Evangelho segundo Lucas - cap. 10

Missão e instruções dadas aos setenta e dois discípulos

1. Algum tempo depois, o Senhor escolheu setenta e dois outros discípulos e os enviou dois a dois, precedendo-o, a todas as cidades e a todos os lugares aonde ele próprio tinha que ir; 2, e lhes dizia: A seara na verdade é grande, mas poucos são os trabalhadores; rogai, pois, ao dono da seara que mande trabalhadores para ela. 3. Ide; eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos. 4. Não leveis bolsa, nem alforje, nem sandálias e a ninguém saldeis pelo caminho. 5. Ao entrardes em qualquer casa, dizei primeiramente: Paz a esta casa. 6. Se aí estiver algum filho da paz, a vossa paz ficará com ele; senão, voltará para vós. 7. Permanecei na casa comendo e bebendo do que nela houver, porquanto o obreiro é digno do seu salário; não andeis de casa em casa. 8. Quando entrardes numa cidade qualquer onde vos acolham, comei do que se vos apresentar; 9, curai os doentes que ai encontrardes e dizei-lhes: O reino de Deus está próximo de vós. 10. Mas se, entrando nalguma cidade, não vos receberem, ide pelas ruas e dizei: 11. Sacudimos contra vós até a poeira da vossa cidade, que se agarrou aos nossos pés; sabei, todavia, que o reino de Deus está próximo. 12. Digo-vos que nesse dia os de Sodoma serão tratados com mais indulgência do que os de tal cidade. 16. Aquele que vos escuta a mim me escuta; aquele que vos despreza a mim me despreza; e o que me despreza, despreza aquele que me enviou.

As instruções por Jesus dadas aos setenta e dois discípulos são idênticas às que deu aos apóstolos, como vimos, tratando dos versículos. 9 e 13 do capítulo 10, do Evangelho de Mateus. Todavia, alguns pontos aqui há que reclamam observações especiais.

Não saudeis a ninguém pelo caminho. Segundo o espírito, o que com essas palavras quis Jesus dizer é o seguinte: “Não deixeis que vos desviem do caminho em que ides; não pareis; avançai para a meta, até que a tenhais alcançado”.

Filhos da paz a vossa paz (versículo 6). Por “filhos da paz” designava Jesus os que se mostravam dispostos a enveredar pela nova estrada que os faria adiantar-se em direção ao Senhor. A paz que eles tinham (“a vossa paz”) eram a fé e os conhecimentos que possuíam e que com eles ficavam, desde que se achassem num meio refratário a aceitá-los.

Permanecei na mesma casa: sede perseverantes. —Comei e bebei do que nela houver:

Nem só pelo espírito vive o homem. Cumpre-lhe prover às necessidades do corpo. Os discípulos davam o alimento do Espírito e recebiam de outros o alimento do corpo. Como trabalhadores, cabia-lhes ser alimentados, em recompensa do trabalho que executavam.

Tinham, porém, que se restringir ao estritamente necessário. Não é isso, entretanto, o que fazem os que se dizem ministros do Cristo e sucessores dos apóstolos. Sob o pretexto de que merecedor do salário é o obreiro, traficam com as coisas de Deus e procedem como todos veem, para que necessitemos indicá-lo aqui mais uma vez.

Aquele que, além do necessário, procura o luxo, o fausto, a voluptuosidade, o bem-estar material, não é e não pode ser discípulo do Mestre, que na Terra só deu exemplos de humildade, desinteresse, abnegação, dedicação e caridade, do amor que o homem deve consagrar e praticar para com os seus irmãos. Como poderão considerar-se discípulos de Jesus e sucessores dos Apóstolos os que recebem dinheiro em paga das preces que fazem?

Enviando os discípulos que escolhera para transmissores da sua palavra, com autoridade para abençoar ou reprovar, não deu Jesus esse direito a quem quer que entendesse de exercer, sem preencher as condições a isso essenciais, isto é, sem possuir as virtudes que elevam o Espírito e atraem a assistência dos Espíritos superiores.

Sacudi a poeira dos vossos pés: Afastai-vos, sem nada aceitar, dos que vos repelirem, sem levar convosco nem mesmo a poeira que vossos passos levantem. Eles serão tratados mais rigorosamente do que os de Sodoma e Gomorra, por isso que se lhes mostrou a luz e fecharam os olhos; fez-se-lhes ouvir a palavra de paz e taparam os ouvidos.

Dando aos discípulos o poder de ligar e desligar, Jesus lhes recomendou, simultaneamente, que se não munissem de duas túnicas, nem de dois pares de sandálias.

Proibiu-lhes cogitar do bem-estar material, e mesmo receber coisa alguma, em troca de seus ensinamentos e preces. Prescreveu-lhes, enfim, uma vida de completa abnegação, de inteiro esquecimento de si mesmos.

Entretanto, como procederam e como procedem os pseudo discípulos do Cristo, os que se dizem sucessores dos apóstolos? Ao mesmo tempo em que se apregoam herdeiros dos poderes conferidos a estes, renunciam à herança da humildade, da pobreza, de todas as virtudes que o Mestre exemplificou e que constituíram o patrimônio deles. Cercados de luxo e fausto, oferecem o pé a beijar aos que se lhes aproximam do trono rebrilhante de pedrarias, quando deveriam ser os que lavassem os pés a seus irmãos. Não compreenderam, nem compreendem que a única maneira de que dispõe o homem de erigir para si um trono consiste em viver vida austera e humilde, esforçando-se por imitar os apóstolos e os discípulos do Cristo de Deus.

Aquele que vos escuta a mim me escuta, etc. Estas palavras, constantes no versículo 16, só as podem aplicar a si os que, sacerdotes ou leigos, judeus ou gentios, sigam as pegadas do Mestre divino, os que lhe pratiquem sinceramente as lições e os exemplos. Elas se aplicam igualmente, aos que, novos discípulos de Jesus, guiados e inspirados pelos Espíritos do Senhor, imitando os de outrora e os apóstolos, são chamados a divulgar a Nova Revelação, a pregar em espírito e verdade e a desenvolver, de acordo com essa Revelação, a lei do Cristo, seus ensinamentos, sua moral.

Aquele que não se sinta disposto a uma vida de abnegação, de humildade e de pobreza, bem fará dando outra direção às suas atividades, evitando transformar aquele ministério numa profissão. Diante do que fazem e da maneira por que vivem os ministros da Igreja de Roma, como não se lhes hão de considerar irônicas as eloquentes prédicas sobre as virtudes que aconselham, mas que não exemplificam?

Deixemos, porém, de lado os abusos. Cada um responderá pelos seus atos. Cuidemos nós, os espíritas, de nos impormos ao respeito de todos, pelo cumprimento exato dos nossos deveres, pela austeridade do nosso caráter, pela observância dos ensinamentos do Mestre, pela confiança que inspire a nossa sinceridade, no propósito único de impulsionar o progresso da Humanidade.

Cidades impenitentes

(Mateus, 11:20-24)

13. Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Pois que, se os prodígios operados dentro de vós o tivessem sido outrora em Tiro e em Sidônia, elas teriam feito penitência nos cilícios e nas cinzas. 14. Eis por que, no dia do juízo, Tiro e Sidônia serão tratadas com menos rigor do que vós. 15. E tu. Cafarnaum, que te elevaste até ao céu, tu submergirás até ao inferno.

Estas palavras de Jesus se referem ao estado dos Espíritos encarnados naquela época. No que Ele diz de Tiro e Sidônia, há imagens materiais apropriadas aos homens de então.

Penitência significa arrependimento. A penitência do Espírito consiste no pungente remorso de suas faltas e na expiação que se lhe segue; tudo, porém, do ponto de vista moral e não como o entendia a gente daqueles tempos, que só admitia a reparação material.

Quanto ao deverem ser tratados com menor rigor os de Tiro e Sidônia, do que os de Corozaim e Betsaida, e os de Sodoma menos rigorosamente do que os de Cafarnaum, é porque estes, como os de Corozaim e Betsaida, foram testemunhas dos milagres e, por orgulho, tudo haviam rejeitado, tinham fechado os olhos à luz, tornando-se, portanto, mais criminosos do que os de Sodoma que, atacados, pela sua materialidade, no lodaçal das paixões vis, talvez destas se houvessem libertado, se ouvissem a palavra do Mestre e presenciassem os “milagres” por Ele operados. Fazendo essa distinção, queria Jesus que os homens compreendessem que, de todos os crimes passíveis de castigo, os mais graves são os que a inteligência comete, que os mais rigorosamente puníveis, dentre os que resultam dos arrasamentos da matéria, são aqueles de que o Espírito conscientemente participa.

O inferno é a consciência do culpado e o lugar onde ele sofre a expiação de seus crimes, qualquer que seja esse lugar. Onde quer que o Espírito se acha presa de contínuas torturas, quer encarnado, quer desencarnado, é o seu Inferno, termo de que Jesus usava alegoricamente.

Igualmente alegóricas, figuradas, são as palavras dia do juízo. Não significam que haja, como o entende a Igreja, um “juízo final”, a que todos os defuntos comparecerão. Os Espíritos que encarnados habitaram Tiro e Sidônia, Corozaim e Betsaida, Cafarnaum e Sodoma, bem como todos os Espíritos culpados que têm vivido na Terra, desde que o homem aí apareceu, hão passado, sucessivamente, depois da morte, ao termo de cada existência planetária, pelo julgamento, que é o da própria consciência, sofrendo, consequentemente, na erraticidade, mediante torturas morais, a expiação correspondente às faltas cometidas e, em seguida, mediante nova encarnação.

Um termo, entretanto, haverá, para esses sucessivos julgamentos e condenações a que se encontram sujeitos os Espíritos que na Terra encarnam. Com efeito, chegados que sejam os últimos dias da era material para a Humanidade terrena, os que se conservarem rebeldes serão degredados para mundos inferiores, só permanecendo na Terra os que houverem alcançado um grau de aperfeiçoamento que lhes permita continuar aí, avançando pela senda do progresso. Porém, esse afastamento dos rebeldes se efetuará gradualmente, à medida que eles se forem tornando incompatíveis com o aperfeiçoamento físico do planeta e o aperfeiçoamento moral da maioria dos que o habitem. Assim é que a Humanidade se irá depurando também de modo gradual, até que só a componham Espíritos que, voluntariamente submissos à lei do progresso, se achem aptos a entrar numa fase de contínua e cada vez mais rápida evolução moral, a culminar na pureza perfeita. Esse, em espírito e verdade, o juízo final, que os homens, influenciados pelas falsas interpretações próprias do reinado da letra, ainda não puderam compreender.

Deduz-se, do que fica dito sobre a maneira por que a Humanidade se depurará, que a renovação ou transformação do planeta em que habitamos não, resultará de nenhum abalo violento, mas de um progresso contínuo, o que Significa que será quase imperceptível para nós. Todos esses fenômenos, a que chamamos calamidades e que cada vez mais frequentes e multiplicados se vão tornando, constituem os meios de operar-se a transformação física do nosso mundo. Em chegando a época em que os que se tenham mantido rebeldes devam ser dele afastados definitivamente, cada uma de tais calamidades abrirá nas fileiras desses Espíritos grandes claros, a fim de que mais depressa elas se renovem e a obra de purificação se ultime.

No período final dessa transformação, isto é, quando a Terra estiver prestes a passar ao estado fluídico puro e ao de puros Espíritos os que componham a Humanidade terrena, é que Jesus aparecerá, como Ele próprio o predisse, na plenitude do seu poder, da sua glória, da sua pureza perfeita e imaculada, para mostrar a verdade sem véu aos que, então, serão todos membros da sua Igreja, da única Igreja existente, a universal Igreja Cristã, e para conduzi-los ao foco da onipotência e dar-lhes a conhecer o Pai.

Regresso dos setenta e dois discípulos. Seus nomes escritos nos céus

17. Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo: Senhor, até os demônios se nos submetem em teu nome. 18. E Jesus lhes disse: Eu via Satanás caindo do céu como relâmpago. 19. Vedes que vos dei o poder de esmagar as serpentes, os escorpiões e todo o poder do inimigo; nada vos causará dano. 20. Contudo, não vos alegreis por vos estarem os espíritos submetidos, alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus.

Dizendo aos discípulos que via Satanás cair do céu qual relâmpago, Jesus lhes falava, como sempre, figuradamente. Toda vez que tentarmos combater o mal sob qualquer forma que se apresente, mas tendo em vista o progresso e o amor universal, o mal se precipitará nos abismos insondáveis e sua queda servirá para nos esclarecer. Sempre que nos aventurarmos por uma estrada desconhecida, difícil, mas ao fim da qual entrevejamos o progresso da Humanidade, o bem dos nossos irmãos, caminhemos desassombradamente. Os répteis venenosos que se ocultem por onde passemos não levantarão as cabeças malfazejas, não lançarão seus dardos contra nós. Esmagá-los-emos com os pés e eles se ocultarão envergonhados da derrota. O Senhor protege os que trabalham com zelo na obra de que os encarregou.

Jamais nos orgulhemos do que o Senhor permita que façamos. Nosso objetivo, nossa única ambição devem consistir em ganharmos a recompensa prometida. Rejubilemo-nos, portanto, se virmos que nossas obras nos autorizam a esperá-la, mas não tiremos daí nenhum motivo de vaidade.

Os que caminham sinceramente nas sendas do Senhor podem rejubilar-se, pois seus nomes estão escritos no “céu”. O Mestre paga sempre ao trabalhador na razão do seu trabalho.

Idêntica à dos discípulos deve ser a alegria dos espíritas, porquanto também são designados a trabalhar na obra e conseguirão tudo o que tentarem fazer em seu nome, com confiança e sinceridade, com o fim exclusivo de impulsionar o progresso da Humanidade.

Cegos, tidos entre os homens por sábios e prudentes. Esclarecidos, que os homens consideram como obscuros

(Mateus, 11:25-27)

21. Nessa mesma hora, Jesus exultou pelo Espírito Santo e disse: Graças te dou, meu Pai, Senhor do Céu e da Terra, por haveres ocultado estas coisas aos sábios e aos prudentes e por as teres revelado aos pequeninos. Graças, pai, porque assim te aprouve. 22. Todas as coisas me são dadas por meu pai e ninguém sabe quem é o filho senão o pai, nem quem é o pai senão o filho e aquele a quem o filho o queira revelar.

Jesus, desse modo, felicitava e animava seus discípulos, a fim de que se não amedrontassem com a tarefa que lhes era confiada. A obra do Senhor é entregue aos simples e aos inocentes, aos fracos e aos obscuros, não como o entendemos, mas como devêramos compreender. Quer dizer que é confiada aos que se entregam ao Senhor, aos que têm confiança e fé e não aos que são tidos por grandes, poderosos e sábios. É que estes só admitem o que julgam haver descoberto e ensinam, pois que o orgulho não lhes permite compreendam a influência e o auxilio espíritas, tudo atribuindo unicamente à força de suas inteligências e de suas vontades. Assemelham-se a essas terras gordas onde nascem abundantemente ervas imprestáveis, que estiolam a boa semente espalhada nelas pelo vento. Com efeito, desgraçadamente, nas sociedades humanas, ainda constitui fenômeno extraordinário a existência de um homem inteligente e ilustrado, que não seja orgulhoso e incrédulo. Daí o desprezo, a ironia, o sarcasmo com que se referem ao Espiritismo, ciência sobre a qual se pronunciam, sem nunca a terem estudado e apenas porque lhes põe diante dos olhos coisas que eles consideram novidades inadmissíveis, pela razão única de serem desconhecidas da sapiência de que se jactam.

Os sábios, os prudentes e os pequenos de que falava Jesus são os que como tais os homens consideram. O juízo de Deus, porém, não é idêntico ao dos homens.

Versículo 27. Pelas palavras constantes neste versículo, aludia Jesus à sua elevação e à sua missão de Espírito protetor e governador do nosso planeta, a cuja formação presidiu, com o encargo de levar à perfeição a Humanidade terrena; mostrava ser, entre os homens, o único que não sofrera a encarnação humana, como a sofrem os outros Espíritos que descem a habitar a Terra; mostrou que, conservando a sua condição de Espírito, de Espírito puro, estava sempre em relação direta com Deus; que os homens nada poderiam saber das coisas celestes, extra-humanas, de além-túmulo, senão por meio da revelação que de futuro lhes fariam os Espíritos do Senhor, dando-lhes a conhecer quem é o Filho e preparando-os para conhecer quem é o Pai.

Hoje, com efeito, verificamos que, graças a essa revelação, é que os Evangelhos se nos tornam claros ao entendimento. É ela que nos faz ver donde viemos e para onde vamos, o nosso passado e o nosso futuro; que nos demonstra que, por termos falido, é que fomos humanizados, a fim de expiarmos as nossas culpas, resgatarmos as nossas faltas e saldarmos as nossas dívidas para com a justiça divina; que nos mostra só podermos reabilitar-nos pelo trabalho, pela humildade, pelo desinteresse, pelo amor e pela caridade, praticados tanto do ponto de vista material, como do ponto de vista intelectual e moral.

Foi essa revelação que nos fez saber que a matéria nos tira a lembrança das nossas anteriores existências corporais, se bem possamos, pela luz que ela nos fornece para o estudo e o exame das nossas más tendências, dos nossos maus instintos e pendores, esclarecer-nos sobre aquelas existências e verificarmos o que aqui viemos expiar e reparar, o que temos de, aqui, modificar e adquirir.

Finalmente, é essa revelação que, confirmando as esperanças que todos trazemos n’alma, nos dá a certeza de que um dia, depois de havermos passado por todos os trâmites da depuração espiritual, chegaremos à perfeição moral, que nos integrará em Deus, fazendo-nos entrar na posse da herança que Ele a todos os seus filhos reserva.

É o que Paulo exprime na sua Epístola aos Romanos, capítulo 8, versículo 17, dizendo: “E, se somos filhos, também somos herdeiros verdadeiramente de Deus e co-herdeiros do Cristo, se é, todavia, que padecemos com Ele, para que também sejamos com Ele glorificados”.

Amor de Deus e do próximo

(Mateus, 22:34-40; Marcos, 12: 28-34)

25. Então, levantando-se, perguntou-lhe um doutor da lei, para o tentar: Mestre, que hei de fazer para ter a vida eterna? 26. Respondeu-lhe Jesus: Que é o que está escrito na lei? De que modo a lês? 27. Respondeu aquele: Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo. 28. Jesus lhe observou: Respondeste muito bem; faze Isso e viverás.

Amemos o Senhor teu Deus acima de todas as coisas: a Ele, origem e vida de tudo o que é, a Ele o pai bondoso e justo de tudo o que vive, o juiz reto de todas as nossas ações.

Amemos o Senhor nosso Deus acima de tudo, porquanto nesse amor hauriremos forças para cumprir todos os nossos deveres, para adquirir todas as virtudes. O amor de Deus é a força da alma, a quem Ele deu a esperança da vida eterna. É esse amor que nos aquece os corações, engendra a fé e produz a caridade.

Amemos o nosso próximo como a nós mesmos, porquanto, se não possuirmos o sentimento grandioso da fraternidade, não praticaremos os atos a que ele dá lugar, seremos ramos secos.

Do amor a Deus nasce a submissão, a resignação, a esperança. Praticá-lo consiste em obedecer às leis divinas. Do amor ao próximo, como a nós mesmos, nasce a caridade, sem a qual não faremos boas obras.

A caridade está no socorro que devemos prestar aos nossos irmãos pela nossa inteligência, pelo nosso coração, pela nossa mão direita, deixando esta à outra na ignorância do que fez.

Precisamos ser brandos e humildes, para sermos caridosos, pois que o orgulho afastará de nós o “pobre”, tornando-lhe penoso, qualquer que seja a Sua pobreza, o auxílio material, moral ou intelectual, que lhe dispensamos.

Sejamos brandos e humildes, para sermos caridosos, pois que a brandura e a humildade atraem os mais inacessíveis, animam os mais tímidos, consolam os mais aflitos, purificam os mais gangrenosos. Não sejam, porém, somente dos lábios a nossa brandura e a nossa humildade, porque então já não seremos caridosos.

Faze isso e viverás. As obras levam prontamente à vida eterna, a essa vida em que o Espírito, caminhando nas vias da perfeição moral, não mais sofre a morte, libertado que está dos laços da matéria, das constrições da carne.

Replicando, por estas palavras, à resposta do doutor da lei: “Não estás longe do reino de Deus”, o divino Mestre sancionou expressamente aquela resposta, em que se proclama coisa de muito maior valia do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios, do que todas as fórmulas e todos os cultos, a doutrina que se consubstancia no amor a Deus e ao próximo; que ensina a adoração do Pai em espírito e verdade, isto é, no altar do coração, pela prática daquele duplo amor; que demonstra ser essa a única religião verdadeira, a religião de Deus, a religião universal, que há de levar o gênero humano à unidade e, pois, à realização de seus destinos, pela solidariedade na fraternidade.

Citando estas palavras do Deuteronômio, capítulo 6, versículo 4: “Ouve, Israel: o Senhor teu Deus é o Único Deus” e dizendo ao doutor da lei: Respondeste sabiamente e: não estás longe do reino de Deus, Jesus sancionava o que o doutor acabara de dizer, isto é, que “na verdade, não há senão um só Deus, que outro não há além dele”.

Desse modo recusava, se eximia de toda divindade como Cristo, proclamando, para base do Cristianismo, que Deus é uno, indivisível, conforme já o proclamara Moisés para Israel.

Sim, Jesus nunca pretendeu divinizar-se. Por nenhuma de suas palavras jamais conferiu a si mesmo o titulo de Deus, ao passo que muitas vezes elas se referem a um Deus único, como, por exemplo, quando declarou que seu Pai era maior do que Ele; quando se dirigiu a Deus, por estas últimas e solenes palavras, proferidas pouco antes da hora do sacrifício: “A vida eterna, porém, consiste em que eles conheçam por único Deus verdadeiro a ti, meu Pai, e a Jesus Cristo, que tu enviaste”. (JOÃO, capítulo 17, versículo 3). Consultem-se também: Deuteronômio, capítulo 6, versículo 4. Isaías, capítulo 42, versículo 1. MARCOS, capítulo 12, versículo 29. 1ª Epístola aos Coríntios, capítulo 8, versículos 4 ao 6.

Parábola do Samaritano

29. O doutor da lei, porém, querendo parecer justo, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo? 30. Jesus, tomando a palavra, lhe disse: Um homem, que descia de Jerusalém para Jericó, caiu nas mãos de salteadores, que o despojaram, o espancaram e se foram, deixando-o semimorto. 31. Aconteceu que pelo mesmo caminho desceu um sacerdote, que o viu e passou de largo. 32. Do mesmo modo um levita, que também foi ter àquele lugar, viu o homem e igualmente passou de largo. 33. Um samaritano, porém, seguindo o seu caminho, veio onde estava o homem e ao vê-lo se encheu de compaixão. 34. Aproximou-se dele, pensou-lhe as feridas, deitando nelas óleo e vinho, colocou-o sobre a sua alimária e o levou para uma hospedaria, onde cuidou dele. 35. No dia seguinte, tirou dois denários e os deu ao hospedeiro, dizendo: Trata desse homem; na minha volta te pagarei tudo quanto despenderes a mais. 36. Qual dos três te parece que tenha sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? 37. Respondeu o doutor da lei: O que para com ele usou de misericórdia. Pois vai, disse-lhe Jesus, e faze o mesmo.

Merece toda a nossa atenção, profundo estudo e meditação séria esta parábola em que, mostrando que Deus olha igualmente, com paternal carinho, para todos os seus filhos, quaisquer que sejam a pátria onde nasceram, o idioma que falem, o culto que professem, Nosso Senhor Jesus Cristo, através de um episódio edificante, nos ensinou, praticamente, como devemos proceder com os nossos semelhantes, em observância à lei divina, que nos prescreve amar o Pai celestial, amando o nosso próximo.

Doutra parte, esta parábola nos oferece mais uma prova da inigualável presciência que o divino Mestre tinha de todas as coisas, pois que, formulando-a, mostrou conhecer, de antemão, como viriam a proceder de futuro, em face da sua doutrina, o “samaritano”, isto é, o herético, o infiel, o excomungado, o réprobo, que era como os Judeus consideravam os filhos de Samaria, e o levita, o fariseu, o sacerdote, os ortodoxos em suma. Apontava aquele cheio de caridade e estes baldos desse sentimento.

Dizendo ao doutor da lei: Vai e faze o mesmo, dois objetivos teve Ele em mira. Primeiramente, dar a ver aos homens que, quaisquer que eles sejam, são irmãos; que o orgulho é causa de queda, por tornar cega a criatura, com relação a seus deveres; que, perante Deus, não há heréticos, nem ortodoxos; que a única via de salvação é a caridade. Quis, assim, reprovar e proscrever, para aquele momento e para sempre, o dogmatismo e a intolerância, que derivam da diversidade e do antagonismo de crenças e de cultos externos; proclamar que a fé sem as obras nada vale; que a fé, aos olhos de Deus, não está em dogmas humanos, frutos exclusivos das orgulhosas interpretações dos homens; mas, sim, toda, na caridade, que implica a prática da justiça, do amor, da misericórdia, da fraternidade.

Em segundo lugar, objetivou condenar de antemão esta máxima da Igreja Romana: “Fora da Igreja, não há salvação” e, condenando-a, consagrar, como única verdadeira, esta: Fora da caridade não há salvação.

Efetivamente, não há salvação sem a caridade que se exerça e pratique por amor a Deus acima de tudo e por amor ao próximo como a si mesmo, seja quem for o próximo: conhecido ou desconhecido, amigo ou inimigo.

Não disse Ele, o Verbo de Deus: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem ou caluniam?”

Jesus em casa de Marta. Ninguém deve preocupar-se demasiado com as necessidades do corpo. Dever de se aliarem os cuidados do corpo aos que o Espírito reclama. O alimento espiritual jamais se deteriora

38. E aconteceu que Jesus, tendo-se posto a caminho com seus discípulos, entrou numa aldeia e uma mulher de nome Marta o recebeu em sua casa. 39. Tinha ela uma Irmã chamada Maria, que, sentada aos pés do Senhor, lhe escutava a palavra. 40. Marta, que muito atarefada andava nos arranjos da casa, parando diante de Jesus, lhe disse: Senhor, não se te dá que minha Irmã me deixe só a servir? Dize-lhe que me ajude. 41. O Senhor, porém, respondeu: Marta. Marta, tu te azafamas e perturbas a cuidar de muitas coisas. 42. Entretanto, uma só é necessária. Maria escolheu a parte melhor, que lhe não será tirada.

Estes versículos, em consequência de os terem os homens interpretado, falsamente, segundo a letra, hão servido para autorizar e justificar a vida religiosa, com exclusão de todos os cuidados materiais. Esse, porém, não foi o pensamento do Mestre.

Na Betânia, pequena cidade perto de Jerusalém, situada no sopé do monte das Oliveiras, na estrada geral de Jericó, próximo à de Betfagé, ficava a aldeia onde vivia Lázaro. Jesus muito o amava, assim como às suas irmãs Marta e Maria.

A afeição que Jesus consagrava a esses irmãos constituía um ensino, um exemplo da predileção que merecem aqueles que caminham pela estrada que conduz ao Senhor Todo Poderoso.

Lázaro era um dos Espíritos devotados que haviam encarnado para cooperar no desempenho da missão terrena do divino Mestre, bem como Marta e Maria, que encarnaram para assisti-lo e ajudá-lo. Jesus os distinguia com a sua amizade.

Marta se preocupava mais do que devia com os cuidados do corpo, esquecida de que só o necessário basta. De condição modesta, queria oferecer a Jesus uma hospedagem luxuosa. Foi por isso que o Mestre a repreendeu.

O homem tem o dever de velar pela conservação do seu ser. É esta uma lei absoluta, que não lhe é dado ab-rogar. Mas, não lhe assiste o direito de sacrificar ao supérfluo os cuidados que o Espírito requer.

Disse Jesus: “Nem só de pão vive o homem”. Saibamos, portanto, aliar o cuidado de que necessita o nosso corpo aos que o nosso Espírito reclama. Uns e outros podem emparelhar, sem prejuízo algum, desde que sejam atendidos com critério.

“Maria, disse Jesus, escolheu a parte melhor, que lhe não será tirada”. Ë que o alimento espiritual jamais se perde; é uma semente cujas raízes se prolongam sempre. Para Maria, como para todos, naquele momento, o Cristo trazia um corpo material, qual os nossos, mas não tinha os gostos e as necessidades humanas, contentando-se com pouco. Por que havia ela então de se preocupar com inúteis cuidados materiais?

O Mestre, como hoje sabemos, só fazia refeições diante dos homens e isso mesmo na aparência apenas e não em realidade, quando precisava dar uma lição, ou um exemplo.

 SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book). 

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