Evangelho segundo Lucas - cap. 20

Resposta de Jesus aos príncipes dos sacerdotes, aos escribas e aos anciães do povo

(Mateus, 21:23-32; Marcos, 11:27-33)

1. Sucedeu que certo dia estando Jesus no templo a ensinar e anunciar o evangelho ao povo, lá se reuniram os príncipes dos sacerdotes e os escribas com os anciães. 2. E lhe falaram nestes termos: Dize-nos com que autoridade fazes tais coisas? Ou: quem te deu esse poder? 3. Respondeu-lhes Jesus: Também eu vos farei uma pergunta. Respondei-me: 4. O batismo de João era do céu ou dos homens? 5. Eles, consultando-se mutuamente, diziam entre si: Se respondermos que era do céu, ele nos dirá: Por que então não crestes nele? 6. Se dissermos que era dos homens, todo o povo nos apedrejará, pois está convencido de que João era profeta. 7. Responderam, portanto, que não sabiam donde era. 8. Replicou-lhes Jesus: Então, também não vos direi com que autoridade faço estas coisas.

Os que interpelaram o Cristo sobre a autoridade com que Ele fazia aquelas coisas e procedia da maneira que todos viam, eram príncipes dos sacerdotes, escribas e fariseus, os quais, tendo sido testemunhas dos atos de João, não se renderam à evidência. Não havendo percebido em que fonte hauria Ele a sua força, ainda menos compreenderiam e admitiriam o testemunho da sua palavra.

Se lhes respondera que o poder lhe vinha de Deus, houvera-os provocado a apressar o termo da sua missão.

O que deixou transparecer claramente, evitando responder de modo direto à pergunta que lhe fora feita.

Parábola da vinha e dos vinhateiros

(Mateus, 21:33-41; Marcos, 12:1-9)

9. E começou a dizer ao povo esta parábola: Um homem plantou uma vinha, arrendou-a a uns vinhateiros e se ausentou do país por longo tempo. 10. Na ocasião própria mandou um servo aos vinhateiros para que estes lhe dessem o fruto da vinha. Os vinhateiros, porém, o espancaram e recambiaram sem coisa alguma. 11. Mandou outro servo. A este também espancaram, ultrajaram e despediram com as mãos vazias. 12. Mandou ainda um terceiro, que os vinhateiros feriram e expulsaram da vinha. 13. Considerou então o dono da vinha: Que farei? Mandarei meu filho muito amado. Talvez que, vendo-o, lhe tenham respeito. 14. Mas, ao vê-lo, os vinhateiros disseram entre si: Este é o herdeiro; matemo-lo para que fique sendo nossa a herança. 15. E o puseram fora da vinha e o mataram. Que lhes fará o Senhor da vinha? 16. Virá, exterminá-los-á e a dará a outros. Ouvindo isto, disseram os príncipes dos sacerdotes: Deus tal não permita.

O povo de Israel constitui o emblema da parábola. Ele recebera do Pai celestial sucessivas revelações da verdade divina, por intermédio dos profetas e, afinal, por Moisés, no monte Sinai. Bem poucos têm sido, entretanto, com relação ao número total das criaturas que hão composto a Humanidade até aos nossos dias, os que as receberam como deviam e trilharam o caminho que elas lhes traçavam. Veio depois o Messias, o “herdeiro”, no dizer da parábola, ampliá-las e foi repelido e sacrificado, como os mensageiros que o precederam. Vem agora a revelação que todos deviam esperar, de acordo com a promessa do Filho de Deus, para completar e dar início à fase de renovação do nosso planeta e de transformação moral da Humanidade, e ainda as mesmas hostilidades encontra.

Israel é a vinha que o Senhor plantou; a sebe de que a cercou representa os cuidados que tomou para que conservada fosse a lembrança do seu nome. O lagar é o emblema da provação, da expiação, da reencarnação, em suma. A torre seria a habitação indestrutível dos vinhateiros, se houveram cuidado devidamente da vinha. Os servos do dono desta são os profetas que repetidamente têm vindo fazer sentir aos homens que não estavam trilhando o caminho que lhes fora indicado.

As palavras dos vinhateiros: “Este é o herdeiro (referência ao Cristo), matemo-lo para que fique sendo nossa a herança”, tiveram por fim mostrar a cegueira dos que, recusando dar a Deus o que é de Deus, repelindo todas as advertências que lhes foram feitas e ainda o são, pensavam nada terem que recear daquele a quem ofendiam e ainda ofendem com a ingratidão e o endurecimento que demonstram.

Os a quem se aplicavam essas palavras da parábola naturalmente estão, em parte ao menos, reencarnados na Terra. O que elas objetivavam mostrar se aplica a esses, como a nós outros. A geração daquele tempo não passou, conforme o disse Jesus, nestes termos: “Esta geração não passará sem que tenhais visto vir o filho do homem na sua glória”. (MATEUS, capítulo 24, versículo 34. LUCAS, capítulo 21, versículo 32.)

O povo judeu representa os vinhateiros, até à “morte” de Jesus. A partir de então, a vinha foi retirada do poder dos “maus” vinhateiros e dada a “outros”, Os cristãos substituíram os Judeus e foram até ao presente os novos vinhateiros. A vinha que o Senhor lhes arrendou é a Humanidade inteira e a sebe com que a cercou é a lei de amor, que o seu Filho bem-amado desceu a pregar pela palavra e pelo exemplo. O lagar, como sempre é a reencarnação, mediante a qual se extraem dos frutos da vinha, expremendo-se-lhes a parte material e perecível, o “espírito”, que se não altera e dura eternamente. Constituem-no, pois, as provas, as expiações, em suma todas as conjunturas difíceis por que passamos, para que os nossos Espíritos se depurem e desprendam da matéria, que é, para eles, o cadinho da purificação.

A torre, que é o nosso planeta, será a habitação indestrutível dos vinhateiros que houverem cuidado da vinha, o lugar seguro onde eles depositarão o suco da uva, quando lhe houverem dado, pelo trabalho, a propriedade e a pureza de que necessita para ficar guardado nela. Será, portanto, o nosso planeta, quando se houver tornado mundo superior.

Assim, com relação aos que receberam a vinha com todos os elementos para cultivá-la e fazê-la produzir e que continuam a ofender, imitando os que os antecederam, e a repelir os emissários do Senhor, que nos trazem precioso auxílio para o trabalho que nos incumbe, esta parábola mostra o prêmio e as penas que receberão, quando soar a hora de proceder-se à separação dos que mereçam permanecer no planeta depurado e os que hajam de ser dele expulsos como maus vinhateiros, Estes serão os que se houverem obstinado em repelir a nova explosão do amor do Pai, expressa na Revelação Espírita, o Consolador prometido pelo seu Filho, bem-amado, até ao momento em que Este, conforme também o prometeu, vier, na majestade do seu poder, trazer aos bons e diligentes trabalhadores da vinha o prêmio da sua presença gloriosa, assinalando ser chegado o tempo de figurar a Terra entre os orbes regenerados.

Por haver Ele dito que aquela geração não passaria sem que houvesse visto o Filho do homem vir na sua glória, conclui-se que a mesma geração ainda revive na Terra, ao menos em parte, reencarnados muitos dos Espíritos que a compunham. Os novos vinhateiros, portanto, são ainda os mesmos e, assim, a parábola, dita com relação a eles, também a nós se aplica. Ora, as circunstâncias em que nos vemos são tais, que não podemos alimentar dúvidas quanto ao que nos espera, se não cuidarmos devotadamente da vinha do Senhor. Outro não virá a ser o nosso destino, senão o de nos vermos compelidos a encarnações em planetas inferiores à Terra na atualidade, depois de passarmos pelos tormentos e angústias de acerbos remorsos, na erraticidade, caso não tratemos de aceitar solícitos o auxílio que nos trazem os emissários do nosso Senhor e Mestre e de empregar os maiores esforços por libertar-nos de todos os vícios e paixões, que são os nossos únicos inimigos, para praticarmos, sobretudo pelo exemplo, a moral que Ele personifica.

Perseverando nesses esforços e multiplicando-os cada vez mais, é que devemos aguardar, e para ela concorrer, a transformação do nosso mundo, a sua elevação da condição em que ainda se encontra, de mundo material, para a de mundo fluídico, transformação que se operará, não de um momento para outro, porém pouco a pouco, gradativamente, através de fases assinaladas por esses fenômenos a que chamamos calamidades, flagelos. À medida que ela se for operando, os maus vinhateiros irão sendo expulsos e, completada que esteja, o Senhor, o dono da vinha implantará em todos os corações o seu reino. O Senhor é Deus, que reina nos corações puros.

Continuação da parábola da vinha e dos vinhateiros. Jesus pedra angular

(Mateus, 21:42-46; Marcos, 12:10-12; Lucas, 20:17-19)

17. Mas, Jesus, fitando-os, lhes perguntou: Que quer então dizer esta palavra da Escritura: “A pedra que os que edificavam recusaram veio a ser a pedra angular. 18. Todo aquele que cair sobre essa pedra se despedaçará e ficará esmagado aquele sobre quem ela cair”? 19. Os príncipes dos sacerdotes e os escribas tiveram gana de lhe deitarem as mãos naquele mesmo Instante, pois perceberam que aquela parábola fora dita com relação a eles, mas recearam do povo.

Jesus personifica a moral, a lei de amor que pregou aos homens, pela palavra e pelo exemplo; personifica a doutrina que ensinou e que, só? O véu da letra é a fórmula das verdades eternas, doutrina que, como Ele próprio o disse, não é sua, mas daquele que o enviou. Ele é a pedra angular. Os que rejeitam a pedra que se lhes oferece, para a construção do edifício que os há de abrigar na eternidade, também rejeitam a pedra angular, a que os sustentará. Contra ela se despedaçarão.

Os Judeus repeliram a Jesus, o enviado, o ungido do Senhor. Despedaçaram-se de encontro a essa pedra, que havia e há de resistir aos séculos dos séculos. Não a rejeitemos, por nossa vez, porque a mesma sorte nos aguardará.

O Espiritismo não é a personificação do Cristo; é, porém, a expressão do seu pensamento, a continuação e a conclusão da sua obra. Tendo soado a hora em que o reinado do espírito que vivifica substituirá o da letra que mata, Jesus, depois de ter vindo entre os homens, lhes envia o Espírito da Verdade, por intermédio dos Espíritos do Senhor, missionários errantes e encarnados. Ele nos envia e enviará sucessivamente os servos do Pai de família.

Não nos choquemos contra essa pedra fundamental do edifício da nossa felicidade eterna.

Novos vinhateiros, quem quer que sejamos: judeus, gentios, cristãos, espíritas, a vinha que nos foi arrendada é toda a Humanidade. Façamo-la produzir frutos que, em cada nova estação, entreguemos aos servos que o Senhor nos mandará, com o encargo de recebê-los.

O mandamento prescreve que nos amemos uns aos outros. Ensinemos pela palavra e pelo exemplo aos nossos irmãos que no progresso coletivo se encontra a condição do progresso pessoal de cada um. Trabalhemos pela união fraternal de todos os homens, por congregá-los em torno da bandeira cujo lema é amor e caridade”.

Agitemos, por sobre as nossas cabeças, o facho da luz espírita, a fim de que ela esclareça a Humanidade, acerca de suas origens, de seus fins, de seus destinos. Propaguemos, pela palavra e pelo exemplo, a lei de amor, os meios e os modos de praticá-la, material, moral e intelectualmente. Preparemos, dessa maneira, o advento do espírito e a vinda dos tempos preditos e prometidos em que, desprezando todos os mandamentos humanos, para somente obedecer aos mandamentos de Deus que, conforme o proclamou o seu Cristo, encerram toda a lei e os profetas, os homens serão adoradores do Pai em espírito e verdade; dos tempos em que, sendo todos um, pela comunhão dos pensamentos, dos corações e dos atos, todos se reunirão em nome de Jesus, que então estará entre todos, para praticar a adoração do Criador, pela prece e pela instrução em comum, sob a presidência do mais digno, do de maior mérito, em virtude do seu adiantamento moral e intelectual, o qual será designado por voto unânime, visto que então o Espírito Santo se achará com os que o escolherem, todos verdadeiros membros da Igreja do Cristo.

Deus e César

(Mateus, 22:15-22; Marcos, 12:13-17; Lucas, 20:20-26)

20. Sempre a espreitá-lo, mandaram emissários insidiosos para que, fingindo-se de homens de bem, o apanhassem por alguma de suas palavras, a fim de o entregarem à jurisdição e à autoridade do governador. 21. Esses emissários o Interrogaram deste modo: Mestre, sabemos que só dizes e ensinas o que é reto, que não te preocupas com as pessoas, mas que ensinas o caminho de Deus na verdade. 22. É-nos lícito pagar ou não o tributo a César? 23. Jesus, percebendo-lhes a astúcia, disse: Por que me tentais? 24. Mostrai-me um denário. De quem são a efígie e a Inscrição que ele traz? Responderam: De César. 25. Disse então Jesus: Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. 26. Não podendo repreender-lhe nenhuma das palavras diante do povo, admirados da sua resposta, calaram-se os emissários.

Estas palavras de Jesus, mau grado a tudo que se tenha dito, provam que Ele não viera pregar a subversão social, mas apenas o progresso moral. O respeito às leis humanas é para o homem um dever e, muitas vezes, uma provação. Aplique-se ele, portanto, pelo seu proceder, a abrandar, modificar, suavizar as que tanto lhe pesam.

Se aquelas leis, ou algumas delas, parecem, ou são, de fato, injustas, iníquas, arbitrárias, só de nós mesmos nos devemos queixar, por isso que tais leis existem unicamente por não querermos caminhar todos pelo caminho reto que nos traça a lei divina do amor, por nos obstinarmos em não cumprir o preceito de não fazermos aos outros o que não queiramos que nos façam. Destarte, bem se vê que não serão as revoluções, nem o derribamento de tronos, nem os derramamentos de sangue, nem as crueldades ainda de tão corrente uso, que nos hão de outorgar a liberdade e de tornar menos áspero o viver terreno. A liberdade nasce do cumprimento do dever, da pureza do coração, do amor e da caridade, que implicam a justiça, o respeito a si mesmo e aos outros.

O abrandamento das leis depende, pois, exclusivamente, da conduta dos homens. Trabalhe cada um pela sua própria reforma e o pesado jugo que elas impõem se quebrará por si mesmo e as reformas sociais se operarão sem abalos, suavemente.

Se já compreendêssemos bem as coisas, a obra de redenção não seria deferida para amanhã, como ainda o é. Julgando-se muito esclarecidos, os homens permanecem cegos! Ë assim que ainda fazem correr sangue, para fertilizar a Terra; que desencadeiam a guerra, para obterem a paz; que ateiam o incêndio, para construir. Cegos, eles ainda não conseguiram divisar o verdadeiro caminho; surdos, ainda não lograram atender aos seus interesses reais. E tão orgulhosos são, no entanto, do seu saber!

As palavras: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, ditas principalmente para o futuro, ainda não foram compreendidas e, menos ainda, bem praticadas. Só o serão, quando todos, inclusive César, derem a Deus o que é de Deus, pela prática do duplo amor ao mesmo Deus e ao próximo, o que envolve a da fraternidade, da qual, exclusivamente, resultarão a igualdade e a liberdade, na paz, na ordem e na hierarquia, baseada esta tão só no grau de pureza moral adquirida.

Se compreendidas aquelas palavras houvessem sido, não existiria jamais o poder temporal do papa, não haveria “príncipes da Igreja”, nem a história registraria os conflitos, muitas vezes cruentos, em que tanto se empenharam esses príncipes com os da Terra. Tampouco, as discórdias, o ódio, a guerra teriam devastado os filhos do Senhor.

A Igreja, que devia pregar pelo exemplo a tolerância, a justiça, a caridade, o amor, a fraternidade, a humildade, o desinteresse, teria sabido viver sempre em harmonia com César e teria feito que a Vinha do Senhor desse os abundantes frutos que devia dar pelo cultivo daquelas virtudes, que ela, ao contrário, desprezou e conspurcou.

Saduceus. Ressurreição. Imortalidade da alma. Sua sobrevivência ao corpo. Sua individualidade após a morte

(Mateus, 22:23-33; Marcos, 12:18-27;)

27. Chegaram depois alguns dos saduceus, que negam a ressurreição, e lhe perguntaram: 28. Mestre, Moisés nos deixou escrito: Se algum homem casado morrer sem deixar filhos, case o irmão dele com a viúva e descendência dê ao irmão que morreu. 29. Ora, sete Irmãos havia e o primeiro, que era casado, morreu sem deixar filhos. 30. O segundo casou com a viúva e também morreu sem deixar filhos. 31. Desposou-a o terceiro e em seguida os outros quatro sucessivamente, sem que nenhum deixasse descendência. 32. Por fim morreu também a mulher depois de todos eles. 33. Quando for da ressurreição, de qual dos sete será ela mulher, uma vez que com todos foi casada? 34. Jesus lhes respondeu: Os filhos deste século se casam e são dados em casamento; 35, mas aqueles que forem julgados dignos do século vindouro e da ressurreição dos mortos, esses não casarão, nem serão dados em casamento, 36, porquanto, não mais poderão morrer, visto se terem tornado iguais aos anjos e serem filhos de Deus, porque são filhos da ressurreição. 37. E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o mostrou quando, na sarça, chamou ao Senhor de Deus de Abraão, Deus de Isaque, Deus de Jacó. 38. Ora, Deus não O é dos mortos e sim dos vivos, pois que todos para ele são vivos. 39. Tomando então a palavra, disseram alguns dos escribas: Mestre, respondeste bem. 40. E, desde então, ninguém mais se atreveu a lhe fazer perguntas.

A ressurreição é a volta definitiva do Espírito à sua pátria eterna. Verifica-se, quando ele chega a tal grau de elevação, que não mais se vê obrigado a habitar mundos onde a reencarnação se opera segundo as leis de reprodução, como ainda se dá na Terra. Aquele, que haja transposto essa fase de encarnações materiais, não mais pode morrer.

Quando o Espírito, que chegou à condição de habitar os mundos superiores, se afasta daquele onde estiver habitando e retorna à vida espírita, o que então se verifica é apenas uma mudança de condição; já não se dá a morte no sentido humano em que Jesus falava e como ainda agora se entende na Terra. Se esse mesmo Espírito tem que fazer aparição num planeta inferior, qual o nosso, surge aí por incorporação fluídica, conforme se deu com o Mestre, que, portanto, não sofreu. “morte”, no significado que essa palavra tem entre nós.

Por si mesmas se explicam estas palavras, que Jesus dirigiu aos Saduceus, com referência à ressurreição dos mortos: “Moisés o mostrou quando, na sarça, chamou ao Senhor de Deus de Abraão, Deus de Isaque, Deus de Jacó. Ora, Deus não o é dos mortos, mas dos vivos, pois que todos para Ele são vivos. Fazendo que um Espírito superior dissesse a Moisés: “Eu sou o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó”, mostrou o Senhor onipotente que Abraão, Isaque e Jacó existiam, estavam vivos e não mortos. Assim, por aquelas palavras dirigidas a Moisés, Deus proclamara e Jesus, lembrando-as, proclamava de novo aos Saduceus, aos discípulos e a todos os homens a sobrevivência da alma, sua imortalidade e sua individualidade, após a morte do corpo; proclamava a vida permanente e imortal dos Espíritos, que todos vivem, quer no estado corporal, quer no estado espírita, sob as vistas do Pai.

O Mestre preparava desse modo as gerações futuras a compreenderem que a vida espírita é a vida primordial e normal do Espírito; que o que chamamos “morte” não é mais do que a cessação, para o Espírito, de um exílio temporário, cujo termo chega quando o mesmo Espírito se despoja do corpo material que, para ele, não passa de uma vestidura de provações, de expiação, de progresso, vestidura que apenas determina uma modificação temporária na sua vida normal. De um modo como de outro, o Espírito vive sempre sob as vistas de Deus, pois que a morte mais não é do que um passo mediante o qual ele volta da vida corpórea à vida espírita.

Os Saduceus eram os materialistas da época. Consideravam Deus como o arquiteto que construiu o edifício: o homem como a pedra que a ação do tempo reduz a pó.

Não observamos na atualidade análogas inconsequências? Homens que admitem a crença em Deus e negam a existência da alma e sua imortalidade?

Com relação às palavras que, segundo o Êxodo, capítulo 3, versículo 6), Deus disse a Moisés: “Eu sou o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó”, há a observar que Deus, conforme já temos ponderado, não se comunica diretamente com os homens. O que houve, no caso, foi uma manifestação espírita. Aliás, não se diz que Moisés viu a Deus, mas que o ouviu. O Espírito superior, incumbido da manifestação, tomou uma forma luminosa, não uma forma humana, e produziu uma luz deslumbrante.

Moisés era médium de efeitos físicos, audiente e vidente. Ainda quando, porém, não o fosse, as coisas necessariamente se teriam passado da mesma forma. O Espírito superior, que chegou à perfeição, que se tornou puro Espírito, é senhor da natureza e de todos os fluídos, deles dispondo à sua vontade, de acordo com as necessidades e as circunstâncias. Foi com o auxílio de fluídos, de fluídos sônicos e outros, que aquele Espírito superior realizou a manifestação. Reunindo-os e concentrando-os, assimilando seu perispírito às regiões terrenas, ele produziu o som da palavra humana, articulada e uma luminosidade ofuscante, com a aparência de fogueira, dando lugar aos fenômenos de que trata o Êxodo, capítulo 19, versículos de 16 a 19, e capítulo 20, versículo 19, fenômenos apropriados a causar forte impressão no povo hebreu, que ainda muito tempo teria que ser conduzido pelo terror, pois outra maneira não havia de fazê-lo observar a lei, o Decálogo, transmitido a Moisés no monte Sinai.

Essas manifestações, como todas as que vêm referidas no Antigo e no Novo Testamento, foram qualificadas de “milagres”, porque, não tendo e não podendo ter conhecimento das causas de que derivavam, nem das leis que as regiam, a inteligência humana daquela época não lograva explicá-las. Hoje, têm que ser reconhecidas e aceitas como simples fenômenos espíritas, de natureza física, como fatos naturais, conseguintemente, por todos os que estudam a ciência espírita e experimentam no campo da sua fenomenologia.

Segue-se daí, e disso precisa o sacerdócio romano convencer-Se definitivamente, que, se o povo hebreu só pelo terror podia ser levado a crer em Deus, atualmente assim não é. Para que o povo tenha a crença no verdadeiro Deus, no Deus de amor, de justiça e de misericórdia, que Nosso Senhor Jesus Cristo revelou à Humanidade, basta que sacerdotes inteligentes e moralizados lhe ensinem e façam compreender o Evangelho em espírito e verdade, imitando por suas obras e exemplos o manso Cordeiro de Deus.

O Cristo, Senhor de Davi

(Mateus, 22:41-46; Marcos, 12:35-37)

41. Mas Jesus lhes perguntou: Como dizem que o Cristo é filho de Davi, 42, quando o próprio Davi diz no livro dos Salmos: Disse o Senhor a meu Senhor: Senta-te à minha direita; 43, até que eu reduza teus inimigos a te servirem de escabelo para os pés? 44. Ora, se Davi lhe chama seu Senhor, como é ele seu filho?

Fazendo essa observação, tinha Jesus por fim: 1) dar a ver que nenhum laço carnal o unia a Davi, nem, portanto, à sua descendência; que não pertencia à Humanidade; 2) mostrar a distância que havia entre o Espírito de Davi e o do Cristo de Deus.

Quaisquer que fossem a humildade, a doçura, o desprendimento de Jesus, não devemos esquecer a sua origem. Ele é o filho de Deus, não como sendo o próprio Deus, mas, como uma das suas criaturas, filho do Altíssimo. Filho de Deus e irmão dos homens, como qualquer Espírito criado. É nosso irmão, porém, puro Espírito, Espírito de pureza perfeita e imaculada e, como tal, nosso Senhor, nosso Mestre.

A questão que Ele propôs aos fariseus e à qual nenhum pôde responder, só a nova revelação a resolveria plenamente, porque só ela daria a conhecer, em espírito e verdade, a natureza e a origem do Cristo, sua missão, sua autoridade, seus poderes com relação ao nosso planeta e à Humanidade terrestre, o modo e as condições em que se verificou o seu aparecimento na Terra, para dar cumprimento à sua missão terrena.

Estas palavras alegóricas: “Disse o Senhor a meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu reduza todos os teus inimigos a te servirem de escabelo para os pés", isto é, até que se haja completado a obra de regeneração, diziam respeito, veladamente, à missão de Jesus que, com relação ao nosso planeta, ocupa a direita do Pai, por ser, como é, o encarregado do progresso da Terra, o Espírito que a protege e governa no tocante à depuração e à transformação física, moral e intelectual da sua Humanidade.

Orgulho e hipocrisia dos escribas e dos fariseus

(Mateus, 23:1-7; Marcos, 12:38-40)

45. Diante de todo o povo que o ouvia, disse ele a seus discípulos: 46. Guardai-vos dos escribas, que querem andar com longas vestes, que gostam de ser saudados nas praças públicas, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes; 47, que devoram as casas das viúvas, simulando longas orações. Maior condenação receberão eles.

Em todos os tempos, houve sempre doutores que pregam e ensinam, mas não praticam a moral que preconizam. Aí está o escolho.

A semente que dessa forma lançam pode cair em bom terreno e produzir. Mas, também, amiúde se perde, porquanto o exemplo constitui o melhor ensinamento.

Poderá o discípulo que preparamos queixar-se da severidade dos costumes que lhe impomos, se a observar nos nossos? Se nos vir indulgente para com os outros deixará de compreender a indulgência? Se lhe fizermos ver como se pratica a caridade, não será mais pronto em se mostrar caridoso? Não amará seus irmãos, se com ele praticarmos o amor?

Não imitemos, pois, os escribas e fariseus orgulhosos. Tornemos, ao contrário, leve o peso aos nossos irmãos, mostrando-lhes, por nós mesmos, como pode ser carregado sem fadiga.

Se o Cristianismo e, sobretudo, o Catolicismo, não têm produzido os frutos evangélicos, que deviam produzir, é porque essas palavras do Mestre se tornaram frequentemente aplicáveis aos escribas e fariseus dos modernos tempos que, assentados na cadeira que Ele ocupou, pregam e ensinam, como os de outrora, o que não praticam. Ë sempre mais fácil falar do que obrar.

 SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book). 

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