Divórcio. Casamento
1.
Dali partindo, veio Jesus para os confins da Judeia, além Jordão; de novo as
multidões se reuniram em torno dele, que recomeçou a ensiná-las como costumava.
2. Chegaram então alguns fariseus e para o tentarem lhe perguntaram: É lícito a
um homem repudiar sua mulher? 3. Ele, respondendo, perguntou: Que vos
prescreveu Moisés? 4. Responderam-lhe eles: Moisés permitiu despedir a mulher,
dando-lhe carta de repúdio. 5. Jesus lhes replicou: Por causa da dureza de
vossos corações é que Moisés vos escreveu esse mandamento. 6. Porém, desde o
princípio do mundo, Deus os fez macho e fêmea. 7. Por esta razão o homem
deixará pai e mãe e se ligará à sua mulher. 8. E serão dois numa só carne.
Assim, já não são dois, mas uma só carne. 9. Não separe, pois, o homem o que
Deus uniu.
Criados todos simples e
ignorantes, mas dotados das faculdades necessárias a avançar, para o destino
que lhes é comum, usando do livre-arbítrio e da razão e, assim, recebendo o
prêmio ou o castigo a que fizeram jus, isto é, experimentando as sanções da lei
imprescritível do progresso, moral e intelectual, a que todos se acham
sujeitos, para chegarem todos à perfeição, herança que o Pai celestial reserva
a seus filhos, sem exceção nenhuma, é certo que apenas alguns Espíritos
ascendem a essa perfeição sem jamais se desviarem do carreiro santo que lhes
foi traçado.
Esses constituem as falanges dos Espíritos puros, imaculados, que têm por morada as regiões etéreas mais próximas do centro da onisciência Deus, Os outros formam as dos que faliram mais ou menos gravemente e para os quais, em consequência, se cria a necessidade de encarnar e reencarnar, a fim de se depurarem gradativamente, mediante expiações, provações e reparações, e conquistar, progredindo, a perfeição moral.
Compreende-se, pois, que o
corpo, pela sua mesma natureza, não é mais do que um instrumento facultado ao
Espírito, para que, no meio planetário correspondente ao gênero e à gravidade
dos seus delitos, passe pelas provas que, fazendo-lhe nascer no intimo o
arrependimento, o levem de reparação em reparação e, conseguintemente, de
progresso em progresso, ao fim providencial colimado. Ora, sendo a encarnação o
meio de se efetivar o progresso dos Espíritos que delinquem, a existência de
sexos diferentes, nos corpos que eles então têm que tomar, se tornou
necessária, para que, mediante a procriação, esses corpos se reproduzissem,
pois, de outro modo, não haveria para o Espírito possibilidade de encarnar.
Da obrigatoriedade imperiosa
da procriação, gerou-se a necessidade da união de corpos sexualmente distintos.
O casamento, porém, se bem do ponto de vista material atenda a essa
necessidade, corresponde, no entanto, a um objetivo muito mais alto, em relação
ao qual os corpos do homem e da mulher nenhum valor tem aos olhos do Senhor,
para quem ambos só valem como Espíritos, porquanto o Espírito é que é o ser por
Ele criado, com o destino a que há pouco nos referimos, nada mais sendo que
instrumento de depuração o corpo que o Espírito temporariamente reveste.
Assim, o casamento que, na
ordem material, tem por fim a procriação, na ordem moral traduz execução da lei
de amor, pelo que tem de ser a união íntima, a fusão, por bem dizer, de duas
almas, o que justifica as palavras emblemáticas da Gênese: serão dois numa só
alma.
Ora, se, no matrimônio, a
verdadeira união é de Espíritos, por isso que o fim moral prepondera com
relação ao material, embora este também seja providencial, a conclusão a
tirar-se é que ele só se realizará com acerto, oferecendo garantias seguras ao
preenchimento do fim principal, quando for uma união que se efetue
espontaneamente, por virtude de mútua simpatia e isento de preocupações
subalternas. Então, sim, será uma união perfeita e indissolúvel, pois que,
interrompida pela morte, se reatará na erraticidade, conservando-se ali, onde como
disse Jesus não há “marido e mulher”, qual laço forte, a prender, pela
eternidade em fora, os que o hajam formado para se prestarem apoio mútuo na sua
ascensão através do infinito.
Mas, então, como se explica
que Moisés tenha autorizado o divórcio, contrariamente às palavras da (Gênese,
quando diz: “Não separe o homem o que Deus uniu”?). Fê-lo, por causa da dureza
do coração humano, declarou-o Jesus. A princípio, as necessidades materiais
constituíam o móvel único da união do homem e da mulher. Depois, tornando-se a
multiplicidade dos filhos uma riqueza, o que se verificou ao surgirem ou
desenvolverem-se os povos pastores, a mulher estéril entrou a ser perseguida e
até mesmo eliminada. À vista dessa situação, que a ânsia pelo aumento das
populações criou para a mulher, dando lugar, depois, a que todos os pretextos
servissem para o abandono da esposa, que era o que ocorria ao tempo de Moisés,
procurou este remediar ao mal, autorizando o divórcio, que, ao menos,
preservava a estéril dos maus tratos a que se via sujeita.
Aos novos abusos que daí
decorreram cuidou Jesus de remediar, só admitindo o divórcio no caso de
adultério.
Conforme já dissemos, o
casamento é, de fato, indissolúvel, quando é a união de dois entes que se
sentem atraídos um para o outro por forte simpatia toda espiritual, que, no
propósito sincero de se auxiliarem mutuamente nas suas provas, espontaneamente
se ligam pelos laços de um afeto, também de natureza espiritual, independente
de quaisquer formalidades religiosas e civis, apenas atraindo para si, humildes
e submissos, pela prece do coração, as bênçãos e graças do Pai celestial.
Nesse caso, sim, os dois
passam a ser uma só carne, que ao homem não é dado, nem possível, separar, por
ter sido Deus quem os uniu, isto é, por se haver a união deles efetuado segundo
as vistas de Deus, que, conseguintemente, a santificou, abençoando-a.
Semelhantes uniões, no entanto, ainda, por ora, constituem apenas, para a nossa
Humanidade, um ideal. Na Terra, por enquanto, mau grado a todas as pomposas
solenidades de que o cercam, o casamento perde o caráter sagrado que devera
ter, para ser, na grande maioria dos casos, a legalização de um contrato
comercial, no cumprimento de cujas obrigações as duas partes contratantes se
mostram mais ou menos escrupulosas.
Dizendo não separasse o
homem o que Deus unira, Jesus cortou cerce o abuso do século em que Ele desceu
à Terra e pôs um óbice à corrupção dos séculos que se seguiriam. Não disse,
porém, que vivessem forçosamente unidas, em comum, duas criaturas que não possam
aproximar-se uma da outra, sem se excitarem reciprocamente à prática de faltas,
que implicam transgressão da lei de caridade.
O divórcio não pode existir,
aos olhos do Senhor, senão quando um Espírito, pelos seus exemplos ou palavras,
impele ao mal outro com quem antipatize. Aí, conceda-o ou não a lei humana,
existe, de fato, o divórcio, porque, então, há, na ordem moral, adultério. Ora,
em tal caso, não será melhor separar os galhos da árvore, do que deixar que
esta dê maus frutos?
É uma contingência que há de
desaparecer por efeito da gradual depuração da Humanidade, mas que ainda
subsistirá por longo tempo, até quando os homens, ainda tão presunçosos de seus
costumes e da sua moralmente hedionda civilização, deixarem de orgulhar-se do
merecimento que supõem ter. A sociedade humana ainda está muito escravizada aos
preconceitos, aos abusos, aos vícios, para que se execute a reforma das leis
terrenas sobre o casamento, no sentido de pô-las de acordo com a lei natural da
união perante Deus. Isso será obra do tempo e do progresso verdadeiro. Cada
dia, entretanto, traz o seu grão de areia, que se sobrepõe aos precedentemente
trazidos, e esses grãos, acumulando-se, acabarão por formar muralha
impenetrável aos vícios da Humanidade.
Torne-se o casamento uma
aliança determinada por mútua inclinação, por uma poderosa e irresistível
simpatia, de onde se origine puro e sincero amor; uma aliança que, ao influxo
desse sentimento, se efetive para recíproca sustentação e apoio, no desempenho
dos encargos da existência, nos sofrimentos e infortúnios que advenham como
provas, para a depuração espiritual, e o divórcio perderá toda razão de ser,
porque caso não haverá em que seja aplicável.
Enquanto, porém, as nossas
naturezas se não houverem modificado tão profundamente quanto é preciso, para
que o casamento, de acordo com a lei natural, seja a. união, aos olhos de Deus,
ao mesmo tempo livre e indissolúvel, conformemo-nos com as leis que nos regem,
observando as formalidades que elas impõem para a celebração do matrimônio. E,
para prescindirmos, como espíritas, das bênçãos religiosas que as Igrejas
humanas pretendem indispensáveis à santificação do ato matrimonial,
lembremo-nos de que estamos cercados de levitas os bons Espíritos, os
mensageiros divinos, sempre prontos a no-las conceder em nome do Senhor, e de
que, se nos esforçarmos por praticar o casamento, segundo a lei natural perante
Deus, com relação a nós se cumprirão estas palavras do Divino. Mestre: Já não
sois dois, mas uma só carne; não separe o homem o que Deus uniu.
Respostas de Jesus relativas às
condições do casamento. Dos eunucos por diversos motivos
10.
Em casa, os discípulos o Interrogaram de novo a esse respeito. 11. Disse-lhes
ele: Se um homem deixa sua mulher e casa com outra comete adultério por causa
da primeira. 12. E se uma mulher deixa o marido e casa com outro também comete
adultério.
Como encarnados, os
discípulos de Jesus se achavam sob a influência dos preconceitos hebraicos e,
assim, encarando o casamento apenas do ponto de vista das satisfações sensuais,
consideravam um embaraço a obrigação de conservarem a mulher que escolhessem,
houvesse que houvesse. Daí o terem dito: “Se tal é a condição do homem com
relação à esposa, não convém casar”. Entendiam que não convinha ao homem
casar-se, desde que lhe cumpria, sob pena de incorrer em adultério, guardar a
esposa escolhida, acontecesse o que acontecesse.
Eles não perceberam a alusão
que Jesus fazia, em mente, aos tempos futuros em que, depuradas as criaturas, a
união do homem e da mulher será simultaneamente livre e indissolúvel, segundo a
lei natural, à face de Deus, porque será a reunião de dois corpos para a
reprodução e a ligação de duas almas pelo laço divino da lei do amor.
Supunham, fazendo a
observação que fizeram, falar por inspiração própria. Entretanto, haviam
recebido do Alto a inspiração e a ela obedeceram, tanto mais facilmente, quanto
era conforme as ideias que alimentavam em virtude daqueles preconceitos.
Receberam-na, para abrirem ensejo a que o Mestre desse, como deu, veladamente,
um novo ensino, destinado a ser explicado e desenvolvido pela revelação atual,
tendo por objetivo, com o lhes dar a compreender os motivos de incapacidade ou
de abstenção do casamento, indicar aos homens a maneira por que hão de proceder
para praticar, de acordo com a lei divina, a união simultaneamente livre e
indissolúvel do homem e da mulher.
Eunucos, desde o ventre
materno, são os que, ao procederem à escolha de suas provações, se impõem, como
uma delas, tomar, para expiação de abusos em vidas anteriores, um corpo incapaz
de corresponder às exigências do Espírito, quando este ceda às tentações da
carne.
Eunucos feitos pelos homens
são os que tais se tornam por efeito da castração, de uso corrente na época em
que Jesus falava, uso que se conservou ainda por muito tempo, ou para que
adquirissem belas vozes os que a sofriam, ou para servirem de guardas de haréns
ou serralhos, devendo-se também incluir no número dos que falamos os que se
tornam quais os castrados, por efeito dos excessos e deboches a que se entregam
e os que são vitimas de crimes, de horrendas vinganças, o que tudo exprime,
para vergonha da Humanidade, a sua barbaria e depravação.
Há os que se fizeram eunucos
por causa do reino dos céus. Entenda-o quem puder entender.
Tendo Jesus enunciado
veladamente o seu pensamento, porque assim o exigiram a época e o estado das
inteligências, muitos houve que lhe não compreenderam as palavras e que,
tomando-as no sentido literal, procederam como Orígenes, filho de Leônidas de
Alexandria, o qual, encarregado de instruir os fiéis dessa cidade, se fez
eunuco para colocar-se ao abrigo da calúnia, visto que homens e mulheres
acorriam em multidão à sua escola. Outros, seguindo-lhe os conselhos de
continência perpétua, se fizeram mutilar, para porem termo aos ímpetos da
Natureza e, assim, ganharem o céu. Dessa falsa interpretação humana do ensino
do Cristo é que nasceu o voto de celibato dos padres e dos membros de todas as
ordens religiosas e monásticas de ambos os sexos.
Tudo, porém, tem a sua razão
de ser, até mesmo os abusos que hoje se assinalam e profligam. As associações
religiosas foram a salvaguarda dos primeiros tempos da era atual. No seio delas
se refugiavam os fracos e os perseguidos; as ciências e as artes ali se
desenvolviam ao abrigo da destruição pela brutalidade dos homens e pela
violência dos poderosos. Desde, entretanto, que foram desaparecendo as causas
que as fizeram surgir, deveram ter sido modificadas, acompanhando o progresso
geral da Humanidade. Não se tendo verificado isso, elas se tornaram
prejudiciais a esse mesmo progresso.
O homem e a mulher, que não
se sintam com forças para cumprir dignamente, com a abnegação e o desinteresse
precisos, os deveres que a família impõe, fazem bem, aos olhos de Deus,
abstendo-se de a constituírem pelo casamento, qualquer que seja o sacrifício
material, carnal, que isso lhes custe. Mas, que ninguém assim proceda, na
suposição de ser esse um meio de ganhar o céu, porque fora desconhecer os
fundamentos divinos da constituição da família e negar funestamente satisfação
às exigências da Natureza; que isso não seja tido como uma coroa de glória que
cause orgulho, sob a influência deletéria do misticismo, ou da preguiça, do
fanatismo, da ambição, do egoísmo. De nada serviria, em tal caso, a não ser
para alimentar no coração humano o orgulho e o desvario e para fortalecer uma
confiança ilusória.
Não
é bom que o homem seja só, disse Deus, segundo refere Moisés. Não
o é, de fato, porque, em contraposição a um que saiba dominar a carne, mil
outros sucumbirão na sombra, sob o seu jugo, tornando-se hipócritas, verdade
que, por manifesta, dispensa qualquer demonstração.
Jesus abençoa as crianças
(Mateus,
19:13-15; Lucas, 18:15-17)
13.
E lhe apresentavam crianças para que as tocasse. Os discípulos, porém, repeliam
com palavras rudes os que as apresentavam. 14. Vendo Isso, Jesus se indignou e
lhes disse: Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porquanto o
reino dos céus é dos que forem tais como eles. 15. Em verdade vos digo que
aquele que não receber, como uma criança, o reino de Deus, nele não entrará. 16.
E, abraçando as crianças e lhes impondo as mãos, as abençoava.
Já tivemos ocasião de
receber explicações suficientes a este respeito, quando estudamos os versículos
de 1 a 5, do capítulo 18, de MATEUS. Jesus repetia essas palavras, a fim de que
se gravassem na memória dos discípulos. O pensamento era sempre o mesmo,
expresso em termos diferentes, em ocasiões e lugares diversos. Á simplicidade
do coração e a humildade do espírito são, ao mesmo tempo, a base, a fonte, o
meio e o caminho para se alcançarem as virtudes, a depuração, o progresso, que
levam à pureza, à perfeição.
Parábola do mancebo rico
(Mateus,
19:16-26; Lucas, 18:18-27)
17.
E, indo ele pela via pública, um homem veio a correr e, ajoelhando-se-lhe aos
pés, lhe falou assim: Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna? 18.
Disse Jesus: Por que me chamas de bom? Ninguém é bom senão somente Deus. 19.
Conheces os mandamentos: não cometerás adultério, não matarás, não furtarás,
não darás falso testemunho, não praticarás fraude, honra a teu pai e a tua mãe.
20. Ao que o homem retrucou: Mestre, todas essas coisas tenho eu observado
desde a minha mocidade. 21. Jesus, olhando para ele com amor, lhe disse:
Falta-te ainda uma coisa: vai, vende tudo o que possuís, dá-o aos pobres e
terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. 22. Mas o homem, aflito com
aquelas palavras, se retirou triste, pois possuía grandes riquezas. 23. Jesus,
olhando à volta de si, disse a seus discípulos: Quão difícil é que entrem no
reino de Deus os que possuem riquezas! 24. E como os discípulos se mostrassem
espantados com as suas palavras, ele lhes repetiu: Filhinhos, quão difícil é
que entrem no reino de Deus os que confiam nas riquezas! 25. Mais fácil é que
um camelo passe por um fundo de agulha do que entrar um rico no reino de Deus. 26.
Maior ainda se tornou o espanto dos discípulos, que uns aos outros diziam: Quem
pode então ser salvo? 27. Jesus, porém, fitando-os, disse: Isto para os homens
é impossível, mas não para Deus, a quem tudo é possível.
O mancebo que, impelido por
uma influência espírita, foi ao encontro de Jesus, tinha que servir de exemplo
e de lição aos que o cercavam. Naquela circunstância, como sempre que era
oportuno e conveniente, o divino Mestre recorreu a imagens e locuções
materiais, para tocar e impressionar fortemente as inteligências da época,
extirpar o egoísmo e o apego aos bens terrenos e preparar o advento do
Espírito, para quando o reinado da letra houvesse produzido todos os seus
frutos.
Protestando contra o
qualificativo de bom, que lhe fora dado, Ele, que era bom por excelência, o fez
intencionalmente, para de antemão proscrever a sua divinização e sustentar o
monoteísmo, mostrando que, em face do Deus de Israel, ninguém o poderia tratar
como Deus, senão no sentido das palavras do Profeta (Salmo 81, versículo de 1 a
6): Deus assiste sempre ao conselho dos deuses e, colocado no meio deles, julga
os deuses; sem deixar, entretanto, de ser, como todos os Espíritos criados,
filho do Altíssimo, do Deus dos deuses. Sois deuses e todos sois filhos do
Altíssimo (Salmo citado).
Disse o Mestre: Meu pai e eu somos um. Mas, também disse,
referindo-se a seus discípulos: Rogo por eles e pelos que hão de crer em mim,
pela palavra deles, a fim de que todos sejam um, como tu, meu Pai, és em mim e
eu em ti, a fim de que também sejam um em nós. Estou neles e tu estás em mim,
para que sejam consumados na unidade. (JOÃO, capítulo 17, versículo 21 ao
23.)
Quer isto dizer que,
purificando-nos, adquirindo a perfeição moral, é que nos aproximaremos de
Jesus, chegaremos a estar em relação direta com Ele, porque teremos chegado à
condição de puros Espíritos e alcançaremos a vida eterna, que consiste em
conhecê-lo e conhecer o Pai.
Respondendo ao mancebo,
Jesus lhe recordou o Decálogo, que contém os mandamentos a que os homens devem
obedecer e que se resumem no seguinte: não fazermos aos outros o que não
quisermos que nos façam: fazer aos outros tudo o que quiséramos nos fizessem,
amando-os como a nós mesmos, praticando para com eles a justiça e a caridade,
material e moral, com devotamento e renúncia.
Entretanto, precisamos
entender bem, segundo o espírito, as palavras do Mestre, a fim de não
deduzirmos delas que, para servir a Deus, devamos despojar-nos de tudo o que
possuirmos. Daquelas palavras o que decorre é que nenhum fruto produz a prática
das virtudes e dos mandamentos, se não é escoimada de egoísmo e santificada
pela caridade. A caridade e o esquecimento de si mesmo faltavam ao mancebo. Foi
por isso que Jesus lhe disse: Ainda te falta uma coisa, velando com a letra da
imposição de um sacrifício absoluto dos bens humanos, para melhor tocar a
inteligência dos homens materiais a quem falava, o espírito do ensinamento
moral que lhes ministrava e que era o de que, onde está o tesouro, aí costuma
estar sempre o coração da criatura humana, do que ali mesmo deu prova o
mancebo, com a tristeza que lhe causou a resposta obtida. Por pressentir,
lendo-lhe o pensamento, essa tristeza, foi que Jesus disse, no momento em que
ele se afastava, quando, pois, ainda podia ouvi-lo: “Quão difícil é que os que
possuem riquezas entrem no reino de Deus, no reino dos céus”. Proclamou assim o
princípio Fora da caridade não há salvação, e preparou as gerações futuras a
compreenderem que uma das provas mais temíveis, um dos maiores obstáculos a
todo progresso moral é a riqueza, quando não se torna instrumento e meio de
praticarem-se a caridade e o amor do próximo.
Porém, a caridade não
consiste em dar do supérfluo. A verdadeira caridade sai do coração e o
devotamento a acompanha sempre. Mas, ninguém pode ser devotado a seus irmãos,
sem a renúncia de si mesmo, porquanto grandes sacrifícios impõe o devotamento
que tenha por móvel a caridade. Assim, caridade, devotamento e abnegação formam
uma trilogia inseparável.
A caridade, para o ser, de
fato, exige o desinteresse absoluto, não só quanto a qualquer remuneração
material como também quanto às recompensas celestes, porque, do contrário,
ainda será egoísmo. Ela tem que ser praticada, colimando o bem que possa
produzir, por amor do próximo exclusivamente.
Aos discípulos que, ante o
que Ele dissera ao mancebo, lhe perguntaram: Quem pode então salvar-se? Respondeu
apenas: O que é impossível para os homens é possível para Deus.
Mas, se só Deus nos pode
salvar, para que servem as obras e a fé? É esta uma objeção que formulada tem
sido muitas vezes e para a qual somente nós, os espíritas, encontraremos
resposta, desde que meditemos os ensinos da Terceira Revelação.
Os que a formulam se colocam
no mesmo ponto de vista dos discípulos, que se mostram espantados com o que
Jesus dissera ao mancebo e induzidos a interpelá-lo como o fizeram, porque,
atentando unicamente na letra, só perceberam as dificuldades da conquista do
reino dos céus. Não perceberam os meios que ao Espírito são concedidos, para
vencer essas dificuldades. Pode, por acaso; o homem, na sua curta existência
terrena, depurar-se bastante para se considerar salvo? Poderão seus atos ser
tão bons e sua fé tão viva que lhe assegurem a salvação?
Ora, se só a perfeição nos
levará aos pés do Senhor, à salvação, quem senão Ele, por terno e indulgente,
nos salva com o conceder-nos tempo, para que todos nos purifiquemos, com o
relevar-nos as dívidas, a nós, maus servos, até que as possamos pagar? Concedendo
às suas criaturas todo o tempo de que elas hajam mister, faculta-lhes Deus um
agente poderoso, com cujo auxilio chegam elas sempre a alcançar a meta, por
mais afastadas que desta se achem e por mais escabrosa que seja a estrada que
lhes cumpre percorrer.
Assim sendo, quem, de fato,
nos salva, senão Deus, que só Ele é bom, só Ele tem indulgência e
longanimidade, só Ele tem em suas mãos a duração do tempo?
O homem carece de capacidade
para julgar por si mesmo do grau de pureza que lhe é necessário a elevar-se.
Somente Deus pode julgar. À Revelação Espírita estava reservado esclarecer, aos
olhos de todos, na época predita pelos Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito
da Verdade, o sentido das palavras de Jesus, velado pela letra, e indicar os
meios que Deus faculta a seus filhos, para vencerem todas as dificuldades e
atingirem o fim. Esses meios são o renascimento, a reencarnação, a princípio
expiatória e precedida, no espaço, da expiação proporcionada e apropriada às
faltas cometidas; depois, e por fim, gloriosa, visto que dá ao Espírito entrada
no reino de Deus, no reino dos céus, isto é, lhe permite alcançar a perfeição
moral.
Eis por que e como é Deus e
só Deus quem nos salva.
Resposta de Jesus a Pedro. Humildade e
perseverança na senda do progresso
(Mateus,
19:27-30; Lucas, 18:28-30)
28
Pedro então lhe observou: Aqui estamos nós que tudo deixamos e te seguimos. 29.
Disse Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que deixe, por mim e pelo
Evangelho, casa, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos e terras, 30, que,
presentemente, neste século mesmo, não receba, com as perseguições, cem vezes
mais casas, irmãos, irmãs, mães, pais, filhos e terras, e, no século futuro, a
vida eterna. 31. Mas, muitos dos que tenham sido primeiros serão últimos e
muitos dos que tenham sido últimos serão primeiros.
Tendo, como encarnados ao
tempo de Jesus, colaborado na obra de regeneração da Humanidade, os apóstolos
continuaram e continuarão ao serviço do Mestre, até ao momento em que os homens
hajam compreendido a marcha e a finalidade de suas existências.
Já, presentemente, eles
julgam as tribos de Israel, no sentido de que presidem ao progresso do nosso
planeta. São os intermediários entre Jesus e os nossos guias, do mesmo modo que
Jesus é o intermediário entre o Senhor e eles.
O tempo da regeneração é o
em que a Revelação Espírita regenerará os homens, pondo-lhes desnudas ante os
olhos as verdades que até então houveram de estar cobertas pelo véu da
parábola. O tempo, em que o filho do homem estará assentado no trono da sua glória,
será a época em que todos se curvarão, sob as irradiações da luz espírita,
diante daquele que é o único pastor do rebanho que o Senhor lhe confiou.
Predição do sacrifício do Gólgota
(Mateus,
20:17-19; Lucas, 18:31-34)
32.
Subindo eles a estrada de Jerusalém, Jesus lhes ia à frente, o que enchia de
espanto e de temor os que o seguiam. Ele então chamou de parte novamente os
doze discípulos e começou a predizer-lhes o que estava para lhe acontecer. 33.
Subimos, como vedes, para Jerusalém e o filho do homem será entregue aos
príncipes dos sacerdotes, aos escribas e aos anciães, que o condenarão à morte
e o entregarão aos Gentios. 34. Escarnecê-lo-ão, cuspir-lhe-ão no rosto,
açoitá-lo-ão, tirar-lhe-ão a vida e ele ressuscitará ao terceiro dia.
Jesus, neste passo, repetiu
a predição que já fizera da sua “morte” e da sua “ressurreição”, acrescentando
e precisando novas particularidades. (Veja-se: MATEUS, capítulo 16 versículo
21; capítulo 17, versículos 21 e 22. MARCOS, capítulo 8, versículo 31; e
capítulo 9, versículo 30. LUCAS, capítulo 9, versículos 22, 44 e 45.)
Não há o que comentar nessas
palavras, que são positivas. Jesus, predizendo-os, fundamentava os
acontecimentos que iam ocorrer e desse modo dava maior peso às suas
afirmativas. As narrações dos Evangelistas se completam, como sempre, uma pelas
outras.
Os discípulos não
compreenderam, dessa vez, melhor do que das precedentes, o sentido exato das
palavras do Mestre. Não atinavam, sobretudo, com o que poderia ser a
“ressurreição” de Jesus. Tinham o entendimento obscurecido, quanto a esse
ponto, a fim de que os fatos pudessem suceder sem obstáculos.
Os apóstolos, diz um dos
Evangelistas, muito admirados e receosos, seguiam o Mestre, quando a caminho de
Jerusalém. É que temiam os sacerdotes e os principais Judeus, sentindo que
seria difícil escapar-lhes.
A humildade e o devotamento para com
todos são a fonte e o meio único de toda elevação. Nunca alimentar no coração a
inveja. Seguir o exemplo de Jesus e fazer esforços por andar nas suas pegadas
35. Acercaram-se então dele
Tiago e João, filhos de Zebedeu, e lhe disseram: Mestre, queremos nos faças
tudo o que te pedirmos. 36. Perguntou-lhes Jesus: Que quereis que eu vos faça? 37.
Concede, disseram eles, que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o
outro à tua esquerda. 38. Jesus lhes observou: Não sabeis o que pedis. Podeis
beber o cálice que eu hei de beber e receber o batismo com que eu serei
batizado? 39. Responderam os dois. Podemos. Replicou Jesus: Na verdade,
bebereis o cálice que eu hei de beber e sereis batizados com o batismo com que
eu o serei. 40. Quanto, porém, a vos sentardes à minha direita ou à minha
esquerda, não está em minhas mãos vo-lo conceder; isso será dado àqueles para
quem meu Pai o haja preparado. 41. Ao ouvirem o que pediam Tiago e João, os dez
outros apóstolos se tomaram de indignação contra eles. 42. Jesus, porém, os
chamou e lhes disse: Sabeis que os que têm autoridade sobre os povos exercem
dominação sobre estes; que seus príncipes os tratam com império. 43. Assim, entretanto,
não deve ser entre vós, onde o que quiser ser o maior tem que se fazer vosso
servo; 44, e o que quiser ser o primeiro tem que ser o servidor de todos. 45.
Por que, o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a
vida pela redenção de muitos.
Insignificante é a diferença
que se pode notar entre as duas narrativas evangélicas, reproduzidas acima. A
mãe de Tiago e João estava com os dois. Ela e eles dirigiram sucessivamente a
palavra ao Mestre. Este, porém, só respondeu, como era natural, aos dois
discípulos.
O batismo a que Jesus
aludia, dizendo que lhe cumpria recebê-lo, era o sacrifício a que teria de
submeter-se e não a água que João lhe derramara sobre a cabeça. Era também, de
modo geral, o martírio que os apóstolos, seguindo-lhe o exemplo, teriam de
sofrer.
Com o que disse,
relativamente ao lugar a que os dois discípulos aspiravam, fez ressaltar a
supremacia divina, com referência a qualquer outro Espírito, por mais elevado
que seja.
Ante a indignação de que se
tomaram os outros dez apóstolos contra Tiago e João, cujo pedido interpretaram
como significando que os dois se consideravam superiores aos demais, o Mestre
lhes deu o ensinamento simples e conciso, que os Evangelistas registraram,
objetivando encaminhar o homem para a humildade, o desinteresse e a renúncia de
si mesmo, para o devotamento a todos. Esse ensinamento deu fruto entre os
discípulos e os primeiros cristãos. Os homens, porém, o olvidaram e deixaram de
praticar, desde o dia em que, passados os tempos apostólicos, fizeram da Igreja
do Cristo um reino deste mundo, pactuando com as potências da Terra, ou, por
vezes, lutando contra elas, caminho pelo qual foram levados ao orgulho, à
ambição, à ânsia de predomínio, à intolerância, ao abuso, às aberrações, aos excessos
que aquelas fontes de erros e de paixões fazem jorrar. Daí o desprestígio em
que caiu e vemos a Igreja de Roma.
Mas, são chegados os tempos
em que as palavras do Mestre se têm de cumprir e tornar verdades práticas.
Importa, pois, que nós outros, os espíritas, sejamos os primeiros a dar
exemplos de humildade, de desinteresse, de renúncia e de devotamento.
Disse Jesus: “O filho do
homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de
muitos”. Foi efetivamente o que fez. Segundo as suas palavras, Ele veio dar a
vida pela redenção de muitos. Por que não de todos? Será por que haja
estabelecido duas categorias, uma de “eleitos”, outra de “réprobos”, quando
disse que muitos serão os chamados e poucos os escolhidos? Não, certamente. Já
vimos como e por que os chamados são muitos, são mesmos todos, e poucos serão
os escolhidos. Precisamos compreender, em toda a sua grandiosidade, o sentido
das palavras do Mestre, ponderando que o caminho está aberto a todos nós, que
todos temos o livre-arbítrio e a lei de amor, para nos guiarem os passos nesse
caminho, de modo que o percorramos com segurança e sem desvios.
Aquela restrição se explica
e justifica, porque, sem dúvida, ao tempo da purificação do nosso mundo, haverá
Espíritos rebeldes e obstinados, que serão afastados deste planeta e mandados
para outros, de categoria inferior, onde terão que expiar suas rebeldias e
obstinações, e progredir, sob as vistas de outro Cristo de Deus. Assim, nem
todos chegarão ao fim debaixo da mesma direção, mas todos hão de chegar.
A mesma restrição ainda nos
faz ver de que modo Jesus foi e é o nosso redentor e como devemos compreender
que haja realizado a obra da nossa redenção, excluindo toda ideia de que esta
se operou por haver Ele tomado sobre si e expiado, pelo sacrifício do Gólgota,
as nossas culpas, isentando-nos da responsabilidade delas. De semelhante ideia
nasceu um dos erros mais grosseiros que a Igreja Romana propina e pelo qual
desvirtua a significação real daquele sacrifício, tornando-o um ato de
“expiação substitutiva”, que seria visceralmente contrário à justiça perfeita e
ao amor infinito de Deus.
Cura dos cegos de Jericó
(Mateus,
20:29-34; Lucas, 18:35-43)
46.
Estiveram depois em Jericó. Ao sair daí Jesus, acompanhado dos discípulos e de
grande multidão, um cego, de nome Bartimeu, filho de Timeu, estava sentado à
beira da estrada, esmolando. 47. Tendo ouvido dizer que Jesus Nazareno por ali
passava, começou a clamar: Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim! 48.
Muitos o ameaçavam para que se calasse, porém ele clamava ainda mais alto:
Filho de Davi, tem piedade de mim! 49. Jesus então parou e mandou que o
chamassem. Alguns o foram chamar, dizendo: Tem confiança, levanta-te que ele te
chama. 50. Bartimeu, atirando para o lado a capa, de um salto foi ter com
Jesus. 51. Perguntou-lhe este: Que queres que eu te faça? O cego respondeu:
Mestre, faze que eu enxergue. 52. Disse-lhe então Jesus: Vai, tua fé te salvou.
No mesmo instante ele enxergou e foi seguindo a Jesus pela estrada.
Jesus não permaneceu todo o
tempo na cidade de Jericó, desde que nela entrou e pediu hospedagem a Zaqueu.
Ao contrário, saiu muitas vezes, para instruir o povo. Assim foi que operou a
dupla cura, em ocasiões diversas. Isso, entretanto, nenhuma importância tem.
São minúcias pueris, com que não nos devemos preocupar.
Quanto às curas, Ele as
operou, como as outras de que já tratamos, por ato exclusivo da sua vontade e
pela ação do seu poder magnético. Se tocou os olhos dos cegos, coisa de que não
tinha necessidade, foi para mostrar aos discípulos o que lhes cumpria fazer.
Operando a de Bartimeu,
filho de Timeu, só com o pronunciar estas palavras: Vai, tua fé te sarou, quis impressionar fortemente as massas,
mostrando aos homens o poder de que dispunha.
Cegos que somos do coração e
da inteligência, digamos com fé: Senhor, que os nossos olhos se abram”, e
recobraremos a vista moral e espiritual. Digamos com fé: Mestre, faze que eu
veja, e veremos, porquanto a luz espírita clareará as trevas que nos envolvem,
projetando o fulgor de seus raios na estrada reta e segura que temos de
percorrer.
SAYÃO, Antonio Luiz. Elucidações evangélicas. FEB (e-book).
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