Dissertações de além-túmulo. O pai Crépin

Recentemente os jornais anunciaram a morte de um homem que vivia em Lyon, onde era conhecido pela alcunha de Pai Crépin. Era multimilionário e de uma avareza pouco comum. Nos últimos tempos de sua vida fora morar com o casal Favre, que tinha assumido a obrigação de alimentá-lo mediante trinta cêntimos por dia, feita a dedução de dez cêntimos para o seu tabaco. Ele possuía nove casas e antes morava em uma delas, numa espécie de nicho que tinha mandado construir debaixo da escada. Na ocasião de receber os aluguéis, arrancava cartazes das ruas e os utilizava para fazer os recibos. O decreto municipal que prescrevia a caiação das casas lhe causava um tremendo desespero; inutilmente fez diligências com o objetivo de conseguir isenção. Gritava que estava arruinado. Se tivesse uma só casa, ter-se-ia resignado, mas, acrescentava, ele tinha nove. 

1. (Evocação).

─ Eis-me aqui. Que quereis de mim? Oh! Meu ouro! Meu ouro! Que fizeram dele?

2. ─ Tendes saudades da vida terrena?

─ Oh! Sim!

3. ─ Por que tendes saudades?

─ Não posso mais tocar no meu ouro, contá-lo e guardá-lo.

4. ─ Em que empregais o vosso tempo?

─ Ainda estou muito preso à Terra e é difícil arrepender-me.

5. ─ Vindes muitas vezes rever o vosso querido tesouro e as vossas casas?

─ Tantas vezes quanto posso.

6. ─ Quando vivo nunca pensastes que não levaríeis nada disto para o outro

mundo?

─ Não. Minha única ideia estava ligada às riquezas, visando acumulá-las.

Jamais pensei em separar-me delas.

7. ─ Qual era o vosso objetivo amontoando essas riquezas que não serviam para nada, nem para vós mesmo, pois vivíeis em privações?

─ Eu experimentava a volúpia de tocá-las.

8. ─ De onde vos vinha tão sórdida avareza?

─ Do prazer experimentado por meu Espírito e por meu coração por ter muito dinheiro. Aqui na Terra não tive outra paixão.

9. ─ Compreendeis o que era a avareza?

─ Sim, compreendo agora que eu era um miserável. Entretanto, meu coração ainda é muito terreno e ainda experimento certo prazer em ver o meu ouro. Mas não posso apalpá-lo, e isto é um começo de punição na vida em que estou.

10. ─ Não experimentáveis nenhum sentimento de piedade pelos infelizes que sofriam na miséria? Nunca vos ocorreu a ideia de aliviá-los?

─ Por que eles não tinham dinheiro? Pior para eles!

11. ─ Tendes lembrança da vossa existência anterior a esta que acabais de deixar?

─ Sim, eu era pastor, muito infeliz de corpo, mas feliz de coração.

12. ─ Quais foram os vossos primeiros pensamentos, quando vos reconhecestes no mundo dos Espíritos?

─ Meu primeiro pensamento foi o de procurar as minhas riquezas e, sobretudo, o meu ouro. Quando não vi mais do que o espaço, senti-me muito infeliz. Meu coração ficou dilacerado e o remorso começou a apoderar-se de mim. Parece que quanto mais tempo se passar, mais sofrerei por minha avareza terrena.

13. ─ Qual é agora a consequência de vossa vida terrena?

─ Inútil para os meus semelhantes, inútil diante da eternidade, mas infeliz para mim perante Deus.

14. ─ Podeis prever uma nova existência corpórea?

─ Não sei.

15. ─ Se devêsseis ter brevemente uma nova existência corpórea, qual escolheríeis?

─ Escolheria uma existência em que pudesse tornar-me útil aos meus semelhantes.

16. ─ Quando vivo não tínheis amigos na Terra, pois um avarento como vós não pode tê-los. Tende-os entre os Espíritos?

─ Jamais rezei por alguém. Meu anjo da guarda, a quem muito ofendi, é o único que tem piedade de mim.

17. ─ Ao entrar no mundo dos Espíritos, alguém vos veio receber?

─ Sim, minha mãe.

18. ─ Já fostes evocado por outras pessoas?

─ Uma vez, por uma pessoa a quem maltratei.

19. ─ Não estivestes na África, num centro onde se ocupam com os Espíritos?

─ Sim, mas toda aquela gente não tinha nenhuma pena de mim. Isto é muito triste. Aqui sois compassivos.

20. ─ Nossa evocação vos será proveitosa?

─ Muito.

21. ─ Como adquiristes fortuna?

─ Ganhei um pouco honestamente, mas explorei muito e roubei um pouco dos meus semelhantes.

22. ─ Podemos fazer alguma coisa por vós?

─ Sim. Um pouco de vossa piedade para uma alma em sofrimento.

(SOCIEDADE, 9 DE SETEMBRO DE 1859)

PERGUNTAS DIRIGIDAS A SÃO LUÍS A RESPEITO DO PAI CRÉPIN

1. ─ O Pai Crépin que evocamos ultimamente era um raro tipo de avarento. Não nos pôde dar explicações sobre a fonte de sua paixão. Teríeis a bondade de nolas ministrar? Ele nos disse que tinha sido pastor, muito infeliz de corpo, mas feliz de coração. Nada vemos nisso que lhe pudesse desenvolver esta avareza sórdida. Poderíeis dizer-nos o que provocou o seu começo?

─ Ele era ignorante e inexperiente. Pediu a riqueza e ela lhe foi concedida, mas como punição para o seu pedido. Tende certeza de que ele não a pedirá mais.

2. ─ O Pai Crépin nos oferece o tipo da avareza ignóbil, mas essa paixão tem gradações. Assim, há pessoas que só são avarentas para os outros. Perguntamos qual é o mais culpável: aquele que acumula pelo prazer de acumular e se priva até do necessário, ou aquele que, de nada se privando é avaro quando se trata do menor sacrifício pelo próximo?

─ É evidente que o último é mais culpado, porque é profundamente egoísta. O primeiro é louco.

3. ─ Nas provas que deve sofrer para chegar à perfeição, deve o Espírito passar por todos os gêneros de tentação? Poder-se-ia dizer que, para o Pai Crépin, a vez da avareza chegou por meio das riquezas que estavam à sua disposição, e que ele sucumbiu?

─ Isto não é regra geral, mas é exato no seu caso particular. Sabeis que há muitos que desde o começo tomam um caminho que os exime de muitas provas.

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos, outubro 1859.

  

Nenhum comentário:

Postar um comentário