Parábola do mordomo infiel
1.
Disse também Jesus a seus discípulos. Havia um homem rico que tinha um mordomo
e este perante ele foi acusado de lhe haver dissipado os bens. 2. Ele o chamou
à sua presença e lhe disse: Que é o que ouço dizer de ti? Dá-me conta da tua
administração, pois que não poderás mais administrar meus bens. 3. Disse então
o mordomo de si para si: Que hei de fazer, uma vez que meu amo me tira a
administração de seus bens? Não sei cultivar a terra e de mendigar tenho
vergonha. 4. Já sei o que farei, a fim de que, quando me houverem tirado a
mordomia, encontre pessoas que me recebam em suas casas. 5. Chamou cada um dos
que deviam a seu amo e perguntou ao primeiro: Quanto deves a meu amo? 6. O
devedor respondeu: Cem cados de óleo. Disse-lhe o mordomo: Toma a tua
obrigação, senta-te ali e escreve depressa outra de cinquenta. 7. Perguntou em
seguida a outro credor: E tu quanto deves? Respondeu esse: Cem coros de trigo.
Toma, disse ele, o documento que me deste e escreve um de oitenta. 8. E o amo
louvou o mordomo Infiel por haver procedido com atilamento: pois os filhos do
século são mais avisados no gerir seus negócios do que os filhos da luz. 9. E
eu vos digo: Empregai as riquezas de iniquidade em granjear amigos, a fim de
que, quando elas vierem a faltar-vos, eles vos recebam nos tabernáculos
eternos. 10. Aquele que é fiel nas pequenas coisas sê-lo-á também nas grandes;
aquele que é injusto no pouco também o é no muito. 11. Ora, pois, se não houverdes
sido fiéis no tocante às riquezas de iniquidade, quem vos confiará às
verdadeiras? 12. Se não fostes fiéis, com o alheio, quem vos dará o que é
vosso?
Para que esta parábola seja
bem entendida, preciso é se atente bastante no que consta nos versículos 10 e
12, do capítulo 16 de LUCAS, que mostram qual o seu espírito e não permitem,
portanto, se suponha e diga, como o têm feito certos críticos sem ponderação,
que o divino Modelo haja pensado em legitimar ou, sequer, aplaudir o roubo, em
sancionar, ou aprovar as fraudes e as ações más.
Nela não se nos oferece um exemplo, conforme o pretenderam a malevolência e a ignorância dos que se apegam a cada uma das letras de cada versículo, mas, apenas, uma comparação. Compara-se o juízo de um homem, sobre uma ação má, porque fraudulenta, que ele admira louva não), pela habilidade que revela, e o juízo de Deus com relação àqueles que empreguem suas riquezas humanas em fazer o bem, que sempre militará a seu favor, ainda quando as hajam adquirido fraudulentamente.
Dizemos “admira” e não “louva”
porque, podendo a palavra, no original, significar as duas coisas, devemos
traduzi-la por “admirar”, que é mais consentânea com o pensamento do Mestre.
Quanto às “riquezas de
iniquidade”, são as riquezas terrenas, que se tornam, tão amiúde, fontes de
males para o homem, porquanto, adquiridas muitas vezes, ao que se diz
legitimamente, Deus sabe que o são pela astúcia, pela esperteza, empregadas
contra o simples, o ignorante, a criatura de boa-fé.
Pois que no mundo não falta
quem admire e até louve a previdência de outro, mesmo quando essa previdência
se traduza por um ato fraudulento, do qual é vítima o primeiro, como se poderá
negar louvores àquele que empregue os bens perecíveis e perigosos da Terra na
conquista de amigos que o ajudem a entrar nos tabernáculos eternos, isto é,
aplicando-os em auxiliar o pobre, o necessitado, fato que lhe será levado em
conta, para amortização de suas dívidas?
Jesus não veio destruir a lei, mas
cumpri-la
(Mateus,
5:17-19)
17.
Será mais fácil que o céu e a Terra passem do que cair um sinal qualquer da lei.
O Espiritismo, (não o negue
quem não o tenha examinado de perto), é a confirmação e a ampliação do
Cristianismo, instituído por Jesus com sua palavra evangélica, que precisa ser
bem compreendida e praticada em espírito e verdade. E o será, porque a lei tem
que ser cumprida em todas as suas partes, necessária e fatalmente, Os que não a
cumprirem retardarão seu próprio progresso e se condenarão ao sofrimento na
erraticidade e em encarnações sucessivas, de acordo com o grau de culpabilidade
em que hajam incorrido. Os que, ao contrário, a cumprirem, rápido progredirão e
chegarão celeremente ao reino do céu, que é a perfeição.
Casamento
(Mateus,
5:31-37)
18.
Quem quer que deixe sua mulher e tome outra comete adultério; e quem quer que
despose a que o marido abandonou comete adultério.
Relativamente ao divórcio, o
objetivo imediato do ensino de Jesus foi impedir se multiplicasse o número de
mulheres repudiadas sob os mais fúteis pretextos, como era de costume entre os
judeus, mediante a carta de divórcio que Moisés permitira.
Nem foi com objetivo diverso
que, doutra feita, apoiando-se na letra da Gênese, se referiu figuradamente, à
criação inicial de um homem e de uma mulher, para origem da Humanidade, a fim
de concluir recomendando não se separasse o que Deus unira.
De fato, o homem não deve
equiparar-se ao bruto, tendo a mulher apenas como meio de satisfazer ele aos
seus apetites materiais, ao instinto da procriação. Cumpre-lhe, ao contrário, considerá-la
o que ela realmente é —um Espírito criado como o dele, a este em tudo
semelhante e posto na Terra, pela encarnação, para também expiar e resgatar
faltas, depurar-se, progredir, suportando, do mesmo modo que ele, os trabalhos
e, como ele, gozando das alegrias que lhe proporcione a vida humana.
As causas ou motivos das
separações conjugais, que ainda hoje se dão, como outrora, são frutos da nossa
defeituosíssima civilização, que faz da união matrimonial do homem e da mulher
um comércio, um objeto de negócio, união que, entretanto, deverá ser a de
Espíritos afins, simpáticos e que, por efeito dessa simpatia e dessa afinidade,
se buscassem para juntos passarem as provas da existência corpórea, tirando
dessa circunstância um grande motivo de felicidade, que bastante atenuaria
aquelas mesmas provas.
Quando as criaturas humanas
houverem dominado seus maus instintos, quando a Humanidade se compuser de
Espíritos que já tenham atingido certo grau de purificação, o homem,
compreendendo o verdadeiro objetivo da vida terrena, saberá santificar de fato
a união conjugal e, então, não pensará mais em divórcio, mesmo porque para este
já nenhum cabimento haverá.
Como o assunto de que
estamos tratando terá que ser versado novamente, quando estudarmos os
versículos de 1 a 9 do capitulo 9 do Evangelho de MATEUS e os versículos de 1 a
12 do capítulo 10 do de MARCOS, por agora não nos estenderemos sobre ele.
Qual seja, porém, o valor
desse freio todos hoje o sabem. Dentre nós, já foi oficialmente banido e,
quando imperar na Terra o Espiritismo, ele desaparecerá completamente. Todos se
limitarão a dizer sim, ou não, conforme há perto de dois mil anos Nosso Senhor
Jesus Cristo recomendava aos que estavam aptos a lhe guardar as palavras e
decididos a caminhar pelas sendas do Senhor.
Parábola do mau rico e do pobre paciente
e resignado
19.
Havia um homem rico que se vestia de púrpura e finíssimo linho e se banqueteava
magnificamente todos os dias. 20. Havia também um pobre mendigo chamado Lázaro
que jazia coberto de úlceras à porta do rico, 21, e que bem quisera saciar-se
com as migalhas que caiam da mesa deste, mas ninguém lhas dava; e os cães
vinham lamber-lhe as chagas. 22. Ora, aconteceu que o mendigo morreu e foi
transportado pelos anjos ao seio de Abraão. O rico morreu também e teve o
inferno por sepultura. 23. Quando este, dentre os seus tormentos, levantou os
olhos e ao longe viu Lázaro no seio de Abraão, 24, disse em gritos estas
palavras: Pai Abraão, tem piedade de mim e manda-me Lázaro para que, molhando
n’água a ponta do dedo, me refresque a língua, pois sofro tormentos nestas
chamas. 25. Mas Abraão lhe respondeu: Meu filho, lembra-te de que recebeste
bens em tua vida e de que Lázaro só teve males; por isso ele agora é consolado
e tu és atormentado. 26. Demais, grande abismo existe entre nós e vós; de modo
que os que querem passar daqui para lá não o podem, como também não se pode
passar de lá para cá. 27. Disse o rico: Eu então te suplico, pai Abraão, que o
mandes à casa de meu pai, 28, onde tenho cinco irmãos, para lhes dar testemunho
destas coisas, a fim de que eles não venham a cair neste lugar de tormentos. 29.
Abraão lhe retrucou: Eles têm Moisés e os profetas: que os escutem. 30. Não,
pai Abraão, disse o rico, se algum dos mortos lhes for falar, eles farão penitência.
31. Abraão respondeu: Se não escutam nem a Moisés nem aos profetas, não
acreditariam do mesmo modo, ainda que algum dos mortos ressuscitasse.
O ensinamento que se contém
nesta parábola, como os de todas as outras, é plenamente confirmado pelos princípios
da Doutrina Espírita.
O rico, egoísta e
endurecido, encontra, ao mergulhar no sepulcro, o seu inferno, em o desespero
de que se vê presa, ao passo que o pobre que, submisso e resignado, sofre todas
as suas duras provas, ascende, pela morte, ao céu, ao seio de Abraão: à paz da
consciência, à paz espiritual.
Quando na erraticidade, os
Espíritos de um e outro pediram a reencarnação, como meio de minorarem seus
sofrimentos, pela depuração de suas almas. De acordo com as causas desses
sofrimentos, um buscou a prova da riqueza e o outro a da pobreza. Reencarnados,
aquele empregou seus haveres na ostentação, no luxo, na satisfação dos gozos
materiais, conservando-se indiferente aos gemidos do outro que, doente,
faminto, exposto a todas as intempéries e ao desprezo da sociedade, suportava
sem revoltas todas as dores e privações.
Um contemporizava,
procurando iludir e sofismar a lei, enquanto que o outro estritamente a
cumpria.
Ambos, afinal, desencarnam e
vão encontrar-se em situações opostas, quais a do que saldou seus compromissos
e a do que os agravou ainda mais. O rico, nessa conjuntura, aprecia o resultado
do seu procedimento, verificando o engano e a decepção que sofrem os soberbos,
os orgulhosos, os poderosos e tantos outros que vivem neste mundo iludidos
quanto aos fins reais da existência terrena.
Acode-lhe então à mente
pedir fossem avisados do que lhe acontecera os irmãos que ele deixara na Terra.
A hipótese desse pedido, formulada na parábola, mostra ser real a crença na
comunicabilidade dos mortos com os vivos, crença que, de fato, era corrente
entre os judeus.
A tal pedido, porém,
responde Abraão, mostrando ser absolutamente inútil, como ainda hoje a cada
momento se comprova, toda e qualquer comunicação do além-túmulo, para os
sistematicamente incrédulos. Realmente, de que serviria aos irmãos do rico, os
quais, como se depreende da parábola, também se achavam dominados pelo egoísmo,
o que lhes fosse dizer o Espírito do pobre, ou qualquer outro desencarnado?
Responderiam com um encolher os ombros, considerando alucinação ou sonho a
aparição que tivessem.
Porque, quase sempre, onde
há a incredulidade sistemática, também há o endurecimento do coração, que leva
o homem a rejeitar todos os avisos e conselhos que lhe venham de além-túmulo,
pela razão de que tais conselhos e avisos lhe contrariam as paixões e os
interesses materiais. Ao demais, a firmá-lo na sua obstinação, aí está o
Catolicismo, que lhe diz parodiando a resposta de Abraão: “Tendes os Evangelhos
e a Igreja, por que haveis de procurar outra coisa?”
Segundo a parábola, Abraão
respondeu ao rico: Eles têm lá Moisés e os profetas: que os ouçam. Como pode,
porém, a Igreja Romana responder de modo semelhante, quando, por não lhe
praticar os preceitos, tem feito dos Evangelhos letra morta e, em consequência,
que a abominação e a desolação se implantassem no lugar santo? Não é por outra
causa que o Senhor envia ao mundo o Paracleto, o Consolador, a reconduzir os
homens à prática do amor, à pureza de sentimentos, à simplicidade dos ensinos
puros da sublime moral do Mestre divino e, assim, ao progresso, que é lei
universal.
O rico da parábola teve a
inspirá-lo um bom sentimento, quando pretendeu forrar seus irmãos aos
sofrimentos por que estava passando. Faltou-lhe, porém, o arrependimento, que lhe
atenuaria ou abreviaria as penas a que se condenara, pelo seu delirante
egoísmo, e que daria ao seu pedido a força de que carecia, por não exprimir o
pesar que lhe causava o ver seus irmãos a transgredirem a lei divina, mas
apenas o desejo de poupá-los às provas de que já se haviam tornado merecedores.
O abismo de que fala o
versículo 26 deve ser entendido como exprimindo a impossibilidade em que se
encontram os Espíritos superiores de se porem em contacto direto com os
inferiores que expiam suas culpas, por não o permitir a diversidade das
vibrações dos respectivos perispíritos. Não se conclua, porém, daí, que aqueles
se achem impossibilitados de acudir aos segundos, como lhes prescrevem as leis
de solidariedade, fraternidade e amor.
Eles o fazem, mas
imperceptivelmente para os sofredores, por intermédio de outros Espíritos que,
menos graduados na escala espírita, podem daqueles aproximar-se e cercá-los dos
cuidados de que necessitem.
Pela mesma razão, os
Espíritos inferiores não podem elevar-se aos planos onde pairam os bons
Espíritos, nem mesmo vê-los, antes que um arrependimento sincero e profundo
lhes torne os perispíritos capazes de sentirem, ainda que fracamente, as
vibrações dos daqueles outros, entre os quais se acham os seus protetores, ou lhes
torne possível a permissão de acompanharem os bons Espíritos, a fim de se
instruírem, ou progredirem.
SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book).
Nenhum comentário:
Postar um comentário