Evangelho segundo Lucas - cap. 2

Concepção e gravidez de Maria, por obra de Espírito Santo. Aparição de Jesus na Terra

1. Sucedeu que, por aqueles dias, se publicou um edito de César Augusto, para o recenseamento de todo o mundo. 2. Esse primeiro recenseamento foi feito por Cirino, Governador da Síria. 3. Todos iam fazer suas declarações, cada um na sua cidade. 4. José partiu da cidade de Nazaré, que fica na Galileia, e veio à Judeia, à cidade de Davi, chamada Belém, por isso que ele era da casa e da família de Davi. 5, a fim de fazer-se registrar com Maria, sua esposa, que estava grávida. 6. Enquanto ali se achava, sucedeu que se completou o tempo ao cabo do qual devia ela parir; 7, e Maria deu à luz o seu primogênito, envolveu-o em panos e o deixou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.

A concepção, em Maria, como tudo mais que a isso se seguiu até ao suposto nascimento do nosso Redentor, tudo considerado uma obra miraculosa, por inexplicável mediante os conhecimentos de então e que inexplicável se conservou até ao advento da Terceira Revelação, mais não foi que o resultado de uma ação magneto-espírita, exercida com o emprego de fluídos apropriados.

E fundamento não há para se não admitir que assim possa ter sido, posta de lado toda e qualquer ideia de milagre, porquanto este seria o “sobrenatural”, que não existe, visto que implicaria a derrogação de leis naturais, que são imutáveis, porque oriundas da sabedoria divina, ao passo que aquela ação assenta numa lei da Natureza, que o estudo e a experiência descobriram e os atos hão provado incessantemente, fatos que a todo instante podem ser verificados. É a lei do Magnetismo, que se desdobra em espiritual e humano e se exercita por meio da ação fluídica.

É sabido, com efeito, que Jesus não revelou aos homens toda a verdade. Ele próprio disse que apenas ensinava o que os homens podiam suportar; que, quando viesse o Espírito da Verdade, esse sim, lhes daria a conhecer todas as coisas (Evangelho de João, capítulo 16, versículos 12 e 13). Ora, não podendo essa revelação de verdades referir-se aos ensinamentos por Ele ministrados, é claro que, decorridos dezenove séculos, ao cabo de todo o progresso que a Humanidade tem feito nesse espaço de tempo, não mais pode ela, por outro lado, conservar-se estacionária na cegueira dos milagres, dos dogmas, das tradições supersticiosas. Fora condenar-se às trevas eternas e ao indiferentismo que esses absurdos geram.

O Espírito da Verdade não é um ser corpóreo ou fluídico; é o conhecimento progressivo da verdade, conhecimento que se não pode adquirir senão pelo aperfeiçoamento; é o conjunto dos Espíritos do Senhor, os quais, manifestando-se aos homens, os fazem penetrar naquele conhecimento; é, portanto, o Espiritismo que, consubstanciando os ensinos daqueles Espíritos, nos faculta conhecer as verdades que o Divino Mestre não pôde revelar e a discerni-las do erro e da falsidade; leva-nos a desenvolver, pela experiência, a nossa perspicácia e as nossas faculdades intelectuais; concita-nos ao devotamento, tocando-nos os corações e tornando-nos dignos de ser por ele conduzidos a toda a verdade.

Vem como precursor do estado de perfeição que devemos atingir.

Mas, para alcançar tão alta meta, temos que trabalhar incessantemente pelo nosso progresso moral. Tal o objetivo dessa ciência: a perfeição humana. Para isso, três elementos se nos oferecem: o amor, o estudo e a caridade.

Todos os atos chamados “milagrosos” são resultantes de ações espíritas, de ações magnéticas, desenvolvidas com o auxílio de fluídos apropriados.

O Magnetismo é o agente universal que aciona tudo, porque tudo está submetido à influência magnética. A atração, efeito do magnetismo, se opera em todos os reinos da Natureza. Assim, pela atração magnética é que o macho se aproxima da fêmea, nos desertos da terra. É ainda pela atração magnética que o princípio fecundante é levado de uma flor a outra; que, nas entranhas do planeta, as substâncias se agregam, para formar os minerais; que as águas se orientam para as terras áridas, precisadas de fertilização.

Os fluídos magnéticos ligam todos os mundos do Universo, como ligam todos os Espíritos, encarnados ou não. É um como laço universal que Deus formou, para constituirmos todos, por assim dizer, um ser único e para podermos subir até Ele, Os diversos fluídos existentes se reúnem e conjugam pela ação magnética. Enfim, tudo é atração resultante desse agente universal o Magnetismo.

Quando o homem houver adquirido o conhecimento de todos os fluídos, das suas diversas espécies, de suas propriedades, de seus efeitos, das várias transformações e combinações de que são passíveis, estará na posse do segredo da vida universal, a transcorrer sob a dupla ação: espírita e magnética, pela vontade de Deus e segundo leis naturais e imutáveis, que constituem a expressão grandiosa dessa vontade.

Em o nosso planeta, podemos distinguir quatro espécies de magnetismo: mineral, animal, humano e espiritual.

As criações, ou os seres ainda privados de responsabilidade, ainda, portanto, sem liberdade, nem personalidade, se submetem fatalmente à ação das leis a que se acham sujeitos, para a evolução que lhes cumpre a todos realizar. As entidades morais, porém, são dotadas de vontade, que representa um fator essencial e poderoso da efetivação das suas possibilidades. Tanto é assim, que o magnetizador humano, pela só ação da sua vontade, exercendo-se no emprego dos fluídos humanos, bem dirigidos, influi sobre o magnetizando e consegue fazê-lo cair em estado sonambúlico, experimentar, nesse estado, as sensações e impressões mais variadas, receber as ideias que lhe transmita, etc.

Quanto ao magnetismo espiritual, sua ação e seus efeitos são incontestáveis. O estudo e a experiência facilmente os comprovam nas sessões espíritas. Qualquer opinião que se forme sobre a improcedência destes princípios, desde que não assente no estudo e na experiência, é comparável à sentença que um juiz pronuncie sem ter lido autos, nem examinado provas.

A ciência do Magnetismo é maravilhosa em seus efeitos físicos e morais. Oferece a prova mais cabal da existência e da imortalidade da alma. Esta deixa de ser a resultante de forças vitais, ou do jogo dos órgãos, como pretendem os materialistas, e se apresenta como causa independente, como sede de uma vontade operosa, liberta momentaneamente da sua prisão e pairando sobre a natureza toda, na plenitude de suas faculdades inatas.

Hoje, felizmente, após quase dois séculos de vulgarização de seus princípios, já os sábios começam a falar, nas suas academias, com um pouco mais de afoiteza, dessa ciência básica para elucidações dos fenômenos mais graves que se apresentam às nossas cogitações. Dão-lhe, porém, denominações diversas, para fazerem crer que se trata de verdadeiras novidades. Dizem então: não há Espiritismo, nem magnetismo. O que há é hipnotismo, é sugestão, etc. Por haver quem abuse da credulidade e explore a ignorância pública, lavram um decreto, lançando condenação geral e absoluta sobre aquilo que não conhecem, que não lhes convém conhecer e, menos, divulgar, porque a isso se opõem interesses inconfessáveis.

A necessidade de reproduzir, ainda que sumariamente, as lições de nossos mestres nos levou a tornar este capítulo mais extenso do que deverá ser. Entretanto, assim fazendo, logramos dar uma ideia da causalidade de fenômenos, a que muitos ainda denominam de “milagres”, erradamente, porquanto são fenômenos naturais, que se produzem para determinados fins, de acordo com as necessidades da época.

A Virgem pura e imaculada, nossa Mãe Santíssima, era filha de Ana e Joaquim. Ana, como Isabel, foi tida por estéril durante muitos anos. Ambas rogavam ao Senhor se condoesse da aflitiva condição em que se encontravam, visto que, naqueles tempos, a esterilidade da mulher era considerada um opróbrio. Ana se doía dessa humilhação, porém não desesperava de alcançar a graça que deprecava.

Vindo a festa dos essenianos, foi Joaquim, como os demais, fazer a sua oferenda ao Senhor. Esta, no entanto, o sacerdote a repeliu com desprezo, estranhando que a fizesse alguém sobre o qual pesava a maldição de Israel. A seita dos essenianos se distinguia pela sua extrema austeridade.

Ana e Joaquim, traspassados de dor, elevaram, súplices, seus pensamentos ao céu e, orando com fervor ao Deus de infinita misericórdia, obtiveram o auxílio dos bons Espíritos, que confortam a alma dando-lhe forças para vencer os transes mais difíceis.

Findaram-se-lhes, afinal, os dias da provação, com o lhes conceder o Eterno uma filha, que seria a escolhida para Mãe do Senhor. Pondo-lhe o nome de Maria, o Anjo a proclamou cheia de graça e determinou a seus pais que, em observância dos votos que haviam feito, a consagrassem ao Senhor desde a infância. Assim é que Ana, ao cabo de vinte anos de esterilidade, concebeu e que, no momento oportuno e na casa onde costumava pousar, quando com seu marido chegava a Jerusalém, veio ao mundo a Virgem predestinada.

Segundo era de uso em Israel, ao nono dia de nascida, à menina, perante toda a família reunida, foi-lhe dado nome, ouvindo todos, da boca de Joaquim, que ela se chamava Maria, que, em hebraico, significa “Estrela do mar” e, na linguagem siríaca, quer dizer “Soberana”.

Passados quarenta dias, foi Ana ao templo purificar-se, levando nos braços a sua primogênita. Depois de fazer a oblata das vítimas a serem sacrificadas, proferiu o voto de consagrar ao serviço de Deus a menina que, com três anos e dois meses de idade, foi confiada à guarda do respectivo sacerdote, que, dizem, era o santo Zacarias, marido de Isabel, prima irmã da Virgem Maria.

Terminada a cerimônia, entrou esta para o templo, onde se educavam as donzelas, que lá permaneciam até se casarem.

Aos onze anos, achando-se ela ainda no templo, morreu-lhe o pai, em avançada idade.

Aos quinze, em obediência ao que ordenava a lei, cumpria-lhe tomar esposo, para sair do templo amparada.

Cumpriu-se o preceito, ao celebrar-se a festa da nova dedicação, escolhendo os parentes de Maria, com os sacerdotes, para seu marido, a José, natural de Nazaré, da mesma tribo que a Virgem, pelo lado varonil.

Celebraram-Se os esponsais, tendo ela quinze anos e José de trinta e cinco a quarenta.

Os pastores

(Mateus, 2:1-12)

8. Ora, havia no país muitos pastores que passavam as noites no campo, revezando-se na guarda dos seus rebanhos. 9. De repente, um anjo do Senhor se lhes apresentou, circunvolveu-os a claridade de Deus e eles se sentiram presa de grande temor. 10. Então, o anjo lhes disse: “Não tenhais medo, pois venho trazer-vos uma notícia que, para vós como para todo o povo, será motivo de grande alegria: 11, é que hoje, na cidade de Davi, vos nasceu um Salvador, que é o Cristo, o Senhor. 12. Eis aqui o sinal que vos fará reconhecê-lo: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura”. 13. No mesmo Instante reuniu-se ao anjo um grande troco da milícia celeste, louvando a Deus e dizendo: 14. Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na Terra aos homens de boa-vontade. 15. Logo que os anjos se retiraram para o céu os pastores disseram entre si: Vamos até Belém para verificar o que nos acaba de ser dito, o que sucedeu, o que o Senhor nos mostra. 16. Partiram apressadamente e encontraram Maria, José e o menino deitado numa manjedoura. 17. E, tendo-o visto, reconheceram a verdade do que lhes fora dito a respeito daquele menino. 18. E todos os que os ouviram se admiraram do que lhes era relatado pelos pastores. 19. Maria prestava atenção a tudo isso que diziam e tudo reunia no seu coração. 20. Os pastores regressaram glorificando e louvando a Deus por tudo quanto tinham Ouvido e visto, conforme ao que lhes tora dito.

A explicação desses fatos se encontra na existência de faculdades mediúnicas, da mediunidade em pleno desenvolvimento, o que só é objeto de dúvida, ou de negação para quem não se quer dar ao trabalho de experimentar e observar. E não vale a pena se pretenda convencer os que julgam e sentenciam sem exame, as mais das vezes, unicamente porque o de que aqui se trata lhes fere o orgulho, ou contraria os interesses.

Circuncisão. Purificação. Cântico de Simeão. Ana profetisa

21. Dê ouvidos os oito dias ao cabo dos quais tinha o menino que ser circuncidado, foi ele chamado Jesus, que era o nome que o anjo lhe dera antes de ser concebido no seio de sua mãe. 22. E, passado o tempo da purificação de Maria, segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém, para o apresentarem ao Senhor. 23, de acordo com o que está escrito na lei: “Todo primogênito será consagrado ao Senhor”, 24, e para oferecerem ao sacrifício que era devido, conforme a mesma lei, duas rolas ou dois filhotes de pombos. 25. Havia em Jerusalém um homem probo e temente a Deus, chamado Simeão, que vivia à espera da consolação de Israel; e um Espírito Santo estava nele. 26. Pelo Espírito Santo lhe fora revelado que não morreria antes que houvesse visto o Cristo do Senhor. 27. Impelido pelo Espírito, veio ao templo e, como os pais do menino Jesus o tivessem levado lá a fim de o submeterem ao que a lei ordenava. 28, ele o tomou nos braços e louvou a Deus, dizendo: 29. “Agora, Senhor, segundo a tua palavra, mandarás em paz o teu servo, 30, pois meus olhos viram o Salvador que nos dás, 31, e que fizeste surgir à vista de todos os povos, 32, como luz para ser mostrada às nações e para glória de Israel, teu povo.” 33. O pai e a mãe de Jesus se admiravam das coisas que eram ditas dele. 34. Simeão os abençoou e disse a Maria, sua mãe: “Este menino vem para ruína e para ressurreição de muitos em Israel e para ser alvo da contradição dos homens. 35. E a tua própria alma será traspassada como por uma espada, a fim de que os pensamentos ocultos nos corações de muitos sejam descobertos.” 36. Havia também uma profetisa chamada Ana, filha de Manuel da tribo de Aser. Estava em idade muito avançada e não vivera senão sete anos com o marido, desde que se casara. 37. Era então viúva, contava oitenta anos e não se afastava do templo, servindo a Deus, dia e noite, em jejum e orações. 38. Chegando ao templo naquele momento, pôs-se a louvar o Senhor e a falar do menino a quantos esperavam a redenção de Israel. 39. Depois de terem cumprido tudo o que era ordenado pela lei do Senhor, eles regressaram à Galileia, Indo para Nazaré, sua cidade. 40. Entrementes, o menino crescia e se fortificava, cheio de sabedoria, estando nele a graça de Deus.

A circuncisão constituía, entre os hebreus e outros povos da raça abraânica, uma cerimônia ritualística. Era um ato material, que se praticava em obediência a uma lei antiga; uma marca destinada a distingui-los dos sectários de outras crenças, como o era a ablução batismal.

Submetendo-se a esse uso, os pais de Jesus deram um exemplo de obediência às leis, exemplo que nos cumpre seguir, não nos revoltando contra os preceitos legais, evitando os escândalos que decorrem de tais revoltas.

O uso da circuncisão, como todas as práticas de culto externo e as cerimônias que formam o conjunto dos atos religiosos, diferentemente regulados, de acordo com a orientação de cada Igreja ou seita, são de origem e invenção puramente humanas, não passando, como tais, de formalidades inúteis, que só têm servido para dividir e separar os homens, para fomentar as intolerâncias e determinar perseguições cruéis e, ainda, para divorciar as criaturas cada vez mais dos ensinos sublimes e puros do Mestre, por efeito dos falseamentos e deturpações que lhes infligem. Imagine-se quão grandes não seriam os benefícios de que a Humanidade fluiria, se a classe, que inutiliza a sua atividade no preenchimento de tantas formalidades vãs, compenetrada dos verdadeiros destinos do homem e da razão de ser da sua presença neste planeta, ensinasse, explicasse e exemplificasse os preceitos que deu ao mundo Aquele de quem os que a compõem se dizem representantes na Terra!

Não nos iludamos, um único meio temos de servir ao nosso Pai celestial e de habilitar-nos à herança de que falou Davi, aos sons harmoniosos de sua harpa (Salmo capítulo 16, versículo 5); é buscar a inspiração para os nossos atos e pensamentos nas lições e exemplos que nos legou Jesus, em seu testamento. Procuremos um irmão que nos ensine a ler e compreender esse testamento, que nos dê o bom exemplo e esse irmão será o legítimo representante do Cristo: esse será o nosso pastor.

Dissera o salmista, exprimindo o pensamento divino: “Mostrar-lhe-ei o salvador por mim enviado” e no velho Simeão se cumpriu essa palavra profética.

Determinava o Levítico (capítulo 12), num de seus preceitos, ao ordenar a purificação das mulheres depois do parto, que a mãe não entrasse no templo antes de 33 dias. Findo esse prazo, deviam apresentar-se ao Senhor e oferecer-lhe um cordeiro de ano e um pombo, ou uma rola. Destinava-se o primeiro ao sacrifício do fogo, denominado holocausto, e o segundo ao sacrifício pelo pecado original, em confirmação da circuncisão. Quase tratava de mulher pobre, a lei apenas exigia duas pombas, ou duas rolas e alguns ciclos. (Cada ciclo valia mais ou menos 20 centavos.)

Por humildade e como exemplo de obediência às leis de Moisés, Maria, a Virgem, não descurou de cumprir os deveres que corriam às filhas de Sião, submetendo-se à cerimônia da purificação. Inspirado pelo seu anjo da guarda, guiado pelo pressentimento de que não morreria sem ver o Cristo, Senhor nosso, e sem proclamar ser aquele o Salvador esperado, Simeão também foi ao Templo no dia em que Maria e José lá entraram, com os ciclos de prata do resgate e os pombos do sacrifício, e, tomando nos braços o menino e erguendo-o bem alto, entoou, com a alma arrebatada, o seu belo cântico de esperança.

E não se cumpriram as proféticas palavras de Simeão? Jesus não foi exposto, no Gólgota, à contemplação daquela época e das épocas então porvindouras? Não esteve e não estará, até à consumação dos séculos, exposto às vistas de todos os povos, como a Luz que havia e há de alumiar as nações? Não têm sido estas e não continuarão a ser esclarecidas por Ele?

Proclamando o advento do Messias, disse Simeão que Ele se dera para glória de Israel, aludindo ao orgulho de que a nação judaica se sentia possuída, à ideia de que fora escolhida para receber aquele penhor de redenção. Para ruína e ressurreição de muitos em Israel e para ser exposto à contradição dos homens, disse também, aludindo às questões religiosas que se levantariam e que ainda duram; aos sofrimentos por que teriam de passar os grandes de Israel, como os de todas as nações, para expiarem o orgulho, que os impedia e impede de se reconhecerem irmãos dos pequeninos e humildes, porque filhos do mesmo Pai, ovelhas, como estes, do mesmo rebanho, e de reconhecerem por Pastor único desse rebanho aquele que da humildade fez o alicerce de toda grandeza.

E Jesus não há sido a luz da ressurreição para todos quantos, emergindo das trevas em que os lançou a morte no pecado, dele se têm aproximado, seguindo-lhe as pegadas? E a alma da Virgem, da Mãe Imaculada, não foi dilacerada, no cume do Calvário, pela mais angustiosa das dores, maior decerto do que se muitas espadas lhe houveram traspassado o coração?

Cumpriram-se, pois, as profecias de Simeão, profecias que foram confirmadas por Ana, chamada a profetisa, porque, como médium que era, tinha a faculdade de predizer, sob a influência e a ação dos Espíritos do Senhor, certos acontecimentos. Era um Espírito bastante elevado, de faculdades mediúnicas muito desenvolvidas, como os profetas que surgiram em Israel.

Quanto a Jesus, menino, é claro que, não pertencendo ele à nossa Humanidade, visto que não se achava revestido de um corpo de carne idêntico aos nossos, sua infância não podia transcorrer semelhantemente à dos Espíritos encarnados. Seu corpo, que era, cumpre não o esqueçamos, celestial, posto que material na aparência, de modo que ele fosse tido por um homem como os demais, a fim de que suas palavras fossem acreditadas e aceita a sua missão, apenas encobria, devido à sua natureza perispirítica, um Espírito livre, que agia com a independência e a superioridade de um ser puro, perfeito, e, assim, cheio da graça de Deus.

Jesus no templo entre os doutores

41. Seus pais iam todos os anos a Jerusalém pela festa da Páscoa. 42. Quando ele tinha a idade de doze anos, lá foram, como costumavam, no tempo da festa. 43. Passados os dias desta, regressaram, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que eles dessem por isso. 44. Pensando que o menino estivesse entre os que os acompanhavam, caminharam durante um dia e o procuraram no meio dos parentes e conhecidos. 45, Não o achando, voltaram a Jerusalém, para procurá-lo aí. 46. Três dias depois o encontraram no templo, sentado entre os doutores, ouvindo-os e Interrogando-os. 47. Todos os que o ouviam ficavam surpreendidos da sua sabedoria e das suas respostas. 48. Vendo-o, seus pais se encheram de espanto e sua mãe lhe disse: “Meu filho, por que procedeste assim conosco? Aqui estamos teu pai e eu que aflitos te procurávamos.” 49. Jesus lhes disse: “Por que me procuráveis? Não sabeis ser preciso que me ocupe com o que respeita ao serviço de meu Pai?” 50. José e Maria, porém, não compreenderam o que ele lhes dizia. 51. E Jesus partiu em seguida com ambos e veio para Nazaré; e lhes era submisso. Sua mãe guardava no coração todas estas palavras. 52. E Jesus crescia em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e diante dos homens.

Com relação ao tempo decorrido desde que a sagrada Família regressou do Egito, até o momento em que Jesus reapareceu, entre os homens, período esse a cujo respeito guardam as Escrituras completo silêncio, não nos é dado saber o que fez, nem como viveu o Filho do Homem. Sabe-se tão-somente que, após aquele regresso, ele, já na idade de 12 anos, foi visto a discorrer no templo, entre os doutores da lei, assombrando os anciães de Israel com a inteligência esplendorosa e a madureza de juízo que revelava em tão tenros anos (versículo 47). Já era tal, com efeito, o seu saber, que os judeus, admirados, perguntavam como o possuía ele, sem jamais haver estudado (JOÃO, capítulo 7, versículo 15). E que todos, em geral, o supunham aplicado ao ofício de carpinteiro, na oficina de seu pai.

Com outro fato digno de reparo se depara nesta parte da narração de Lucas: o de haver Jesus passado três dias em Jerusalém, sem recurso de espécie alguma, sem seus pais e sem que estes, a princípio, lhe houvesse notado a falta.

E como se pode explicar que Jesus crescesse e se fortificasse em sabedoria, conforme diz o Evangelista (versículo 52), sem estudo e sem mestre, a ponto de confundir os doutores e causar admiração ao povo?

Para os católicos, a resposta é fácil e a que mais lhes convém, mesmo porque a Santa Madre Igreja, em favor de quem todos devemos abrir mão da nossa inteligência e da nossa razão, proíbe que seus fiéis se lancem a tais indagações. O Menino se mostrava cheio de sabedoria, a graça de Deus estava nele (capítulo 2, versículo 14): o milagre explica tudo e faz descer o seu véu sobre a razão humana, que, desde então, nada mais tem que procurar saber. Por outro lado, se houvermos de seguir o cômodo exemplo dos materialistas, não temos que atentar nesse fato, porquanto não nos devemos impressionar senão com o que veem os olhos da matéria.

Entretanto, sem milagre, sem prodígio, sem mistérios, e sem que tenhamos de rejeitar, por incompreensíveis, algumas partes da narração evangélica, a ocorrência se explica perfeitamente, de modo a podermos aceitar o que consta nos Evangelhos, não com os olhos fechados, mas com eles bem abertos, como os devemos ter diante da verdade que emana dessa fonte de eterna sabedoria.

Para que tudo, no caso, se torne claro e perceptível, basta se atente em que era puramente espírita a origem de Jesus e de natureza perispirítica o seu corpo, embora com a aparência de humano, de material, no qual nenhum milagre, nem mistério houve, porquanto é da Natureza a existência de corpos terrestres e de corpos celestes. Apenas, essa circunstância teve que ficar em segredo, até que, cumprida a sua missão, os homens se achassem nas condições de compreender e aceitar os múltiplos fenômenos que das combinações dos fluídos tiram a sua causalidade. O que fora antinatural, por contrário às sábias leis emanadas da onisciência divina, é que um Espírito de pureza absoluta, como o de Jesus, colocado em nível superior aos dos mais eminentes da hierarquia espiritual concernente ao nosso planeta, pairando em altitude ainda não atingida sequer pelos que, dentre estes, já tinham alcançado a perfeição sideral, houvesse, para se mostrar entre os homens como o verbo de Deus, de tomar um corpo grosseiramente carnal quais os nossos, isto é, de sofrer a encarnação humana, a que se acham sujeitos unicamente aqueles que ainda têm o que expiar, resgatar, ou reparar, aqueles que ainda se encontram mais ou menos distantes dos lindes extremos do progresso moral.

Acrescentem-se a essa circunstância os hábitos e costumes dos povos daquela época e o fato de que tratamos nada mesmo denotará de grandemente excepcional, apresentando-se, ao contrário, perfeitamente compreensível e aceitável, sem que se façam mister as imposições dos ortodoxos aferrados às tradições, ou ao dogmatismo.

Jesus chegara aos doze anos, entrara, pois, na adolescência, quando se celebrou a festa pascal, em comemoração a libertação dos judeus do cativeiro do Egito. Estando morto Herodes e destituído Arquelau das funções de preposto dos romanos, nenhum motivo de receios havia. Assim, a santa família compareceu à cerimônia da imolação do cordeiro e da consumação dos pães ázimos (não fermentados).

José e seu irmão Matias apresentaram Jesus no templo, como descendente de Davi.

Terminada a festa, Maria e José trataram logo de regressar a Nazaré, pela estrada da Galileia, empreendendo uma viagem que durava quatro dias. A Virgem se pôs a caminho na companhia de outras donzelas e muitas matronas, indo José na de seus parentes e amigos íntimos. Como se sabe, há pais que trazem constantemente sob suas vistas os filhos, enquanto que outros, ou por compreenderem de modo diverso a vida, ou por saberem ajuizados seus filhos, lhes concedem maior liberdade. Era o que se dava com Maria e José, relativamente a Jesus, que, por isso, não saíra de Jerusalém na companhia deles. Aquela, não o vendo junto de si, o supunha com o pai, ocorrendo o mesmo da parte deste. Vê-se, assim, que nenhum fundamento há para se considerar inverossímil que só ao cabo de algum tempo de viagem houvessem os dois dado por falta do menino.

Verificada essa falta, voltaram ambos imediatamente a Jerusalém, à procura do filho, e, depois de terem viajado um dia, o foram encontrar no templo. E, nada mais natural do que, tendo-o encontrado, ela lhe dissesse magoada: Meu filho, por que procedeste assim conosco? Aqui estamos teu pai e eu que aflitos te procurávamos. Ao que ele respondeu: Por que me procuráveis? Não sabeis ser preciso que me ocupe com o que respeita ao serviço de meu Pai?

Nesta resposta de Jesus, que não foi compreendida por seus pais, é clara, evidente a alusão que ele fazia à missão altíssima de que se achava investido. E, a propósito dessa alusão, ocorre perguntar: Poder-se-á crer, dado fosse Jesus um Espírito que estivesse sofrendo a encarnação humana, como a sofrem todos os que vêm habitar a Terra, tivesse ele, aos doze anos apenas de idade, não só a intuição, mas a consciência plena da missão que descera a desempenhar, de ser, portanto, o enviado de Deus, o Messias prometido à Humanidade? Aquela alusão, pois, comprova que ele era, como o diz a Revelação da Revelação, um Espírito, o Espírito a quem Deus confiou o glorioso encargo de dirigir, governar e proteger a Humanidade terrena, revestido simplesmente de um envoltório especial, de um corpo celeste, ou seja: fluídico, de natureza perispirítica, mas visível e tangível.

Encontrado por seus pais, voltou Jesus com eles para Nazaré, falecendo José algum tempo depois. Seguiram-se dezoito anos, tempo esse de que nenhuma notícia temos, relativa a Jesus. É que os Evangelistas fecharam os livros de suas memórias, para só os reabrirem com a narrativa do belo episódio em que o Precursor anunciou a presença do Cristo entre os homens, derramando, para exemplo, as águas da penitência sobre a cabeça daquele que, nada tendo de que se penitenciar, trazia aos homens o batismo do Espírito Santo, na frase do Padre Ligny. Tendo vindo não somente pregar, mas também exemplificar, começou o desempenho da sua missão, por aquele exemplo de submissão, dando ensejo, ao mesmo tempo, à consagração ostensiva da sua altíssima investidura.

Não eram vulgares, como não podiam ser, transcorrendo como as nossas, dada a sua natureza extra-humana, nem a sua vida íntima, nem a sua vida exterior. Ele gostava da solidão e a Virgem lhe favorecia esse gosto, visto que viera ao mundo nas condições espirituais precisas a auxiliar o filho em sua missão.

Jesus, pois, se ausentava frequentemente, desaparecia. É que volvia às regiões superiores, onde pairava e para, na plenitude dos esplendores celestes, enviando continuamente à Terra, da qual é o Espírito protetor e governador, centelhas de luz purificadora e vivificante das almas, luz cujo brilho excede o dos raios do Sol. Oh! Não nos é possível considerar em mente a figura sacrossanta do manso e divino Cordeiro imaculado, sem que das mais íntimas e melhores fibras da nossa alma se eleve a prece, como incenso odorífero, até aos seus sacratíssimos pés! Bendita seja a luz de Jesus!

Abramos o Êxodo e leiamos o versículo 31 do seu capítulo 25: Farás de ouro puríssimo um candeeiro, trabalhado a martelo. Penetremos no Tabernáculo, possuídos de sentimentos puros, e, corrida a cortina, veremos as cintilações do ouro, sob o jorro de luz suave que o banha. A significação dessa figura, a fé a alcança recordando as palavras do Apocalipse (capítulo 21, versículo 23): Esta cidade não há mister de sol, nem luz que a iluminem, por que a claridade de Deus a alumiou e a sua lâmpada é o Cordeiro.

O Cristo é o candeeiro de ouro puríssimo e perfeito, e esse ouro foi estendido a martelo na cruz, que se tornou o símbolo da nossa redenção. Sua luz é a vida, a alegria e a graça que nos inundam as almas. Façamos do nosso coração um tabernáculo e essa luz brilhará nele eternamente.

Tais são as deliciosas emanações das Escrituras, em cujas páginas o Cristo brilha com vivo fulgor.

Ouçamos a voz do Apóstolo Paulo e possa ela guiar-nos para o Salvador, como a estrela de Belém guiou outrora os magos. Seja o primeiro raio do sol da justiça essa voz que nos clama: Desperta, tu que dormes. Levanta-te dentre os mortos e o Cristo te alumiará. (PAULO, “Epístola aos efésios”.)

 SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book).

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