesmas setas envenenadas que as hostes dos inimigos da
verdade, ocultas ao longo dessa vereda, hão sempre desfechado contra os que a
percorrem.
Mas, que importa, se,
justificados pela fé, temos a paz com Deus, por intermédio de Nosso Senhor
Jesus Cristo, como disse Paulo? (“Epístola aos Romanos”, Versículo 1). Que importa,
se temos por nós o que fora dito a Abraão (Gênese, capítulo 15, versículo 1) e
aquele de quem falam os Salmos (capítulo 90, versículos 2 ao 5 e capítulo 104,
versículo 10)? Marchemos, pois, para frente, revestidos da couraça da fé, sob o
escudo de Jesus Cristo.
Para imaginarmos o poder dos
fluídos magnéticos de que dispunha Jesus, o mais puro de todos os Espíritos, e
bem assim o poder que a sua vontade exercia sobre esses fluídos, regeneradores
e fortificantes, cuja natureza, bem como combinações, efeitos e propriedades
Ele conhecia de modo absoluto, basta atentemos nos efeitos que produz o
magnetismo humano e nos que conseguem os médiuns curadores, mesmo os médiuns
receitistas, com os quais inúmeras pessoas se têm tratado de variadíssimas
enfermidades, com os mais satisfatórios resultados.
Operando as curas de que,
sob o nome de milagres, falam os Evangelhos, Jesus fazia da doutrina de amor
que trouxera ao mundo a mais eloquente propaganda. Por isso mesmo, é esse o
meio mais eficiente de que se servem os Espíritos, para, presentemente, fazer a
da Doutrina Espírita. É que, a fatos, não há argumento, nem autoridade real que
se contraponham. Menos ainda poderão Contrapor-se-lhes as opiniões de simples
médicos, que nada sabem de Espiritismo, tanto mais quando muitos deles hão
recorrido e recorrem às consultas mediúnicas, em casos desesperados,
encontrando sempre a satisfação de seus anseios, com os Bittencourt Sampaio, os
Figueiras, os Nascimentos e muitos outros médiuns que a esses sucederam, todos
alheios à ciência médica, mas cheios de dedicação e de solicitude para acudirem
desinteressadamente o próximo em suas aflições, servindo de instrumentos a
Espíritos elevados, fiéis servos de N. Senhor Jesus Cristo, dos quais recebem a
ação fluídico-magnética, que transmitem aos enfermos.
Quanto às curas da alma,
isto é, quanto à libertação dos possessos, só mediante estudo sério das obras
do mestre Allan Kardec, especialmente de O
Livro dos Médiuns, obras cuja meditação acurada recomendamos a todos os
adeptos do Espiritismo, se pode obter uma explicação racional e completa.
Os possessos, de que falam
os Evangelhos, eram os subjugados por Espíritos impuros, dentre os quais, nem
mesmo os mais endurecidos e obstinados no mal resistiam às intensamente
luminosas irradiações da pureza e da perfeição de Jesus, cujo nome é hoje
bastante para, se invocado com fé viva, produzir efeitos análogos aos que Ele
pessoalmente conseguia.
Quer isto dizer que, nós
outros, só os podemos obter por meio das preces fervorosas, da humildade e da
fé na misericórdia ilimitada do nosso Salvador, porquanto nos faltam as mais
poderosas armas que existem para a libertação de um subjugado a força moral
decorrente do jejum espiritual a que Ele tantas vezes aludiu, e a pureza de
sentimentos, que atrai os Espíritos bons, cuja presença é suficiente para
dominar e subjugar, a seu turno, os mais obstinados e ferozes subjugadores.
Todavia, a bondade de Jesus é tal e tanta que, mau grado às precárias condições
morais em que nos encontramos, a não poucas curas temos assistido de irmãos que
recobram o uso da razão e do livre-arbítrio, depois de terem sido dados como
loucos incuráveis, pela ainda mais precária ciência dos homens.
O Espiritismo que,
repetimos, é revelação e ciência, veio, restaurando na sua pureza aquela
doutrina que de tanta surpresa enchia os que presenciavam as curas que o divino
Mestre operava, ensinar-nos a distinguir a obsessão e a subjugação da alienação
mental, ou loucura propriamente dita, que decorre do desmantelo do aparelho cerebral.
Essa distinção quem no-la faculta é a mediunidade, que também nos fornece os
meios adequados a repararmos os estragos que apresenta o organismo material,
depois de removida a causa da aparente loucura, como se dá com um prédio
incendiado, após a extinção do incêndio.
Esses fatos, de que nos
oferecem testemunho às sagradas letras, já têm sido comprovados por homens
notáveis, cujas observações a respeito se acham registradas em livros e
jornais. Esses homens, porém, acreditavam ou acreditam na existência e na
imortalidade da alma, qual esta é realmente, e não consideram o pensamento uma
espécie de bílis, ou qualquer outra dessas secreções que o organismo expele ou
absorve, ou, ainda, fixa nas suas cavidades interiores. Os ortodoxos, a seu
turno, não contestam as curas operadas por Jesus, antes as proclamam, mas como
milagres. Em consequência, declaram e sustentam que tudo o que os homens façam
de semelhante ou idêntico é diabólico, sem perceberem que desse modo colocam no
mesmo nível a divindade, pois que para eles Jesus é uma fração de Deus, e a
suprema potência do mau Satanás cuja existência afirmam. Assim, os doutores não
admitem senão o que lhes vem por intermédio da Ciência, em cujo nome falam, e
repelem a ciência espírita como produto da imaginação de fanáticos ignorantes
ou velhacos, considerando mesmo o seu cultivo um crime severamente punível.
De outro lado, os ortodoxos
guardam a mesma atitude, não por amor da verdade, que pouco lhes interessa, mas
por muito ciosos do prestígio do “demônio”, que tanto há contribuído para lhes
fortalecer o poderio.
Tal a situação que, embora
já algum tanto modificada para melhor, pelos rápidos progressos da Doutrina dos
Espíritos, ainda se apresenta aos profitentes desta, patenteando-lhes as
dificuldades de ordem exterior que lhes cumpre superar, para, convencidos e
confiantes, esperarem se cumpram integralmente as promessas de Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Eles, no entanto, se
manterão firmes em seus postos, porque veem que cada vez mais essas promessas
se irão cumprindo, quando veem que já lhes é dado fazerem, sob a égide de
Jesus, obras semelhantes às que Ele fazia, o que implica o cumprimento do
prometido nestas palavras suas: Aquele que em mim crer também fará as obras que
eu faço e fará outras ainda maiores (JOÃO, capítulo 14, versículo 12).
E, como o dessas, verificam
que igualmente se está dando o destas outras, visto que inegavelmente chegariam
os tempos nelas preditos e se realizou o advento por elas anunciado:
E o
Consolador, que é o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará
todas as coisas e vos lembrará tudo o que vos tenho dito.
(JOÃO, capítulo 14, versículo 26).
Cura da sogra de Pedro. Enfermidades
curadas
(Mateus,
8:14-17; Lucas, 4:38-41)
29.
Saindo da sinagoga, vieram com Tiago e João à casa de Simão e de André. 30.
Ora, achando-se a sogra de Simão de cama com febre, logo falaram dela a Jesus; 31.
E este, aproximando-se, lhe pegou na mão e a fez levantar-se; no mesmo instante
a febre a deixou e ela se pôs a servi-los. 32. Ao cair da tarde, quando o Sol
já se escondia, trouxeram-lhe muitos doentes e possessos; 33, aglomerando-se à
porta da casa todos os habitantes da cidade. 34. E ele curou muitas pessoas
atacadas de diferentes moléstias e expulsou muitos demônios, aos quais não permitia
que falassem, porque o conheciam.
As curas físicas, que Jesus
operava, eram sempre efeito da ação magnética que Ele exercia sobre os doentes,
pelo poder da sua vontade que, em cada caso, reunia e combinava
instantaneamente os fluídos apropriados a curar a enfermidade de que se
tratava. Do mesmo modo, pela ação da sua vontade poderosa e incontrastável, é
que realizava a cura dos padecentes de obsessão ou subjugação espiritual. Não
podendo resistir àquela ação, os Espíritos inferiores se afastavam de suas
vítimas, deixando-as livres do jugo que as oprimia, e, as mais das vezes, por
intermédio destas, que então se tornavam médiuns falantes, davam testemunho da
grandeza espiritual do Cristo, da sua autoridade suprema de enviado divino, da
superioridade extrema que lhe advinha da sua qualidade de Espírito de pureza
perfeita e imaculada, clamando: És o Filho de Deus!
“Se obedeceres à voz do
Senhor teu Deus e obrares o que é reto diante de seus olhos e obedeceres aos
seus mandamentos e guardares todos os seus preceitos, eu não enviarei sobre ti
qualquer das enfermidades que mandei contra o Egito; porque eu sou o Senhor que
te sara.” (Êxodo, capítulo 15, versículo 26.)
Ao defrontar com os leprosos
que se amontoavam nas vizinhanças de Betsaida (LUCAS, capítulo 17, versículo
12), Jesus confirma essas palavras, demonstrando ter o poder de curá-los,
revelando, pois, ser de fato o preposto imediato do Senhor que sara. Ele é bem,
portanto, o médico das almas, como o disse, capaz de curá-las todas do pecado
que as enferma, causando-lhe males atrozes. Portador ao mundo e distribuidor do
divino perdão, base da sua medicina, Ele muda a enfermidade em saúde,
transformando a morte em vida, que é a salvação.
Anelando por esta, entoemos
com o salmista o nosso cântico, dizendo, em testemunho da nossa fé: “Ele perdoa
todas as minhas maldades e sara todas as minhas enfermidades. Redime da morte a
minha vida. Bendize, ó minha alma, o Senhor”.
Retirada para o deserto. Prece. Pregação
(Lucas,
4:42-44)
35.
No dia seguinte, tendo-se levantado muito cedo, saiu e foi para um lugar
deserto, onde se pôs a orar. 36. Simão e os que com ele estavam lhe foram no
encalço: 37, e, quando o encontraram lhe disseram: Toda gente te procura. 38.
Ele então disse: Vamos às aldeias e cidades próximas a fim de que também aí eu
pregue, pois foi para isso que vim. 39. E assim pregava nas sinagogas e por
toda a Galileia e expulsava os demônios.
A linguagem e a narração dos
evangelistas são, embora eles se achassem debaixo da influência e da inspiração
mediúnicas, conformes, como não podia deixar de acontecer, às crenças dos
apóstolos e das multidões que acompanhavam a Jesus. Daí o dizerem que este se
retirava para lugares desertos, a fim de orar.
Não era isso, porém, o que
se dava. Como não estava sujeito, senão aparentemente, às contingências da
encarnação, entre elas à do repouso pelo sono, porquanto o seu corpo, como já
foi explicado, era celeste, o que quer dizer de natureza fluídica, o que se
verificava, todas as vezes que o supunham ter-se retirado para o deserto, é que
volvia às regiões superiores onde constantemente paira, exercendo o governo do
mundo que lhe está confiado. Era o que fazia durante a noite, reaparecendo, ao
amanhecer, com o seu corpo de aparência humana, no sítio onde devia ser encontrado.
Entretanto, esses seus
desaparecimentos, dando ensejo àquela suposição, encerravam também um
ensinamento, qual o de que todos devemos estar sempre vigilantes, a fim de nos
acharmos prontos sempre a comparecer diante do Senhor.
Com o deixar supusessem que
se levantava muito cedo, para ir entregar-se à oração, ensinava aos homens que
não devem proporcionar a si mesmo um repouso desnecessário, nem consagrar
demasiado tempo aos cuidados pessoais.
O leproso
(Mateus,
8:1-4; Lucas, 5:12-16)
40.
Aproximou-se dele um leproso e, de joelhos, o implorava, dizendo: Se quiseres,
podes curar-me. 41. Jesus se apiedou do homem e, estendendo a mão, tocou-o e
lhe disse: Quero-o, fica curado. 42. Assim que pronunciou estas palavras, a
lepra deixou o homem, ficando este curado. 43. Mandando-o embora, proibiu-lhe
terminantemente Jesus que falasse do fato, dizendo: 44. Não fales disto a
ninguém, mas vai mostrar-te aos príncipes dos sacerdotes e oferece, pela tua
cura, o que Moisés ordenou, a fim de que lhes sirva de testemunho. 45. O homem,
porém, tanto que dali se afastou, começou a falar da sua cura e a anunciá-la
por toda parte, de sorte que Jesus não podia mais aparecer ostensivamente na
cidade; permanecia fora, nos lugares desertos, mas de toda parte vinham ter com
Ele.
Jesus recompensou a fé que
verificara existir naquele pobre homem, cujo Espírito, por maneira tão
dolorosa, expiava suas culpas de vidas anteriores. Mas, sabendo que ainda não
era tempo de dar publicidade ampla às graças que espalhava, recomendou ao homem
que a ninguém referisse a cura de que fora objeto.
Ainda hoje assim é o Senhor
acode a curar a lepra dos corações de suas ovelhas; porém, nem todos se acham
em estado de compreender a graça que Ele lhes faz, pelo que os bons Espíritos,
seus enviados, nos recomendam: procedei com prudência.
Relativamente às curas
espíritas, talvez ainda não haja também chegado o tempo de serem praticadas
abertamente. Assim sendo, com prudência devem agir os que as possam operar como
instrumentos dos Espíritos do Senhor, a fim de que os benefícios da sua
misericórdia, espalhados pelos que se acham aptos a recebê-lo, não se tornem
causa de acréscimo de responsabilidade e de dívidas morais, para os que não se
encontrem em condições de apreciá-los, e a fim também de que o Consolador, que
aí está entre nós com o nome de Espiritismo, não veja sobposto o seu objetivo
capital, que é curar as almas, ao interesse egoístico da cura apenas dos
corpos.
E tanto mais compreensível é
o conselho, que nos vem do Alto, para que obremos com prudência, quando não há
duvidar de que, em sendo oportuno, os benefícios do Senhor sempre se divulgam,
faça-se o que se fizer em contrário a essa divulgação. É disso evidente sinal o
fato de haver aquele que deixara de ser leproso desobedecido ao que lhe determinara
o divino Mestre.
Sua cura, que foi
instantânea, se operou por ato da vontade poderosa de Jesus, atuando sobre os
fluídos apropriados a produzi-la e efetuando uma concentração magnética deles
sobre o doente.
O magnetismo humano já opera
curas que, todavia, não podemos ainda compreender. Quanto mais,
espiritualizando-se pela sua depuração, o homem se aproximar da vida
espiritual, quanto mais em condições se puser, conseguintemente, de exercer
ação sobre os fluídos que o cercam, tanto mais facilmente os poderá empregar
como meio curativo.
Longe estamos de imaginar
sequer o que pode o homem conseguir do magnetismo e menos ainda o que poderá a
seu tempo.
Nada houve, pois, de
sobrenatural na cura do leproso, operada por Jesus. Não houve, por conseguinte,
milagre algum senão aos olhos dos homens, aos quais o fato, como tantos outros,
pareceu milagroso, por desconhecerem completamente a lei natural que lhe
presidiu à realização.
Que fazem os médicos da
Terra, para chegarem a purificar a pele de um leproso? Tratam a massa do
sangue, procurando despojá-la de tudo o que a corrompe. Do mesmo modo procedem
os enviados do Pai.
Enquanto o nosso organismo
material não se tornar de natureza elevada, têm eles que depurar a fonte das
nossas impurezas. O corpo nos retém cativa à alma. Tempo, porém, virá em que
nossa alma recuperará a sua liberdade e desferirá o voo, elevando-nos o corpo a
um alto grau de pureza, isto é, tornando-o inteiramente fluídico.
Os leprosos eram excluídos
do convívio social. Para que aquele, a quem Ele curara, pudesse volver a esse
convívio, foi que Jesus lhe mandou que se mostrasse aos príncipes dos
sacerdotes e levasse, em testemunho da sua cura, a oferenda prescrita por
Moisés.
Pelo que respeita a essa
oferenda, para se lhe compreender o significado, atenda-se a que tudo era
emblemático na legislação mosaica. Assim como se sacrificavam as primícias dos
rebanhos, imitando-se a consagração dos primogênitos das famílias; assim como
se degolava a vítima propiciatória, para redimir as faltas dos povos, assim
também os leprosos eram obrigados a levar uma oferenda ao Senhor, a título de
penhor da purificação obtida e de gratidão pelo benefício recebido.
Cada um oferecia o que
estava ao seu alcance e aquele que mais oferecia era então, como ainda hoje,
aos olhos dos homens, considerado o mais limpo. Com efeito, não é comum, entre
os homens, o interesse de o juiz influir no julgamento?
Se Jesus se conservava nos
lugares ermos, como dizem os Evangelistas, era porque, perseguido, a bem dizer,
pelas multidões, mais curiosas de milagres do que do reino dos céus, Ele se via
forçado a procurar sítios mais espaçosos.
Quanto ao retirar-se para o
deserto, a fim de orar, como pensavam seus discípulos, o que se dava, conforme
já foi explicado, era que lhes desaparecia das vistas, fazendo cessar a
visibilidade e a tangibilidade do seu corpo celeste, ou, seja, fluídico, a fim
de volver às regiões celestiais onde paira de contínuo o seu Espírito excelso.
SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book).
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