Arnaldo Rocha conhece Chico Xavier
Um simples e fortuito
encontro de rua. Um esbarrão, para ser sincero.
Foi na tardezinha de 22 de
outubro de 1946.
Subia apressadamente a
Avenida Santos Dumont, em direção contrária à Estação Ferroviária. Ia triste,
angustiado e acabrunhado. Havia perdido minha esposa vinte e um dias antes e,
desde então, estabelecera-se em minha cabeça uma infinidade de pensamentos e
reflexões díspares, desconexas. Meus conceitos materialistas e ateus digladiavam-se
violenta e brutalmente com uma verdade insofismável: a sobrevivência do ser, a
vida além da morte física. Uma verdade constatada casualmente, certa noite.
Buscando abrigar-me de forte
temporal, bati à porta da casa de meu irmão Geraldo, no momento exato de
iniciar-se uma reunião de intercâmbio espiritual. Convidado a entrar, fiquei
diante de um impasse: ou enfrentava a chuva fria e torrencial ou ficava para a
reunião. As questões fé, religião e Doutrina Espírita não me interessavam.
Porém, contrariado, optei por ficar, sendo acomodado não longe da mesa de
orações, próximo à Dona Eny Fassanelo, uma amiga de longa data, vinda da Itália,
que, mesmo residindo no Brasil há mais de trinta ou quarenta anos, ainda conservava
um falar bem “macarrônico”.
Atento aos acontecimentos, notei que as luzes foram diminuídas e as leituras e preces iniciadas. Pouco tempo depois, percebi mudanças em D. Eny que, subitamente, tornara-se fremente, estuante. Um estremecimento a fazia sofrer, parecia aflita, como se vomitasse substância grossa, viscosa, pegajosa.
Meu irmão Geraldo,
defrontando com a ingerência – que para mim não passava de estultice –
dirigiu-se a ela com palavras ternas e carinhosas, acalmando-a, inspirando-a a
relatar o que estava a lhe acontecer.
Um silêncio longo e
inquietante foi logo quebrado pelo som claro, bonito e musical de uma voz que
me era muitíssimo familiar. Tal voz fazia-me evocar doces recordações e a
identifiquei como sendo de minha esposa Irma, desencarnada havia poucos dias.
Estupefato, ouvi minha
cunhada Luiza chamando-lhe de Naná – seu apelido – pedindo-lhe notícias,
portando-se como se nada tivesse acontecido. Agindo tão naturalmente como se
Meimei estivesse ali, em carne e osso, ainda que apresentando um corpo e rosto
bem diferentes dos seus.
Aumentavam ali minhas
perturbações e questionamentos. As elucidações de Geraldo foram insuficientes
e, em minha ignorância, revoltei-me, reneguei o fato presenciado,
veementemente.
Pois bem: esvaí-me em
desesperos e angústias noite e dia e, até que se verificasse meu encontro
casual com Chico Xavier, vinte e dois dias se passaram. Vinte e dois dias vividos
numa intensa comburência mentopsíquica e emocional.
Eu caminhava taciturno e
distraído quando, inadvertidamente, fui de encontro a um senhor, derrubando ao
chão sua pequena pasta. Desculpei-me de imediato, entregando-lhe o objeto, reparando em suas
maneiras simples e modestas, demorando-me em seu olhar de imensa bondade e
candura. Reconheci, naquele homem, o personagem de reportagens lidas, há pouco
tempo, na revista “O Cruzeiro”. Sim! O homem simples, modestamente trajado,
alvo de meu descuido no andar, era, incontestavelmente, o Sr. Francisco Cândido
Xavier, o médium de Pedro Leopoldo!
Indizível emoção
envolveu-me. Queria falar-lhe, apresentar-me, mas perdera a voz. Pus-me a
chorar em plena via pública. Situação desconcertante; nós dois ali parados,
atrapalhando os outros, dificultando o fluir normal dos transeuntes!...
– Escute, Naldinho... Não é
assim que Meimei lhe falava? Ela está aqui, conosco, radiante de alegria pelos
seus vinte e quatro janeiros, ou melhor, ela diz vinte e quatro primaveras de
amor! Hoje não seria o dia de seu aniversário? Deixe-me ver o retrato dela,
guardado em sua carteira.
Fiquei estuporado, siderado
mesmo! Nada lhe falara, a não ser o pedido de desculpas! Como sabia meu nome?
Que sabia de Meimei ou de seu aniversário?
Tentava controlar o choro, suava frio, envergonhado de mim mesmo.
Inerme, mostrei-lhe a fotografia.
O médium pegou-a delicadamente.
Pousou nela os olhos marejados de lágrimas e com um belo e reconfortante
sorriso, segredou-me:
– Nossa querida princesa
Meimei quer muito lhe falar. E hoje, em comemoração do seu aniversário;
podíamos fazer uma prece. Vamos à casa de Geraldo?
E para lá seguimos. Eu
continuava mudo, lívido, assustado. (...) Não compreendia, na essência, o que
ocorria, não sabia que estava na companhia de um excelente clarividente.
Meu interlocutor discorria
alegremente sobre Meimei, como se de muito a conhecesse. Falou-me de sua
alegria de viver, de sua jovialidade, poesias, leituras, sonhos e de sua
doença.
Irmã de Castro Rocha –
Meimei. Praça Raul Soares, Belo Horizonte/MG, 1946. |
Aos poucos, o mutismo e o espanto deram lugar a um encantamento e, mais à vontade, pus-me a conversar, absorvendo atentamente tudo o que aquele homem estava me revelando.
Em casa de Geraldo,
preparamos uma reunião íntima e, através da Psicofonia Sonambúlica, por mais de
uma hora, Meimei falou-nos de sua nova vida, da amizade dos amigos espirituais.
(...)
A todo momento, exclamava,
jubilosa: – “Meu Meimei, aqui tudo é lindo! Sou tratada como se fosse uma
princesa! Todos são fraternos, tão joviais e gentis’....Aceite um conselho:
leia, estude, traballhe, e sirva sempre.1”
Em meio a lágrimas, este
repórter ficou imaginando as emoções vividas por essas Almas Amigas nesse encontro
“casual”.
Fonte:
COSTA, Carlos Alberto Braga. Chico, diálogos e recordações. BH. União Espírita Mineira, 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário