Evangelho segundo Marcos - cap. 15

Jesus diante de Pilatos. Jesus é entregue para ser crucificado

(Mateus, 27:11-26; Lucas 23:1-25)

1. Logo pela manhã reuniram-se em conselho os príncipes dos sacerdotes, os anciães, os escribas e todo o Sinédrio e, manietado que foi Jesus, o levaram e entregaram a Pilatos. 2. Este lhe perguntou: És o rei dos Judeus? Respondeu Jesus: Tu o dizes. 3. E como os príncipes dos sacerdotes o acusassem de muitas coisas, 4. Disse-lhe Pilatos: Nada respondes? Vê de quantas coisas te acusam. 5. Jesus, porém, nada mais respondeu, causando isso admiração a Pilatos. 6. Ora, costumava este, pela Páscoa, soltar um preso cuja liberdade o povo pedisse. 7. E na ocasião um havia, de nome Barrabás, que num motim, com outros sediciosos, praticara um homicídio. 8. Acorrendo então a turba ao pretório se pós a pedir-lhe que fizesse o que costumava fazer. 9. Perguntou Pilatos: Quereis que vos solte o rei dos Judeus? 10. Ele bem sabia que só por inveja havia sido Jesus levado à sua presença pelos príncipes dos sacerdotes. 11. Estes, porém, concitaram o povo a pedir que antes fosse solto Barrabás. 12. Inquiriu então Pilatos: Que quereis nesse caso que eu faça do rei dos Judeus? 13. Clamaram os da turba: Crucifica-o! 14. Pilatos obtemperou: Mas que mal fez ele? Clamando com mais força, responderam-lhe: Crucifica-o! 15. À vista disso, Pilatos, que desejava satisfazer ao povo, soltou-lhe Barrabás e, depois de, por sua ordem, ter sido Jesus açoitado, o entregou para ser crucificado.

A diversidade que se nota entre o texto de Lucas e os dos outros Evangelistas não nos deve surpreender, nem embaraçar, pois sabemos que cada um deles tinha que entrar em particularidades especiais. Assim, o que um, refere sumariamente, outro relata descendo a minúcias. Desse modo, as narrações sempre se explicam e completam reciprocamente.

Diante de Pilatos, a uma só das suas perguntas consente Jesus em responder: à que respeitava à soberania por Ele exercida sobre os Judeus, soberania moral e espiritual, que Pilatos, apesar de não admitir a missão do Mestre, bem compreendeu que nada tinha de política. É assim que, impelido por um sentimento secreto, e, ainda mais, advertido pela mulher, que tivera com Jesus um sonho muito característico, tenta salvá-lo, mandando, ao mesmo tempo, para salvar a sua própria responsabilidade, que apresentassem o acusado ao sucessor de Herodes.

Também a nenhuma das perguntas que lhe este fez respondeu Jesus. Considerando aquele silêncio um desrespeito à sua alta dignidade, o sucessor de Herodes, indignado, se vingou, tratando-o com desprezo e ridiculizando-o, infligindo-lhe um castigo infamante, qual o de mandar lhe vestissem uma túnica branca, porque dessa cor era a dos príncipes que aspiravam ao trono. Isso fazendo, apresentava-o como um louco, como um em quem a ambição produzira a loucura.

Eximiu-se, porém, de julgá-lo, entendendo que o julgamento cabia a Pilatos, a quem o reenviou. Essa troca de atenções reconciliou os dois déspotas, que desde então se tornaram amigos.

À pergunta de Pilatos: És o rei dos Judeus? Respondeu Jesus: Tu o dizes, falando, porém, unicamente do ponto de vista espiritual. Para bem compreendermos o sentido, o alcance e o objetivo dessa resposta, devemos aproximá-la destas outras palavras, já por Ele antes proferidas: Em verdade vos digo que doravante não mais me vereis, até ao dia em que digais: “Bendito o rei que vem em nome do Senhor!” (LUCAS, capítulo 13, versículo 35 e capítulo 19, versículo 38.).

Depois que lhe respondeu: Tu o dizes, duas vezes Pilatos deu a Jesus o título de rei dos Judeus, mas, por mofa. Em sua opinião, o Mestre era um espírito fraco, mais presa de loucura que de ambição.

Flagelação. Coroa de espinhos. Ultrajes. Insultos

(Mateus, 27:27-30)

16. Os soldados então o levaram ao pátio do pretório e aí reuniram toda a coorte. 17. Revestiram-no com um manto de púrpura e lhe puseram na cabeça uma coroa de espinhos entrelaçados, que eles mesmos teceram. 18. E começaram a saudá-lo assim: Salve, rei dos Judeus! 19. Batiam-lhe na cabeça com uma cana, cuspiam-lhe no rosto e, ajoelhados diante dele, o adoravam.

Os exemplos de paciência e resignação que neste passo deu Jesus, devemos tê-los presentes sempre ao nosso espírito. Não sejamos nunca dos que acusam e insultam, por mais que pareça legítimo o direito que nos assista de assim proceder, porque, cegos que somos, podemos estar a acusar e insultar a um inocente.

A paciência e a doçura é o que nos cumpre opor aos que de nós zombem ou escarneçam. Fora inútil tentarmos demonstrar a cegos os princípios e as propriedades da luz. Perderíamos o nosso tempo. Firmemo-noS na pureza das nossas intenções, na pureza da nossa consciência e dos nossos atos e estejamos certos de ter sempre no Senhor um juiz imparcial e equânime.

Jesus conduzido ao lugar do suplicio. Simão de Cirene o ajuda a carregar a cruz

(Mateus, 27:31,32; Lucas, 23:26-32)

20. Depois de o terem assim escarnecido, tiraram-lhe o manto de púrpura e lhe vestiram de novo suas vestes, feito o que o levaram para ser crucificado. 21. E como por ali passasse um Cireneu, chamado Simão, pai de Alexandre e de Rufo, o qual voltava do campo, o obrigaram a carregar a cruz com Jesus.

Jesus sofria, sofria muito no seu coração, pelo endurecimento dos homens. Sofria, por ver que séculos e séculos teriam que passar, antes que o batismo do espírito nos purificasse. Ele experimentava as angústias que dilaceram o coração da mãe extremosa, que vê transviados, criminosos, seus filhos amados; que vê prestes a caírem sobre eles os rigores da lei, as aflições e torturas que os esperam. Ela não sofre, é certo, na sua carne, a devotada mãe; seus ossos não são despedaçados; mas, todas as fibras do seu coração estalam dolorosamente; torturam-na a ansiedade, a aflição pelo futuro dos seus bem-amados.

Sim, Jesus sofria e sofre ainda, no seu amor sem limites, quando nos vê endurecidos. Suavizemos esse sofrimento, com o nosso amor e a nossa submissão.

Crucificação de Jesus e dos dois ladrões. Palavras por Ele ditas como ensinamento e exemplo

(Mateus, 27:33-38; Lucas, 23:32-34; João, 19:14-24)

22. E o levaram a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar do Calvário, 23, e lhe deram a beber vinho misturado com mirra, mas ele não o tomou. 24. Depois de o terem crucificado, entre si repartiram suas vestes, tirando sorte sobre elas, para verem o que a cada um tocaria. 25. Era a hora terceira, quando o crucificaram. 26. O motivo da sua condenação foi indicado por, esta inscrição: O rei dos Judeus. 27. Com ele também crucificaram dois ladrões, um à sua direita, outro à sua esquerda. 28. Cumpriu-se assim esta palavra da Escritura: E entre os malfeitores foi incluído.

Vimos como foi Jesus conduzido ao suplício. Chegado ao Gólgota, que quer dizer lugar do Calvário, ficou submetido às leis que então regulavam as execuções pela crucificação. Sua boca não se abre para proferir o mais ligeiro murmúrio. Nele imperam a calma e a dignidade. É que lhe cumpria dar aos homens, até ao derradeiro instante, exemplos de moderação, de submissão às leis, por mais iníquas que pareçam, de respeito aos seus executores, por mais ínfimos que sejam os agentes destes. A verdade, porém, tinha que se fazer ouvida e brilhar no alto da cruz, onde fora pregado o Rei dos Judeus, o rei da Terra, pois que procede dos céus. Ele é o rei dos habitantes da Terra, porquanto o seu reino não é deste mundo e não pode, de forma alguma, fazer sombra aos reis de tão impuro orbe.

Foram os Judeus que, por vontade própria, o crucificaram; mas, o ato material foram os Romanos que o executaram. Os soldados romanos, que tinham o encargo de executar a sentença proferida, foram apenas instrumentos passivos da sua execução. É o que claramente se deduz dos versículos 18 ao 32 do capítulo 19 do Evangelho de João.

Blasfêmias. Zombarias. Insultos

(Mateus, 27:39-43; Lucas, 23:35-37)

29. Os que passavam, abanando as cabeças, blasfemavam dele dizendo: Olá, tu que destróis o templo de Deus e o reedificas em três dias, 30. Salva-te a ti mesmo e desce da cruz. 31. Também os príncipes dos sacerdotes e os escribas o escarneciam, dizendo entre si: Ele a outros salvou, entretanto não pode salvar-se a si mesmo. 32. Que o Cristo, o rei de Israel, desça agora da cruz para que vejamos e creiamos.

Estes versículos nos mostram ainda a ingratidão e a loucura dos homens, sempre prontos a insultar aqueles a quem mais deviam respeitar. Encerram também um aviso aos insultadores e incrédulos de hoje, que rejeitam a revelação espírita e, portanto, a missão espiritual do Cristo, como rejeitaram no passado a sua missão terrena.

Os sumos sacerdotes, os escribas, os fariseus, os anciães, espíritos orgulhosos, atrasados e culpados, o povo, que em torno deles se agrupava, e os transeuntes, um e outros, dominados por eles, eram incapazes de compreender a necessidade, o motivo e o fim daquela missão que, preparada desde longos séculos, se cumpria, segundo a presciência e a sabedoria infinitas de Deus.

A despeito, porém, de todos os obstáculos que lhe foram e continuam a ser opostos, o progresso moral, intelectual e físico da Humanidade se há de realizar integralmente, porque ele faz objeto de uma lei absoluta e imutável, emanada da Divindade. E, à medida que o homem progride, os milagres se vão explicando pelo conhecimento das causas que os produziram e, desse modo, os ensinamentos do Mestre vão constituindo uma constelação, cada vez mais perceptível, de fúlgidas estrelas a rebrilharem no nosso firmamento espiritual e cujas cintilações levam ao íntimo das almas uma luz benéfica, que clareia, aquece, conforta e mitiga as dores, luz que é vida e eterna bem-aventurança para o Espírito.

Palavras que Jesus dirigiu a um dos dois ladrões, ao que é chamado o bom ladrão

(Mateus, 27:44; Lucas, 23:39-43)

32. Também os que com ele haviam sido crucificados lhe dirigiam palavras injuriosas.

Os dois ladrões, a princípio, faziam coro com os que ultrajavam a Jesus. Um deles, porém, vendo, afinal, que o mesmo Jesus respondia aos insultos que lhe atiravam orando pelos que assim procediam, compreendeu haver no Mestre alguma coisa que o colocava acima da Humanidade. Quer dizer que esse malfeitor entreviu a verdade, ainda que confusamente, e não hesitou em pedir misericórdia àquele em quem reconhecera de súbito maior poder para as coisas do céu, do que para as da Terra. Jesus então lhe fez esta animadora promessa: Em verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no Paraíso (Lucas, 23:43).

Para que se apreendam o sentido e o significado destas palavras, importa se saiba o que é o Paraíso, para o Espírito que se tornou pecador. Não é um lugar de beatífico êxtase, sem objetivo, sem a perspectiva de coisa melhor. É, ao contrário, a entrada do ser espiritual na senda luminosa que proporciona ao culpado entrever o prêmio reservado aos esforços do trabalhador diligente: a sua redenção. É a compreensão, que ele adquire, do futuro, junta ao desejo ardente de alcançá-lo.

Essa senda, essa condição espiritual, em que o sofrimento causado pelo remorso das faltas cometidas constitui uma como fonte de alegria para o Espírito que se apercebe do progresso cuja realização está ao seu alcance, é que é o Paraíso que Jesus prometeu àquele que ficou apelidado de “bom ladrão”. Ele entraria nesse Paraíso, desde que, do alto de sua glória, o mesmo Jesus, por intermédio dos bons Espíritos, lhe mostrasse o caminho a percorrer e a felicidade que ao seu termo o esperava.

Sobre aquelas palavras do divino Mestre, erigiu a Igreja Católica o seu sistema da condenação e da graça, da indulgência concedida à fé, independente das obras, colocando, em consequência, o malfeitor de quem tratamos no rol dos bem-aventurados, pelo simples fato de se haver arrependido sinceramente, de haver demonstrado o que ela chama: a contrição perfeita.

Semelhante sistema, porém, é fruto de falsa interpretação das palavras do Mestre, as quais, entendidas segundo o Espírito e não interpretadas ao pé da letra, conforme ela o fez, significam: “No momento em que eu torne a ocupar o lugar que me compete, voltando à natureza espiritual que me é própria, tu entrarás na vida espiritual e verás distintamente, assim o caminho que te cumpre seguir, como a meta que terás de alcançar”.

O arrependimento é, com efeito, o primeiro passo que o Espírito tem de dar para entrar nesse caminho, um meio, portanto, de dirigir-se para a finalidade a ser atingida, de chegar à expiação produtiva, à atividade nas provações, à perseverança no objetivo. É uma venda que se rasga e que, permitindo àquele que a traz ver a luz brilhante que tem diante de si, o enche do desejo de possuí-la. Mas, isso não o exime de perlustrar o caminho, que é o que se desdobra através de sucessivas existências planetárias, isto é, de múltiplas descidas ao campo onde semeou o erro, praticando o mal, a fim de arrancá-lo pela raiz (expiação) e de fazer a semeadura do bem (reparação). Assim é que se cumpre a sentença, que não comporta exceções: A cada um segundo as suas obras.

Graças àquela luz, passa ele a ver melhor os obstáculos; consegue transpô-los mais rapidamente e com maior destreza, de sorte que atinge mais prontamente o fim colimado. Nunca, porém, aquela sentença deve ser esquecida. Sem obras, não há progresso, e as más obras, geradoras do sofrimento, só pelas boas podem ser apagadas. Segue-se daí que, sem expiação e sem reparação, o Espírito que se tornou culpado não avança para o alvo a que lhe importa chegar, porque representa a realização do destino para que o criou Deus. O arrependimento, pois, não exclui a expiação e a reparação, se bem constitua o primeiro impulso indispensável, que ele recebe da própria consciência, para se dispuser a expiar e resgatar, a fim de galgar os altos cimos da espiritualidade, onde lhe é dado gozar em toda a plenitude das delícias do “paraíso”, cuja entrada se lhe abriu desde o momento em que foi tangido por aquela impulsão inicial.

Morte de Jesus, no entender dos homens

(Mateus, 27:45-50; Lucas, 23:44-46; João, 19:28-30)

33. Chegada a hora sexta, toda a terra se cobriu de trevas até à hora nona. 34. À hora nona, exclamou Jesus num alto brado: Eli! Eli! lama sabachtani! que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? 35. Ouvindo isso, disseram alguns dos circunstantes: Eis que ele chama por Elias. 36. Um deles então correu, ensopou uma esponja em vinagre e, espetando-a numa cana, lha apresentou para que bebesse, dizendo: Deixem, vejamos se Elias vem tirá-lo da cruz. 37. Jesus soltou um grande brado e rendeu o espírito.

As palavras de Jesus foram erroneamente interpretadas. Como podia Ele, depois de haver cumprido fielmente a sua missão, ser abandonado pelo Senhor? Se não são admissíveis, como mostra de desfalecimento, ainda que passageiro, as que pronunciou no Horto das Oliveiras, palavras cujo sentido e objetivo já tivemos ocasião de assinalar, menos ainda se pode admitir haja, no momento em que punha glorioso fecho à sua missão, proferido essas outras, que denunciariam desfalecimento ainda maior, uma extrema fraqueza, que nenhum experimentou, dos que sofreram martírios atrozes, por se lhe conservarem fiéis. Teria Ele sido, assim, mais fraco do que estes e, portanto, menos elevado espiritualmente? Hipótese blasfema fora esta, em se tratando de quem tinha consciência plena de se achar integrado no Pai; de quem repetidamente disse que nada fazia de si mesmo, que apenas obedecia aos mandamentos que do Pai recebera; de quem, orando pelos seus apóstolos, pedia ao Pai que estes fossem um com Ele, como Ele era um com o mesmo Pai.

Não, as palavras que o divino Modelo proferiu, no momento em que, deixando na cruz o invólucro perispirítico que trazia, com a aparência de corpo humano, tornou à plena espiritualidade, de onde preside à evolução da Humanidade terrena, foram estas: Senhor, tudo está cumprido; eis-me aqui! De ordem do Mestre, essas palavras os Evangelistas, assistidos pelos Apóstolos, as transmitiram do plano invisível, ou revelaram, textualmente, ao nosso irmão.

Há, entre as narrações de MATEUS e de MARCOS, de um lado, e as de LUCAS e JOÃO (capítulo 19, versículos 28 e 30) de outro, quanto ao que Jesus disse do alto da cruz, discordâncias que os mesmos Evangelistas, naquela obra, elucidaram, restabelecendo a verdade do que ocorreu.

Assim as palavras Eli, Eli, lama sabactâni, que se traduzem: Senhor, Senhor, por que me abandonastes? foram proferidas pelo “bom ladrão”, no momento em que Jesus exclamava: Senhor, tudo está cumprido, eis-me aqui. Confiante na promessa que lhe fizera o divino Mestre, ao verificar que este se fora do mundo, por ter “morrido”, deixando-o ainda vivo no madeiro, julgou aquele condenado que o que lhe estava prometido não se cumpriria, que ficara abandonado, e soltou aquela exclamação angustiada. Soltou-a quando, em seguida ao prometimento que lhe fizera, Jesus, como dizem os Evangelistas, a fim de atrair a atenção do povo para os seus “últimos momentos”, atraindo-a, simultaneamente, para os fenômenos que se iam produzir, deu um grande brado. Ouvindo-o, os dois ladrões se puseram a gemer, os discípulos elevaram suas vozes em lamentações de imensa dor e a multidão entrou a comentar com grande rumor o que se passava. Foi nesse instante, quando chegara ao máximo à agitação tumultuosa de toda aquela turba sacudida pelos mais diversos sentimentos, que o «bom ladrão» deixou escapar-se-lhe do peito a referida exclamação de desalento. Dada a extrema confusão então reinante e a circunstância de terem sido ditas, quase ao mesmo tempo, as palavras que Jesus proferiu e as que pronunciou aquele dos dois outros crucificados, muitos atribuíram as deste ao Mestre. Mais tarde, surgiram os comentários, originando-se deles as versões que se introduziram nas narrativas evangélicas.

A diversidade dessas versões prova que nenhuma combinação houve jamais entre os Evangelistas e confirmam a naturalidade do que hoje vemos dar-se com os médiuns mais adiantados: deixarem-se dominar às vezes pela opinião que lhes é própria.

A versão que mais se acercou da realidade é a de João, que, sendo dos apóstolos o que mais perto da cruz se achava, pôde ouvir melhor, por entre os clamores que de toda a parte se elevavam, o que, com efeito, disse Nosso Senhor Jesus Cristo. Segundo o discípulo amado, o Mestre dissera: “Tudo está consumado”. Entretanto, pois que tudo, como sabemos, tem a sua razão de ser, a versão falsa que Mateus e Marcos reproduziram, isentos de influência mediúnica, de acordo com a opinião daqueles para quem Jesus era um homem como os demais, foi um meio de contrabalançar a crença na sua divindade, destinada a tornar-se objeto de muitas controvérsias futuras.

As locuções rendeu o espírito, espirou têm o mesmo sentido, o mesmo alcance: o da volta do Espírito à vida espírita, readquirindo a liberdade no espaço, que é a sua verdadeira pátria.

Não há, todavia, comparação possível entre o regresso de Jesus e o dos nossos Espíritos. Para nós, a encarnação material humana representa um exílio, que sofremos a título de expiação, de provação. Quando a vida nos é arrebatada, tirada, não podemos retomá-la, senão pela reencarnação. O mesmo não podia suceder a Jesus que, pela natureza extra-humana do invólucro corpóreo, tinha, só Ele, a faculdade de deixar e retomar a sua (João, capítulo 10, versículos 17 e 18.)

Assim, no Gólgota, ninguém lhe arrancou ou tirou a vida. Foi Ele quem, por si mesmo, a deixou, para mais tarde a retomar e reaparecer entre os homens, operando o que se chamou a sua ressurreição.

Ele, o Justo, voltava à pátria como Juiz e não como acusado.

Quanto às trevas que, da hora sexta à hora nona, cobriram a Terra naquele dia, foram um extraordinário efeito físico, produzido por poderosa ação espírita.

Rasga-se o véu do templo. Tremor de terra. Palavras do centurião

(Mateus, 27:51-56; Lucas 23:45,47-49)

38. E logo o véu do templo se rasgou em dois de alto a baixo. 39. O centurião que estava em frente da cruz, ao ver que, soltando aquele brado, Jesus expirara, disse: Verdadeiramente este homem era filho de Deus. 40. Lá se achavam também algumas mulheres tudo observando de longe, entre elas Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago o menor e de José, e Salomé, 41, as quais seguiam a Jesus quando este andava pela Galileia, assistindo-o com o necessário; e estavam lá ainda muitas outras que com ele tinham subido a Jerusalém.

Em vão tentaremos abrir os olhos aos que se obstinam em conservá-los fechados. Não há como conseguir admitam os fatos espíritas os que negam toda influência ultramundana. Recusam-se a estudar a ciência espírita, a observar os fenômenos e negam o que teimam em “ao ver e emitem juízo sobre o que não conhecem. Em tais condições, como os havemos de qualificar? Julgam-se sábios, que nada mais têm que aprender. Deixemo-los, impando nessa presunção com que os cega o orgulho, que ainda muito os fará sofrer.

Todos os fenômenos que se produziram por ocasião da morte aparente de Jesus foram devidos à ação dos Espíritos que em número incalculável o rodeavam; foram, pois, simples fenômenos espíritas, quais tantos outros, que se produzem nos tempos presentes, embora com menor intensidade. Todos a ciência espírita os explica, como decorrentes de leis naturais.

O centurião e os que com ele estavam, guardando a Jesus, testemunhas que foram do terremoto e dos outros fenômenos que às suas vistas ali se deram, ficaram tomados de extremo pavor. Elevando então o pensamento a Deus, cuja “cólera”, segundo a maneira de ver deles, se manifestava contra a iniquidade de tal suplício, exclamaram: “Na verdade este homem era justo; era verdadeiramente filho de Deus”.

Cumpre advertir que a expressão “filho de Deus” - não foi aí empregada do ponto de vista da descendência que mais tarde deu origem ao dogma humano da divindade do Cristo, por efeito das interpretações dos homens.

José de Arimatéia desce da cruz o corpo e o deposita no sepulcro

(Mateus, 27:57-61; Lucas, 23:50-56; João, 19:38-42)

42. Pela tarde, como fosse parasceve (que quer dizer véspera de sábado), 43. José de Arimatéia, ilustre membro do Sinédrio, que também esperava o reino de Deus, resolutamente foi ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus. 44. Pilatos, admirando-se de que este já tivesse morrido, chamou o centurião e o interrogou. 45. Afirmando-lhe O centurião que sim, ele deu o corpo a José. 46. Este o tirou da cruz, o envolveu num lençol que comprara e o depositou num sepulcro que fora aberto na rocha, rolou uma pedra e a colocou à entrada do sepulcro. 47. Maria Madalena e Maria, mãe de José, viram onde o corpo foi depositado.

José de Arimatéia e Nicodemos tiraram da cruz o corpo do Mestre, embalsamaram-no com uma preparação de aloés e mirra e o depositaram num sepulcro que ainda a ninguém servira, aberto na rocha, num horto pertencente ao primeiro.

“Destruí este templo e eu o reconstruirei em três dias”, dissera Jesus, respondendo aos Judeus, que lhe pediam um milagre, um sinal, com que provasse o seu poder (JOÃO, capítulo 2, versículo 19.). Falando nesses termos do seu corpo, que era o templo a que se referia, aludia o divino Mestre ao que viria a chamar-se a sua “ressurreição”.

Confrontem-se com essas palavras suas os fatos que ocorreram no cimo do Calvário, de modo tão frisante, para que impressionassem os homens daquela e de todas as épocas e não deixassem dúvida sobre a sua realidade; confrontem-se as mesmas palavras com estas outras por Ele proferidas, em referência não só ao sacrifício do Gólgota, mas também ao desaparecimento do seu corpo de dentro do sepulcro, estando selada a pedra que o fechava, ao seu reaparecimento depois desse sacrifício, às suas desaparições durante o desempenho da sua missão pública, sempre que se ocultava aos olhares humanos: “Deixo a vida para a retomar; ninguém ma tira; sou eu que a deixo por mim mesmo; tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar; é este um mandamento que recebi de meu Pai” (JOÃO, capítulo 10, versículos 17 e 18); confrontem-se as citadas com estas outras: “Vós sois aqui de baixo, eu, porém, sou do Alto; vós sois deste mundo, mas eu não sou deste mundo (JOÃO, capítulo 8, versículo 23); desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou (JOÃO, capítulo 6, versículo 38); ninguém nunca subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, o Filho do homem que está no céu (JOÃO, capítulo 3, versículo 13)”; confrontem-se todas essas proposições e ver-se-á que elas assinalam de modo evidente e tornam inquestionável a origem extra-humana de Jesus; fazem certo, indiscutível que, sendo sempre Espírito, debaixo daquele envoltório fluídico, tangível, Ele lia por si mesmo o pensamento dos homens e lhes penetrava as intenções.

Ora, sendo Ele sempre Espírito livre das constrições da matéria corporal humana, é claro que sua morte, que os homens consideraram real, foi meramente aparente e que o que se chamou a sua ressurreição não foi mais do que um reaparecimento que Ele levou a efeito, retomando o corpo de que estivera antes revestido, de natureza perispirítica, com a aparência do corpo humano.

SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book). 

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