Multidão de doentes curados.
Multiplicação de sete pães
1.
Naqueles dias, sendo de novo muito numerosa a multidão e não tendo o que comer,
Jesus chamou os discípulos e lhes disse: 2. Faz-me compaixão este povo, que há
três dias está comigo e nada tem para comer. 3. Se eu mandar que voltem para
suas casas sem terem comido, desfalecerão pelo caminho, pois que alguns vieram
de longe. 4. Os discípulos lhe responderam: Onde quem os possa fartar de pão
neste deserto? 5. Jesus perguntou: Quantos pães tendes? Eles responderam: Sete.
6. Ordenou então ao povo que se sentasse no chão e, tomando os sete pães e
rendendo graças, os partiu e deu aos discípulos para que os distribuíssem e
estes os distribuíram pelo povo. 7. Tinham também alguns peixinhos. Ele os
abençoou e ordenou que do mesmo modo os distribuíssem. 8. Todos comeram,
ficaram saciados e ainda encheram sete cestos com os pedaços que sobraram. 9.
Os que comeram eram cerca de quatro mil e Jesus os mandou embora. 10. Logo,
tomando uma barca com os discípulos, veio para as bandas de Dalmanuta.
Os fatos aqui narrados são
apenas a reprodução de outros que antes Jesus produzira e que já os Estudamos
em páginas anteriores.
Recusa do prodígio pedido pelos Fariseus
e Saduceus
11.
Vieram os fariseus e começaram a discutir com ele pedindo-lhe, para o tentarem,
um sinal no céu. 12. Jesus, dando um profundo suspiro, lhes disse: Por que pede
esta geração um sinal? Em verdade vos digo que nenhum sinal lhe será dado. 13.
E, tendo-os deixado, tomou de novo a barca e passou para a outra margem.
Por “fariseus” e “saduceus” os Apóstolos designavam os incrédulos. Eram tais os que foram ter com Jesus, para o tentarem, isto é, a fim de o apanharem em falta, pois não reconheciam poder no Mestre para fazer o que lhe pediam. Atualmente, a mesma coisa se verifica. Não faltam os que exigem se lhes faculte observar prodígios, como condição para que creiam. Entretanto, se fossem atendidos, não se dariam por satisfeitos: tratariam de explicar os fatos de um modo que se lhes afiguraria racional, do ponto de vista em que se colocam, e reclamariam “outra coisa”. Orgulhosos, cegos, obstinados, rebeldes, fariam como presentemente fazem os médicos, que, diante de uma cura que consideraram impossível, mas que os Espíritos efetuaram, dizem que tal se verificou, porque a enfermidade não precisava de remédio para desaparecer.
Jesus, por isso, respondeu
aos fariseus e saduceus que “nenhum outro sinal seria dado àquela geração má e
adúltera, senão o do profeta Jonas”.
Fermento dos Fariseus e dos Saduceus
14.
Ora, os discípulos se esqueceram de prover-se de pães, de sorte que um único
pão traziam consigo na barca. 15. E Jesus lhes deu este preceito: Vede bem,
preservai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes. 16. Eles
pensavam e diziam entre si: É porque não trouxemos pães. 17. Jesus,
reconhecendo-lhes o pensamento, disse: Por que cogitais de não terdes trazido
bastante pão? Ainda não sabeis, ainda não compreendeis? Ainda estão cegos os
vossos corações? 18. Tendo olhos, não vedes? Tendo ouvidos, não Ouvis?
Perdestes a memória? 19. Quando parti cinco pães para cinco mil pessoas,
quantos cestos enchestes do que sobrou? Doze, disseram eles. 20. E quando parti
sete pães para quatro mil pessoas, quantos cestos cheios de pedaços ficaram?
Sete, responderam eles. 21. E Jesus acrescentou: Como é então que ainda não
compreendeis o que vos digo?
Nesses conselhos que dava a
seus discípulos, Jesus falava para aquela época e para o futuro, no qual a sua
presciência lhe facultava ver o que sucederia.
Na interpretação que lhes
deram os discípulos, encontramos a explicação precisa dessas palavras do divino
Mestre. Constituem o fermento dos fariseus, do qual devemos preservar-nos, como
aconselhado era aos discípulos, além das inspirações do orgulho, toda submissão
covarde ao poder, o que significa a toda doutrina que nos queiram impor, desde
que seja contrária à que o Cristo pregou e exemplificou, como o é, atualmente,
a dos ortodoxos, católicos e protestantes, a qual, na maioria dos casos, de
modo algum se conforma com a doutrina cristã, estando mesmo, as mais das vezes,
em flagrante antagonismo com esta.
Sim, devemos preservar-nos
de todas as inspirações do orgulho e de toda submissão covarde ao poder, sempre
que este tente exercer qualquer ação sobre as nossas consciências, ou sobre os
nossos atos morais. Demos a César o que é de César, mas não esqueçamos que os
césares estão submetidos a Deus e que só este tem direito sobre todas as
criaturas.
Espíritas convictos, que,
por efeito do estudo, da meditação e dos ditames da nossa razão livre, aceitamos
a revelação nova, que vem concluir a obra do Cristianismo do Cristo, obra de
regeneração da Humanidade, por meio da luz e da verdade, pela implantação da
justiça, do amor, da caridade e da fraternidade universal, na Terra, devemos
resistir, com respeito, mas também com firmeza, a qualquer oposição, venha de
onde vier, visando impedir que executem a vontade de Deus os bons Espíritos que
se comunicam com os homens, como portadores daquela revelação.
Temos um só Mestre, um único
Senhor e somos todos irmãos. Convencidos e conscientes disto, propaguemos a
verdade evangélica e, firmados nela, defendamos o nosso livre-arbítrio, a
liberdade da nossa consciência.
Cura de um cego
22.
Como chegassem a Betsaida, trouxeram-lhe um cego e lhe pediram que o tocasse. 23.
Tomando o cego pela mão, ele o conduziu para fora da aldeia e, passando-lhe
saliva nos olhos e impondo-lhe as mãos, lhe perguntou se via alguma coisa. 24.
O homem, olhando, disse: Vejo a caminhar homens que parecem árvores. 25. Jesus
lhe colocou de novo a mão sobre os olhos e ele começou a ver, ficou curado, de
sorte que via tudo distintamente. 26. Jesus o mandou embora para casa, dizendo:
Vai para tua casa e, se entrares na aldeia, não digas a ninguém o que te
sucedeu.
Jesus nunca se achava só.
Estava sempre acompanhado. A recomendação que fez dizia respeito à visão do
cego.
Da primeira vez que lhe
impôs as mãos, deu-lhe o Mestre a vista espiritual. Viu ele então os Espíritos
que em torno daquele se grupavam e que lhe pareceram homens de gigantescas
proporções. Pela segunda imposição das mãos, Jesus lhe curou os órgãos animais,
passando ele a ver os outros homens, seus semelhantes. Fora-lhe restituída a
visão corporal.
Aquela, a espiritual, se
desenvolvera pela ação dos Espíritos que cercavam o Mestre, os quais fizeram
que o homem se tornasse, na ocasião, vidente, desembaraçando-lhe da matéria o
Espírito.
A explicação desse fenômeno,
que foi de desprendimento, é a mesma dos fenômenos magneto-espíritas, ou seja:
dos fenômenos devidos não só ao magnetismo espiritual, mas também ao magnetismo
empregado com o fim de desenvolver a visão espiritual. Pelo contato dos fluídos
humanos que o circunvolvem, o Espírito adquire maior força; seu perispírito, ou
duplo, forrando-se, por assim dizer, aos eflúvios perispiríticos que o rodeiam,
pode subtrair-se ao corpo que o retém, o que lhe permite recobrar,
momentaneamente, certa liberdade.
O Magnetismo ainda ensaia os
primeiros passos. O homem tem por demais desprezado o poder que o Senhor lhe
pôs nas mãos; mal se dignou de lançar os olhos para a primeira página da
introdução desse grande livro da Ciência.
O Magnetismo constitui
objeto de estudo grave e profundo, que reclama, para se tornar proveitoso,
ilimitado desinteresse, fé viva, inesgotável amor ao próximo. Esses os três
auxiliares sem os quais não poderemos colher os frutos da árvore da Ciência.
Com eles, saberemos repelir sempre o mal e caminhar a passos largos pela senda
do progresso.
Dirigindo-se especialmente
aos magnetizadores, os Espíritos lhes dizem, como enviados do Senhor: Trazeis
em vós a fonte de todas as descobertas, de todas as ciências. Abri, trabalhando
seriamente, as páginas desse grande livro e nele descobrireis todos os dias
alguma beleza nova e vereis até onde pode chegar o poder do homem, quando tem a
sustentá-lo o amor do bem, da verdade e do belo.
O magnetizador sério, que
trabalhe visando o progresso da Humanidade, deve esmerar-se na escolha dos
sonâmbulos que hajam de secundá-lo, certo de que cada um servirá para
determinada especialidade. Um só não basta, pois que este que, como Espírito, é
adiantado num dos ramos da Ciência, pode ser completamente ignorante no que
respeita a outro. Não nos referimos aqui à ciência humana, porquanto o
sonâmbulo que, na condição de encarnado, seja extremamente simples de espírito
pode ser espiritualmente muito adiantado, desde que também seja simples de
coração, visto que o desprendimento faculta ao homem o recebimento de
inesperadas revelações, por intermédio dos Espíritos superiores, aos quais o sonâmbulo
serve de instrumento.
Deve o magnetizador ter o
cuidado de escolher, para seus sensitivos, pessoas de corações puros e
devotados, que ele instruirá na ciência magnética, moldando-as a pouco e pouco
ao gênero de trabalho para que manifestam aptidão. Assim, este, quando em
êxtase, poderá ser o auxiliar de um químico; aquele projetará luz nas trevas da
história; aquele outro resolverá problemas mecânicos sobre os quais a
Humanidade tem encanecido, sem lhes achar solução.
Mas, para chegar a
semelhante resultado, cumpre que tanto o magnetizador como o magnetizado sejam
puros de coração e não busquem na Ciência uma exploração mundana, sem o que
ambos verão falir suas esperanças. Afugentados os Espíritos superiores, que só
se aproximam do que é puro, os mistificadores dominarão o campo.
O estado sonambúlico é, para
o sensitivo, o do Espírito que se liberta do corpo, que nada mais lhe fica
sendo senão um instrumento pelo qual transmita seus pensamentos e sensações,
exatamente o mesmo que evocadores e médiuns são para os Espíritos.
Desenvolvido e produzido
repetidamente, aquele estado eleva o Espírito, habituando-o a libertar-se da
sua prisão, mesmo durante o estado de vigília. Desse modo, espalhando pouco a
pouco em torno de si seus eflúvios libertadores, acostumar-se-á o homem a
viver, por assim dizer, fora de si mesmo. A atmosfera que o rodeia se
impregnará desses fluídos humanos e, assim como a miragem que flutua no
horizonte se avoluma com as nuvens que a cercam e se lhe agregam, também esses
fluídos atrairão os fluídos ambientes que nos circundam e apressarão o
desenvolvimento das faculdades humanas e a emancipação das almas.
O
cego viu os Espíritos que se grupavam em torno de Jesus e que lhe
pareceram homens gigantescos, semelhantes a árvores pela altura do porte. Como
a maioria dos que vivem na Terra, ele desconhecia os efeitos do desprendimento
espiritual, pelo que não pôde compreender o que se passava aos olhos de seu
Espírito.
Nas aparições espíritas, ou
nos casos de desprendimento do Espírito do vidente, o que mais lhe prende a
atenção é a sede propriamente dita do Espírito, a parte superior da forma
corpórea que se lhe apresenta. Só depois de haver notado essa parte da
aparição, é que ele percebe o resto das formas, que quase sempre se mostram indistintas,
como que diluídas numa espécie de vapor. Geralmente, as formas humanas, que os
Espíritos conservam, são mais amplas do que o eram na Terra, podendo-se
acrescentar que, nos mundos superiores à Terra, os habitantes são de estatura
maior do que a nossa e revelam muito maior pureza de linhas no talhe.
Na Terra, mundo inferior,
onde ainda predomina a inferioridade moral, os fenômenos magneto-espíritas são
muito amiúde obra de Espíritos maus, tanto que produzem efeitos fluídicos
violentos e dolorosos, ou perigosos, tais como, em particular, as subjugações
corporais, ou corporais e morais ao mesmo tempo. Doutras vezes, é obra de
Espíritos levianos, embusteiros, dando lugar a mistificações.
Como, porém, tudo se passa
debaixo da vigilância dos Guias, se tais efeitos se verificam, é que fazem
parte da série de provações que o encarnado tem que sofrer, pelo que os
Espíritos protetores consentem que eles se deem.
Todas as coisas têm sempre
um fim sério. Assim, desde que investiguemos as causas determinantes de uma
dessas mistificações, depararemos ou com uma incredulidade sistemática, ou com
uma confiança orgulhosa, ou com uma credulidade, uma inexperiência que precisavam
ser esclarecidas, para conduzirem o mistificado à perspicácia e ao devotamento.
Não raro, o caso constitui uma lição que convinha fosse dada às suas
testemunhas, cuja atenção o encarnado atingido se incumbia de despertar.
Impondo pela segunda vez a
mão no homem que estava cego, Jesus, conforme acima dissemos, lhe curou os
órgãos materiais da visão, sendo-lhe restituída a vista corporal. Esse
resultado, afinal, como todos os outros, de natureza idêntica ou semelhante,
decorreu unicamente da ação da potente vontade do Mestre e da sua prodigiosa
força magnética, sem que lhe fosse mister passar saliva nos olhos do doente,
nem lhe impor as mãos, o que Ele só fez a título de ensino e de exemplo para os
homens.
Desempecendo-lhe a visão
espiritual, tornando-o vidente, atraiu Jesus a atenção de seus discípulos, dos
homens de então, e, principalmente, dos da época atual, para os mistérios de
além-túmulo, que viriam a ser desvendados. A um e outros mostrou, do mesmo
passo, que aquele, cujo Espírito se acha dominado pela matéria, ou a ela
escravizado, está moral e intelectualmente cego, do ponto de vista espiritual,
espírita; que esse não poderá recobrar a vista, senão quando seu Espírito
exercer domínio sobre a matéria, dela se desprender, isto é, se libertar para
dominá-la; que desse modo é que começa. É o progresso moral, a que o
desprendimento da visão espiritual do cego servia e serve de símbolo.
Palavras de Jesus confirmativas da
reencarnação. Alusão de relações mediúnicas que podem existir entre os homens e
as potências espirituais
(Mateus,
16:13-20; Lucas, 9:18-21)
27.
Jesus partiu daí com seus discípulos para as aldeias dos arredores de Cesaréia
de Filipe e pelo caminho lhes perguntava: Quem dizem os homens que eu sou? 28.
Responderam eles: Uns dizem que João Batista; outros que Elias; outros que um
como os profetas. 29. Disse-lhes então: Mas, vós, quem dizeis que eu sou?
Pedro, respondendo, disse: és o Cristo. 30. E ele lhes proibiu que o dissessem
a pessoa alguma.
Estas passagens têm um duplo
fim, que muito importantes as tornam: lembrar aos homens o princípio da
reencarnação e não deixar esquecessem as relações mediúnicas que podem existir
entre eles e as entidades espirituais. Jesus firmava assim o que mais tarde
viria a ser posto em evidência, explicado e desenvolvido, em espírito e
verdade, pela Nova Revelação.
Com efeito, as perguntas formuladas
pelo Divino Mestre sobre o que pensavam dele as gentes e as respostas que lhe
foram dadas mostram não só que a opinião geral lhe atribuía uma origem
espiritual anterior àquela sua vida terrena, vendo nesta uma existência nova
num novo corpo, o que envolvia a ideia da preexistência da alma e da
reencarnação, como também que os hebreus sabiam, embora confusamente, pelas
tradições conservadas, que o homem pode voltar muitas vezes à Terra, para
concluir uma obra começada e interrompida pela morte humana.
Ora, não contestando a
opinião segundo a qual Ele podia ser a reencarnação de um Espírito, como o de
Elias, João, ou outro, Jesus confirmou a hipótese do renascimento, perguntando:
E vós quem dizeis que eu sou? Hipótese que também confirmou no seu colóquio com
Nicodemos.
“Se a crença de reviver na
Terra, diz o autor da Divina Epopeia, sob o nome de ressurreição, a que hoje,
pela revelação nova, chamamos reencarnação, fosse um erro, Jesus, o verbo de
Deus, a luz verdadeira que alumia a todo que vem a este mundo, não teria
deixado de combatê-la, como combateu tantas outras. Ao contrário, Ele a
sancionou, proclamando-a como uma condição necessária e indispensável para o
progresso e adiantamento da Humanidade”.
Não
te admires de eu dizer: é necessário que torneis a nascer,
observou o divino Mestre a Nicodemos (Evangelho de João, capítulo 3, versículo
7). Deste modo ratificou Ele, conforme acima dissemos, a lei natural do
renascimento, da reencarnação, apresentando-a como uma realidade e realidade
ante a qual se dissipam todas as dúvidas oriundas dos absurdos que, sob a capa
do milagre, pretendem os ortodoxos que admitamos. A reencarnação, pois, o
renascimento, a obrigação que tem o Espírito de reviver, como meio de chegar ao
estado de pureza integral, ideia que já se continha na revelação hebraica, que
constituiu princípio fundamental na revelação messiânica, mas que não foi
apreendida por virtude das interpretações literais a que estiveram sujeitas
essas revelações, constitui hoje, pela revelação nova, que as vem explicar em
espírito, uma verdade axiomática, expressão fiel do pensamento do Mestre
Divino.
Mas,
vós, quem dizeis que eu sou? Perguntou Jesus a Pedro,
que lhe respondeu: És o Cristo, Filho do Deus vivo, isto é, o Enviado do
Senhor. Retrucando, Jesus lhe fez ver que o conhecimento dessa verdade lhe fora
dado por uma revelação vinda do Pai que está nos céus.
De fato, como podia Pedro
saber, para afirmá-lo com tanta segurança e firmeza, que Jesus era o Enviado de
Deus, se tal coisa lhe não houvera sido revelada? E de que modo pudera ter tido
essa revelação, a não ser por uma inspiração mediúnica? Ë claro que, na
ocasião, ele foi apenas o instrumento que serviu para a revelação de uma
verdade, ou de um médium falante.
Logo, podemos e devemos
concluir não só que Pedro era médium, como que já então se davam essas
revelações a que a Doutrina Espírita chama mediúnicas.
Efetivamente, dotado de uma
organização física bastante maleável para se prestar a todas as influências
mediúnicas, Espírito intelectualmente mais adiantado do que os dos outros
apóstolos, Pedro era, dentre estes, o que possuía em maior extensão e poder os
dons da mediunidade. Era, pois, o que mais se prestava a servir de pedra
fundamental para a construção da Igreja do Cristo.
Quer isto dizer que sobre a
mediunidade é que assenta essa Igreja, que assim repousa em alicerce
inabalável, porquanto a faculdade que aquele apóstolo possuía havia de
espalhar-se, como realmente aconteceu e está acontecendo, mais do que nunca,
nos tempos atuais, sem que o menor dano lhe possam causar os ódios sectaristas,
nem os interesses de qualquer natureza: “contra ela não prevalecerão as portas
do inferno”.
Assim sendo, é claro que
todos os verdadeiros espíritas e, sobretudo, os médiuns sinceros e humildes
servirão para aquela construção, trazendo-lhe cada um a sua pedra.
Não veem os homens do
Silabo, dos dogmas impostos pelo terror das fogueiras e dos martírios que, numa
época como a atual, em que a razão se emancipa de todas as tutelas, já não é
possível a imposição da fé cega?
Não, as coisas vão mudar.
Passado o tempo das fogueiras e dos apavorantes anátemas, despojado o Chefe da
Igreja do poder temporal, que mal e indevidamente exercia, porque o Mestre
disse: Regnum meum non est in hoc mundo (1), o prestígio, o poder, o reinado
daquele que queira ser ou haja de ser sucessor de Pedro somente poderão
demonstrar-se pela caridade, pela humildade, pelo desinteresse, pela mansidão e
abnegação, que foram as armas com que o Manso Cordeiro de Deus apeou potentados
e derrocou tronos de déspotas, a todos se sobrepondo pela exemplificação
daquelas virtudes sublimes. Mesmo, porém, que um homem aparecesse revestido de
tais virtudes, ainda assim não poderia, só por isso, considerar-se sucessor de
Pedro, que não mostrou apenas possuí-las, mas se distinguiu entre os demais
discípulos, muito embora estes também fossem exemplificadores dos ensinamentos
de Jesus.
(1) A nosso ver, a privação
do poder temporal, se foi, individualmente, um mal, ou uma perda sensível para
o Sumo Pontífice, não o foi para a Igreja de que é ele o chefe, visto que
redundou no desaparecimento do que melhor provava não ser essa Igreja a do
Cristo. Não sendo deste mundo o reino do Filho de Deus, sua não podia ser a
Igreja cujo reinado era todo deste mundo. O ter sido despojado daquele poder,
valeu, pois para a Igreja Romana por uma como galvanização. Graças a isso é que
ainda pôde ostentar a aparência de prestígio de que gozou nestes últimos
tempos. Obtendo, como recentemente obteve, em 1929, que lhe restituíssem o
poder temporal é que ela decretou a sua própria e definitiva condenação,
volvendo a oferecer ao mundo, quando no Espiritismo ressurge o verdadeiro
Cristianismo, a demonstração iniludível de que nela não está o espírito da
Doutrina Cristã, de que ela é a antítese da Igreja Universal do Cristo.
Predição. Palavras de Pedro. Resposta de
Jesus
(Mateus,
16:21-23; Lucas, 9:22)
31.
E começou a lhes declarar ser preciso que o filho do homem sofresse muito e que
fosse rejeitado pelos anciães, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas,
que fosse morto e que ressuscitasse três dias depois. 32. Como falasse
abertamente dessas coisas, Pedro, tomando-o de parte, começou a repreendê-lo. 33.
Jesus, porém, voltando-se e olhando para os discípulos, repreendeu a Pedro,
dizendo: Tira-te da minha frente. Satanás, pois que não tens o gosto das coisas
de Deus e sim o das coisas dos homens.
Servindo-se das expressões
ser morto, ressuscitar — o Cristo usava de uma linguagem que os homens pudessem
compreender. Apresentando o seu corpo a aparência da corporeidade humana,
importava-lhe passar pela metamorfose da morte. Depois, deixando no
esquecimento o corpo de carne de que parecia revestido, cumpria-lhe mostrar-se
aos homens, para que ficasse comprovada a sua identidade. Era, portanto,
preciso que os homens fossem prevenidos do acontecimento que sobreviria, a fim
de lhe apreenderem a razão, porquanto os próprios discípulos não teriam
compreendido o fato do reaparecimento do Mestre, se o não houvessem considerado
do ponto de vista da ressurreição, no sentido que davam a este termo.
Para os hebreus, a
ressurreição consistia na volta da alma a um corpo de carne, a um corpo
material, sem indagarem se se tratava sempre do mesmo corpo, sem inquirirem da
origem, nem do fim de tal corpo. Mas, tanto os discípulos, como, em geral, os
hebreus compreendiam a ressurreição que Jesus anunciara como tendo que ser a
volta de sua alma ao mesmo corpo. Essa a razão por que Ele permitiu a Tomé que
pusesse a mão na abertura que lhe haviam feito de um lado e os dedos nas chagas
que os cravos lhe abriram nas mãos e nos pés, retomando, para esse efeito, o
seu corpo que, como sabemos, era fluídico, de natureza perispirítica, com a
tangibilidade, a consistência, a aparência de um corpo humano.
Conseguintemente, sendo tal
a natureza do corpo de Jesus, não houve, com relação a Ele, nem morte, nem
ressurreição, no sentido que então era dado a estas expressões. Houve apenas
aparência de uma e outra coisa.
Foram todos morais os
sofrimentos que o Mestre suportou na cruz. O que das chagas lhe saía era uma
combinação puramente fluídica, com a aparência de sangue.
Sem dúvida, estas revelações
são de molde a alarmar, como de fato têm alarmado, muitas criaturas aferradas
às torturas físicas do grande modelo que nos foi enviado. Porém, forçoso é
vejamos em Jesus somente um Espírito, Espírito superior a todos os outros que
concorreram para a formação do nosso planeta e cujos sofrimentos, portanto,
foram todos morais, decorrentes do amor que consagrava e consagra a seus
protegidos, por vê-los tão endurecidos. Dizemos seus protegidos — porque Ele é
o nosso protetor, o governador do nosso planeta. Nessa qualidade, experimentava
o sofrimento que causa a uma mãe terna e carinhosa o ter que punir o filho
bem-amado.
Nos últimos momentos do seu
sacrifício na cruz, limitou-se a dizer em voz alta: Tudo está consumado, eis-me
aqui, Senhor, para mostrar aos homens, por meio de um exemplo prático, a
resignação, a obediência e a submissão com que se devem eles comportar, diante das
vontades do soberano Senhor. O brado que soltou do cimo do madeiro não foi
tampouco um brado de sofrimento. Deixando-o escapar no momento de “render a
alma” (está claro que apenas no entender dos homens), fê-lo com o intuito de
lhes chamar a atenção para aquele instante supremo e lhes fazer compreender,
por uma expansão de alegria e não de angústia, a felicidade do Espírito que se
desprende do seu grosseiro invólucro, para se elevar ao seu Criador.
Não faltarão os que digam:
“Que mérito era o dele em se submeter a tais torturas, se não experimentava os
sofrimentos físicos, uma vez que apenas aparente era o seu corpo.” Não
compreendem os que assim falam, que os sofrimentos morais são de intensidade
infinitamente maior do que os sofrimentos físicos; que o sofrimento, na
essência espiritual, é mais forte e mais vivo do que o possam ser, para os
nossos corpos, quaisquer sofrimentos humanos, ainda os mais agudos. Todos
conhecemos desgostos, mágoas e torturas morais superiores a qualquer dor
física, tanto que de bom grado os trocaríamos por dores desta natureza.
Jesus sofreu, sim, sofreu
cruelmente, não na sua “carne”, mas em seu “espírito”. Cada pancada do martelo
nos cravos que lhe traspassavam as mãos e os pés fluídicos, mas tangíveis, lhe
ia ferir a sensibilidade delicadíssima e lhe fazia correr da alma o sangue mais
precioso: o do amor e do devotamento que nos consagra. O divino modelo, que por
nós subiu ao Calvário, que padeceu por nós, sofreu e sofreu muito, conforme
mostraremos oportunamente, quando voltarmos a este ponto. (2)
Quanto ao haver desaparecido
do sepulcro o corpo de Jesus, é um fato que se explica pela mesma natureza
fluídica do invólucro corpóreo que Ele constituiu para o desempenho de sua
missão e cujos elementos componentes fez que voltassem ao meio de onde os
tirara, uma vez concluída aquela missão, retomando a partir daí, e continuando,
como Espírito, Espírito puro e perfeito, a desempenhar a sua missão espiritual,
na qualidade de protetor e governador do nosso planeta, missão que neste momento
desempenha entre nós por meio do Espírito da Verdade e da Nova Revelação.
Quanto à severidade da
resposta de Jesus, nada tem de estranhável, quando se sabe que todo Espírito
encarnado é fraco e falível, pelo só fato de ser encarnado, e que o Mestre não
podia deixar de querer se mantivesse Pedro constantemente em guarda contra as
fraquezas humanas, que sempre tornam a criatura incapaz de sentir o gosto das
coisas de Deus e só ter o das coisas do mundo.
A expressão satanás, de que
usou com relação àquele apóstolo em sentido puramente figurado, significa a má
influência, a má inspiração. Eram elas que faziam procurasse ele desviar o
Mestre do cumprimento do seu dever.
Respondendo a Pedro por
aquela forma, apropriada ao momento e ao futuro, deu-nos Jesus uma grande
lição: a de que a vontade do Senhor tem que predominar sempre sobre qualquer
vontade; que todos, encarnados e desencarnados, temos que nos curvar às suas
leis, com submissão, respeito e amor, mantendo-nos em guarda contra as
fraquezas humanas.
Humildes de coração,
auxiliemo-nos mutuamente, em tudo e por tudo e, com alegria que exprime
reconhecimento, recebamos as provas que ao Senhor praza enviar-nos, tendo os
nossos lábios e as nossas almas prontos sempre a bem dizer de todas as suas
decisões. Não choremos nunca, sobretudo nós, os espíritas, que recebemos a luz,
pois que as de gratidão são as únicas lágrimas que a fé pode verter.
Possuindo a presciência do
futuro, Jesus antevia as fases e condições dos progressos vindouros. Todas as
suas palavras, portanto, eram ditas para aquele momento e alcançavam o futuro.
Assim, quando disse a Pedro: “Afasta-te de mim, Satanás, etc.”, o divino Mestre
abrangia na sua apóstrofe as fases de erro e de materialidade que atravessaria
sua sublime doutrina de amor, perdão e bondade, por efeito dos dogmas e
mandamentos humanos, que a deturpariam; por efeito do orgulho, da intolerância
do fanatismo, do espírito de dominação, do despotismo religioso; por efeito da
predominância do gosto pelas coisas dos homens, isto é, das honrarias, do
fausto, das dignidades, do poder, dos favores e vantagens de ordem espiritual e
temporal, que não são coisas de Deus. Com relação à época atual, aquelas
palavras atingem a todos os que se mostrem hostis e rebeldes à Revelação Espírita,
trazida ao mundo pelos Espíritos do Senhor, como hostis e rebeldes à Revelação
Cristã se mostraram os escribas, os fariseus, os príncipes dos sacerdotes e
seus adeptos.
(2) Aliás, com os progressos
que a ciência espírita tem realizado e que são imensos em nossos dias; com os
subsídios importantes que para esses progressos têm trazido as experiências, a
que os cientistas deram o nome de “metapsíquicas”, sobre o que eles mesmos
convencionaram chamar “ectoplasma”, experiências, em muitas das quais se há observado
o reflexo dolorosíssimo que produz no médium qualquer abalo mais ou menos
violento nas formações ectoplásmicas, já se pode reconhecer não só que dos
sofrimentos ditos “físicos” não esteve isento o Divino Mestre, por ser de
natureza perispirítica o seu corpo, como também que esses sofrimentos foram,
para Ele, mais agudos e intensos do que os mais vivos que experimentemos, por
intermédio dos nossos corpos grosseiros, de carne putrescível.
Meios e condições sem os quais não se
pode ver na Terra o reino de Deus, em todo o seu poder
(Mateus,
16:24-28; Lucas, 9:23-27)
34.
E, chamando para junto de si o povo e os discípulos, disse: Se alguém me quiser
acompanhar, renuncie a si mesmo, carregue a sua cruz e siga-me; 35, porquanto,
aquele que quiser salvar a vida a perderá, mas aquele que perder a vida por
minha causa e do Evangelho a salvará. 36. Pois, de que serviria a um homem
ganhar um mundo inteiro e perder a alma? 37. E que daria o homem em troca da
sua alma? 38. Aquele que de mim se envergonhar e das minhas palavras, nesta
raça adúltera e pecadora, desse o filho do homem também se envergonhará, quando
vier, acompanhado dos santos anjos, na glória de seu pai.
O devotamento absoluto, a
submissão sem limites são as condições únicas de chegarmos à perfeição relativa
que a Humanidade pode alcançar. Dedicando-nos aos nossos irmãos, pela prática
sem reservas da caridade, submetendo-nos aos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus
Cristo, observando, em todos os nossos atos, os preceitos morais que Ele pregou
e exemplificou, estaremos no caminho seguro da nossa salvação. Sujeito às
necessidades materiais e aos instintos humanos, cumpre que o homem regule a sua
existência, tendo sempre em vista que o seu corpo é um empréstimo que o Senhor
lhe fez, como meio de efetuar a sua depuração e chegar até Ele. Não deve
apegar-se a esse corpo, nem ao tesouro que acumulou, porquanto nenhum dos dois
o salvará no outro mundo.
Aquele que se entrega aos
gozos materiais entra para a categoria dos que perdem a alma pelos bens
mundanos, dos que a “vendem ao demônio”, para usarmos de uma frase tantas vezes
repetida e tão mal compreendida. Consagrarmos o nosso corpo, isto é, a nossa
dedicação, o nosso trabalho, os nossos esforços ao bem da Humanidade,
afrontando incômodos e contrariedades, empregando as riquezas que possuamos em
auxiliar, com critério e prudência, os nossos irmãos, é caminharmos para a
salvação. Fazer o contrário é gozar materialmente, negligenciando a verdadeira
felicidade.
Que todos os nossos atos e
pensamentos tenham a guiá-los a gratidão ao nosso Deus e o amor aos nossos
irmãos; que nunca o egoísmo, ou o interesse pessoal manchem a pureza das nossas
consciências.
As palavras de Jesus, com
relação aos que dele se envergonham, abrangendo o passado, o presente e o
futuro, dizem respeito aos que se riem, ridiculizam e fogem das coisas santas,
de medo do ridículo. Com referência, especialmente, à era nova que se abre para
a Humanidade com o advento do Espiritismo e que irá até que comece a separação
do joio e do bom grão, elas entendem com os que, depois de terem conhecido a
verdade, usarem de disfarces para, pelo respeito humano, não confessarem suas
convicções. Desses, que são os que se envergonham de Jesus, também Ele se
envergonhará. Esses, quando chegar o momento daquela separação, se se
conservarem culpados, rebeldes, morrerão para o nosso planeta. Quer isto dizer
que não mais lhes será permitida a reencarnação na Terra. Ao terem de encarnar,
ver-se-ão constrangidos a fazê-lo em planetas inferiores a este, onde, como
condição necessária a que melhorem moralmente e progridam, a expiação
corresponderá à duração da falta.
Aludindo aos que não
morrerão (ou não “gostarão a morte”, como se lê nalgumas traduções dos
Evangelhos), sem terem visto chegar o reino de Deus em seu poder, Jesus se
referia à categoria de Espíritos que, encarnados naquela época, tinham de
chegar, de reencarnação em reencarnação, ao tempo em que o reino de Deus se
estabelecerá realmente na Terra; em que o divino Mestre se mostrará em todo o
seu esplendor aos homens, bastante puros, então, para poderem suportar o fulgor
do seu Espírito. A maior parte daqueles a quem Ele se referia, falando dos que
viveriam na Terra ao tempo da sua vinda, serão, nesse tempo, Espíritos
purificados e se acharão reencarnados em missão.
SAYÃO, Antonio Luiz.
Elucidações evangélicas. FEB (e-book).
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