No número das questões
importantes ligadas à Ciência Espírita, foi motivo de muitas controvérsias o
papel dos médiuns. O Sr. Brasseur, diretor do Centro Industrial, expendeu a
respeito ideias particulares, numa série de artigos muito bem redigidos, no Moniteur
de la Toilette, principalmente no mês de agosto último, do qual extraímos as
passagens transcritas adiante. Ele nos honra com o pedido de nossa opinião. Nós
lha daremos com toda a sinceridade, sem pretender que o nosso ponto de vista se
converta em lei. Eis aqui as principais passagens de um dos artigos do Sr.
Brasseur, seguidas de nossas respostas:
“Que é um médium? O médium é ativo ou passivo?” Tais são as perguntas que visam elucidar um assunto que preocupa vivamente as pessoas desejosas de instruir-se sobre as coisas do além-túmulo e, consequentemente, sobre as suas relações com este mundo.
“A 18 de maio último dirigi ao senhor presidente da Société Spirite uma nota intitulada: Do Médium e dos Espíritos. A 15 de julho o Sr. Allan Kardec publicou um novo livro sob o título: O que é o Espiritismo. Abrindo-o, supunha encontrar uma resposta categórica, mas em vão. O autor persiste em seus erros: Os médiuns, diz ele, são AS PESSOAS aptas a receber, de maneira patente, a impressão dos Espíritos e a servir de INTERMEDIÁRIOS entre o mundo visível e o mundo invisível.”
A obra citada não é um curso
de Espiritismo. É uma exposição sumária dos princípios dessa Ciência, para uso
das pessoas desejosas de adquirir as suas primeiras noções. O exame das
questões de detalhe e das diversas opiniões não pode entrar num espaço tão
restrito e que tem uma finalidade específica. Quanto à definição que damos dos
médiuns, parece-nos perfeitamente clara, e é com essa definição que respondemos
à pergunta do Sr. Brasseur: “O que é um médium?” É possível que ela não
corresponda à sua opinião pessoal. Quanto a nós, entretanto, até agora não
temos qualquer motivo para modificá-la.
“O Sr. Allan Kardec não reconhece o médium
inerte. Fala muito de caixas, cartões ou pranchetas, mas não vê nessas coisas
senão apêndices da mão, cuja inutilidade teria sido reconhecida...”
“Compreendamos bem”.
“Na vossa opinião, o médium
é um intermediário entre o mundo visível e o invisível. Mas é absolutamente
necessário que esse intermediário seja uma pessoa? Não basta que o invisível
tenha à sua disposição um instrumento qualquer para se manifestar?”
A isto responderemos
simplesmente que não. Não basta que o invisível tenha à sua disposição um
instrumento qualquer para se manifestar, pois lhe falta o concurso fluídico de
uma pessoa, e essa pessoa é, para nós, o verdadeiro médium. Se ao Espírito
bastasse dispor de um instrumento qualquer, veríamos cestas e pranchetas
escrevendo sozinhas, o que jamais aconteceu. A escrita direta, aparentemente o fato mais
independente de qualquer cooperação, só se produz sob a influência de médiuns
dotados de uma aptidão especial. Uma consideração poderosa vem corroborar nossa
opinião. Segundo o Sr. Brasseur, o instrumento é a coisa principal, e a pessoa
é acessória. Em nossa opinião, é justamente o contrário. Se assim não fosse,
por que as pranchetas não se moveriam com qualquer um? Se, pois, para fazê-las
mover-se é necessário sermos dotados de uma aptidão especial, o papel da pessoa
não é meramente passivo. É por isto que essa pessoa é para nós o verdadeiro
médium. O instrumento não é, repetimos, mais do que um apêndice da mão, do qual
nos podemos privar. Isto é tão verdadeiro que toda pessoa que escreve por meio
da prancheta pode fazê-lo diretamente com a mão, sem prancheta, e mesmo sem
lápis, de vez que pode traçar os caracteres com o dedo, ao passo que a
prancheta não escreve sem uma pessoa. Aliás, todas as variedades de médiuns,
bem como seu papel ativo ou passivo, estão amplamente desenvolvidos em nossa
Instrução Prática Sobre as Manifestações.
“Separada da matéria pela
dissolução do corpo, a alma não tem mais nenhum elemento físico da humanidade”.
E que fazeis do perispírito? O
perispírito é o laço que une a alma ao corpo, o envoltório semimaterial que ela
possui em vida e que conserva depois da morte. É através desse envoltório que
ela se mostra nas aparições. Esse envoltório é também matéria, que embora
eterizada, pode adquirir as propriedades da tangibilidade.
“Sustentando o lápis
diretamente, observou-se que a pessoa mistura os seus sentimentos e as suas
ideias com ideias e sentimentos do invisível, de modo que assim apenas são
dadas comunicações mistas, ao passo que empregando as caixas, cartões e
pranchetas, sob as mãos de duas pessoas em conjunto, essas pessoas absolutamente
não intervêm na manifestação, que então é só do invisível. Por isso declaro
este último meio superior e preferível ao da Sociedade Espírita”.
Esta opinião poderia ser
verdadeira, se não fosse contraditada pelos milhares de fatos observados, quer
na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, quer alhures, os quais provam com
incontestável evidência que os médiuns inspirados, mesmo intuitivos, e com mais
forte razão os médiuns mecânicos, podem ser instrumentos absolutamente passivos
e gozar da mais completa independência de pensamento. No médium mecânico, o
Espírito age sobre a mão, que recebe um impulso inteiramente involuntário e
desempenha o papel daquilo que o Sr. Brasseur chama de médium inerte, quer
esteja ela só ou provida de um lápis, quer apoiada sobre um objeto móvel munido
de lápis.
No médium intuitivo o
Espírito age sobre o cérebro, transmitindo através do sistema nervoso o
movimento ao braço, e assim por diante. O médium mecânico escreve sem ter a
menor consciência daquilo que produz. O ato precede o pensamento. No médium
intuitivo, o pensamento acompanha o ato e por vezes o precede. É, portanto, o
pensamento do Espírito que atravessa o cérebro do médium, e se por vezes parece
que se confundem, sua independência não é menos manifesta quando, por exemplo,
o médium escreve, mesmo por intuição, coisas que não pode saber, ou
inteiramente contrárias às suas ideias, à sua maneira de ver, às suas próprias
convicções. Numa palavra, quando ele pensa branco e escreve preto. Além disto,
há tantos fatos espontâneos e imprevistos, que não é possível a dúvida naqueles
que os observaram.
O papel do médium é, nesse
caso, o de um intérprete que recebe um pensamento estranho; transmite-o; deve
compreendê-lo a fim de transmiti-lo, mas que não o assimila. É assim que as
coisas se passam com os médiuns falantes, que recebem um impulso sobre os
órgãos da palavra, como outros o recebem sobre o braço ou a mão, e também com
os médiuns auditivos, que escutam claramente uma voz a lhes falar, ditando o
que devem escrever. E o que direis dos médiuns videntes, aos quais os Espíritos
se mostram sob a forma que tinham em vida, médiuns que os veem circular em
volta de nós, indo e vindo como a multidão que temos aos nossos olhos? E dos
médiuns impressionáveis que sentem os toques ocultos, a impressão dos dedos e
até das unhas, as quais marcam a pele e deixam sinal? Isto pode acontecer com
um ser que nada mais tem de matéria? E os médiuns de dupla vista que,
perfeitamente despertos, em pleno dia, veem claramente aquilo que se passa à
distância? Não é uma faculdade própria, um gênero de mediunidade? A mediunidade
é a faculdade dos médiuns. Os médiuns são pessoas acessíveis à influência dos
Espíritos, e que lhes podem servir de intermediários. Tal é a definição que se
encontra no pequeno Dicionário dos dicionários franceses abreviado, de Napoléon
Landais, e até agora parece que nos dá a ideia muito exatamente.
Não contestamos a utilidade
dos instrumentos que o Sr. Brasseur designa com o nome de médiuns inertes, nome
para cuja escolha tem perfeita liberdade, se julga conveniente fazer tal
distinção. Incontestavelmente eles têm uma vantagem, como resultado da
experiência, para as pessoas que nada viram ainda. Como, porém, a Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas se constitui de pessoas que não estão mais no
início, cujas convicções já se formaram, e não faz nenhuma experiência visando
satisfazer a curiosidade do público; que não faz convites para as suas sessões,
a fim de não ser perturbada nas suas pesquisas e observações, estes meios
primitivos nada de novo lhe ensinariam. Eis porque prefere outros mais
expeditos, de vez que possui uma experiência bastante grande no assunto para
saber distinguir perfeitamente a natureza das comunicações que recebe.
Não acompanharemos o Sr.
Brasseur em todos os raciocínios sobre os quais apoia sua teoria, pois tememos
enfraquecê-los, truncando-os. Na impossibilidade de reproduzi-los na íntegra,
preferimos remeter os leitores que deles quiserem tomar conhecimento, ao jornal
que ele redige com incontestável talento, no qual se encontram sobre o mesmo
assunto artigos do Sr. Jules de Neuville, muito bem escritos, mas que aos
nossos olhos têm apenas uma falha: não terem sido precedidos de um estudo
suficientemente aprofundado da matéria, pelo que envolvem muitas questões
supérfluas.
Em resumo, e nisso de comum
acordo com a Sociedade Espírita, persistimos em considerar as pessoas como os
verdadeiros médiuns, que podem ser passivos ou ativos, segundo a sua natureza e
a sua aptidão. Chamemos os instrumentos, se assim o quiserem, de médiuns
inertes. É uma distinção que talvez seja útil. Cometeríamos, entretanto, um
erro se lhes atribuíssemos o papel e as propriedades dos seres animados, nas
comunicações inteligentes. Dizemos inteligentes por ser necessário, além disso,
fazer a distinção de certas manifestações espontâneas puramente físicas.
Assunto relacionado:
O papel dos médiuns nas comunicações
Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos, outubro 1859.
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