Evangelho segundo Lucas - cap. 13

Fazer penitência

1. Por esse mesmo tempo vieram dizer a Jesus o que sucedera a uns galileus cujo sangue Pilatos misturara com o do sacrifício que eles faziam. 2. Jesus, em resposta, disse: Pensais acaso que esses galileus, por terem sido tratados assim, fossem os maiores pecadores da Galileia? 3. Declaro-vos que não, e que, se não fizerdes penitência, perecereis todos do mesmo modo. 4. Acreditais igualmente que os dezoito homens sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou tossem mais devedores do que todos os habitantes de Jerusalém? 5. Declaro-vos que não, e que, se não fizerdes penitência, parecereis todos do mesmo modo.

Os judeus consideravam as calamidades, as dores morais e físicas como castigos que a cólera de Deus fazia cair sobre os que as experimentavam, os quais, por isso mesmo que sofriam, eram considerados culpados. Logicamente, os que nada sofriam eram tidos por inocentes. Jesus tratou de destruir essa crença errônea, mas sem entrar em explicações, que o levariam a falar das encarnações e reencarnações, como meio de expiação, reparação e progresso, o que fora inconveniente, por não estar ainda a Humanidade apta a receber essas explicações.

Acreditavam eles, os judeus, na volta do Espírito a uma nova existência terrena, mas unicamente com relação aos profetas, aos grandes enviados, qual Elias, por exemplo, que criam ter vindo depois como João, o Precursor.

Entretanto, no colóquio que teve com Nicodemos (João, capítulo 3), Jesus afirmou, ainda que veladamente, a realidade da lei natural da reencarnação e essa lei mostra que somos culpados todos os que nos achamos neste planeta, que todos a ele viemos para expiar e reparar não só as faltas de que temos consciência, como as de que nos não lembramos, cometidas em outras existências. Todos, portanto, temos que fazer penitência, se não quisermos agravar as nossas culpas e tornar-nos passíveis de maiores “castigos”. Mas, que vem a ser penitência? Pode ela dispensar a expiação e a reparação?

A lei das encarnações e reencarnações, cuja realidade, conforme acima dissemos, as palavras de Jesus a Nicodemos atestaram, nos dá solução satisfatória para muitos problemas, que permanecem insolúveis ante os ensinos do Catolicismo, por isso que este, em presença de qualquer dificuldade, logo apela para o dogma e para o milagre, em suma, para o sobrenatural. Assim, por exemplo, a desigualdade das condições sociais, que, segundo aquela lei, se explica com lógica e justiça, ele, nenhuma explicação podendo oferecer, a atribui ora ao pecado original, ora às faltas dos pais, sem atentar em que de tal modo nega um dos atributos de Deus a justiça perfeita e misericordiosa e em que os absurdos impostos com a autoridade, de que se presume revestido, a outro resultado não conduzem senão a aumentar a descrença, a matar a fé nas almas que, atribuladas, buscam conforto e esperança.

Pois que não há efeito sem causa, alguma ou algumas forçosamente existem para aquela desigualdade, bem como para as dores e sofrimentos de que é pródiga a vida terrena. A lei das encarnações e reencarnações, apresentando-nos essa vida como a continuação de outra precedentemente vivida, esta como a sequencia de uma anterior e assim por diante, nos aponta, nas culpas, nos erros e nos crimes praticados nas pretéritas existências corpóreas, as causas das vicissitudes em que se nos transcorre a atual. Demonstra-nos ela, assim, que as nossas vidas sucessivas no mundo são solidárias entre si.

A penitência, que Jesus aconselhou, não consiste, como se entendeu outrora, na reclusão em claustros, nos cilícios e outras tribulações materiais, quais as a que se submeteu uma Teresa de Jesus, aliás, com o desprezo altamente meritório das glórias e grandezas do mundo.

A penitência a que aludia o divino Mestre é a que constitui meio de tornarmos cada vez menos ásperas, dificultosas e tormentosas as nossas existências na Terra, e de passarmos, afinal, a habitar mundos mais elevados, até chegarmos à condição de já não termos que ser habitantes de mundos quaisquer. Ela, pois, consiste no arrependimento sincero, profundo, e no propósito firme em que a criatura se coloca de não tornar a cometer as faltas que a arrastaram à mísera condição humana e, ainda, no esforço decidido pelas apagar de todo, a fim de que a lembrança delas não continue a acicatar a consciência. Assim entendida, a penitência dá lugar ao perdão divino.

Mas, por isso mesmo que pelo esforço, consequente ao arrependimento, por não reincidir nas faltas praticadas, é que a lembrança destas se dilui, deixando de atormentar a consciência, claro é que o arrependimento e, portanto, a penitência, não basta para o apagamento das culpas que o determinaram. E bastará, para esse efeito, o perdão, que decorre do arrependimento ou penitência? Também não porque, nesse caso, todo aquele esforço se tornaria desnecessário à criatura, uma vez que se houvesse arrependido. Se a tal resultado conduzisse, o perdão de Deus comprometeria o conceito de perfeição absoluta, inerente à sua justiça.

Qual então o efeito do perdão concedido ao pecador? Facultar-lhe os meios de resgate e reparação das faltas de que se acha arrependido, dar-lhe, de par com a iluminação interior, a fim de que bem compreenda seus deveres de filho de Deus, caridosa assistência espiritual aos esforços que faça por avançar, mediante aquele resgate e aquela reparação, na via do progresso, que o conduzirá, de mérito em mérito, aos olhos do Senhor, à perfeição e, pois, à felicidade perene para que foi criado.

Desde que o arrependimento não sofra intermitências e que por ele o Espírito se conserve voltado de contínuo para o seu Criador, o perdão, que em consequência lhe é outorgado, o coloca sob o influxo constante do amor sem limites do Pai celestial, das graças e misericórdias de que são transmissores os seus mensageiros, de sorte que fácil se lhe torna cada vez mais a realização de seus destinos.

O Espírito penitente absorve-se todo na oração e na vigilância que Jesus recomendava e que formam um como antemural às ondas de paixões que nos lançam no abismo do infortúnio.

Compreendidos assim, em espírito e verdade, o que vem a ser penitência e o perdão que dela decorre, também facilmente se compreende em que consistem os efeitos, a que chamamos “prêmio”, do bem que a criatura fez, e os que denominamos “castigo”, do mal que pratica. (2) Aqueles se traduzem na paz de espírito, na serenidade da consciência, na satisfação íntima que toda ação boa ocasiona e no progresso moral a que dá sempre lugar. Os outros se expressam pelo desassossego, pelo sofrimento, pelo remorso, pelas angústias e aflições e, muitas vezes, pelo desespero.

Aos efeitos do mal praticado, ou, seja, ao “castigo”, o Espírito culpado se forra pelo perdão, obtido mediante a penitência, mas que, como acima dissemos, não o forra à expiação, ao resgate, à provação e à reparação.

Temos assim que, à falta, se sobrevém o arrependimento, se segue o perdão e, a este, o resgate, depois a provação, que representa a contraprova da firmeza dos propósitos de regeneração, e, finalmente, a reparação, que testifica a conversão definitiva ao bem, através de tantas encarnações sucessivas, quantas forem necessárias.

Não é de fácil inteligência, bem o reconhecemos, este ponto, um dos mais transcendentes da Doutrina Cristã, compreendida à luz dos ensinos dados ao mundo pelo Paracleto, ou Consolador prometido pelo divino Mestre. Por isso mesmo, insistimos nele, repetindo o que nos disse o nosso bom Guia e Mestre: Expiação, provação, reparação, palavras são estas que exprimem ideias completamente distintas. A expiação é a primeira consequência da falta ou crime praticado, mediante a qual a consciência do criminoso acaba por despertar para o arrependimento; este o conduz a buscar a provação, com que efetua, conscientemente, o resgate da sua dívida, ao mesmo tempo que demonstra ser decisiva a sua resolução de emendar-se. Vem, finalmente, a reparação, pela qual, como a própria palavra o indica, ele repara o mal que haja feito, praticando todo o bem que lhe seja possível e atestando desse modo haver tomado o caminho da regeneração. Como é fácil de perceber-se, o sofrimento, sob modalidades diversas, constitui a característica dessas três fases da depuração espiritual.

Ele é sempre o cadinho desta. Assim se cumpre a justiça indefectível, mas misericordiosa, de Deus.

A obsessão, como qualquer outro sofrimento, nem sempre é uma expiação, representativa do que chamamos “castigo”. Pode já ser uma prova. Diante das explicações que deixamos dadas, desacertado é ver-se em todos os sofrimentos humanos um castigo, uma punição. Em muitos casos, eles são uma provação confirmativa do arrependimento. Sendo o perdão consequência natural do arrependimento, onde este exista verdadeiro, sincero, profundo, já não há lugar para o que vulgarmente se considera castigo, ou punição.

Perdoado, em virtude da sinceridade do seu arrependimento, que implica a lealdade dos seus propósitos e promessas de regeneração, o próprio Espírito é que se submete espontaneamente às provações ou provas que lhe ratificarão o arrependimento e o mostrarão digno do perdão recebido de seu Deus. Muitos exemplos corroboram estas nossas asserções.

Assim, tendo Moisés, ao tempo em que fora Elias, mandado matar grande número de sacerdotes, contrários à doutrina que ele pregava, como se vê em Reis, capítulo 3 versículo 18, quando voltou à Terra e foi João Batista, o Precursor, o maior dentre os varões nascidos de mulher, convidou todos os seus companheiros de outrora, espíritos também elevados, a virem ao mundo celebrar com assinalado sacrifício o advento do Salvador, oferecendo suas cabeças ao cutelo de Herodes. E ele, por seu lado, veio completar, no mesmo meio terrestre, a obra de purificação do seu Espírito, entregando igualmente a sua, mais tarde, ao mesmo déspota, como haviam feito os protagonistas da “degolação dos inocentes”.

Como se depreende desse caso, que é bem de prova e reparação, o Espírito, tendo-se elevado pelo arrependimento e adquirido, pela sinceridade e amplitude deste, as virtudes da submissão, da humildade e da fé, como que insensibiliza a matéria, para o sacrifício reparador a que se submete e faz, com o sorriso da alegria que lhe causa a certeza da sua redenção, o que o impenitente faz com o desespero n’alma e raivoso ranger de dentes.

Agora, compare-se, na sua razão de ser e nos seus efeitos lógicos, porque conformes com a justiça divina, a penitência, ou arrependimento, ensinada, aconselhada e recomendada pelo divino Mestre, à penitência feita sacramento pela Igreja Romana, que lhe condicionou o perdão divino; pondere-se que este, segundo ela, não existe, com eficiência para a salvação do pecador, senão depois que o padre diga eu te absolvo, e não haverá como deixar de reconhecer-se quão divorciada do vero Cristianismo se acha essa Igreja e até que ponto as elucubrações teológicas dos santos padres, nos concílios, desfiguraram e adulteraram a doutrina simples e pura do meigo Nazareno. E que nesses concílios a preocupação avassaladora da mentalidade dos mesmos santos padres era a de estabelecer e firmar, como suprema, a autoridade que se atribuíam, a fim de chegarem à dominação material que ambicionavam. Daí o transformarem em algemas de escravidão os ensinos de libertação espiritual, ou, seja, de salvação, que trouxe ao mundo o manso Cordeiro de Deus.

(2) Assim nos exprimimos porque, em realidade, não há prêmio, nem castigo, na acepção humana e vulgar destes termos. Deus a ninguém premia, nem castiga, porquanto, na lei universal de causa e efeito, vigente em todos os planos da criação Infinita, estão, reguladas, com absoluta justiça, todas as sanções, a se efetivarem em consequências naturais, para todos os atos, praticados ou simplesmente pensados, de todos os seres dotados de Inteligência e razão, portanto de todos os Espíritos. A ideia de prêmios e castigos, com o significado comum que damos a essas palavras, é simples resultado da concepção de uma divindade mais ou menos humanizada.

Parábola da figueira estéril

6. Disse-lhes também esta parábola: Um homem havia plantado uma figueira na sua vinha, e, vindo colher-lhe os frutos, nenhum achou. 7. Disse então ao seu vinhateiro: há já três anos que venho buscar os frutos dessa figueira e não acho nenhum; corta-a; por que há de estar ela ocupando a terra? 8. O vinhateiro respondeu: Senhor, deixa-a mais este ano, a fim de que eu lavre a terra em torno dela e lhe ponha estrume. 9. Depois, se der fruto, muito bem; se não, depois a mandarás cortar.

Facilmente se apreende o sentido desta parábola, com a qual, sobretudo, o que Jesus teve em mira foi pôr em evidência a longanimidade do Senhor e a assistência caridosa e devotada que incansavelmente nos dispensam os Espíritos prepostos à nossa guarda e progresso.

Assim, segundo a parábola, aquele que se mostra rebelde às inspirações do seu anjo de guarda, ingrato à sua dedicação, indiferente ao auxílio que lhe presta, insensível a todos os benefícios que recebe; aquele que se obstina em viver contrariamente aos ditames da moral, sem dar, pelas provas por que passa, os frutos que devia produzir, é como a figueira que, apesar de todos os cuidados do agricultor, do auxílio que lhe dispensa, do adubo que lhe põe, permanece estéril, sem frutificar. Tem que ser cortada e retirada do campo onde fora plantada, pois que a sua permanência ali acabaria por prejudicar as outras plantas.

Contudo, o agricultor, benévolo, paciente e desejoso sempre de vê-la produzir, não a corta logo; contenta-se em podá-la, na esperança de que, fortalecida assim a seiva que ainda lhe dá vida e que se acha como que adormecida, ela venha a se cobrir de frutos. Poda-a, pois, revolve-lhe a terra em derredor, chega-lhe em abundância estrume novo e espera.

Verificando, por fim, que nada obteve, que estéril como era a árvore se conserva, manda cortá-la e lançá-la ao fogo, para que não continue a ocupar, junto das que abundantemente produzem, um lugar que pode ser ocupada por outra também produtiva.

É o que faz conosco o Senhor. Ele nos faculta todos os recursos e meios de levarmos a efeito a nossa salvação, ou redenção, tendo chegado a enviar-nos o seu Filho bem-amado, para nos mostrar, palmilhando-o até ao cume do Gólgota, Ele que nada tinha de que se remir, o caminho que à redenção conduz. Como isso, entretanto, ainda não tenha bastado, faz que do céu caiam as estrelas, se abalem as virtudes, a trazer-nos, com seus conselhos e ensinamentos, sublimes exemplos de humildade, caridade e devotamento. E não é tudo: para que amplamente aproveitemos desses exemplos e ensinos, concede-nos, através de tantas reencarnações quantas sejam necessárias, o tempo preciso, colocando-nos, em cada uma, na posição mais conveniente à expiação das nossas faltas, à reparação do mal que tenhamos praticado e, conseguintemente, à produção dos frutos, que devemos dar, de progresso, representados pelas virtudes de que cumpre exornemos nossas almas.

Se, porém, apesar de tudo isso, perseveramos na prática do mal, temos que ser apartados da companhia daqueles que progridem, regenerando-se, para sermos lançados no fogo das torturas morais proporcionadas ao nossos delitos e crimes e das encarnações em mundos onde mais acerbos são os sofrimentos, até que, despertada a nossa consciência a seiva espiritual que nos alimenta o ser nos disponhamos à purificação dos nossos sentimentos, tornando-nos, desse modo, dignos de receber, como co-herdeiros que somos, a parte que nos caiba da herança que Ele, o Pai celestial, instituiu para todos os seus filhos, sem exceção.

Mulher doente, curvada

10. Certo sábado em que Jesus ensinava numa das sinagogas deles, 11, veio aí ter uma mulher possessa de um espírito de enfermidade que a tornara doente, havia dezoito anos. Tão curvada era que absolutamente não podia olhar para cima. 12. Vendo-a, Jesus a chamou e lhe disse: “Mulher, estás livre da tua doença.” 13. E, Impondo-lhe as mãos, ela se endireitou no mesmo Instante e rendeu graças a Deus.

Os judeus atribuíam a satanás, isto é, aos Espíritos, tudo o que não podiam compreender, nem explicar. Daí o empregarem muitas vezes o termo “possessão” referindo-se a casos que eram apenas de doente.

O de que falam os versículos acima era um destes, de simples doença. Verifica-se isso, notando-se o seguinte: ao passo que o Evangelista, de acordo com o modo de ver de então e usando da linguagem então corrente, diz que a mulher estava possessa de um “espírito de enfermidade” spiritum infirmitatis Jesus, quando se lhe dirige, apenas diz: Mulher, estás livre da tua enfermidade “ab infiírmitate tua”. Entretanto, quando o caso era de possessão, isto é, de obsessão, de subjugação, Ele intimava o Espírito obsessor a que se afastasse.

Aquela mulher sofria de um amolecimento da medula espinhal e, como consequência, de enfraquecimento da coluna vertebral, pelo que não podia levantar o busto.

A cura se operou por efeito da aplicação, que Jesus lhe fez, mediante uma ação espírito-magnética, ou de magnetismo espiritual, de fluídos apropriados a restituir ao órgão enfraquecido a força de que carecia.

A natureza desses fluídos, bem como suas propriedades atuantes nos são desconhecidas e ainda não estamos em condições de os poder conhecer. Pelos efeitos, porém, que conhecemos e que, de boa-fé, são incontestáveis, do “magnetismo humano”, podemos até certo ponto imaginar quais os que produzirão o “magnetismo espiritual”, quando aplicado por um Espírito de sublimada pureza e, portanto, de inexcedível poder, como o de Jesus.

Aliás, dos efeitos da aplicação desse magnetismo (espiritual), em toda a sua amplitude, já podemos fazer ideia mais ou menos aproximada, sem recorrermos à comparação com os que resultam da do magnetismo humano, somente observando o que se passa nas sessões espíritas bem orientadas, onde os nossos guias, embora se nos conservem invisíveis, secundam por essa forma a nossa ação, desde que objetivamos dar alívio a um irmão nosso e que para eles apelamos pela prece feita com fervor e fé.

Vê-se assim que nos corre o dever de estudar e praticar com ardor, desinteresse e perseverança essa ciência celeste, que o Senhor nos confiou, precioso tesouro que nos facultará fazer obras análogas às que Ele fez, o que lograremos com o tempo, a continuidade do esforço, o desprendimento da matéria e a assistência dos nossos guias e, em geral, dos espíritos de eleição.

Acrescentemos que o fato evangélico que apreciamos encerra outro ensinamento da maior importância, sobre o qual muito devemos meditar, para o aproveitarmos bem, de modo a corrigirmos uma tendência que se vai prejudicialmente generalizando. Essa tendência é a de atribuir-se toda e qualquer doença a uma atuação de Espíritos e o ensino consiste em que devemos examinar cuidadosamente cada caso que se nos apresente, a fim de não confundirmos os que sejam de simples enfermidade com os em que os sofrimentos decorrem, principalmente, da ação de espíritos malfazejos, por índole, ou por inconsciência.

O dia de sábado. Culto do sábado

14. O chefe da sinagoga, indignado por haver Jesus feito uma cura em dia de sábado, tomou a palavra e disse ao povo: “Há seis dias destinados ao trabalho vinde num desses dias para serdes curados e não nos de sábado.” 15. O Senhor, respondendo, disse-lhe: “Hipócritas, qual de vós deixa de soltar o seu boi ou o seu jumento em dia de sábado, de o tirar do estábulo para lhe dar de beber? 16. Por que então não se devia libertar em dia de sábado esta filha de Abraão dos laços com que satanás a teve presa durante dezoito anos?” - 17. Ouvindo-lhe estas palavras, seus adversários ficaram envergonhados e todo o povo se regozijava de o ver praticar gloriosamente tantas coisas.

O sábado, Moisés o instituiu como meio de refrear a avareza, a cobiça, a ambição e a desumanidade dos senhores de escravos e de animais, que lhes não permitiam descansar das fadigas do trabalho cotidiano.

“O sábado foi feito em contemplação do homem e não o homem em contemplação do sábado”, como diz Marcos (capítulo 2, versículo 27). Sua instituição representava uma medida útil, pois que destinada a proteger o corpo do esgotamento resultante do excesso de trabalho. Com esse único objetivo, é claro que de nenhum modo criava embaraço ou inibia a prática do bem.

Como, pois, se poderia pretender defesa a de uma ação benfazeja, qual a de livrar um obsidiado das garras do seu obsessor, ou, como disse Jesus, libertar dos laços de satanás uma filha de Abraão?

Note-se, porém, que o divino Mestre usou dessas expressões, não porque se tratasse de um caso de possessão, ou subjugação, por parte do espírito das trevas, mas, pois que assim o supunham todos, para que o seu ato fosse mais facilmente aceito, visto que, conforme ficou explicado na lição precedente, o caso era de moléstia, de enfermidade.

Grão de mostarda. Fermento da massa. Semente lançada à terra

(Mateus, 13:31-35; Marcos, 4:26-34)

18. Dizia: O reino dos céus a que se assemelha e com que o compararei? 19. Assemelha-se ao grão de mostarda que o homem toma e planta no seu horto; ele germina, cresce e se torna árvore grande em cujos ramos pousam os pássaros do céu. 20. E repetiu: Com que compararei o reino de Deus? 21. Ele se assemelha ao fermento que uma mulher toma e mistura com três medidas de farinha até que a massa fique completamente levedada. 22. E assim ia ensinando pelas cidades e aldeias a caminho de Jerusalém.

Comparando o reino dos céus ao grão de mostarda, quis Jesus mostrar à multidão que o gérmen, por mínimo que seja, donde se parta para chegar ao céu, pode desenvolver-se e produzir grandes resultados.

No seu pensamento acerca do futuro, a comparação do reino dos céus com um grão de mostarda, que, de pequenino que é, se torna árvore grande, em cujos ramos os pássaros vêm habitar, constitui uma alegoria em que aquele grão representa o ponto de partida, a origem do planeta e da Humanidade, o estado rudimentar de uma e outro; em que o crescimento oculto do grão, sua afloração, desenvolvimento e transformação em árvore simbolizam as fases por que tem passado o nosso mundo, as da formação e desenvolvimento dos reinos mineral, vegetal, animal e humano e as de depuração e transformação física do planeta e física, moral e intelectual da Humanidade. Os ramos da árvore indicam o grau de evolução que aquele atingirá, para se tornar morada de paz e de felicidade, que os Espíritos purificados virão habitar e onde, continuando a progredir com ela, chegarão à perfeição.

Na parábola em que comparou o reino de Deus ao fermento que se lança na massa de farinha para levedá-la e torná-la em pão, figurou Jesus o trabalho de transformação e purificação das almas, por efeito da doutrina de amor e bondade que Ele lançava nos corações único fermento apropriado à preparação do pão espiritual, que alimenta para a vida eterna.

Na em que o reino dos céus é comparado à semente que o homem lançou à terra, o divino Mestre indicava o trabalho, secreto, mas contínuo, da semente de regeneração que Ele imergia nos corações, ao mesmo tempo que mostrava as fases de germinação, crescimento, transformação, desenvolvimento e frutificação que o Espírito atravessa, para atingir a maturidade moral e intelectual, estado em que será aproveitado pelos ceifadores incumbidos de proceder à colheita para o celeiro divino, o reino de Deus.

Por outro lado, esta última parábola, despojado da letra o Espírito, é o emblema dos períodos que a nossa Humanidade tem percorrido e transposto na via do progresso, desde o aparecimento do homem na Terra, assim como dos períodos que ela tem de percorrer e transpor, para sua regeneração completa.

A erva, que aflorou ao solo, como produto da germinação da semente, designa o tempo que se escoou antes que Jesus aparecesse na Terra; a formação da espiga indica o que decorreu desde esse aparecimento até os nossos dias; a formação dos grãos que cobrem a espiga, os próprios grãos já formados e o fruto ao qual, quando maduro, se passa a foice, por ser essa a época da ceifa, indicam os tempos atuais e futuros da era do Espiritismo, que vem preparar e efetivar a regeneração da Humanidade e as promessas que as proféticas palavras do Salvador encerram.

Neste momento, o grão, aqui, se está formando; ali, amadurece e, em certas partes escolhidas, já se acha maduro, ou já foi ceifado.

Tais os resultados que o Espiritismo, que apenas há alguns anos apareceu, está produzindo.

Esforçai-vos por entrar pela porta estreita

23. E alguém lhe perguntou: Senhor, tão poucos são os que se salvam? Ao que ele respondeu: 24. Esforçai-vos por entrar pela porta estreita; porquanto eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão. 25. E quando o pai de família houver entrado e fechado a porta, se, do lado de fora, começardes a bater, dizendo: Senhor, abre-nos; o Senhor, respondendo, dirá: Não sei donde sois. 26. Se então disserdes: Bebemos e comemos na tua presença e ensinaste nas nossas praças públicas, 27, ele vos responderá: Não sei donde sois; afastai-vos de mim, vós todos os que praticais iniquidades. 28. Haverá prantos e ranger de dentes, quando virdes que Abraão, Isaque, Jacó estão no reino de Deus e que vós sois repelidos de lá. 29. Do Oriente e do Ocidente, do Setentrião e do Meio-dia virão os que se hão de sentar à mesa no reino de Deus. 30. E eis que serão os últimos os que eram primeiros e os primeiros serão os que eram últimos.

É árduo, escabroso, cheio de espinhos e urzes, o caminho que nos leva à Casa do Pai.

Muitos recuam dele, amedrontados com os obstáculos que terão de superar. Esses são os que não podem passar pela porta estreita. Aquele, porém, que segue sempre a senda que a sua consciência lhe traça, ouvindo-lhe os conselhos e pondo-os em prática, esse transpõe facilmente a porta da salvação, por mais estreita que pareça. Ao aproximar-se dela, verá que se torna ampla e aberta de par em par, a fim de deixá-lo passar.

Muitos procurarão passar e não poderão. São os que tentam, mas não perseveram. Os espíritas devem tomar para si essas palavras. Muitos, de fato, são os que, vendo entreaberta a porta, para ela se encaminham, mas com passo incerto e hesitante, levando consigo o cortejo de vícios, fraudes e impurezas que os acompanha. O caminho, entretanto, cada vez se lhes alonga mais e a porta volta gradualmente a fechar-se. Quer isso dizer que só uma consciência pura nos pode conduzir até essa porta e fazer que a transponhamos.

Versículo 25. Se o Espírito, chamado a progredir na vida corporal, se obstina em ficar estacionário, apesar de todos os esforços de seus guias e protetores, o Senhor o degreda para planetas inferiores à Terra, onde terá que fazer uma nova série de peregrinações, até que compreenda a necessidade de progredir.

Versículos 26 e 27. Há nestes versículos uma alusão aos que, embora professando ostensivamente um culto qualquer, se conservam desviados do caminho traçado pela lei divina. Não basta que o homem se intitule profitente, desta ou daquela religião; é preciso que pratique a moral, que toda se contém, como o disse Jesus, no duplo mandamento: Amar a Deus e amar ao próximo. Não basta dizer: Senhor! Senhor! É preciso fazer a vontade do Pai, que está nos céus.

As locuções choro, ranger de dentes são empregadas em sentido alegórico. Exprimem as torturas morais por que forçosamente tem de passar o Espírito endurecido e consciente de que esse endurecimento é a causa única de seu sofrer.

Conosco vivem de novo, presentemente, na Terra, dentre os Espíritos que acompanharam a Jesus, muitos que progrediram quanto à inteligência e ao saber, mas que, por desgraça deles, nenhum progresso fizeram, quanto à simplicidade do coração. Julgam possuir tudo; entretanto, chegados que seja o dia, verão a nudez de suas almas.

Versículo 29. Virão do Oriente e do Ocidente, etc. Alusão à comunhão de pensamentos e crenças, que reinará entre os homens, ao tempo da regeneração. Alusão igualmente aos Espíritos depurados que virão de diversos outros planetas à Terra, quando também esta já se achar depurada, isto é, na época em que Jesus, Espírito da Verdade, baixará de novo ao nosso globo, de conformidade com o que nos está predito e anunciado.

Versículo 30. E eis que serão os últimos os que eram os primeiros e os primeiros serão os que eram os últimos. Os que primeiro se puseram a caminho, demandando a casa do Pai, mas não tiveram a perseverança necessária, retardaram-se e ficaram para trás dos que começaram depois a jornada e nela perseveraram. Aqueles são, em geral, os que, tomados de orgulho, se fiam em si exclusivamente. O mesmo orgulho lhes torna tardos os passos.

Para Deus nada é o tempo que o Espírito gaste na realização do seu progresso. Para ele, o arrependimento e as virtudes são tudo. Assim o Espírito que tardiamente entrou na senda do bem, mas que por ela caminha com perseverança e atividade, pode não só alcançar, como ainda passar adiante do Espírito preguiçoso, senão culpado, que nenhum esforço faz, mesmo que tenha começado mais cedo a sua rota ascensional.

 SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book). 

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