Evangelho segundo Marcos - cap. 8

Multidão de doentes curados. Multiplicação de sete pães

1. Naqueles dias, sendo de novo muito numerosa a multidão e não tendo o que comer, Jesus chamou os discípulos e lhes disse: 2. Faz-me compaixão este povo, que há três dias está comigo e nada tem para comer. 3. Se eu mandar que voltem para suas casas sem terem comido, desfalecerão pelo caminho, pois que alguns vieram de longe. 4. Os discípulos lhe responderam: Onde quem os possa fartar de pão neste deserto? 5. Jesus perguntou: Quantos pães tendes? Eles responderam: Sete. 6. Ordenou então ao povo que se sentasse no chão e, tomando os sete pães e rendendo graças, os partiu e deu aos discípulos para que os distribuíssem e estes os distribuíram pelo povo. 7. Tinham também alguns peixinhos. Ele os abençoou e ordenou que do mesmo modo os distribuíssem. 8. Todos comeram, ficaram saciados e ainda encheram sete cestos com os pedaços que sobraram. 9. Os que comeram eram cerca de quatro mil e Jesus os mandou embora. 10. Logo, tomando uma barca com os discípulos, veio para as bandas de Dalmanuta.

Os fatos aqui narrados são apenas a reprodução de outros que antes Jesus produzira e que já os Estudamos em páginas anteriores.

Recusa do prodígio pedido pelos Fariseus e Saduceus

11. Vieram os fariseus e começaram a discutir com ele pedindo-lhe, para o tentarem, um sinal no céu. 12. Jesus, dando um profundo suspiro, lhes disse: Por que pede esta geração um sinal? Em verdade vos digo que nenhum sinal lhe será dado. 13. E, tendo-os deixado, tomou de novo a barca e passou para a outra margem.

Por “fariseus” e “saduceus” os Apóstolos designavam os incrédulos. Eram tais os que foram ter com Jesus, para o tentarem, isto é, a fim de o apanharem em falta, pois não reconheciam poder no Mestre para fazer o que lhe pediam. Atualmente, a mesma coisa se verifica. Não faltam os que exigem se lhes faculte observar prodígios, como condição para que creiam. Entretanto, se fossem atendidos, não se dariam por satisfeitos: tratariam de explicar os fatos de um modo que se lhes afiguraria racional, do ponto de vista em que se colocam, e reclamariam “outra coisa”. Orgulhosos, cegos, obstinados, rebeldes, fariam como presentemente fazem os médicos, que, diante de uma cura que consideraram impossível, mas que os Espíritos efetuaram, dizem que tal se verificou, porque a enfermidade não precisava de remédio para desaparecer.

Jesus, por isso, respondeu aos fariseus e saduceus que “nenhum outro sinal seria dado àquela geração má e adúltera, senão o do profeta Jonas”.

Fermento dos Fariseus e dos Saduceus

14. Ora, os discípulos se esqueceram de prover-se de pães, de sorte que um único pão traziam consigo na barca. 15. E Jesus lhes deu este preceito: Vede bem, preservai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes. 16. Eles pensavam e diziam entre si: É porque não trouxemos pães. 17. Jesus, reconhecendo-lhes o pensamento, disse: Por que cogitais de não terdes trazido bastante pão? Ainda não sabeis, ainda não compreendeis? Ainda estão cegos os vossos corações? 18. Tendo olhos, não vedes? Tendo ouvidos, não Ouvis? Perdestes a memória? 19. Quando parti cinco pães para cinco mil pessoas, quantos cestos enchestes do que sobrou? Doze, disseram eles. 20. E quando parti sete pães para quatro mil pessoas, quantos cestos cheios de pedaços ficaram? Sete, responderam eles. 21. E Jesus acrescentou: Como é então que ainda não compreendeis o que vos digo?

Nesses conselhos que dava a seus discípulos, Jesus falava para aquela época e para o futuro, no qual a sua presciência lhe facultava ver o que sucederia.

Na interpretação que lhes deram os discípulos, encontramos a explicação precisa dessas palavras do divino Mestre. Constituem o fermento dos fariseus, do qual devemos preservar-nos, como aconselhado era aos discípulos, além das inspirações do orgulho, toda submissão covarde ao poder, o que significa a toda doutrina que nos queiram impor, desde que seja contrária à que o Cristo pregou e exemplificou, como o é, atualmente, a dos ortodoxos, católicos e protestantes, a qual, na maioria dos casos, de modo algum se conforma com a doutrina cristã, estando mesmo, as mais das vezes, em flagrante antagonismo com esta.

Sim, devemos preservar-nos de todas as inspirações do orgulho e de toda submissão covarde ao poder, sempre que este tente exercer qualquer ação sobre as nossas consciências, ou sobre os nossos atos morais. Demos a César o que é de César, mas não esqueçamos que os césares estão submetidos a Deus e que só este tem direito sobre todas as criaturas.

Espíritas convictos, que, por efeito do estudo, da meditação e dos ditames da nossa razão livre, aceitamos a revelação nova, que vem concluir a obra do Cristianismo do Cristo, obra de regeneração da Humanidade, por meio da luz e da verdade, pela implantação da justiça, do amor, da caridade e da fraternidade universal, na Terra, devemos resistir, com respeito, mas também com firmeza, a qualquer oposição, venha de onde vier, visando impedir que executem a vontade de Deus os bons Espíritos que se comunicam com os homens, como portadores daquela revelação.

Temos um só Mestre, um único Senhor e somos todos irmãos. Convencidos e conscientes disto, propaguemos a verdade evangélica e, firmados nela, defendamos o nosso livre-arbítrio, a liberdade da nossa consciência.

Cura de um cego

22. Como chegassem a Betsaida, trouxeram-lhe um cego e lhe pediram que o tocasse. 23. Tomando o cego pela mão, ele o conduziu para fora da aldeia e, passando-lhe saliva nos olhos e impondo-lhe as mãos, lhe perguntou se via alguma coisa. 24. O homem, olhando, disse: Vejo a caminhar homens que parecem árvores. 25. Jesus lhe colocou de novo a mão sobre os olhos e ele começou a ver, ficou curado, de sorte que via tudo distintamente. 26. Jesus o mandou embora para casa, dizendo: Vai para tua casa e, se entrares na aldeia, não digas a ninguém o que te sucedeu.

Jesus nunca se achava só. Estava sempre acompanhado. A recomendação que fez dizia respeito à visão do cego.

Da primeira vez que lhe impôs as mãos, deu-lhe o Mestre a vista espiritual. Viu ele então os Espíritos que em torno daquele se grupavam e que lhe pareceram homens de gigantescas proporções. Pela segunda imposição das mãos, Jesus lhe curou os órgãos animais, passando ele a ver os outros homens, seus semelhantes. Fora-lhe restituída a visão corporal.

Aquela, a espiritual, se desenvolvera pela ação dos Espíritos que cercavam o Mestre, os quais fizeram que o homem se tornasse, na ocasião, vidente, desembaraçando-lhe da matéria o Espírito.

A explicação desse fenômeno, que foi de desprendimento, é a mesma dos fenômenos magneto-espíritas, ou seja: dos fenômenos devidos não só ao magnetismo espiritual, mas também ao magnetismo empregado com o fim de desenvolver a visão espiritual. Pelo contato dos fluídos humanos que o circunvolvem, o Espírito adquire maior força; seu perispírito, ou duplo, forrando-se, por assim dizer, aos eflúvios perispiríticos que o rodeiam, pode subtrair-se ao corpo que o retém, o que lhe permite recobrar, momentaneamente, certa liberdade.

O Magnetismo ainda ensaia os primeiros passos. O homem tem por demais desprezado o poder que o Senhor lhe pôs nas mãos; mal se dignou de lançar os olhos para a primeira página da introdução desse grande livro da Ciência.

O Magnetismo constitui objeto de estudo grave e profundo, que reclama, para se tornar proveitoso, ilimitado desinteresse, fé viva, inesgotável amor ao próximo. Esses os três auxiliares sem os quais não poderemos colher os frutos da árvore da Ciência. Com eles, saberemos repelir sempre o mal e caminhar a passos largos pela senda do progresso.

Dirigindo-se especialmente aos magnetizadores, os Espíritos lhes dizem, como enviados do Senhor: Trazeis em vós a fonte de todas as descobertas, de todas as ciências. Abri, trabalhando seriamente, as páginas desse grande livro e nele descobrireis todos os dias alguma beleza nova e vereis até onde pode chegar o poder do homem, quando tem a sustentá-lo o amor do bem, da verdade e do belo.

O magnetizador sério, que trabalhe visando o progresso da Humanidade, deve esmerar-se na escolha dos sonâmbulos que hajam de secundá-lo, certo de que cada um servirá para determinada especialidade. Um só não basta, pois que este que, como Espírito, é adiantado num dos ramos da Ciência, pode ser completamente ignorante no que respeita a outro. Não nos referimos aqui à ciência humana, porquanto o sonâmbulo que, na condição de encarnado, seja extremamente simples de espírito pode ser espiritualmente muito adiantado, desde que também seja simples de coração, visto que o desprendimento faculta ao homem o recebimento de inesperadas revelações, por intermédio dos Espíritos superiores, aos quais o sonâmbulo serve de instrumento.

Deve o magnetizador ter o cuidado de escolher, para seus sensitivos, pessoas de corações puros e devotados, que ele instruirá na ciência magnética, moldando-as a pouco e pouco ao gênero de trabalho para que manifestam aptidão. Assim, este, quando em êxtase, poderá ser o auxiliar de um químico; aquele projetará luz nas trevas da história; aquele outro resolverá problemas mecânicos sobre os quais a Humanidade tem encanecido, sem lhes achar solução.

Mas, para chegar a semelhante resultado, cumpre que tanto o magnetizador como o magnetizado sejam puros de coração e não busquem na Ciência uma exploração mundana, sem o que ambos verão falir suas esperanças. Afugentados os Espíritos superiores, que só se aproximam do que é puro, os mistificadores dominarão o campo.

O estado sonambúlico é, para o sensitivo, o do Espírito que se liberta do corpo, que nada mais lhe fica sendo senão um instrumento pelo qual transmita seus pensamentos e sensações, exatamente o mesmo que evocadores e médiuns são para os Espíritos.

Desenvolvido e produzido repetidamente, aquele estado eleva o Espírito, habituando-o a libertar-se da sua prisão, mesmo durante o estado de vigília. Desse modo, espalhando pouco a pouco em torno de si seus eflúvios libertadores, acostumar-se-á o homem a viver, por assim dizer, fora de si mesmo. A atmosfera que o rodeia se impregnará desses fluídos humanos e, assim como a miragem que flutua no horizonte se avoluma com as nuvens que a cercam e se lhe agregam, também esses fluídos atrairão os fluídos ambientes que nos circundam e apressarão o desenvolvimento das faculdades humanas e a emancipação das almas.

O cego viu os Espíritos que se grupavam em torno de Jesus e que lhe pareceram homens gigantescos, semelhantes a árvores pela altura do porte. Como a maioria dos que vivem na Terra, ele desconhecia os efeitos do desprendimento espiritual, pelo que não pôde compreender o que se passava aos olhos de seu Espírito.

Nas aparições espíritas, ou nos casos de desprendimento do Espírito do vidente, o que mais lhe prende a atenção é a sede propriamente dita do Espírito, a parte superior da forma corpórea que se lhe apresenta. Só depois de haver notado essa parte da aparição, é que ele percebe o resto das formas, que quase sempre se mostram indistintas, como que diluídas numa espécie de vapor. Geralmente, as formas humanas, que os Espíritos conservam, são mais amplas do que o eram na Terra, podendo-se acrescentar que, nos mundos superiores à Terra, os habitantes são de estatura maior do que a nossa e revelam muito maior pureza de linhas no talhe.

Na Terra, mundo inferior, onde ainda predomina a inferioridade moral, os fenômenos magneto-espíritas são muito amiúde obra de Espíritos maus, tanto que produzem efeitos fluídicos violentos e dolorosos, ou perigosos, tais como, em particular, as subjugações corporais, ou corporais e morais ao mesmo tempo. Doutras vezes, é obra de Espíritos levianos, embusteiros, dando lugar a mistificações.

Como, porém, tudo se passa debaixo da vigilância dos Guias, se tais efeitos se verificam, é que fazem parte da série de provações que o encarnado tem que sofrer, pelo que os Espíritos protetores consentem que eles se deem.

Todas as coisas têm sempre um fim sério. Assim, desde que investiguemos as causas determinantes de uma dessas mistificações, depararemos ou com uma incredulidade sistemática, ou com uma confiança orgulhosa, ou com uma credulidade, uma inexperiência que precisavam ser esclarecidas, para conduzirem o mistificado à perspicácia e ao devotamento. Não raro, o caso constitui uma lição que convinha fosse dada às suas testemunhas, cuja atenção o encarnado atingido se incumbia de despertar.

Impondo pela segunda vez a mão no homem que estava cego, Jesus, conforme acima dissemos, lhe curou os órgãos materiais da visão, sendo-lhe restituída a vista corporal. Esse resultado, afinal, como todos os outros, de natureza idêntica ou semelhante, decorreu unicamente da ação da potente vontade do Mestre e da sua prodigiosa força magnética, sem que lhe fosse mister passar saliva nos olhos do doente, nem lhe impor as mãos, o que Ele só fez a título de ensino e de exemplo para os homens.

Desempecendo-lhe a visão espiritual, tornando-o vidente, atraiu Jesus a atenção de seus discípulos, dos homens de então, e, principalmente, dos da época atual, para os mistérios de além-túmulo, que viriam a ser desvendados. A um e outros mostrou, do mesmo passo, que aquele, cujo Espírito se acha dominado pela matéria, ou a ela escravizado, está moral e intelectualmente cego, do ponto de vista espiritual, espírita; que esse não poderá recobrar a vista, senão quando seu Espírito exercer domínio sobre a matéria, dela se desprender, isto é, se libertar para dominá-la; que desse modo é que começa. É o progresso moral, a que o desprendimento da visão espiritual do cego servia e serve de símbolo.

Palavras de Jesus confirmativas da reencarnação. Alusão de relações mediúnicas que podem existir entre os homens e as potências espirituais

(Mateus, 16:13-20; Lucas, 9:18-21)

27. Jesus partiu daí com seus discípulos para as aldeias dos arredores de Cesaréia de Filipe e pelo caminho lhes perguntava: Quem dizem os homens que eu sou? 28. Responderam eles: Uns dizem que João Batista; outros que Elias; outros que um como os profetas. 29. Disse-lhes então: Mas, vós, quem dizeis que eu sou? Pedro, respondendo, disse: és o Cristo. 30. E ele lhes proibiu que o dissessem a pessoa alguma.

Estas passagens têm um duplo fim, que muito importantes as tornam: lembrar aos homens o princípio da reencarnação e não deixar esquecessem as relações mediúnicas que podem existir entre eles e as entidades espirituais. Jesus firmava assim o que mais tarde viria a ser posto em evidência, explicado e desenvolvido, em espírito e verdade, pela Nova Revelação.

Com efeito, as perguntas formuladas pelo Divino Mestre sobre o que pensavam dele as gentes e as respostas que lhe foram dadas mostram não só que a opinião geral lhe atribuía uma origem espiritual anterior àquela sua vida terrena, vendo nesta uma existência nova num novo corpo, o que envolvia a ideia da preexistência da alma e da reencarnação, como também que os hebreus sabiam, embora confusamente, pelas tradições conservadas, que o homem pode voltar muitas vezes à Terra, para concluir uma obra começada e interrompida pela morte humana.

Ora, não contestando a opinião segundo a qual Ele podia ser a reencarnação de um Espírito, como o de Elias, João, ou outro, Jesus confirmou a hipótese do renascimento, perguntando: E vós quem dizeis que eu sou? Hipótese que também confirmou no seu colóquio com Nicodemos.

“Se a crença de reviver na Terra, diz o autor da Divina Epopeia, sob o nome de ressurreição, a que hoje, pela revelação nova, chamamos reencarnação, fosse um erro, Jesus, o verbo de Deus, a luz verdadeira que alumia a todo que vem a este mundo, não teria deixado de combatê-la, como combateu tantas outras. Ao contrário, Ele a sancionou, proclamando-a como uma condição necessária e indispensável para o progresso e adiantamento da Humanidade”.

Não te admires de eu dizer: é necessário que torneis a nascer, observou o divino Mestre a Nicodemos (Evangelho de João, capítulo 3, versículo 7). Deste modo ratificou Ele, conforme acima dissemos, a lei natural do renascimento, da reencarnação, apresentando-a como uma realidade e realidade ante a qual se dissipam todas as dúvidas oriundas dos absurdos que, sob a capa do milagre, pretendem os ortodoxos que admitamos. A reencarnação, pois, o renascimento, a obrigação que tem o Espírito de reviver, como meio de chegar ao estado de pureza integral, ideia que já se continha na revelação hebraica, que constituiu princípio fundamental na revelação messiânica, mas que não foi apreendida por virtude das interpretações literais a que estiveram sujeitas essas revelações, constitui hoje, pela revelação nova, que as vem explicar em espírito, uma verdade axiomática, expressão fiel do pensamento do Mestre Divino.

Mas, vós, quem dizeis que eu sou? Perguntou Jesus a Pedro, que lhe respondeu: És o Cristo, Filho do Deus vivo, isto é, o Enviado do Senhor. Retrucando, Jesus lhe fez ver que o conhecimento dessa verdade lhe fora dado por uma revelação vinda do Pai que está nos céus.

De fato, como podia Pedro saber, para afirmá-lo com tanta segurança e firmeza, que Jesus era o Enviado de Deus, se tal coisa lhe não houvera sido revelada? E de que modo pudera ter tido essa revelação, a não ser por uma inspiração mediúnica? Ë claro que, na ocasião, ele foi apenas o instrumento que serviu para a revelação de uma verdade, ou de um médium falante.

Logo, podemos e devemos concluir não só que Pedro era médium, como que já então se davam essas revelações a que a Doutrina Espírita chama mediúnicas.

Efetivamente, dotado de uma organização física bastante maleável para se prestar a todas as influências mediúnicas, Espírito intelectualmente mais adiantado do que os dos outros apóstolos, Pedro era, dentre estes, o que possuía em maior extensão e poder os dons da mediunidade. Era, pois, o que mais se prestava a servir de pedra fundamental para a construção da Igreja do Cristo.

Quer isto dizer que sobre a mediunidade é que assenta essa Igreja, que assim repousa em alicerce inabalável, porquanto a faculdade que aquele apóstolo possuía havia de espalhar-se, como realmente aconteceu e está acontecendo, mais do que nunca, nos tempos atuais, sem que o menor dano lhe possam causar os ódios sectaristas, nem os interesses de qualquer natureza: “contra ela não prevalecerão as portas do inferno”.

Assim sendo, é claro que todos os verdadeiros espíritas e, sobretudo, os médiuns sinceros e humildes servirão para aquela construção, trazendo-lhe cada um a sua pedra.

Não veem os homens do Silabo, dos dogmas impostos pelo terror das fogueiras e dos martírios que, numa época como a atual, em que a razão se emancipa de todas as tutelas, já não é possível a imposição da fé cega?

Não, as coisas vão mudar. Passado o tempo das fogueiras e dos apavorantes anátemas, despojado o Chefe da Igreja do poder temporal, que mal e indevidamente exercia, porque o Mestre disse: Regnum meum non est in hoc mundo (1), o prestígio, o poder, o reinado daquele que queira ser ou haja de ser sucessor de Pedro somente poderão demonstrar-se pela caridade, pela humildade, pelo desinteresse, pela mansidão e abnegação, que foram as armas com que o Manso Cordeiro de Deus apeou potentados e derrocou tronos de déspotas, a todos se sobrepondo pela exemplificação daquelas virtudes sublimes. Mesmo, porém, que um homem aparecesse revestido de tais virtudes, ainda assim não poderia, só por isso, considerar-se sucessor de Pedro, que não mostrou apenas possuí-las, mas se distinguiu entre os demais discípulos, muito embora estes também fossem exemplificadores dos ensinamentos de Jesus.

(1) A nosso ver, a privação do poder temporal, se foi, individualmente, um mal, ou uma perda sensível para o Sumo Pontífice, não o foi para a Igreja de que é ele o chefe, visto que redundou no desaparecimento do que melhor provava não ser essa Igreja a do Cristo. Não sendo deste mundo o reino do Filho de Deus, sua não podia ser a Igreja cujo reinado era todo deste mundo. O ter sido despojado daquele poder, valeu, pois para a Igreja Romana por uma como galvanização. Graças a isso é que ainda pôde ostentar a aparência de prestígio de que gozou nestes últimos tempos. Obtendo, como recentemente obteve, em 1929, que lhe restituíssem o poder temporal é que ela decretou a sua própria e definitiva condenação, volvendo a oferecer ao mundo, quando no Espiritismo ressurge o verdadeiro Cristianismo, a demonstração iniludível de que nela não está o espírito da Doutrina Cristã, de que ela é a antítese da Igreja Universal do Cristo.

Predição. Palavras de Pedro. Resposta de Jesus

(Mateus, 16:21-23; Lucas, 9:22)

31. E começou a lhes declarar ser preciso que o filho do homem sofresse muito e que fosse rejeitado pelos anciães, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas, que fosse morto e que ressuscitasse três dias depois. 32. Como falasse abertamente dessas coisas, Pedro, tomando-o de parte, começou a repreendê-lo. 33. Jesus, porém, voltando-se e olhando para os discípulos, repreendeu a Pedro, dizendo: Tira-te da minha frente. Satanás, pois que não tens o gosto das coisas de Deus e sim o das coisas dos homens.

Servindo-se das expressões ser morto, ressuscitar — o Cristo usava de uma linguagem que os homens pudessem compreender. Apresentando o seu corpo a aparência da corporeidade humana, importava-lhe passar pela metamorfose da morte. Depois, deixando no esquecimento o corpo de carne de que parecia revestido, cumpria-lhe mostrar-se aos homens, para que ficasse comprovada a sua identidade. Era, portanto, preciso que os homens fossem prevenidos do acontecimento que sobreviria, a fim de lhe apreenderem a razão, porquanto os próprios discípulos não teriam compreendido o fato do reaparecimento do Mestre, se o não houvessem considerado do ponto de vista da ressurreição, no sentido que davam a este termo.

Para os hebreus, a ressurreição consistia na volta da alma a um corpo de carne, a um corpo material, sem indagarem se se tratava sempre do mesmo corpo, sem inquirirem da origem, nem do fim de tal corpo. Mas, tanto os discípulos, como, em geral, os hebreus compreendiam a ressurreição que Jesus anunciara como tendo que ser a volta de sua alma ao mesmo corpo. Essa a razão por que Ele permitiu a Tomé que pusesse a mão na abertura que lhe haviam feito de um lado e os dedos nas chagas que os cravos lhe abriram nas mãos e nos pés, retomando, para esse efeito, o seu corpo que, como sabemos, era fluídico, de natureza perispirítica, com a tangibilidade, a consistência, a aparência de um corpo humano.

Conseguintemente, sendo tal a natureza do corpo de Jesus, não houve, com relação a Ele, nem morte, nem ressurreição, no sentido que então era dado a estas expressões. Houve apenas aparência de uma e outra coisa.

Foram todos morais os sofrimentos que o Mestre suportou na cruz. O que das chagas lhe saía era uma combinação puramente fluídica, com a aparência de sangue.

Sem dúvida, estas revelações são de molde a alarmar, como de fato têm alarmado, muitas criaturas aferradas às torturas físicas do grande modelo que nos foi enviado. Porém, forçoso é vejamos em Jesus somente um Espírito, Espírito superior a todos os outros que concorreram para a formação do nosso planeta e cujos sofrimentos, portanto, foram todos morais, decorrentes do amor que consagrava e consagra a seus protegidos, por vê-los tão endurecidos. Dizemos seus protegidos — porque Ele é o nosso protetor, o governador do nosso planeta. Nessa qualidade, experimentava o sofrimento que causa a uma mãe terna e carinhosa o ter que punir o filho bem-amado.

Nos últimos momentos do seu sacrifício na cruz, limitou-se a dizer em voz alta: Tudo está consumado, eis-me aqui, Senhor, para mostrar aos homens, por meio de um exemplo prático, a resignação, a obediência e a submissão com que se devem eles comportar, diante das vontades do soberano Senhor. O brado que soltou do cimo do madeiro não foi tampouco um brado de sofrimento. Deixando-o escapar no momento de “render a alma” (está claro que apenas no entender dos homens), fê-lo com o intuito de lhes chamar a atenção para aquele instante supremo e lhes fazer compreender, por uma expansão de alegria e não de angústia, a felicidade do Espírito que se desprende do seu grosseiro invólucro, para se elevar ao seu Criador.

Não faltarão os que digam: “Que mérito era o dele em se submeter a tais torturas, se não experimentava os sofrimentos físicos, uma vez que apenas aparente era o seu corpo.” Não compreendem os que assim falam, que os sofrimentos morais são de intensidade infinitamente maior do que os sofrimentos físicos; que o sofrimento, na essência espiritual, é mais forte e mais vivo do que o possam ser, para os nossos corpos, quaisquer sofrimentos humanos, ainda os mais agudos. Todos conhecemos desgostos, mágoas e torturas morais superiores a qualquer dor física, tanto que de bom grado os trocaríamos por dores desta natureza.

Jesus sofreu, sim, sofreu cruelmente, não na sua “carne”, mas em seu “espírito”. Cada pancada do martelo nos cravos que lhe traspassavam as mãos e os pés fluídicos, mas tangíveis, lhe ia ferir a sensibilidade delicadíssima e lhe fazia correr da alma o sangue mais precioso: o do amor e do devotamento que nos consagra. O divino modelo, que por nós subiu ao Calvário, que padeceu por nós, sofreu e sofreu muito, conforme mostraremos oportunamente, quando voltarmos a este ponto. (2)

Quanto ao haver desaparecido do sepulcro o corpo de Jesus, é um fato que se explica pela mesma natureza fluídica do invólucro corpóreo que Ele constituiu para o desempenho de sua missão e cujos elementos componentes fez que voltassem ao meio de onde os tirara, uma vez concluída aquela missão, retomando a partir daí, e continuando, como Espírito, Espírito puro e perfeito, a desempenhar a sua missão espiritual, na qualidade de protetor e governador do nosso planeta, missão que neste momento desempenha entre nós por meio do Espírito da Verdade e da Nova Revelação.

Quanto à severidade da resposta de Jesus, nada tem de estranhável, quando se sabe que todo Espírito encarnado é fraco e falível, pelo só fato de ser encarnado, e que o Mestre não podia deixar de querer se mantivesse Pedro constantemente em guarda contra as fraquezas humanas, que sempre tornam a criatura incapaz de sentir o gosto das coisas de Deus e só ter o das coisas do mundo.

A expressão satanás, de que usou com relação àquele apóstolo em sentido puramente figurado, significa a má influência, a má inspiração. Eram elas que faziam procurasse ele desviar o Mestre do cumprimento do seu dever.

Respondendo a Pedro por aquela forma, apropriada ao momento e ao futuro, deu-nos Jesus uma grande lição: a de que a vontade do Senhor tem que predominar sempre sobre qualquer vontade; que todos, encarnados e desencarnados, temos que nos curvar às suas leis, com submissão, respeito e amor, mantendo-nos em guarda contra as fraquezas humanas.

Humildes de coração, auxiliemo-nos mutuamente, em tudo e por tudo e, com alegria que exprime reconhecimento, recebamos as provas que ao Senhor praza enviar-nos, tendo os nossos lábios e as nossas almas prontos sempre a bem dizer de todas as suas decisões. Não choremos nunca, sobretudo nós, os espíritas, que recebemos a luz, pois que as de gratidão são as únicas lágrimas que a fé pode verter.

Possuindo a presciência do futuro, Jesus antevia as fases e condições dos progressos vindouros. Todas as suas palavras, portanto, eram ditas para aquele momento e alcançavam o futuro. Assim, quando disse a Pedro: “Afasta-te de mim, Satanás, etc.”, o divino Mestre abrangia na sua apóstrofe as fases de erro e de materialidade que atravessaria sua sublime doutrina de amor, perdão e bondade, por efeito dos dogmas e mandamentos humanos, que a deturpariam; por efeito do orgulho, da intolerância do fanatismo, do espírito de dominação, do despotismo religioso; por efeito da predominância do gosto pelas coisas dos homens, isto é, das honrarias, do fausto, das dignidades, do poder, dos favores e vantagens de ordem espiritual e temporal, que não são coisas de Deus. Com relação à época atual, aquelas palavras atingem a todos os que se mostrem hostis e rebeldes à Revelação Espírita, trazida ao mundo pelos Espíritos do Senhor, como hostis e rebeldes à Revelação Cristã se mostraram os escribas, os fariseus, os príncipes dos sacerdotes e seus adeptos.

(2) Aliás, com os progressos que a ciência espírita tem realizado e que são imensos em nossos dias; com os subsídios importantes que para esses progressos têm trazido as experiências, a que os cientistas deram o nome de “metapsíquicas”, sobre o que eles mesmos convencionaram chamar “ectoplasma”, experiências, em muitas das quais se há observado o reflexo dolorosíssimo que produz no médium qualquer abalo mais ou menos violento nas formações ectoplásmicas, já se pode reconhecer não só que dos sofrimentos ditos “físicos” não esteve isento o Divino Mestre, por ser de natureza perispirítica o seu corpo, como também que esses sofrimentos foram, para Ele, mais agudos e intensos do que os mais vivos que experimentemos, por intermédio dos nossos corpos grosseiros, de carne putrescível.

Meios e condições sem os quais não se pode ver na Terra o reino de Deus, em todo o seu poder

(Mateus, 16:24-28; Lucas, 9:23-27)

34. E, chamando para junto de si o povo e os discípulos, disse: Se alguém me quiser acompanhar, renuncie a si mesmo, carregue a sua cruz e siga-me; 35, porquanto, aquele que quiser salvar a vida a perderá, mas aquele que perder a vida por minha causa e do Evangelho a salvará. 36. Pois, de que serviria a um homem ganhar um mundo inteiro e perder a alma? 37. E que daria o homem em troca da sua alma? 38. Aquele que de mim se envergonhar e das minhas palavras, nesta raça adúltera e pecadora, desse o filho do homem também se envergonhará, quando vier, acompanhado dos santos anjos, na glória de seu pai.

O devotamento absoluto, a submissão sem limites são as condições únicas de chegarmos à perfeição relativa que a Humanidade pode alcançar. Dedicando-nos aos nossos irmãos, pela prática sem reservas da caridade, submetendo-nos aos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, observando, em todos os nossos atos, os preceitos morais que Ele pregou e exemplificou, estaremos no caminho seguro da nossa salvação. Sujeito às necessidades materiais e aos instintos humanos, cumpre que o homem regule a sua existência, tendo sempre em vista que o seu corpo é um empréstimo que o Senhor lhe fez, como meio de efetuar a sua depuração e chegar até Ele. Não deve apegar-se a esse corpo, nem ao tesouro que acumulou, porquanto nenhum dos dois o salvará no outro mundo.

Aquele que se entrega aos gozos materiais entra para a categoria dos que perdem a alma pelos bens mundanos, dos que a “vendem ao demônio”, para usarmos de uma frase tantas vezes repetida e tão mal compreendida. Consagrarmos o nosso corpo, isto é, a nossa dedicação, o nosso trabalho, os nossos esforços ao bem da Humanidade, afrontando incômodos e contrariedades, empregando as riquezas que possuamos em auxiliar, com critério e prudência, os nossos irmãos, é caminharmos para a salvação. Fazer o contrário é gozar materialmente, negligenciando a verdadeira felicidade.

Que todos os nossos atos e pensamentos tenham a guiá-los a gratidão ao nosso Deus e o amor aos nossos irmãos; que nunca o egoísmo, ou o interesse pessoal manchem a pureza das nossas consciências.

As palavras de Jesus, com relação aos que dele se envergonham, abrangendo o passado, o presente e o futuro, dizem respeito aos que se riem, ridiculizam e fogem das coisas santas, de medo do ridículo. Com referência, especialmente, à era nova que se abre para a Humanidade com o advento do Espiritismo e que irá até que comece a separação do joio e do bom grão, elas entendem com os que, depois de terem conhecido a verdade, usarem de disfarces para, pelo respeito humano, não confessarem suas convicções. Desses, que são os que se envergonham de Jesus, também Ele se envergonhará. Esses, quando chegar o momento daquela separação, se se conservarem culpados, rebeldes, morrerão para o nosso planeta. Quer isto dizer que não mais lhes será permitida a reencarnação na Terra. Ao terem de encarnar, ver-se-ão constrangidos a fazê-lo em planetas inferiores a este, onde, como condição necessária a que melhorem moralmente e progridam, a expiação corresponderá à duração da falta.

Aludindo aos que não morrerão (ou não “gostarão a morte”, como se lê nalgumas traduções dos Evangelhos), sem terem visto chegar o reino de Deus em seu poder, Jesus se referia à categoria de Espíritos que, encarnados naquela época, tinham de chegar, de reencarnação em reencarnação, ao tempo em que o reino de Deus se estabelecerá realmente na Terra; em que o divino Mestre se mostrará em todo o seu esplendor aos homens, bastante puros, então, para poderem suportar o fulgor do seu Espírito. A maior parte daqueles a quem Ele se referia, falando dos que viveriam na Terra ao tempo da sua vinda, serão, nesse tempo, Espíritos purificados e se acharão reencarnados em missão.

SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book).

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