Missão e instruções dadas aos setenta e
dois discípulos
1. Algum tempo depois, o
Senhor escolheu setenta e dois outros discípulos e os enviou dois a dois,
precedendo-o, a todas as cidades e a todos os lugares aonde ele próprio tinha
que ir; 2, e lhes dizia: A seara na verdade é grande, mas poucos são os
trabalhadores; rogai, pois, ao dono da seara que mande trabalhadores para ela. 3.
Ide; eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos. 4. Não leveis bolsa, nem
alforje, nem sandálias e a ninguém saldeis pelo caminho. 5. Ao entrardes em
qualquer casa, dizei primeiramente: Paz a esta casa. 6. Se aí estiver algum
filho da paz, a vossa paz ficará com ele; senão, voltará para vós. 7.
Permanecei na casa comendo e bebendo do que nela houver, porquanto o obreiro é
digno do seu salário; não andeis de casa em casa. 8. Quando entrardes numa
cidade qualquer onde vos acolham, comei do que se vos apresentar; 9, curai os
doentes que ai encontrardes e dizei-lhes: O reino de Deus está próximo de vós. 10.
Mas se, entrando nalguma cidade, não vos receberem, ide pelas ruas e dizei: 11.
Sacudimos contra vós até a poeira da vossa cidade, que se agarrou aos nossos
pés; sabei, todavia, que o reino de Deus está próximo. 12. Digo-vos que nesse
dia os de Sodoma serão tratados com mais indulgência do que os de tal cidade.
16. Aquele que vos escuta a mim me escuta; aquele que vos despreza a mim me
despreza; e o que me despreza, despreza aquele que me enviou.
As instruções por Jesus
dadas aos setenta e dois discípulos são idênticas às que deu aos apóstolos,
como vimos, tratando dos versículos. 9 e 13 do capítulo 10, do Evangelho de
Mateus. Todavia, alguns pontos aqui há que reclamam observações especiais.
Não
saudeis a ninguém pelo caminho. Segundo o espírito, o que
com essas palavras quis Jesus dizer é o seguinte: “Não deixeis que vos desviem
do caminho em que ides; não pareis; avançai para a meta, até que a tenhais
alcançado”.
Filhos da paz a vossa paz (versículo 6). Por “filhos da paz” designava Jesus os que se mostravam dispostos a enveredar pela nova estrada que os faria adiantar-se em direção ao Senhor. A paz que eles tinham (“a vossa paz”) eram a fé e os conhecimentos que possuíam e que com eles ficavam, desde que se achassem num meio refratário a aceitá-los.
Permanecei
na mesma casa: sede perseverantes. —Comei e bebei do que nela houver:
Nem só pelo espírito vive o
homem. Cumpre-lhe prover às necessidades do corpo. Os discípulos davam o
alimento do Espírito e recebiam de outros o alimento do corpo. Como
trabalhadores, cabia-lhes ser alimentados, em recompensa do trabalho que
executavam.
Tinham, porém, que se
restringir ao estritamente necessário. Não é isso, entretanto, o que fazem os
que se dizem ministros do Cristo e sucessores dos apóstolos. Sob o pretexto de
que merecedor do salário é o obreiro, traficam com as coisas de Deus e procedem
como todos veem, para que necessitemos indicá-lo aqui mais uma vez.
Aquele que, além do
necessário, procura o luxo, o fausto, a voluptuosidade, o bem-estar material,
não é e não pode ser discípulo do Mestre, que na Terra só deu exemplos de
humildade, desinteresse, abnegação, dedicação e caridade, do amor que o homem
deve consagrar e praticar para com os seus irmãos. Como poderão considerar-se
discípulos de Jesus e sucessores dos Apóstolos os que recebem dinheiro em paga
das preces que fazem?
Enviando os discípulos que
escolhera para transmissores da sua palavra, com autoridade para abençoar ou
reprovar, não deu Jesus esse direito a quem quer que entendesse de exercer, sem
preencher as condições a isso essenciais, isto é, sem possuir as virtudes que
elevam o Espírito e atraem a assistência dos Espíritos superiores.
Sacudi
a poeira dos vossos pés: Afastai-vos, sem nada aceitar, dos que
vos repelirem, sem levar convosco nem mesmo a poeira que vossos passos
levantem. Eles serão tratados mais rigorosamente do que os de Sodoma e Gomorra,
por isso que se lhes mostrou a luz e fecharam os olhos; fez-se-lhes ouvir a
palavra de paz e taparam os ouvidos.
Dando aos discípulos o poder
de ligar e desligar, Jesus lhes recomendou, simultaneamente, que se não
munissem de duas túnicas, nem de dois pares de sandálias.
Proibiu-lhes cogitar do
bem-estar material, e mesmo receber coisa alguma, em troca de seus ensinamentos
e preces. Prescreveu-lhes, enfim, uma vida de completa abnegação, de inteiro
esquecimento de si mesmos.
Entretanto, como procederam
e como procedem os pseudo discípulos do Cristo, os que se dizem sucessores dos
apóstolos? Ao mesmo tempo em que se apregoam herdeiros dos poderes conferidos a
estes, renunciam à herança da humildade, da pobreza, de todas as virtudes que o
Mestre exemplificou e que constituíram o patrimônio deles. Cercados de luxo e
fausto, oferecem o pé a beijar aos que se lhes aproximam do trono rebrilhante
de pedrarias, quando deveriam ser os que lavassem os pés a seus irmãos. Não
compreenderam, nem compreendem que a única maneira de que dispõe o homem de erigir
para si um trono consiste em viver vida austera e humilde, esforçando-se por
imitar os apóstolos e os discípulos do Cristo de Deus.
Aquele
que vos escuta a mim me escuta, etc. Estas palavras,
constantes no versículo 16, só as podem aplicar a si os que, sacerdotes ou
leigos, judeus ou gentios, sigam as pegadas do Mestre divino, os que lhe
pratiquem sinceramente as lições e os exemplos. Elas se aplicam igualmente, aos
que, novos discípulos de Jesus, guiados e inspirados pelos Espíritos do Senhor,
imitando os de outrora e os apóstolos, são chamados a divulgar a Nova
Revelação, a pregar em espírito e verdade e a desenvolver, de acordo com essa
Revelação, a lei do Cristo, seus ensinamentos, sua moral.
Aquele que não se sinta
disposto a uma vida de abnegação, de humildade e de pobreza, bem fará dando
outra direção às suas atividades, evitando transformar aquele ministério numa
profissão. Diante do que fazem e da maneira por que vivem os ministros da
Igreja de Roma, como não se lhes hão de considerar irônicas as eloquentes
prédicas sobre as virtudes que aconselham, mas que não exemplificam?
Deixemos, porém, de lado os
abusos. Cada um responderá pelos seus atos. Cuidemos nós, os espíritas, de nos
impormos ao respeito de todos, pelo cumprimento exato dos nossos deveres, pela
austeridade do nosso caráter, pela observância dos ensinamentos do Mestre, pela
confiança que inspire a nossa sinceridade, no propósito único de impulsionar o
progresso da Humanidade.
Cidades impenitentes
(Mateus,
11:20-24)
13.
Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Pois que, se os prodígios operados
dentro de vós o tivessem sido outrora em Tiro e em Sidônia, elas teriam feito
penitência nos cilícios e nas cinzas. 14. Eis por que, no dia do juízo, Tiro e
Sidônia serão tratadas com menos rigor do que vós. 15. E tu. Cafarnaum, que te
elevaste até ao céu, tu submergirás até ao inferno.
Estas palavras de Jesus se
referem ao estado dos Espíritos encarnados naquela época. No que Ele diz de
Tiro e Sidônia, há imagens materiais apropriadas aos homens de então.
Penitência significa
arrependimento. A penitência do Espírito consiste no pungente remorso de suas
faltas e na expiação que se lhe segue; tudo, porém, do ponto de vista moral e
não como o entendia a gente daqueles tempos, que só admitia a reparação
material.
Quanto ao deverem ser
tratados com menor rigor os de Tiro e Sidônia, do que os de Corozaim e
Betsaida, e os de Sodoma menos rigorosamente do que os de Cafarnaum, é porque
estes, como os de Corozaim e Betsaida, foram testemunhas dos milagres e, por
orgulho, tudo haviam rejeitado, tinham fechado os olhos à luz, tornando-se,
portanto, mais criminosos do que os de Sodoma que, atacados, pela sua
materialidade, no lodaçal das paixões vis, talvez destas se houvessem
libertado, se ouvissem a palavra do Mestre e presenciassem os “milagres” por
Ele operados. Fazendo essa distinção, queria Jesus que os homens compreendessem
que, de todos os crimes passíveis de castigo, os mais graves são os que a
inteligência comete, que os mais rigorosamente puníveis, dentre os que resultam
dos arrasamentos da matéria, são aqueles de que o Espírito conscientemente
participa.
O inferno é a consciência do
culpado e o lugar onde ele sofre a expiação de seus crimes, qualquer que seja
esse lugar. Onde quer que o Espírito se acha presa de contínuas torturas, quer
encarnado, quer desencarnado, é o seu Inferno, termo de que Jesus usava
alegoricamente.
Igualmente alegóricas,
figuradas, são as palavras dia do juízo. Não significam que haja, como o
entende a Igreja, um “juízo final”, a que todos os defuntos comparecerão. Os
Espíritos que encarnados habitaram Tiro e Sidônia, Corozaim e Betsaida,
Cafarnaum e Sodoma, bem como todos os Espíritos culpados que têm vivido na
Terra, desde que o homem aí apareceu, hão passado, sucessivamente, depois da
morte, ao termo de cada existência planetária, pelo julgamento, que é o da
própria consciência, sofrendo, consequentemente, na erraticidade, mediante
torturas morais, a expiação correspondente às faltas cometidas e, em seguida,
mediante nova encarnação.
Um termo, entretanto,
haverá, para esses sucessivos julgamentos e condenações a que se encontram
sujeitos os Espíritos que na Terra encarnam. Com efeito, chegados que sejam os
últimos dias da era material para a Humanidade terrena, os que se conservarem
rebeldes serão degredados para mundos inferiores, só permanecendo na Terra os
que houverem alcançado um grau de aperfeiçoamento que lhes permita continuar
aí, avançando pela senda do progresso. Porém, esse afastamento dos rebeldes se
efetuará gradualmente, à medida que eles se forem tornando incompatíveis com o
aperfeiçoamento físico do planeta e o aperfeiçoamento moral da maioria dos que
o habitem. Assim é que a Humanidade se irá depurando também de modo gradual,
até que só a componham Espíritos que, voluntariamente submissos à lei do
progresso, se achem aptos a entrar numa fase de contínua e cada vez mais rápida
evolução moral, a culminar na pureza perfeita. Esse, em espírito e verdade, o
juízo final, que os homens, influenciados pelas falsas interpretações próprias
do reinado da letra, ainda não puderam compreender.
Deduz-se, do que fica dito
sobre a maneira por que a Humanidade se depurará, que a renovação ou
transformação do planeta em que habitamos não, resultará de nenhum abalo
violento, mas de um progresso contínuo, o que Significa que será quase
imperceptível para nós. Todos esses fenômenos, a que chamamos calamidades e que
cada vez mais frequentes e multiplicados se vão tornando, constituem os meios
de operar-se a transformação física do nosso mundo. Em chegando a época em que
os que se tenham mantido rebeldes devam ser dele afastados definitivamente,
cada uma de tais calamidades abrirá nas fileiras desses Espíritos grandes
claros, a fim de que mais depressa elas se renovem e a obra de purificação se
ultime.
No período final dessa
transformação, isto é, quando a Terra estiver prestes a passar ao estado
fluídico puro e ao de puros Espíritos os que componham a Humanidade terrena, é
que Jesus aparecerá, como Ele próprio o predisse, na plenitude do seu poder, da
sua glória, da sua pureza perfeita e imaculada, para mostrar a verdade sem véu
aos que, então, serão todos membros da sua Igreja, da única Igreja existente, a
universal Igreja Cristã, e para conduzi-los ao foco da onipotência e dar-lhes a
conhecer o Pai.
Regresso dos setenta e dois discípulos.
Seus nomes escritos nos céus
17.
Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo: Senhor, até
os demônios se nos submetem em teu nome. 18. E Jesus lhes disse: Eu via Satanás
caindo do céu como relâmpago. 19. Vedes que vos dei o poder de esmagar as
serpentes, os escorpiões e todo o poder do inimigo; nada vos causará dano. 20.
Contudo, não vos alegreis por vos estarem os espíritos submetidos, alegrai-vos
antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus.
Dizendo aos discípulos que
via Satanás cair do céu qual relâmpago, Jesus lhes falava, como sempre,
figuradamente. Toda vez que tentarmos combater o mal sob qualquer forma que se
apresente, mas tendo em vista o progresso e o amor universal, o mal se
precipitará nos abismos insondáveis e sua queda servirá para nos esclarecer.
Sempre que nos aventurarmos por uma estrada desconhecida, difícil, mas ao fim
da qual entrevejamos o progresso da Humanidade, o bem dos nossos irmãos,
caminhemos desassombradamente. Os répteis venenosos que se ocultem por onde
passemos não levantarão as cabeças malfazejas, não lançarão seus dardos contra
nós. Esmagá-los-emos com os pés e eles se ocultarão envergonhados da derrota. O
Senhor protege os que trabalham com zelo na obra de que os encarregou.
Jamais nos orgulhemos do que
o Senhor permita que façamos. Nosso objetivo, nossa única ambição devem
consistir em ganharmos a recompensa prometida. Rejubilemo-nos, portanto, se
virmos que nossas obras nos autorizam a esperá-la, mas não tiremos daí nenhum
motivo de vaidade.
Os que caminham sinceramente
nas sendas do Senhor podem rejubilar-se, pois seus nomes estão escritos no
“céu”. O Mestre paga sempre ao trabalhador na razão do seu trabalho.
Idêntica à dos discípulos
deve ser a alegria dos espíritas, porquanto também são designados a trabalhar
na obra e conseguirão tudo o que tentarem fazer em seu nome, com confiança e
sinceridade, com o fim exclusivo de impulsionar o progresso da Humanidade.
Cegos, tidos entre os homens por sábios
e prudentes. Esclarecidos, que os homens consideram como obscuros
(Mateus,
11:25-27)
21.
Nessa mesma hora, Jesus exultou pelo Espírito Santo e disse: Graças te dou, meu
Pai, Senhor do Céu e da Terra, por haveres ocultado estas coisas aos sábios e
aos prudentes e por as teres revelado aos pequeninos. Graças, pai, porque assim
te aprouve. 22. Todas as coisas me são dadas por meu pai e ninguém sabe quem é
o filho senão o pai, nem quem é o pai senão o filho e aquele a quem o filho o
queira revelar.
Jesus, desse modo,
felicitava e animava seus discípulos, a fim de que se não amedrontassem com a
tarefa que lhes era confiada. A obra do Senhor é entregue aos simples e aos
inocentes, aos fracos e aos obscuros, não como o entendemos, mas como devêramos
compreender. Quer dizer que é confiada aos que se entregam ao Senhor, aos que
têm confiança e fé e não aos que são tidos por grandes, poderosos e sábios. É
que estes só admitem o que julgam haver descoberto e ensinam, pois que o
orgulho não lhes permite compreendam a influência e o auxilio espíritas, tudo
atribuindo unicamente à força de suas inteligências e de suas vontades.
Assemelham-se a essas terras gordas onde nascem abundantemente ervas
imprestáveis, que estiolam a boa semente espalhada nelas pelo vento. Com
efeito, desgraçadamente, nas sociedades humanas, ainda constitui fenômeno
extraordinário a existência de um homem inteligente e ilustrado, que não seja
orgulhoso e incrédulo. Daí o desprezo, a ironia, o sarcasmo com que se referem
ao Espiritismo, ciência sobre a qual se pronunciam, sem nunca a terem estudado
e apenas porque lhes põe diante dos olhos coisas que eles consideram novidades
inadmissíveis, pela razão única de serem desconhecidas da sapiência de que se
jactam.
Os sábios, os prudentes e os
pequenos de que falava Jesus são os que como tais os homens consideram. O juízo
de Deus, porém, não é idêntico ao dos homens.
Versículo 27. Pelas palavras
constantes neste versículo, aludia Jesus à sua elevação e à sua missão de
Espírito protetor e governador do nosso planeta, a cuja formação presidiu, com
o encargo de levar à perfeição a Humanidade terrena; mostrava ser, entre os
homens, o único que não sofrera a encarnação humana, como a sofrem os outros
Espíritos que descem a habitar a Terra; mostrou que, conservando a sua condição
de Espírito, de Espírito puro, estava sempre em relação direta com Deus; que os
homens nada poderiam saber das coisas celestes, extra-humanas, de além-túmulo,
senão por meio da revelação que de futuro lhes fariam os Espíritos do Senhor,
dando-lhes a conhecer quem é o Filho e preparando-os para conhecer quem é o
Pai.
Hoje, com efeito,
verificamos que, graças a essa revelação, é que os Evangelhos se nos tornam
claros ao entendimento. É ela que nos faz ver donde viemos e para onde vamos, o
nosso passado e o nosso futuro; que nos demonstra que, por termos falido, é que
fomos humanizados, a fim de expiarmos as nossas culpas, resgatarmos as nossas
faltas e saldarmos as nossas dívidas para com a justiça divina; que nos mostra só
podermos reabilitar-nos pelo trabalho, pela humildade, pelo desinteresse, pelo
amor e pela caridade, praticados tanto do ponto de vista material, como do
ponto de vista intelectual e moral.
Foi essa revelação que nos
fez saber que a matéria nos tira a lembrança das nossas anteriores existências
corporais, se bem possamos, pela luz que ela nos fornece para o estudo e o
exame das nossas más tendências, dos nossos maus instintos e pendores,
esclarecer-nos sobre aquelas existências e verificarmos o que aqui viemos
expiar e reparar, o que temos de, aqui, modificar e adquirir.
Finalmente, é essa revelação
que, confirmando as esperanças que todos trazemos n’alma, nos dá a certeza de
que um dia, depois de havermos passado por todos os trâmites da depuração
espiritual, chegaremos à perfeição moral, que nos integrará em Deus,
fazendo-nos entrar na posse da herança que Ele a todos os seus filhos reserva.
É o que Paulo exprime na sua
Epístola aos Romanos, capítulo 8, versículo 17, dizendo: “E, se somos filhos,
também somos herdeiros verdadeiramente de Deus e co-herdeiros do Cristo, se é,
todavia, que padecemos com Ele, para que também sejamos com Ele glorificados”.
Amor de Deus e do próximo
(Mateus,
22:34-40; Marcos, 12: 28-34)
25.
Então, levantando-se, perguntou-lhe um doutor da lei, para o tentar: Mestre,
que hei de fazer para ter a vida eterna? 26. Respondeu-lhe Jesus: Que é o que
está escrito na lei? De que modo a lês? 27. Respondeu aquele: Amarás o Senhor
teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e
de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo. 28. Jesus
lhe observou: Respondeste muito bem; faze Isso e viverás.
Amemos o Senhor teu Deus
acima de todas as coisas: a Ele, origem e vida de tudo o que é, a Ele o pai
bondoso e justo de tudo o que vive, o juiz reto de todas as nossas ações.
Amemos o Senhor nosso Deus
acima de tudo, porquanto nesse amor hauriremos forças para cumprir todos os
nossos deveres, para adquirir todas as virtudes. O amor de Deus é a força da alma,
a quem Ele deu a esperança da vida eterna. É esse amor que nos aquece os
corações, engendra a fé e produz a caridade.
Amemos o nosso próximo como
a nós mesmos, porquanto, se não possuirmos o sentimento grandioso da
fraternidade, não praticaremos os atos a que ele dá lugar, seremos ramos secos.
Do amor a Deus nasce a
submissão, a resignação, a esperança. Praticá-lo consiste em obedecer às leis
divinas. Do amor ao próximo, como a nós mesmos, nasce a caridade, sem a qual
não faremos boas obras.
A caridade está no socorro
que devemos prestar aos nossos irmãos pela nossa inteligência, pelo nosso
coração, pela nossa mão direita, deixando esta à outra na ignorância do que
fez.
Precisamos ser brandos e
humildes, para sermos caridosos, pois que o orgulho afastará de nós o “pobre”,
tornando-lhe penoso, qualquer que seja a Sua pobreza, o auxílio material, moral
ou intelectual, que lhe dispensamos.
Sejamos brandos e humildes,
para sermos caridosos, pois que a brandura e a humildade atraem os mais
inacessíveis, animam os mais tímidos, consolam os mais aflitos, purificam os
mais gangrenosos. Não sejam, porém, somente dos lábios a nossa brandura e a
nossa humildade, porque então já não seremos caridosos.
Faze
isso e viverás. As obras levam prontamente à vida eterna, a
essa vida em que o Espírito, caminhando nas vias da perfeição moral, não mais
sofre a morte, libertado que está dos laços da matéria, das constrições da
carne.
Replicando, por estas
palavras, à resposta do doutor da lei: “Não estás longe do reino de Deus”, o
divino Mestre sancionou expressamente aquela resposta, em que se proclama coisa
de muito maior valia do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios, do que
todas as fórmulas e todos os cultos, a doutrina que se consubstancia no amor a
Deus e ao próximo; que ensina a adoração do Pai em espírito e verdade, isto é,
no altar do coração, pela prática daquele duplo amor; que demonstra ser essa a
única religião verdadeira, a religião de Deus, a religião universal, que há de
levar o gênero humano à unidade e, pois, à realização de seus destinos, pela
solidariedade na fraternidade.
Citando estas palavras do
Deuteronômio, capítulo 6, versículo 4: “Ouve, Israel: o Senhor teu Deus é o
Único Deus” e dizendo ao doutor da lei: Respondeste sabiamente e: não estás
longe do reino de Deus, Jesus sancionava o que o doutor acabara de dizer, isto
é, que “na verdade, não há senão um só Deus, que outro não há além dele”.
Desse modo recusava, se
eximia de toda divindade como Cristo, proclamando, para base do Cristianismo,
que Deus é uno, indivisível, conforme já o proclamara Moisés para Israel.
Sim, Jesus nunca pretendeu
divinizar-se. Por nenhuma de suas palavras jamais conferiu a si mesmo o titulo
de Deus, ao passo que muitas vezes elas se referem a um Deus único, como, por
exemplo, quando declarou que seu Pai era maior do que Ele; quando se dirigiu a
Deus, por estas últimas e solenes palavras, proferidas pouco antes da hora do
sacrifício: “A vida eterna, porém, consiste em que eles conheçam por único Deus
verdadeiro a ti, meu Pai, e a Jesus Cristo, que tu enviaste”. (JOÃO, capítulo
17, versículo 3). Consultem-se também: Deuteronômio, capítulo 6, versículo 4.
Isaías, capítulo 42, versículo 1. MARCOS, capítulo 12, versículo 29. 1ª
Epístola aos Coríntios, capítulo 8, versículos 4 ao 6.
Parábola do Samaritano
29.
O doutor da lei, porém, querendo parecer justo, perguntou a Jesus: E quem é o
meu próximo? 30. Jesus, tomando a palavra, lhe disse: Um homem, que descia de
Jerusalém para Jericó, caiu nas mãos de salteadores, que o despojaram, o
espancaram e se foram, deixando-o semimorto. 31. Aconteceu que pelo mesmo
caminho desceu um sacerdote, que o viu e passou de largo. 32. Do mesmo modo um
levita, que também foi ter àquele lugar, viu o homem e igualmente passou de
largo. 33. Um samaritano, porém, seguindo o seu caminho, veio onde estava o
homem e ao vê-lo se encheu de compaixão. 34. Aproximou-se dele, pensou-lhe as
feridas, deitando nelas óleo e vinho, colocou-o sobre a sua alimária e o levou
para uma hospedaria, onde cuidou dele. 35. No dia seguinte, tirou dois denários
e os deu ao hospedeiro, dizendo: Trata desse homem; na minha volta te pagarei
tudo quanto despenderes a mais. 36. Qual dos três te parece que tenha sido o
próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? 37. Respondeu o doutor da
lei: O que para com ele usou de misericórdia. Pois vai, disse-lhe Jesus, e faze
o mesmo.
Merece toda a nossa atenção,
profundo estudo e meditação séria esta parábola em que, mostrando que Deus olha
igualmente, com paternal carinho, para todos os seus filhos, quaisquer que
sejam a pátria onde nasceram, o idioma que falem, o culto que professem, Nosso
Senhor Jesus Cristo, através de um episódio edificante, nos ensinou,
praticamente, como devemos proceder com os nossos semelhantes, em observância à
lei divina, que nos prescreve amar o Pai celestial, amando o nosso próximo.
Doutra parte, esta parábola
nos oferece mais uma prova da inigualável presciência que o divino Mestre tinha
de todas as coisas, pois que, formulando-a, mostrou conhecer, de antemão, como
viriam a proceder de futuro, em face da sua doutrina, o “samaritano”, isto é, o
herético, o infiel, o excomungado, o réprobo, que era como os Judeus
consideravam os filhos de Samaria, e o levita, o fariseu, o sacerdote, os
ortodoxos em suma. Apontava aquele cheio de caridade e estes baldos desse
sentimento.
Dizendo ao doutor da lei: Vai e faze o mesmo, dois objetivos teve
Ele em mira. Primeiramente, dar a ver aos homens que, quaisquer que eles sejam,
são irmãos; que o orgulho é causa de queda, por tornar cega a criatura, com
relação a seus deveres; que, perante Deus, não há heréticos, nem ortodoxos; que
a única via de salvação é a caridade. Quis, assim, reprovar e proscrever, para
aquele momento e para sempre, o dogmatismo e a intolerância, que derivam da
diversidade e do antagonismo de crenças e de cultos externos; proclamar que a
fé sem as obras nada vale; que a fé, aos olhos de Deus, não está em dogmas
humanos, frutos exclusivos das orgulhosas interpretações dos homens; mas, sim,
toda, na caridade, que implica a prática da justiça, do amor, da misericórdia,
da fraternidade.
Em segundo lugar, objetivou
condenar de antemão esta máxima da Igreja Romana: “Fora da Igreja, não há
salvação” e, condenando-a, consagrar, como única verdadeira, esta: Fora da
caridade não há salvação.
Efetivamente, não há
salvação sem a caridade que se exerça e pratique por amor a Deus acima de tudo
e por amor ao próximo como a si mesmo, seja quem for o próximo: conhecido ou
desconhecido, amigo ou inimigo.
Não disse Ele, o Verbo de
Deus: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, orai pelos que
vos perseguem ou caluniam?”
Jesus em casa de Marta. Ninguém deve
preocupar-se demasiado com as necessidades do corpo. Dever de se aliarem os
cuidados do corpo aos que o Espírito reclama. O alimento espiritual jamais se
deteriora
38.
E aconteceu que Jesus, tendo-se posto a caminho com seus discípulos, entrou
numa aldeia e uma mulher de nome Marta o recebeu em sua casa. 39. Tinha ela uma
Irmã chamada Maria, que, sentada aos pés do Senhor, lhe escutava a palavra. 40.
Marta, que muito atarefada andava nos arranjos da casa, parando diante de
Jesus, lhe disse: Senhor, não se te dá que minha Irmã me deixe só a servir?
Dize-lhe que me ajude. 41. O Senhor, porém, respondeu: Marta. Marta, tu te
azafamas e perturbas a cuidar de muitas coisas. 42. Entretanto, uma só é
necessária. Maria escolheu a parte melhor, que lhe não será tirada.
Estes versículos, em
consequência de os terem os homens interpretado, falsamente, segundo a letra,
hão servido para autorizar e justificar a vida religiosa, com exclusão de todos
os cuidados materiais. Esse, porém, não foi o pensamento do Mestre.
Na Betânia, pequena cidade
perto de Jerusalém, situada no sopé do monte das Oliveiras, na estrada geral de
Jericó, próximo à de Betfagé, ficava a aldeia onde vivia Lázaro. Jesus muito o
amava, assim como às suas irmãs Marta e Maria.
A afeição que Jesus
consagrava a esses irmãos constituía um ensino, um exemplo da predileção que
merecem aqueles que caminham pela estrada que conduz ao Senhor Todo Poderoso.
Lázaro era um dos Espíritos
devotados que haviam encarnado para cooperar no desempenho da missão terrena do
divino Mestre, bem como Marta e Maria, que encarnaram para assisti-lo e
ajudá-lo. Jesus os distinguia com a sua amizade.
Marta se preocupava mais do
que devia com os cuidados do corpo, esquecida de que só o necessário basta. De
condição modesta, queria oferecer a Jesus uma hospedagem luxuosa. Foi por isso
que o Mestre a repreendeu.
O homem tem o dever de velar
pela conservação do seu ser. É esta uma lei absoluta, que não lhe é dado
ab-rogar. Mas, não lhe assiste o direito de sacrificar ao supérfluo os cuidados
que o Espírito requer.
Disse Jesus: “Nem só de pão
vive o homem”. Saibamos, portanto, aliar o cuidado de que necessita o nosso
corpo aos que o nosso Espírito reclama. Uns e outros podem emparelhar, sem
prejuízo algum, desde que sejam atendidos com critério.
“Maria, disse Jesus,
escolheu a parte melhor, que lhe não será tirada”. Ë que o alimento espiritual
jamais se perde; é uma semente cujas raízes se prolongam sempre. Para Maria,
como para todos, naquele momento, o Cristo trazia um corpo material, qual os
nossos, mas não tinha os gostos e as necessidades humanas, contentando-se com
pouco. Por que havia ela então de se preocupar com inúteis cuidados materiais?
O Mestre, como hoje sabemos,
só fazia refeições diante dos homens e isso mesmo na aparência apenas e não em
realidade, quando precisava dar uma lição, ou um exemplo.
SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book).
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