Notícias Históricas
Para bem compreender certas
passagens dos Evangelhos, é necessário conhecer o valor de várias palavras que
nele são empregadas com frequência, e que caracterizam o estado dos costumes e
da sociedade judaica dessa época. Essas palavras, não tendo para nós o mesmo
sentido, frequentemente foram mal interpretadas, e por isso mesmo deixaram uma
espécie de incerteza. A compreensão do seu significado explica, por outro lado,
o sentido verdadeiro de certas máximas que parecem estranhas à primeira vista.
SAMARITANOS. Depois do cisma
das dez tribos, Samaria tornou-se a capital do reino dissidente de Israel.
Destruída e reconstruída por várias vezes, ela foi, sob os Romanos, a sede da
Samaria, uma das quatro divisões da Palestina. Herodes, dito o Grande, a
embelezou, com suntuosos monumentos, e, para agradar Augusto, deu-lhe o nome de
Augusta, em grego Sébaste.
Os Samaritanos estiveram,
quase sempre, em guerra com os reis de Judá; uma aversão profunda, datando da
separação, perpetuou-se entre os dois povos, que afastavam todas as relações
recíprocas. Os Samaritanos, para tornar a cisão mais profunda e não ter que ir
a Jerusalém na celebração das festas religiosas, construíram um templo
particular, e adotaram certas reformas. Eles não admitiam senão o Pentateuco
contendo a lei de Moisés, rejeitando todos os livros que lhe foram anexados
depois. Seus livros sagrados eram escritos em caracteres hebreus da mais alta antiguidade.
Aos olhos dos Judeus ortodoxos, eles eram heréticos, e, por isso mesmo,
desprezados, anatematizados e perseguidos. O antagonismo das duas nações tinha,
pois, por único princípio a divergência das opiniões religiosas, embora suas
crenças tivessem a mesma origem; eram os Protestantes daquela época.
Encontram-se, ainda hoje, Samaritanos em algumas regiões do Levante, particularmente em Naplouse e Jaffa. Eles observam a lei de Moisés com mais rigor que os outros Judeus, e não contraem aliança senão entre eles.
NAZARENOS. Nome dado, na
antiga lei, aos Judeus que faziam voto, seja pela vida, seja por um tempo, de
conservar uma pureza perfeita. Eles se obrigavam à castidade, à abstinência de
álcool e à conservação da sua cabeleira. Sansão, Samuel e João Batista eram
Nazarenos.
Mais tarde, os Judeus deram
esse nome aos primeiros cristãos, por alusão a Jesus de Nazaré.
Este foi também o nome de
uma seita herética dos primeiros séculos da era cristã que, da mesma forma que
os Ebionitas, dos quais ela adotava certos princípios, misturava as práticas do
Mosaísmo com os dogmas cristãos. Essa seita desapareceu no quarto século.
PUBLICANOS. Assim se
chamavam, na antiga Roma, os cavaleiros arrematantes das taxas públicas,
encarregados do recolhimento dos impostos e das rendas de toda natureza, seja
na própria Roma, seja em outras partes do Império. Eles eram análogos aos
arrematantes de impostos gerais do antigo regime na França, e tais como existem
ainda em certas regiões. Os riscos que eles corriam faziam fechar os olhos
sobre as riquezas que, frequentemente, adquiriam, e que, em muitos, eram o
produto de exações e de benefícios escandalosos. O nome de publicano se
estendeu mais tarde a todos aqueles que tinham a administração do dinheiro
público e aos agentes subalternos. Hoje, esta palavra se toma em mau sentido
para designar os financistas e agentes de negócios pouco escrupulosos; diz-se
algumas vezes: “Ávido como um publicano; rico como um publicano”, para uma
fortuna de origem desonesta.
Da dominação romana, foi o
imposto o que os Judeus aceitaram mais dificilmente e o que lhes causava maior
irritação, dando origem a várias revoltas e transformando-se numa questão
religiosa, porque o olhavam como contrário à lei. Formou-se mesmo um partido
poderoso à frente do qual estava certo Judas, dito o Gaulonita, que tinha por
princípio a recusa do imposto. Os Judeus tinham, pois, horror ao imposto e, por
consequência, a todos aqueles que estavam encarregados de recebê-lo; daí sua
aversão pelos publicanos de todas as categorias, entre os quais poderiam se
encontrar pessoas muito estimáveis, mas que, devido à sua função, eram
desprezadas, assim como aqueles que com eles conviviam, e que eram confundidos
na mesma reprovação. Os Judeus mais importantes acreditavam comprometer-se
tendo com eles relações de intimidade.
Os PORTAGEIROS eram os
cobradores de baixa categoria, encarregados principalmente da arrecadação dos
direitos à entrada nas cidades. Suas funções correspondiam aproximadamente às
dos guardas alfandegários e dos recebedores de barreira; eles sofriam a mesma
reprovação aplicada aos publicanos em geral. É por essa razão que, no
Evangelho, encontra-se, frequentemente, o nome de publicano unido ao de gente
de má vida; essa qualificação não implicava na de debocha- dos e de pessoas de
honra duvidosa; era um termo de desprezo, sinônimo de pessoas de má companhia,
indignas de conviverem com pessoas de bem.
FARISEUS (do Hebreu Parasch,
divisão, separação). A tradição formava uma parte importante da teologia
judaica; ela consistia na coletânea das interpretações sucessivas dadas sobre o
sentido das Escrituras, e que se tornavam artigos de dogma. Era, entre os
doutores, objeto de intermináveis discussões, o mais frequentemente sobre simples
questões de palavras ou de forma, no gênero das disputas teológicas e das
sutilezas da escolástica da Idade Média; daí nascerem diferentes seitas que
pretendiam ter, cada uma, o monopólio da verdade, e, como acontece quase
sempre, detestando-se cordialmente umas às outras.
Entre essas seitas, a mais
influente era a dos Fariseus, que teve por chefe Hillel, doutor, judeu nascido
na Babilônia, fundador de uma escola célebre onde se ensinava que a fé não era
devida senão às Escrituras. Sua origem remonta aos anos 180 ou 200 antes de
Jesus Cristo. Os Fariseus foram perseguidos em diversas épocas, notadamente sob
Hircânio, soberano pontífice e rei dos Judeus, Aristóbulo e Alexandre, rei da
Síria; entretanto, este último tendo lhes restituído suas honras e seus bens,
eles recuperaram seu poder que conservaram até a ruína de Jerusalém, no ano 70
da era cristã, época na qual seu nome desapareceu em consequência da dispersão
dos Judeus.
Os Fariseus tomavam parte
ativa nas controvérsias religiosas. Servis observadores das práticas exteriores
do culto e das cerimônias, cheios de um zelo ardente de proselitismo, inimigos
dos inovadores, eles afetavam uma grande severidade de princípios; mas, sob as
aparências de uma devoção meticulosa, escondiam costumes dissolutos, muito
orgulho, e, acima de tudo, uma paixão excessiva de dominação. A religião era,
para eles, antes um meio de subir do que o objeto de uma fé sincera. Eles não
tinham senão as aparências e a ostentação da virtude; mas, com isso, exerciam
uma grande influência sobre o povo, aos olhos do qual passavam por santos personagens;
por isso, eram muito poderosos em Jerusalém.
Acreditavam, ou pelo menos
faziam profissão de crer, na Providência, na imortalidade da alma, na
eternidade das penas e na ressurreição dos mortos. (Cap. IV, nº 4.) Jesus, que
estimava, antes de tudo, a simplicidade e as qualidades de coração, que
preferia na lei o espírito que vivifica à letra que mata, se aplicou durante
toda a sua missão, a lhes desmascarar a hipocrisia, e, por conseguinte, fez
deles inimigos obstinados; por isso, aliaram-se aos príncipes dos sacerdotes
para amotinar o povo contra ele e fazê-lo perecer.
ESCRIBAS. Nome dado, no
princípio, aos secretários dos reis de Judá, e a certos intendentes dos
exércitos Judeus; mais tarde, esta designação foi aplicada especialmente aos
doutores que ensinavam a lei de Moisés e a interpretavam ao povo. Eles faziam
causa comum com os Fariseus, dos quais partilhavam os princípios e a antipatia
contra os inovadores; por isso, Jesus os confunde na mesma reprovação.
SINAGOGA (do grego
Sunagogue, assembleia, congregação). Não havia na Judéia senão um único templo,
o de Salomão, em Jerusalém, onde se celebravam as grandes cerimônias do culto. Os
Judeus para aí seguiam todos os anos em peregrinação, para as principais
festas, tais como as da Páscoa, da Dedicação e dos Tabernáculos. Foi nessas
ocasiões que, para Ia, Jesus fez várias viagens. As outras cidades não tinham
templos, mas sinagogas, edifícios onde os Judeus se reuniam aos sábados para
fazer preces públicas, sob a direção dos Anciãos, dos escribas ou doutores da
lei; faziam-se aí, também, leituras tiradas dos livros sagrados que eram
explicadas e comentadas; cada um podia nelas tomar parte e, por isso, Jesus,
sem ser sacerdote, ensinava nas sinagogas, nos dias de sábado.
Depois da ruína de Jerusalém
e da dispersão dos Judeus, as sinagogas, nas cidades que eles habitavam,
serviam-lhes de templos para a celebração do culto.
SADUCEUS. Seita judia que se
formou por volta do ano 248 AC; assim chamada em razão de Sadoc, seu fundador.
Os Saduceus não acreditavam nem na imortalidade da alma, nem na ressurreição,
nem nos bons e maus anjos. Entretanto, eles acreditavam em Deus, mas não
esperando nada depois da morte, não o servindo senão com o objetivo de
recompensas temporais, ao que, segundo eles, se limitava sua providência;
também a satisfação dos sentidos era, a seus olhos, o objetivo essencial da
vida. Quanto às Escrituras, eles se prendiam ao texto da lei antiga, não
admitindo nem a tradição, nem nenhuma interpretação; colocavam as boas obras e
a execução pura e simples da lei, acima das práticas exteriores do culto. Eram,
como se vê, os materialistas, os deístas e os sensualistas da época. Esta seita
era pouco numerosa, mas contava com personalidades importantes, e tornou-se um
partido político constantemente em oposição aos Fariseus.
ESSÊNIOS ou ESSEUS, seita judia fundada por volta do ano 150 a.C., ao tempo dos Macabeus, e cujos membros, que habitavam espécies de monastérios, formavam entre eles uma espécie de associação moral e religiosa. Distinguiam-se pelos costumes brandos e virtudes austeras, ensinavam o amor a Deus e ao próximo, a imortalidade da alma, e acreditavam na ressurreição. Viviam no celibato, condenavam a servidão e a guerra, tinham seus bens em comum, e se entregavam à agricultura. Em oposição aos Saduceus sensuais que negavam a imortalidade, aos Fariseus rígidos para as práticas exteriores, e nos quais a virtude não era senão aparente, eles não tomavam nenhuma parte nas querelas que dividiam essas duas seitas. Seu gênero de vida se aproximava ao dos primeiros cristãos, e os princípios de moral que professavam fizeram algumas pessoas pensarem que Jesus fez parte dessa seita antes do início de sua missão pública. O que é certo, é que ele deve tê-la conhecido, mas nada prova que a ela se filiou, e tudo o que se escreveu a este respeito é hipotético (1).
TERAPEUTAS (do grego
thérapeutaï de thérapeueïn, servir, cuidar; quer dizer, servidores de Deus ou
curandeiros); sectários judeus contemporâneos do Cristo, estabelecidos
principalmente em Alexandria, no Egito. Tinham uma grande semelhança com os
Essênios, dos quais professavam os princípios; como estes últimos, eles se
entregavam à prática de todas as virtudes. Sua alimentação era de uma extrema
frugalidade; devotados ao celibato, à contemplação e à vida solitária, formavam
uma verdadeira ordem religiosa. Fílon, filósofo judeu platônico de Alexandria,
foi o primeiro que falou dos Terapeutas; considerou-os uma seita do judaísmo.
Eusébio, São Jerônimo e outros Pais da lgreja pensavam que eram cristãos.
Fossem judeus ou cristãos, é evidente que, da mesma forma que os Essênios, eles
formam o traço de união entre o judaísmo e o Cristianismo.
(1) A morte de Jesus,
supostamente escrita por um irmão essênio, é um livro completamente apócrifo,
escrito com o objetivo de servir a uma opinião, e que encerra, em si mesmo, a
prova da sua origem moderna.
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