Prédica de João Batista. Batismo.
Espírito Santo. Anjos da guarda. Batismo de Jesus
(Mateus,
3:1-17; Marcos, 1:1-11; João, 1:32-34)
1.
No décimo quinto ano do império de Tibério César, sendo Governador da Judeia
Pôncio Pilatos tetrarca da Galileia Herodes, tetrarca da Ituréia e da província
de Traconites Filipe Irmão de Herodes e tetrarca de Abllina Lisãnias, 2, Anás e
Caifás sacerdotes magnos, o Senhor fez ouvir sua voz no deserto a João, filho
de Zacarias, 3, e João percorreu todas as cercanias do Jordão, pregando o
batismo de penitência para a remissão dos pecados, 4, conforme está escrito no
livro das palavras do profeta Isaías: “Voz do que clama no deserto: Preparai o
caminho do Senhor; tornai retas suas sendas. 5. Todo vale será aterrado, todas
as montanhas e todas as colinas serão arrasadas, os caminhos tortuosos se
tornarão retos e os acidentados se aplainarão; 6, e toda carne verá a salvação
do Senhor.” 7. Dizia ao povo que acorria em bandos para ser batizado: Raça de
víboras, quem vos induziu a fugir da cólera que há de vir? 8. Produzi dignos
frutos de penitência e não comeceis a dizer: “Temos Abraão por pai”, porquanto
eu vos declaro que poderoso é Deus para destas mesmas pedras fazer que nasçam
filhos a Abraão. 9. Já o machado está posto à raiz das árvores e toda árvore
que não dá bons frutos será cortada e lançada ao fogo.” 10. E como a turba lhe
perguntasse: “Que devemos fazer”? ele, respondia: Que aquele que tem duas
túnicas dê uma ao que nenhuma tem; que aquele que tem o que comer faça o mesmo.
12. Também vieram ter com ele para ser batizados alguns publicanos que lhe
disseram: Mestre, que devemos fazer? 13. E ele lhes disse: Nada exijais além do
que vos foi ordenado. 14. Os soldados também o interrogavam, dizendo: E nós,
que devemos fazer? Não pratiqueis violência nem calunieis pessoa alguma e
contentai-vos com a vossa paga. 15. E como o povo e todos pensavam consigo
mesmo que talvez João fosse o Cristo, 16, disse aquele a toda a gente: Eu vos
batizo com água; um porém, virá mais poderoso do que eu, de cujas alpercatas
não sou digno de desatar as correias, e vos batizará em Espírito Santo e em
fogo. 17. Ele traz na mão a joeira e limpará perfeitamente o seu eirado,
empilhará o trigo no seu celeiro e queimará a palha num fogo que jamais se
extingue. 18. Era assim que evangelizava o povo, ensinando-lhe ainda muitas
outras coisas. 21. Sucedeu que, ao tempo em que João batizava todo o povo,
também Jesus foi por ele batizado e, enquanto orava, o céu se abriu; 22, e um
Espírito Santo desceu sobre ele, na forma corporal de uma pomba; e ouviu-se no
céu uma voz que dizia: És meu filho bem-amado; em ti hei posto todas as minhas
complacências.
João, filho de Zacarias e de Isabel, o Precursor de Jesus, nasceu seis meses antes do aparecimento deste e desencarnou com 31 anos de idade. Cheio de um Espírito Santo desde o ventre materno, como diz o Evangelista, ele foi, conforme o declarou o divino Mestre, o maior dentre os nascidos de mulher.
Jovem ainda retirou-se para
o deserto, a fim de se entregar a uma vida de rigorosa austeridade, donde só
regressou para dar início ao desempenho da sua missão, no ano 15 do império
romano, aos 29 de sua idade, sob o reinado de Herodes Antipas. Entrou a pregar
e a administrar o batismo de penitência, todos os profetas, recebeu no deserto
a inspiração de que soara a hora de ter começo a missão, que trouxera, de
Precursor do Cristo e que consistia em preparar os caminhos que este teria de
percorrer, em abrir brechas nas consciências, por onde penetrasse a luz de que
Jesus era portador. Foi o que fez, pregando, ensinando, aconselhando aos homens
que lavassem de toda impureza suas almas, que se arrependessem de suas culpas e
praticassem a penitência, para se tornarem dignos de receber aquela luz,
consubstanciação da moral divina. Quer isto dizer que João aparelhava o terreno
para a obra que o Cristo descera a realizar.
O batismo, que ele
administrava, era precedido da confissão, feita de público e em altas vozes pelo
batizando, de suas faltas e pecados, para lhe despertar no íntimo o sentimento
da humildade e para constrangê-lo a evitá-las pela vergonha de tê-las que
confessar publicamente. A prática dessa confissão durou longo tempo. Depois, os
que se arvoraram em representantes do Cristo dela se apossaram e a fizeram cair
no desprestígio e na desmoralização que conhecemos, imposta como mandamento
pelos que pregam o que não praticam.
João, cuja elevação
espiritual as citadas palavras de Jesus patentearam, era, no entanto, menor do
que o menor no reino dos céus, do que, por exemplo, Melquisedeque, rei de
justiça e rei de paz, que foi sem pai, sem mãe e sem genealogia, que não teve
princípio, nem fim de vida, que fez o seu aparecimento na Terra à semelhança do
Filho de Deus, Jesus Cristo, cuja natureza puramente espiritual, sob as vestes
de um corpo celeste e não terrestre, aquelas palavras comprovam, comprovando,
portanto, que ele não nasceu, nem “morreu”, que a sua vida humana foi apenas
aparente. (1)
Não obstante tratar-se de um
Espírito superior em missão, como Maria e José, João, por estar encarnado, se
achava olvidado da sua existência anterior, dela perdera a consciência. Assim é
que não se lembrava de que fora Elias.
Para abater o orgulho dos
hebreus, que só consideravam filhos do Senhor os que suportavam o jugo de
Moisés, tal qual a Igreja Romana, que assim só considera os que cegamente lhe
aceitam os dogmas, João, missionário celeste, disse que poderoso é Deus para
fazer das pedras filhos de Abraão, que estes, portanto, não são somente os que
dizem: Senhor! Senhor! E vivem preocupados com fórmulas exteriores, ritos,
cerimônias, etc., mas os que trazem puros os corações; que a árvore que não dá
bons frutos será arrancada e lançada ao fogo, isto é, que o Espírito encarnado,
que não progride, mediante as expiações, as provas e as reparações a que o
sujeitam seus erros e transviamentos, que não apresenta frutos de regeneração,
será, depois da desencarnação, a que comumente chama “morte”, lançado no fogo
dos remorsos das torturas morais, correspondentes ao grau da sua culpabilidade.
O batismo, que João
ministrava e a que Jesus se submeteu para exemplo, consistia na ablução, ou
lavagem do corpo, fato material destinado a simbolizar a purificação da alma,
pela humildade, pelo arrependimento, de que era prova a confissão pública das
faltas e crimes cometidos. Era um meio material de impressionar homens
materiais, mas ao mesmo tempo um ato emblemático, como um selo posto ao
compromisso assumido de regeneração moral, a efetuar-se pelo batismo em fogo e
em Espírito Santo, que tem sua expressão nos sofrimentos purificadores e na
assistência dos Espíritos purificados, assistência que faculta ao culpado os
meios e as forças de levar a cabo a sua purificação integral.
O batismo em Espírito Santo,
ou seja, a assistência dos Espíritos do Senhor compreendidos nessa denominação,
as criaturas humanas o recebem mediunicamente, pela intuição e pela inspiração,
quando não de maneira ostensiva, pelas comunicações do além. Concede-a o Cristo,
enviado de Deus e seu preposto ao governo do mundo terreno, aos homens de
boa-vontade, a fim de que sejam sustentados em suas provas, guiados nas suas
missões e ajudados na obra de purificação de seus Espíritos e na de seu
progresso pela senda do aperfeiçoamento moral e intelectual.
Esse batismo Ele o
administrou, clara e exemplificativamente, fazendo que descessem até seus
discípulos aqueles Espíritos, que os iam amparar e auxiliar no desempenho da
missão de que se achavam incumbidos, e que se manifestassem sob a aparência de
línguas de fogo, formadas pela luminosidade dos seus perispíritos. Essa também
uma das razões por que ao batismo em Espírito Santo é dado o nome de “batismo
de fogo”. É que por ele desce sobre a criatura o fogo da inspiração divina, a
abrasá-la dos sentimentos puros e elevados, que geram os heroísmos da fé.
Hoje, como sempre, esse
batismo, ou influência, podemos obtê-lo todos, pelo trabalho, pelo amor, pela
humildade e, sobretudo, pela caridade, e a temos, constante, animadora e eficaz,
fazendo-se mister unicamente, para que aproveitemos de todos os seus
inestimáveis benefícios, que dela tenhamos consciência, que a prezemos e
guardemos como preciosíssimo tesouro, de que nos podemos valer em todas as
circunstâncias da vida. Temo-la, com efeito, continuamente, porque temos de
contínuo, a velarem por nós, os nossos Anjos da Guarda, Espíritos elevados,
caridosos, santos, que tomaram a si o encargo de nos proteger e conduzir pela
estrada do progresso, com o que também eles avançam nessa mesma estrada.
Era, pois, o batismo um ato
material e simbólico, mas a que só se submetiam criaturas conscientes de seus
atos, possuídas do arrependimento de seus erros e faltas, desejosos de fazer
penitência e de alistar-se sob o estandarte de uma fé conducente à regeneração,
para a conquista do “reino dos céus”. Isto perfeitamente se compreende. Que
fez, porém, a Igreja Romana? Fez do batismo material, da água derramada, não
mais sobre a cabeça de homens em condições de reconhecerem e confessarem suas culpas,
mas sobre a cabeça das crianças recém-nascidas, um meio de apagar nelas a
mancha do pecado original, de remissão desse pecado de que se deve considerar
onerado todo aquele que nasce na Terra, apesar de nenhum pecado ainda haver
cometido, erro que provêm de ensinar a Igreja, por não admitir a lei das
reencarnações, que quem nasce no mundo traz uma alma expressamente criada para
o corpo com que se apresenta.
Vê-se assim que, como
outras, a instituição do batismo da água foi completamente desvirtuada em sua
natureza, em seu objetivo, em as condições precisas para ser administrado e nos
fins a que visava, tudo por efeito de inovações e mandamentos humanos.
Ora, como é possível que,
nunca tendo nascido antes, o Espírito do que nasce precise lavar-se de impurezas
quaisquer? Será que já tenha saído impuro das mãos do seu Criador.
Em segundo lugar, se o
prêmio, ou o castigo, decorrem das obras de cada um, como tantas vezes se
encontra repetido nas Escrituras santas “a cada um segundo suas obras” não se
compreende que a Humanidade seja responsável pela falta ou faltas que haja
cometido o chamado primeiro homem, que não passa, como já mostramos, de um
símbolo. E não se compreende, quer se deem aos batizandos as lições que lhes
dava João, quer sejam eles dispensados dessas lições, bem como do exercício da
vontade e do uso do livre-arbítrio, da manifestação do arrependimento e do
desejo da penitência, condições então necessárias à administração do batismo.
É evidente que a Igreja
Romana não entendeu, ou revogou a palavra do Senhor, transmitida por Moisés aos
homens. Veja-se: Deuteronômio, capítulo 24, versículo 16 Não se farão morrer os pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais; mas
cada um morrerá pelo seu pecado.
Ela não entendeu, ou não
aceitou as palavras do apóstolo Paulo, na sua “Epístola aos Romanos”, capítulo
14, versículo 12: “E, assim, cada um de
nós dará contas a Deus de si mesmo.”
Manifesto é, portanto, o
absurdo do ensino da Igreja, ante os termos expressos da lei, ante os
ensinamentos dos profetas e dos apóstolos. Essa a razão por que o clero romano
foge a toda discussão, não admitindo que os leigos falem nos Evangelhos, e a
razão também por que a Humanidade não dá às Escrituras sagradas a importância
que lhes devia dar. Entretanto, assim não continuará a ser. Acreditamos e
esperamos que o remédio não tardará, para extirpar o mal pela raiz, mal que
lavra há muitos séculos, desde que os fariseus, ensinando que da aliança do
Sinai viera a lei oral e não a lei escrita, reduziram o Código Sagrado a mero
acervo de tradições e monopolizaram, por vaidade e interesse de seita, a
inteligência e a interpretação dos livros santos, fazendo que a corrupção
chegasse ao ponto de levar Jesus a declarar que os judeus haviam aniquilado a
palavra do Senhor.
Sob o aspecto material, o
batismo correspondia a uma necessidade daqueles tempos; destinava-se, como já
dissemos, a fazer impressão em homens materiais. Se ainda hoje precisa ser
mantido com esse aspecto, batizemos os nossos filhos; mas, desde que se tornem
conscientes, mostremos-lhes que, ante a razão, somente a parte simbólica é de
utilidade e proveito.
Jesus não tinha necessidade
de ser batizado por João. A prova encontramo-la na circunstância de que recebeu
um batismo, que era de penitência, que, por isso, exigia prévia confissão
pública de pecados, sem ter confessado culpa alguma, sem de nenhum pecado se
haver penitenciado. Quer isso dizer, evidentemente, que Ele era puro e
perfeito, porquanto só os que alcançam a perfeição na pureza se acham livres de
ter a mais leve culpa, a mais ligeira falta de que se acusar em consciência. E
essa circunstância, por si só, indica e demonstra que Ele não podia estar
encarnado, ser um homem como os demais, porquanto, conforme se lê em “O Livro
dos Espíritos”, aqueles, dentre estes, que compõem a primeira classe, classe
única, da primeira ordem, na escala espírita, já percorreram todos os graus do
aperfeiçoamento e se despojaram de todas as impurezas da matéria. Tendo
alcançado a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm mais que
sofrer provas, nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em
corpos perecíveis, realizam a vida eterna, no seio de Deus.
Trazia ele, portanto, um
corpo celeste, que não precisava ser lavado, como os nossos corpos de lodo, por
motivo algum e ainda menos como expressão material da necessidade de
purificação espiritual.
Jesus, conseguintemente, e
só Jesus, segundo proclamou João que Ele o faria, estava capacitado para
administrar o batismo em Espírito Santo e em fogo e para, investir a outros de
o ministrarem, como investiu os apóstolos que, depois de terem recebido esse
batismo, foram incumbidos de pregar e exemplificar a moral que Ele trouxera ao
mundo e de o conferirem a quantos, escutando-lhes as palavras, praticassem a lei
do amor e, a seu turno, a propagassem pela palavra e pelo exemplo.
Segue-se, então, que apenas
para dar um exemplo, para confirmar a missão de que o Precursor se achava
encarregado, e ainda para receber pública e ostensivamente a confirmação da
sua, foi que Jesus se fez batizar por João. Essa confirmação Ele a teve, de
fato, mediante aquelas palavras que se ouviram, vindas do alto, e que
continham, em seu sentido profundo, a afirmação de que à Terra descera o
Espírito excelso, cujo advento os profetas anunciaram, e mediante o
aparecimento de uma pomba a lhe pairar sobre a cabeça.
Foi esta uma manifestação
espírita, que se produziu pela faculdade que tem o Espírito de dar ao próprio
perispírito as formas e aparências que queira. Um dos que secundavam a Jesus no
desempenho de sua missão, tomou, obedecendo aos desígnios de Deus, a forma de
uma pomba que, considerada pelos antigos como emblema da pureza, veio atestar,
naquele momento, a do Messias prometido.
Segundo a narração
evangélica, aconteceu que, batizado Jesus, quando estava em oração (versículo
22), o céu se abriu e uma voz ressoou no espaço, dizendo: Este é o meu filho bem-amado, em quem hei posto toda a minha
complacência. Disse essas palavras um dos Espíritos Superiores, órgãos das
inspirações divinas e executores das vontades de Deus. E as disse quando Jesus
orava, para demonstrar aos homens que a prece do coração atrai as bênçãos do
Senhor e os testemunhos do seu amor infinito; que determina, por intermédio dos
Espíritos protetores, a influência divina; e também como sanção expressa da
legítima autoridade de Jesus, da sua identidade na condição de enviado direto
de Deus.
(1) Com esta palavra muito
jogo costuma fazer os que combatem a revelação da corporeidade fluídica do
Cristo, pretendendo que, se houveram sido aparentes, essa corporeidade e a vida
humana de Jesus nenhuma realidade teriam tido. Convêm, pois, precisar o
significado verdadeiro de tal palavra, ou, pelo menos, o sentido em que é
empregada, quando se trata daquela vida. Para esse efeito, de nenhuma
autoridade maior, nem melhor, nos podemos socorrer, do que do Mestre Allan
Kardec. Citemos, conseguintemente, o passo em que ele nos dê esse significado.
Encontramo-lo no capítulo 8
da segunda parte de O Livro dos Médiuns, capitulo que se intitula “Do
laboratório do mundo invisível”, numa nota por ele aditada a uma das respostas
do Espírito que o instruía, em o n 128 do volume. Vamos reproduzir, para boa
Inteligência da explicação, as perguntas e respostas que deram lugar a essa
nota.
2. Aquela caixa de rapé
(tratava-se da aparição de um Espírito encarnado, que trazia na mão esse
objeto) tinha a forma da de que ele se servia habitualmente e que estava em sua
casa. Que era então a que foi vista com a aparição?
“Uma aparência. Era para que
a circunstância fosse notada, como o foi, e para que não tomassem a aparição
como uma alucinação produzida pelo estado de saúde da vidente, O Espírito
querendo que aquela senhora acreditasse na realidade da sua presença, tomou
todas as aparências da realidade.”
3. Dizes que foi uma
aparência; mas uma aparência nada tem de real, é uma como ilusão de ótica.
Desejáramos saber se a caixa de rapé era apenas uma imagem sem realidade, ou se
havia nela alguma coisa de material?
“Certamente; é com o auxílio
desse princípio material que o perispírito toma a aparência de vestes
semelhantes às que o Espírito trazia quando vivo.”
NOTA. É verdade que se deve
entender aqui a palavra “aparência” no sentido de aspecto, imitação. A caixa de
rapé, real, não estava lá: a que o Espírito trazia era apenas a representação
da outra: era, pois, uma aparência, comparada ao original, se bem que formada
de um princípio material.
A experiência nos ensina que
nem sempre devemos tomar ao pé da letra certas expressões empregadas pelos
Espíritos. Interpretando-as segundo as nossas ideias, expomo-nos a grandes
equívocos. Cumpre, por isso, aprofundar o sentido de suas palavras, todas as
vezes que apresente a menor ambiguidade. É uma recomendação que os próprios
Espíritos repetidamente nos fazem. Sem a explicação que provocamos, a palavra
aparência, constantemente reproduzida em casos análogos, podia dar azo a uma
falsa interpretação.
Genealogia de Jesus (aos olhos dos
homens)
Confrontando-se os textos
desses evangelistas (Mateus e Lucas), neste ponto de suas narrativas, notam-se
divergências Tão sem importância, porém, são elas, bem como as controvérsias a
que tem dado lugar, que Paulo aconselhou a Timóteo se não ocupasse com tais
genealogias (1ª Epístola a Timóteo, 4 e 5).
Com efeito, Jesus, Espírito
perfeito e imaculado, cuja perfeição se perde na noite das eternidades,
protetor e governador do nosso planeta, a cuja formação presidiu, é estranho e
anterior às gerações humanas que sucessivamente o têm habitado. (João, capítulo
8, versículo 58). Jesus apareceu na Terra, é verdade, mas com um corpo
fluídico, de natureza perispirítica visível e tangível, sob a aparência da
corporeidade humana, por efeito de incorporação, segundo as leis dos homens
superiores.
Assim, a genealogia humana
que lhe foi atribuída correspondeu às necessidades da época, tendo-se em vista
o desempenho de sua missão, que objetivava a regeneração da nossa Humanidade.
Ela foi devida à necessidade
de se materializarem todos os fatos, para que se tornassem acessíveis à
matéria, pois que era preciso falar aos homens uma linguagem que eles pudessem
compreender e, sobretudo, que fosse escutada, no meio que estava preparado
havia tantos séculos.
Segundo as tradições
hebraicas e as interpretações dadas às profecias da antiga lei, encontramos na
Gênese (capítulo 3, versículo 15), que, dirigindo-se à serpente, símbolo do
Espírito do mal, chamado depois “príncipe do mundo” (João, capítulo 14,
versículo 30), Deus disse: “Porei inimizades entre ti e a mulher; entre a tua
posteridade e a sua. Ela te pisará a cabeça e tu armarás traições ao seu
calcanhar.”
Essa posteridade da mulher,
prometida pelo Pai celestial, com poder de pisar a cabeça da serpente, encerra
figuradamente a promessa de um libertador, que viria ao mundo, nascendo de uma
mulher, por precisar revestir-se dos andrajos da nossa mortalidade, aparecer
como uma criatura humana, como frágil criancinha, submetido às limitações da
carne.
Era necessário que Jesus se
assemelhasse aos homens (exceto no pecado), a fim de que sua morte apresentasse
valor idêntico ao da nossa morte e a sua justiça equivalesse à nossa justiça.
Os crentes do Antigo
Testamento não conheceram o Salvador, mas esperavam o seu advento e nenhum
esperou em vão, dos que nele depositaram suas esperanças. Era o Céu que teria
de descer à Terra, para que a Terra pudesse elevar-se ao Céu. Era o Filho de
Deus fazendo-se homem, para que os homens pudessem tornar-se filhos de Deus.
O libertador prometido, o
Cristo, tinha que nascer em Belém, tendo por pai um descendente de Davi, sendo,
pois, pela descendência, um filho de Davi.
Maria, Espírito perfeito, e
José, também Espírito perfeito, porém menos elevado que o de Maria, ambos
purificados, inferiores, portanto, a Jesus, encarnaram para assistir a este em
sua missão.
Maria, conseguintemente,
tinha que figurar como mãe, e José como pai de Jesus. E não devemos estranhar
que as coisas se passassem assim, quando sabemos que elas iam dar-se entre os
hebreus, que se achavam metidos às leis de Moisés e a tradições que datavam de
séculos, que se perdiam na noite dos tempos. Forçoso era, conseguintemente,
que, para lhes guiar as inteligências, o caminho seguido fosse o que eles
tinham o hábito de trilhar. Tendo isto em atenção é que devemos entender o que
é dito sobre a criação do primeiro homem, sobre a formação do globo terráqueo,
sobre o paraíso terrestre, etc. Se, então, á cerca desses pontos e de outros, a
verdade fosse proclamada abertamente, dar-me-ia à letra da Gênese formal
desmentido, que houvera revoltado as massas, inquietado os fracos e retardado a
marcha da Humanidade.
Assim, figuradamente, a
genealogia de Jesus remonta a Adão, como remonta a Deus a criação do corpo
formado de limo. Acompanhemos a sua genealogia espiritual e remontaremos a
Deus, Criador imediato e único que tudo o que é puro e perfeito.
Mas, se a criação do
primeiro homem é apenas um símbolo, uma figura exigida pelo estado das
inteligências daquelas épocas remotas; se a genealogia humana de Jesus é também
meramente simbólica, qual a realidade quanto à criação do Espírito e do corpo
do homem do nosso planeta; e qual a realidade quanto à genealogia espiritual de
Jesus, Espírito de pureza perfeita e imaculada?
São questões complexas
estas, que demandam extensos e amplos esclarecimentos, sobre os quais, portanto,
apenas de leve tocaremos, somente para dar uma ideia do assunto aos que desejem
iniciar-se no conhecimento das coisas santas, únicos para quem escrevemos.
Na criação, tudo, tudo tem
uma origem comum. Tudo vem do infinitamente pequeno para o infinitamente
grande, até Deus, ponto de partida e de reunião de tudo. Tudo provém de Deus e
para Deus volta.
O fluído universal, que o
toca de perto e dele parte, é o instrumento e o meio de toda a criação
espiritual, material e fluídica.
O Espírito, em sua origem,
como essência espiritual e princípio de inteligência, se forma da quintessência
dos fluidos que no seu conjunto constituem o que chamamos o todo universal e
que as irradiações divinas animam, para lhes dar o ser e compor os germes de
toda a criação, da criação de todos os mundos, de todos os reinos da natureza,
de todas as criaturas, assim no estado material, como também no estado
fluídico. Tudo se origina desses germes fecundados pela Divindade e progride
para a harmonia universal.
Os princípios latentes, em
multidão inumerável, aguardam no estado cataléptico que Deus lhes dê destino e
os aproprie ao fluído a que devam servir, segundo as leis naturais, imutáveis e
eternas por Ele mesmo estabelecidas.
Tais princípios sofrem
passivamente, através das eternidades e sob a vigilância dos Espíritos
prepostos, as transformações que os hão de desenvolver, passando sucessivamente
pelos reinos mineral, vegetal e animal e pelas formas e espécies intermediárias
existentes entre esses reinos.
Jesus o filho diletíssimo do
Pai celestial, que nele pusera toda a sua complacência, como o declarou a voz
do céu que se fez ouvir após o seu batismo (MATEUS, capítulo 3, versículos 13
ao 17; MARCOS, capítulo 1, versículos 9 ao 11; LUCAS, capítulo 3, versículos 21
ao 22), não teve genealogia humana, porque a eternidade é o tempo de seu
nascimento, o céu sua habitação, sendo infinito o seu braço. Seus olhos tudo
veem, seus ouvidos tudo ouvem. Conforme o quer, tudo por Ele passará, por Ele a
porta estreita, para chegar aos umbrais do infinito! Por diadema, tem a glória
celeste e o brilho desse diadema é a redenção da Humanidade. Um Salvador que de
tal grandeza não fosse nos não poderia salvar das consequências do pecado.
Posto na Terra com um corpo
animal, o homem ressuscitará em corpo espiritual. Assim como há o corpo animal,
também há o corpo espiritual. Era deste gênero o que Jesus trazia e que aos
olhos do homem parecia material.
No Cristianismo se encontram
incontestavelmente traços acentuados dessa crença. PAULO, na sua 1ª Epístola
aos Coríntios, disse (capítulo 15, 39 ao 54): Nem toda carne é a mesma carne... Há corpos celestes e corpos. O
primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito
vivificante. O primeiro homem formado da terra, é terreno; o segundo homem do
céu, é celeste... Porque uma trombeta
soará e os mortos ressuscitarão incorruptíveis. E quando este corpo mortal se
revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada
foi a morte na vitória, o que quer dizer: o homem não mais encarnará, terá
vida em si mesmo, será Espírito Vivificante.
Porém, já na Gênese
(capítulo 2, versículo 1), deparamos essas ideias: “O Senhor Deus formou, pois,
do limo da terra o homem lhe inspirou no rosto um sopro de vida, e foi feito o
homem em alma vivificante.”
Saindo puro e inocente das
mãos de Deus, o Espírito viveu no “paraíso” até que, transviando-se, incorreu
em faltas que só por meio de encarnações e reencarnações no mundo poderia
remir, em tantas gerações quantas sejam necessárias à reparação das
iniquidades. (Êxodo, capítulo 20, versículo 5).
Cometido o pecado, expirou a
inocência em Adão, ou seja, na legião de Espíritos de que Adão é o símbolo,
verificou-se a encarnação dos que se tornaram culpados, o sepultamento deles na
carne. Daí vem o dizer-se que em Adão todos morremos. Não é que soframos a
consequência do seu pecado, ou sejamos todos responsáveis pelos seus atos,
conforme erradamente se entendeu a princípio, do que resultou o dogma absurdo
do pecado original. Tanto assim não é que, num dos livros de Moisés (o
Deuteronômio, capítulo 24, versículo 16), se lê: “Porque não se farão morrer os
pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais; mas, cada um morrerá pelo seu
pecado”.
Todos morremos em Adão,
porque, pecadores que somos, para progredirmos, temos que morrer, isto é, que
encarnar e reencarnar, temos que tomar a forma material que nos faz
descendentes do “primeiro homem”, tem o nosso Espírito que se encerrar no
sepulcro da carne. Essa a morte de que falava o Divino Mestre, como se vê em:
MATEUS, capítulo 8, versículo 22; LUCAS, capítulo 9, versículo 60; PAULO, 1ª
epístola aos Coríntios, capítulo 44 15, versículo 22. Essa a morte de que se
tornam livres os que se fazem eleitos (Isaías, 9, 2; MATEUS, capítulo 4,
versículo 16).
Assim, Adão, feito de limo,
de barro, é uma figura, um símbolo e também uma lição para abater o orgulho
humano, o nosso maior inimigo. Do mesmo modo, a sua expulsão do paraíso, para
sofrer as consequências de suas faltas, é uma figura, representativa da lei das
encarnações e reencarnações, que serão tantas, para cada Espírito, quantas se
tornem precisas a que ele através de várias gerações, expie e repare suas
iniquidades e, progredindo moral e intelectualmente, se regenere, se redima,
ressuscite. Para ele, então, a morte terá sido tragada na vitória.
Jesus não tem genealogia,
porque seu Espírito, puríssimo, imaculado, não precisava, nem podia cobrir-se
do barro podre, de que é formado o corpo humano.
Muitas provas temos disso e
o apóstolo PAULO, em sua Epístola aos hebreus (capítulo 7, versículo 3), o
proclama nestes termos: o Filho de Deus,
sem pai, sem mãe, sem genealogia, que não tem princípio de seus dias, nem fim
de vida.
Ainda mais: pelas próprias
palavras de Jesus se prova que nenhuma genealogia humana lhe é aplicável. Vide:
MATEUS, capítulo 22, versículos 41 ao 45; LUCAS, capítulo 20, versículos 41 ao
44.
SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas.
FEB (e-book).
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